A receita arrecadada pelo Estado com o imposto sobre os produtos petrolíferos deverá atingir cerca de 3.750 milhões de euros no final deste ano, o que corresponde a um acréscimo de 16% face ao ano passado. Esta previsão foi feita pela consultora Deloitte numa apresentação aos jornalistas das perspetivas para o próximo Orçamento do Estado e tem em consideração o ritmo de crescimento da cobrança de ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos) registada na execução orçamental até julho, que era de 15,7%.

A estimativa inclui a taxa de carbono que é incorporada no imposto sobre os produtos petrolíferos, mas não reflete ainda os três agravamento desta taxa aprovados pelo Governo desde agosto, à boleia da descida dos preços internacionais dos combustíveis. Estes aumentos impediram ou travaram a baixa do preço final aos consumidores. O que significa que a receita do ISP provavelmente será ainda maior do que a antecipada nesta projeção, por via de um agravamento do adicional do CO2 cobrado sobre os combustíveis que foi da ordem dos sete cêntimos por litro.

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Este agravamento foi concretizado através de três aumentos consecutivos da taxa de carbono, que levaram os deputados socialistas a chamar Joaquim Miranda Sarmento a dar explicações no Parlamento.

Mesmo sem o efeito da taxa de carbono, a receita esperada nos combustíveis (e que não inclui o IVA) é já a mais alta de sempre, superando os valores atingidos nos governos de António Costa, que foram muito atacados pela oposição à direita, PSD e CDS, devido ao aumento da carga fiscal nos combustíveis. E vai ultrapassar o valor cobrado em 2019, o último ano antes da pandemia em que a receita do ISP ultrapassou os 3,5 mil milhões de euros. O Orçamento para 2024 previa mais cobrança, mas o encaixe de 3,381 mil milhões de euros ainda estava abaixo do verificado no ano de 2019.

Não obstante o crescimento significativo da receita no ISP, a execução orçamental de julho continua a dar conta de um impacto negativo de quase 600 milhões de euros resultante da perda de receita neste imposto para compensar o “choque geopolítico” — as condições internacionais que fizeram subir os preços. Esta “perda” resulta “do impacto no ISP equivalente à descida do IVA para 13%, no montante de 429,5 milhões de euros, bem como a devolução da receita adicional de IVA, via ISP, no valor de 162 milhões de euros”.

Sem estas medidas, a receita fiscal nos combustíveis poderia atingir, em tese, valores próximos dos cinco mil milhões de euros, mas provavelmente o encaixe iria sofrer com uma redução da procura, uma vez que o preço seria muito mais alto.

A carga fiscal nos combustíveis subiu sobretudo no primeiro governo da ‘geringonça’ quando o aumento extraordinário do ISP foi a opção para assegurar junto da Comissão Europeia o equilíbrio das contas públicas em 2016, que foi também o primeiro ano em que deixou de se considerar a contribuição rodoviária nesta rubrica.

O peso dos impostos foi subindo nos anos seguintes devido à atualização anual da taxa de carbono prevista na lei da reforma da fiscalidade verde aprovada pelo Governo de Passos Coelho. E só começou a fazer inversão de marcha no final de 2021, quando os socialistas começaram a adotar as primeiras medidas de combate à escalada dos preços pós-pandemia, medidas essas que foram ficando mais robustas devido aos efeitos da guerra na Ucrânia no ano seguinte e à aceleração da inflação.

Enquanto esteve no poder, o Governo de António Costa sempre avisou que estes apoios fiscais eram extraordinários e temporários. Chegaram a ser revistos semanalmente e depois mensalmente.

No ano passado, começou a ser revertida uma das medidas de apoio aos preços, que foi a suspensão da atualização da taxa de carbono, seguindo sempre a estratégia de aproveitar as baixas do preço internacional. Com a crise política de novembro de 2023 que precipitou a queda do Governo, os descontos fiscais nos combustíveis ficaram em vigor sem necessidade de nenhum ato legislativo ou despacho. A decisão política do que fazer passou para o Executivo da AD.

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O atual Governo retomou a partir de agosto a política de descongelamento parcial da atualização da taxa de carbono, cujo valor cobrado atualmente está já muito próximo da atualização a aplicar este ano, faltando menos de um cêntimo. A atualização reflete a evolução das cotações no mercado de carbono internacional.

Não obstante, mantém-se em vigor a medida mais expressiva de apoio aos preços adotada pelo Executivo de António Costa, e que passou por baixar o imposto petrolífero para um patamar equivalente à aplicação da taxa intermédia de IVA de 13% — por imposição de Bruxelas, os combustíveis estão na taxa normal de 23%. E apesar de ao longo dos dois últimos anos, a taxa de carbono ter subido quase entre 15 a 16 cêntimos por litro, a verdade é que a carga fiscal nos combustíveis ainda está abaixo da que existia antes de se introduzirem medidas de compensação fiscal para conter os preços.

De acordo com a apresentação da Deloitte, a carga fiscal nos preços finais em setembro estava nos 56% na gasolina e nos 51% no gasóleo, níveis inferiores aos registados em janeiro de 2019, 2020 e 2021, quando o peso dos impostos ultrapassava claramente os 60% do preço final da gasolina e oscilava entre os 55% e os 59% no preço do gasóleo. Essas percentagens baixam a partir de 2022, em resultado de dois movimentos: a subida do preço antes de impostos que, em termos relativos, leva a uma queda do peso dos impostos no preço final, e a descida dos próprios impostos.

No entanto, e considerando os valores mais recentes de preço médio semanal da DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia) que incorporam já o efeito da subida da taxa de carbono, revelam que no gasóleo já se está a cobrar mais imposto por litro do que no final de 2021, o que representa um peso de 58%. Na gasolina, onde a carga fiscal era mais pesada, ainda se sente algum alívio.

Consumo de combustíveis de 2023 ultrapassou nível de 2019

Mas o principal motor da receita fiscal sobre os combustíveis é o crescimento expressivo do consumo de combustíveis rodoviários que se tem verificado nos últimos anos e que rompe com uma tendência das décadas passadas. Desde 2021 que a procura de combustíveis tem vindo a subir depois de uma queda acentuada sentida no ano mais afetado pelos confinamentos, que foi 2020. E nem o aumento dos preços travou a procura, até porque esse aumento foi em parte absorvido pela descida dos impostos.

As estatísticas mostram que o consumo está a ser mais alimentado pela gasolina por causa da compra de carros híbridos que usam este combustível. Em 2023, os combustíveis rodoviários cresceram 6%, com a gasolina a acelerar 13% e o gasóleo a crescer 4,6% face a 2022, de acordo com as estatísticas da Direção-Geral de Energia e Geologia. Já em 2022, a procura tinha aumentado 5,2% — mais 11,5% na gasolina e mais 4,1% no gasóleo E em 2021, o crescimento global foi de 5,3% (mais 7% nas gasolina e mais 5% no gasóleo).

Os dados mostram ainda que o consumo global de combustíveis rodoviários praticamente recuperou em 2022 o nível registado em 2019 e que no ano seguinte ultrapassou de forma clara esse nível, o que ajuda a explicar o acréscimo robusto da receita fiscal, uma vez que metade do descongelamento da taxa de carbono aconteceu já em meados do ano passado. Os dados mais recentes já apontam para um recuo na procura total de combustíveis (de 1,8% até julho), sobretudo por causa do gasóleo, enquanto a gasolina continua a subir.

Ainda assim, está a vender-se mais combustível do que nos anos passados recentes e com um nível de impostos que é o mais alto desde 2021. Este cenário vai mudar com a transição dos motores de combustão ou híbridos para veículos exclusivamente elétricos, mas o ritmo dessa mudança pode ser mais lento do que se esperava há uns anos.

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