A realização do referendo no Reino Unido sobre a manutenção do país na União Europeia já não parece ser uma questão de se, mas sim uma questão de quando. A palavra referendo consta em todos os programas eleitorais dos principais partidos e até os trabalhistas e liberais-democratas, tradicionalmente mais pró-Europa, admitem a sua realização, caso Bruxelas prossiga na intenção de acumular mais poderes dos Estados-membros. Os conservadores querem em 2017, o UKIP, partido eurocético, diz que será uma das suas primeiras medidas. No entanto, se o referendo decorresse agora, o sim venceria, com 45% dos britânicos a dizerem que querem continuar a fazer parte das instituições europeias – o número mais alto desde setembro de 2010.
“Está na altura de resolver a questão europeia na política britânica. Eu digo aos britânicos: esta é a vossa decisão”, disse Cameron em 2013.
“Eu não vou liderar um Governo que não faça um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia”, reiterou David Cameron este fim de semana, declarando definitivamente que esta é uma das linhas vermelhas do Partido Conservador. O atual primeiro-ministro fez a promessa de um referendo em janeiro de 2013, altura em que o próprio justificou a sua decisão com o descrédito com que a União era vista pela população, mas também com claras motivações eleitorais. Por um lado, o UKIP parecia estar a cavalgar o eleitorado tradicionalmente conservador, por outro, uma fação dentro do Partido Conservador, exigia uma linha mais dura na Europa – o deputado conservador Douglas Carswell deixou os conservadores pelo UKIP no final de 2014, dizendo que o seu antigo partido “não está preocupado com uma mudança verdadeira”.
Agora, com um possível empate técnico entre Partido Trabalhista e Partido Conservador, Cameron afirma a sua determinação quando já é certo que precisará de outras forças políticas para obter uma maioria no parlamento britânico. Esta terá sido uma mensagem para o Partido Liberal-Democrata com quem mantém uma coligação desde 2010 e que não se pronuncia definitivamente sobre este tema, apesar de no seu manifesto afirmar que o referendo está em cima da mesa caso haja um novo tratado da UE que leve à transferência de mais poderes para Bruxelas.
Nick Clegg, líder dos liberais, afirma que a União Europeia devia aprender a fazer as coisas de forma “menos complicada e menos espalhafatosa”, mas defende que nunca poderia fazer parte de um Governo que apoiasse a saída da União Europeia. Consciente da sua importância no processo pós-eleitoral – os liberais deverão perder quase metade dos seus deputados nas próximas eleições, mas com o número de deputados muito próximo entre trabalhistas e conservadores, os liberais podem juntar-se a qualquer um dos dois grandes partidos – Clegg deixou também um recado a Cameron e uma piscadela de olhos a Ed Miliband, líder dos trabalhistas “É impressionante que David Cameron e Nigel Farage [líder do UKIP] sejam comparáveis. Eles dizem aos britânicos que mais importante do que financiar o Sistema Nacional de Saúde [NHS], mais importante do que cortes fiscais, mais importante do que equilibrar as contas de forma justa, é o facto de o Reino Unido pertencer à União Europeia”, afirmou.
“Eu quero um acordo com o Reino Unido, mas o Reino Unido não está numa posição de impor a sua agenda a todos os outros Estados-membros”, afirmou Jean-Claude Juncker.
Se, no Reino Unido, o tópico é visto como um problema de segunda linha pela opinião pública britânica, no coração da União Europeia, os restantes Estados-membros e figuras da União estão expectantes em relação aos resultados destas eleições. “Eu não quero que o Reino Unido saia da União Europeia, mas não quero que a União Europeia tenha uma liderança exclusivamente britânica”, disse Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia na segunda-feira, acrescentando ainda que a saída da Grécia seria apenas uma desculpa para o mundo anglo-saxão destruir o projeto europeu.
Referendo? Sim, para quase todos os partidos
As referências ao referendo abundam nos programas eleitorais dos principais partidos políticos e as posições oscilam entre primeira medida política caso se chegue ao Governo, no caso do UKIP, até à resistência do SNP, partido escocês que se bateu pela independência da região em 2014, em levar a cabo esta iniciativa. O SNP é aliás o único destes principais partidos que promete travar o referendo e caso não o consiga fazer, promete encontrar uma forma de dificultar a saída da UE ao sugerir que todas as regiões que compõem o Reino Unido – ou seja, Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte – estejam de acordo nessa decisão, fazendo com que o referendo seja duplamente validado.
A líder do partido e ministra principal escocesa, Nicola Sturgeon, já disse que só uma “mudança material” nas circunstâncias ou na opinião pública é que a levariam a defender o referendo.
Esta é uma das posições mais importantes, já que o SNP, que pode ganhar 50 lugares no parlamento britânico, será uma das chaves para resolver o impasse político que se vai viver após as eleições. O parlamento britânico é composto por 650 deputados e nem conservadores nem trabalhistas têm capacidade para atingir a maioria. Segundo as sondagens mais recentes, os dois partidos ficarão abaixo dos 280 deputados – os trabalhistas um pouco menos – e só através de coligações se vai conseguir resolver a governabilidade do país. A coligação natural dos conservadores será com os liberais e a dos trabalhistas, devido às semelhanças de programa, será com o SNP. No entanto, esta coligação pode não ser suficiente e os liberais poderão juntar-se aos trabalhistas e aos escoceses.
Apesar da sensação nas eleições locais e nas europeias – foi mesmo o partido que ganhou o escrutínio europeu em 2014 no Reino Unido – e até uma possível votação expressiva, com cerca de 13% no dia 7, o UKIP deverá apenas eleger entre dois ou três deputados. No entanto, o partido até já apresentou a pergunta para o referendo. “Deseja que a Grã-Bretanha seja uma democracia livre, independente e soberana?“. É esta questão que Nigel Farage, líder carismático do UKIP e eurodeputado – até reuniu no Parlamento Europeu o número suficiente de eurodeputados eurocéticos para formar um grupo político, como o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo – quer que os britânicos respondam o “mais depressa possível” depois das eleições. Do referendo está, aliás, dependente uma das maiores bandeiras do UKIP para além de libertar o Reino Unido de Bruxelas, a imigração.
Já os conservadores e os trabalhistas partilham as mesmas intenções em relação ao primeiro passo a dar nesta nova legislatura: renegociar os termos de permanência do Reino Unido na União Europeia. O programa dos trabalhistas quer uma Europa focada no crescimento e no emprego, quer a conclusão do mercado único assim como maior disciplina fiscal – promete ainda que Reino Unido não vai aderir ao euro. Os conservadores querem “reformar a maneira como a União Europeia funciona que é demasiado mandona e burocrática”. O problema vem depois. Os trabalhistas até admitem um referendo, mas só perante perdas de soberania de Londres para Bruxelas, enquanto os conservadores firmam o compromisso de um referendo no final de 2017.
“A liberdade de circulação na UE nunca foi um direito incondicional e agora precisamos que opere numa base mais sustentável, tendo em conta as experiências dos últimos anos”, disse David Cameron no final de 2014.
“Deixar a Europa seria danificar profundamente as vidas do nosso povo e o futuro do país. Nunca vamos pôr o interesse nacional em risco ao ameaçar a saída da União Europeia”, afirmou Ed Miliband em abril, falando sobre as posições dos trabalhistas na política externa. O próprio David Cameron, que propôs o referendo, disse há dois anos que a decisão teria de ser “refletida” e que sair da União era “um bilhete apenas de ida”. No entanto, as constantes pressões do UKIP em relação à imigração, fizeram com que o primeiro-ministro dissesse no final de 2014 que um dos principais objetivos na renegociação com a Europa seria limitar o número de imigrantes dos restantes 27 Estados-membros, assim como os seus benefícios. Nick Clegg já disse publicamente que apoiaria estas mudanças.
A proposta dos conservadores é a de limitar os subsídios dados aos imigrantes europeus, nomeadamente subsídio de desemprego e os abonos para as crianças, assim como obrigar os nacionais dos 27 a abandonarem o país depois de ficarem mais de seis meses desempregados. Cameron admite que esta exigência pode levar à revisão dos tratados, algo que ele diz estar dispostos a trabalhar juntamente com os outros países. Pouco tempo depois deste anuncio, o Governo polaco veio reiterar publicamente que vetaria qualquer alteração que limitasse a liberdade de circulação dos seus nacionais.
O impacto da saída para o Reino Unido e para o Mundo
Os meses de campanha e pré-campanha têm sido os melhores meses para o sim à permanência do país na União Europeia. Em março, 46% dos britânicos estavam a favor e em abril 45%, números que quase duplicam os valores de 2012. É também agora que se verifica uma maior diferença entre o sim e o não, sendo que 33% dos britânicos considera que o melhor é sair da União, havendo 16% dos inquiridos indecisos em relação ao tema. O apoio ao sim sobe quando se fala em referendo depois de um renegociação bem-sucedida.
Este súbito reforço de apoio à União pode vir das opiniões de várias figuras britânicas que se têm mostrado contra a saída. “Imaginem o caos produzido pela possibilidade de a Grâ-Bretanha deixar a Europa. Os postos de trabalho dados por adquiridos passariam a ser pouco seguros, decisões sobre investimento seriam congeladas ou canceladas e a imprevisibilidade ia pesar na economia britânica”, avisou o antigo primeiro-ministro trabalhista, Tony Blair, defendendo que Ed Miliband trará “verdadeira liderança à União Europeia”. No dia seguinte ao seu discurso, vários empresários disseram que apoiavam a ideia de Tony Blair e que sair da UE criaria incerteza na economia britânica – entre os empresários que tomaram esta posição estão Chris Gibson-Smith, presidente do conselho de administração da London Stock Exchange, e Philip Hampton, presidente do conselho de administração do Royal Bank of Scotland.
Atualmente, mais de três milhões de postos de trabalho no Reino Unido estão dependentes da relação com a União Europeia e as exportações do país para os Estados-membros valem entre 10 a 15 mil milhões de libras por mês – em agosto de 2014, o valor das exportações foi de 10,8 mil milhões de libras, cerca de 14 mil milhões de libras. Um estudo recente, realizado por dois think-tanks alemães, Ifo e Fundação Bertelsmann, aponta que a saída do Reino Unido iria causar a redução das exportações e ia tornar mais caras as suas importações, diminuindo o investimento e a inovação no país. As perdas do Reino Unido no seu produto interno bruto poderiam chegar a 14% na primeira década, o que representaria a perda de 313 mil milhões de euros.
No entanto, este estudo mostra que uma saída negociada poderia ter um impacto mais subtil, embora afetasse sempre negativamente não só o Reino Unido, mas também a economia europeia e a economia mundial.
Numa situação complicada fica também a Irlanda cujo maior parceiro comercial é o Reino Unido. A Irlanda, ainda a recuperar da crise, poderia vir a perder até 3% do seu PIB.
Um dos países mais afetados seria a Alemanha, o maior parceiro comunitário do Reino Unido quer em exportações como importações. O país liderado por Angela Merkel podia vir a perder até 0,3% do PIB, mas algumas indústrias perderiam muito mais – seria o caso do setor automóvel que poderia perder até 2% com o decréscimo de trocas comerciais com o Reino Unido. O SPD, partido socialista alemão, já veio dizer publicamente que aguarda um vitória dos trabalhistas de modo a que a saída do Reino Unido “morra de vez”. “O Reino Unido fora da UE é impensável. Vou ficar acordado a ver os resultados, a torcer pela vitória dos trabalhistas”, disse Norbert Spinrath, porta-voz dos Assuntos Europeus do partido, à Bloomberg.
Segundo o relatório da Open Europe sobre a saída do Reino Unido, esta ação faria com que o Reino Unido tivesse de abrir a sua economia ao comércio com os Estados Unidos – o seu maior parceiro comercial no momento -, Índia, China e Indonésia, no entanto, esta abertura poderia ter efeitos negativos já que os britânicos se deparariam com novos níveis de concorrência a padrões de trabalho e produção muito diferentes. O relatório aponta ainda que sair da UE implicaria uma politica mais dinâmica de imigração de trabalhadores e não fechar as fronteiras, como o UKIP propõe.
Argumentos que podem ou não pesar já nas eleições de dia 7, mas parecem estar a moldar maneira como os britânicos olham para a União Europeia.