Fim da publicidade e reestruturação na RTP, assinaturas de jornais semi-comparticipadas e incentivos a contratar jornalistas. O plano para os media que o Governo esteve a preparar nos últimos meses concretiza-se em trinta medidas, anunciadas esta terça-feira, e chega com a intenção de ser “pragmático” e resolver problemas num setor em crise — ainda que o Executivo admita que não há “balas de prata” e que as iniciativas vão ter de ser monitorizadas e avaliadas em permanência.
No plano apresentado pelo Governo, constam medidas que já vinham sendo antecipadas — à cabeça, o fim da publicidade na RTP — e duas promessas: o plano visa ajudar o setor a modernizar-se e a alcançar a sustentabilidade financeira, “sem disrupções desnecessárias” nem “quaisquer motivações ideológicas”. Num documento dividido em quatro grandes áreas — medidas para a regulação do setor, incentivos ao setor, combate à desinformação e literacia mediática — apresentam-se iniciativas para esses objetivos, algumas mais imediatas e outras que serão desenvolvidas ao longo da legislatura.
A ideia, explicou o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, passa por pôr o Estado a olhar para a comunicação social de forma “diferente” e “mais ativa”, planeando políticas públicas do setor sem que estas se resumam a apoios ao setor. Quando ao custo total do pacote de medidas, o Executivo estima que venha a custar mais de 50 milhões de euros — a somar aos montantes que o Governo espera ir buscar em fundos comunitários ou a executar através do IEFP, no que toca a incentivos para a contratação de jornalistas. A esperança é que o pacote venha a contar com uma aprovação “muito consensual” no Parlamento.
O plano para RTP e Lusa: fim da publicidade, saídas e contratações
No que toca tanto à Lusa como à RTP, o Governo acredita que devido às dificuldades atuais é “clara a necessidade de uma reestruturação” em ambos os órgãos, como se lê no documento que explica o pacote de medidas. A prioridade, escreve o Executivo, passa por “modernizar” a RTP e “reforçar a independência” da Lusa. E, no caso do canal público de televisão, isto também passa pela concretização da medida que vinha sendo mais antecipada: o fim dos seis minutos de publicidade por hora (metade do que está previsto para os canais privados) que os canais da RTP atualmente emitem.
Para o Executivo, a lógica passa por seguir as “boas práticas internacionais” e assegurar que a RTP se diferencia da oferta que já existe nos canais privados: “O serviço público cumprir-se-á, de forma mais efetiva e impactante, se as grelhas de programação de televisão não dependerem de condicionamentos de natureza comercial”. O plano é gradual: nos próximos três anos, a RTP irá eliminar dois minutos de publicidade por ano, até acabar definitivamente com estes espaços e substituí-los pela divulgação de eventos e iniciativas culturais. Ainda assim, o próprio Governo não garante que essa publicidade vá direta parar aos outros canais, ajudando os privados: seria “wishful thinking” pensar que o mercado funcionará assim e que a transferência será direta.
Ora segundo as contas do Governo, isto levará a uma perda de receita para a RTP no valor de seis milhões de euros por ano — um valor que, dizia o presidente do Conselho de Administração da RTP, Nicolau Santos, minutos depois da apresentação, terá de ser compensado por outras vias, por exemplo o financiamento bancário. Por outro lado, isto significa que existirá uma reestruturação na televisão pública: o Governo prevê a saída de 250 trabalhadores, por acordos voluntários, e a entrada de um novo trabalhador (com competências viradas para a área digital) por cada dois que saiam.
Apesar desse corte no financiamento (mantém-se a Contribuição Audiovisual, que o Governo admite que possa ser “justo” ajustar à taxa de inflação), o Executivo defende no mesmo plano que quer construir uma “RTP do futuro”, que aposte na “proximidade” com a população ao longo de todo o território nacional e que faça “diferente e melhor, sem necessariamente consumir mais recursos”. O plano passa por garantir que a gestão seja mais “eficiente”, mas também que haja um maior apoio nas sinergias com a Lusa e numa maior autonomia da gestão de pessoal, assim como uma “rentabilização de terrenos e instalações” que hoje não são “produtivas”.
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Ainda no que toca à RTP, o Governo propõe renovar o contrato de concessão, “cuja revisão está em atraso desde 2015”, até ao final do ano, “tornando-o mais flexível, sem comprometer as obrigações de Serviço Público”. São dados alguns exemplos mais concretos, como a aposta em soluções de disponibilização de conteúdos inspiradas no modelo da RTP Play e uma “aproximação dos portugueses, com mais conteúdos e protagonistas locais e com ofertas mais direcionadas para os diferentes públicos”. A RTP deverá ainda criar a sua própria plataforma de verificação de factos, num esforço de combate à desinformação.
Tendo em conta que no final de julho o Governo já tinha passado a deter 95,86% do capital da Lusa, a ideia é manter essa filosofia — “para garantir que a única agência de notícias portuguesa tenha uma propriedade isenta e sólida” — e adquirir “o restante capital” por 200 mil euros em 2025, revela o Executivo. A ideia é “modernizar” e reforçar os meios humanos e tecnológicos da Lusa, determinando também que a agência tenha “particular atenção” a áreas como a Cultura e apostando em novas infraestruturas ou aplicações informáticas, num investimento de quatro milhões de euros.
Como já se antecipava, não foi adotada a ideia de o serviço de notícias da Lusa passar a ser usado de forma gratuita: por um lado, porque o direito de concorrência da União Europeia “impede a grauitidade”; por outro, porque depois de ouvir o setor o Governo concluiu que esta medida poderia levar a despedimentos nas redações ou a um menor pluralismo nas notícias. O que acontecerá, ainda assim, é que serão aplicados alguns descontos: 50% a 75% no caso dos órgãos regionais e locais, 30% a 50% nos órgãos nacionais — o que levará a um rombo de dois milhões de euros na receita da Lusa.
Os incentivos ao setor: contratações com “prémio” e ajuda à distribuição
Com a perspetiva de apoios na área da comunicação social a espoletar recorrentemente discussões sobre a independência dos media, o Governo optou por apoiar de forma mais direta a contratação de novos jornalistas, definindo o combate à precariedade como um dos seus principais objetivos (o que levou mesmo a que Luís Montenegro deixasse duras críticas à forma como o jornalismo é praticado hoje em dia). “Torna-se inequívoca a necessidade de estimular a contratação de jornalistas e de acautelar que estes profissionais têm as condições laborais necessárias para garantir o desenvolvimento pleno da sua profissão”, argumenta o Governo. Assim, a ideia é criar um incentivo à contratação, com um montante entregue pelo Estado aos órgãos de comunicação social pela contratação de “mais jornalistas com vínculo sem termo”, ganhando obrigatoriamente pelo menos 1.120 euros (uma medida que custará 6,5 milhões através do IEFP).
Além disso, o Estado comparticipará o custo de contratação do primeiro jornalista a tempo inteiro num órgão de comunicação social, uma comparticiparão que irá diminuindo à medida que o tempo passa (será total no primeiro semestre e depois irá diminuindo até desaparecer no quinto semestre) e que custará 2,8 milhões, também através do IEFP.
Ainda no que toca aos jornalistas, o Governo reconhece a segurança destes profissionais como uma “problemática global”, pelo que se propõe a criar um plano, com um custo de 195 mil euros, que preveja uma maior proteção contra ameaças e coação nos meios digitais ou uma maior proteção contra ameaças físicas e psicológicas. Os jornalistas receberão ainda formação para a área digital e inteligência artificial, sendo que o Governo planeia promover a criação de um Livro Branco sobre a aplicação da Inteligência Artificial ao jornalismo.
As ajudas também têm a ver com a modernização dos jornais — o Executivo de Luís Montenegro quer “encontrar formas de apoio” nesse sentido no quadro dos fundos comunitários — e com a sua distribuição. Neste ponto, o Governo está particularmente preocupado com o isolamento em determinadas zonas mais abandonadas do território português, e por isso vai promover a escolha de empresas que possam garantir, por concurso público, a melhor rede de distribuição de publicações periódicas; além disso, vai simbolicamente apoiar a criação de pontos de distribuição nos únicos quatro pontos do país que não têm qualquer distribuição de jornais e revistas — os concelhos de Alcoutim, Freixo de Espada à Cinta, Marvão e Vimioso. Também será aumentada a comparticipação nos custos de expedição das publicações periódicas.
Para explicar as vias por que o Governo optou para incentivar o setor, o ministro foi dando pistas: por um lado, criar uma espécie de “rendas permanentes” para manter a atividade jornalística seria um “desincentivo” à sua qualidade; por outro, a ideia é evitar “distorções de mercado” e intromissões na atividade da comunicação social.
Assinaturas comparticipadas e ofertas para jovens
Os apoios que o Executivo quer aplicar aos jornais e revistas também têm a ver com as assinaturas digitais, uma vez que estas se têm revelado “uma importante e avultada fonte de receitas dos órgãos de comunicação social”. A ideia é comparticipar em 50% as assinaturas digitais, tanto as novas como as que são renovadas, para tentar incentivar à leitura e, simultaneamente, dar poder de escolha aos leitores, em vez de ser o Estado a escolher quais são os órgãos que recebem um apoio maior ou menor. Serão 6,7 milhões dedicados às assinaturas.
Há também um apoio específico para os mais novos: no caso do ensino secundário (tanto público como privado), os alunos — cerca de 400 mil — receberão assinaturas de jornais digitais generalistas durante dois anos. No entendimento do Executivo, é uma medida “estratégica” que ajudará a fomentar a “literacia mediática e o pensamento crítico” entre os mais jovens. Além disso, cada biblioteca escolar terá direito a uma assinatura — e no total a medida custará 5,9 milhões de euros.
Dentro do pacote ainda se contam medidas que não têm custos associados, como uma atualização das leis de imprensa, rádio ou televisão — porque estão “obsoletas” e não têm em conta produtos novos, como os “podcasts”, explicou Pedro Duarte — e estudos para futuro, como uma avaliação sobre a eficácia do atual regime de incentivos aplicados aos meios locais e regionais.