Pequenos, redondos e dourados, são presença obrigatória na mesa de Natal de qualquer casa portuguesa. Seja dispostos em pirâmide, à solta num prato ou arrumadinhos dentro da caixa transparente, os Ferrero Rocher são companhia durante esta quadra — com um toque de luxo associado, não fosse a sua cor d’ouro — e presente que garantidamente será bem — ou quase bem — recebido. É em meados de outubro que o brilho começa a chegar às prateleiras dos supermercados, com estas bolinhas embrulhadas em prata dourada e deitadas sobre uma individual cama de papel castanho escuro, com notas da outra cor, a denunciarem que a época natalícia está a chegar. Sinónimo disso mesmo é também o clássico e já tradicional anúncio do Ambrósio e da Senhora que desde 1995 invade também as casas portuguesas, fazendo de Portugal o único país nos quase 150 onde a marca está presente a ainda emitir o antigo reclame televisivo.
Única também é a devoção do povo português por este cobiçado bombom de chocolate com uma avelã inteira lá escondida. Sem uma razão aparentemente lógica para o justificar, o diretor de Comunicação do Grupo Ferrero, Franco Martino, revela ao Observador que “o consumo per capita da Ferrero Rocher em Portugal é o mais elevado do mundo”, sendo assim o país onde as pessoas mais consomem este produto. Apesar de ter sido lançado pela empresa italiana em 1982, foi só no início dos anos 90 que o Ferrero Rocher chegou a Portugal e o êxito foi “imediato”. “Percebemos que era um produto perfeito para a cultura local”, afirmou Franco Martino, explicando que, na época, existia uma cultura do consumo de chocolate mais desenvolvida em Portugal do que em outros países mediterrâneos. Os valores de hospitalidade da marca aliada à importância que o povo dá “à reunião familiar no Natal”, assim como ao ato de oferecer algo a outra pessoa como forma de mostrar carinho, afirma Franco, ajudaram também a que fosse possível “fazer este pequeno milagre”.
O chocolate e o anúncio andam assim de mãos dadas há quase 30 anos. Sempre que a marca tenta fazer algum tipo de mudança, o povo sai à rua e exige que aquilo que conhecem e ao qual já estão habituados se mantenha. “O Ferrero Rocher já não é património da Ferrero em Portugal. É património do povo português“, garante.
A “revolta popular” no horizonte
“Mira, te voy a contar una anécdota”, anuncia. Quando em 1997 começou a trabalhar com a marca em Portugal, o Diretor de Comunicação do grupo notou que havia uma gralha no anúncio que, na época, há já dois anos andava pelas televisões durante o Natal. As personagens seguem no carro quando, de chapéu amarelo, a Senhora confessa a Ambrósio que lhe apetecia tomar algo. No entanto, “tomar é beber”, afirma Franco antes de continuar a sua história. Quando pediu para que o copy fosse corrigido seguiu-se uma avalanche de má receção do atualizado anúncio: “Recebemos mais de 600 cartas e não sei quantas chamadas telefónicas a pedir de volta o ‘tomar'”. Decidiram por isso continuar a utilizar “a palavra não correta por petição popular”, tanto que, 29 anos depois, está já enraizado o hábito de perguntar: “Tomamos um Ferrero Rocher?”
Se nos anos 90 os portugueses já não queriam que o anúncio sofresse alterações, o que vai acontecer quando sair totalmente das televisões nacionais? “Há uma revolta popular”, garante Franco, afirmando que chegaram a receber ameaças dos consumidores quando tentaram mudá-lo. “Os portugueses não querem renunciar. O Ambrósio e a Senhora já fazem parte da iconografia da comunicação de Portugal”. Talvez o spot mais antigo na história, afirma, ninguém “poderia acreditar que um anúncio de 1995 ainda é emitido em 2024, mas é a realidade”.
Sendo o único país onde o anúncio ainda passa — um caso de estudo em universidades — Franco explica que nos restantes 150 a marca se adapta ao público, emitindo diferentes anúncios. “Falar para um consumidor de Hong Kong tem de ser feito de uma forma diferente do que com um consumidor da Suécia”, exemplifica, explicando também que apesar de os produtos serem iguais nas lojas há também sentimentos e emoções associados à marca: “um português não funciona como uma pessoa da Noruega. A nível emocional funcionam de uma forma muito diferente.”
O casting do Ambrósio e da Senhora
O Diretor de Comunicação do Grupo relembra que, face à ideia de requinte e de luxo que queriam passar, a Ferrero sabia bem quem procurava para interpretar os papéis de Ambrósio e da Senhora. No primeiro caso, a empresa italiana estava à procura de uma pessoa etnicamente europeia, sem que se identificasse a nacionalidade concreta, e que tivesse características de “mordomo inglês anglo-saxónico com um comportamento muito elegante”. O ator britânico Paul Williamson, hoje com 95 anos, deu assim vida a Ambrósio, cuja dobragem em português foi feita por Canto e Castro e, a partir da sua morte em 2005, por Rui Branco.
Quanto à Senhora, a marca procurava uma atriz que encaixasse nos clássicos estereótipos da época do que seria uma mulher aristocrática, “com uma cara bonita mas também não etnicamente caracterizada” e encontraram a norte-americana Lee Skelton.
Os dois são assim os históricos Ambrósio e Senhora que há quase 30 Natais enchem as televisões portuguesas. Para inovar e aproximar ainda mais o consumidor da marca, a Ferrero vai já na terceira edição do Natal D’Ouro, o concurso no qual os maiores fãs deste chocolate são desafiados a recriarem de forma divertida o anúncio, interpretando aquelas duas personagens. Os autores dos melhores vídeos são depois convidados para a Gala D’Ouro, que este ano decorreu no dia 19 de dezembro no Palácio do Chiado, onde são anunciados os grandes vencedores.
A (mínima) evolução da imagem e do sabor
Só os mais atentos e com um olhar mais perspicaz é que terão sido talvez capazes de ao longo dos anos ir notando que a imagem do Ferrero Rocher foi sofrendo algumas alterações. Com uma mínima evolução, quando comparados os primeiros chocolates da marca e os atuais, é possível perceber que não são totalmente iguais. “Não está igual mas é bom que o consumidor não tenha essa perceção; a verdade é que foi evoluindo e esse é um ponto muito positivo. Se tu não percebes que houve mudanças e consideras que o produto é atual, acredita que o trabalho é bem feito”, afirmou.
Ainda sobre a imagem, Franco revela que na época, quando o Ferrero Rocher foi lançado, foi o primeiro bombom a apresentar-se de forma visível. Ao contrário de outros chocolates que estavam escondidos dentro da embalagem, a caixa do Ferrero Rocher era, e continua a ser, transparente. Foi essa transparência — e cor dourada — que causou impacto e chamou a atenção dos portugueses. “Tudo isso é feito com um trabalho de marketing profundo. Acredito que somos dos anunciantes que mais apostam na comunicação com a relação com os consumidores”, afirmou, acrescentando que “a soma de todos estes elementos fez com que o Ferrero se transformasse num clássico de Natal e até sinónimo de Natal”.
Já o sabor, manteve sempre intacto: “É fundamental estar sempre à altura das expectativas e trabalhar a qualidade ao máximo nível possível, ser praticamente obsessivo”, confessa, explicando ainda que, tendo atenção a essa mesma qualidade, a marca retira os chocolates do mercado quando as temperaturas começam a subir. “Encontrar chocolate nas lojas no mês de julho e agosto não é lógico”, defende.
Com tanto chocolate nesta conversa, há que perguntar: e o Mon Chéri? Tem um público diferente. Enquanto que o Ferrero Rocher é um produto oferecido universalmente, o bombom de licor de cereja tem um grupo específico de fãs: “É um produto onde o auto-consumo é muito mais presente do que a função de oferecer”, não estando por isso tão ligado ao Natal como o irmão dourado.