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Como são as aulas de Educação Física via televisão? Fomos espreitar
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Como são as aulas de Educação Física via televisão? Fomos espreitar

João Pedro Morais/Observador

Como são as aulas de Educação Física via televisão? Fomos espreitar

João Pedro Morais/Observador

Reportagem na nova "telescola": fomos espreitar como os professores dão aulas pela televisão

As aulas do "Estudo em Casa" começam a ser transmitidas esta segunda-feira na RTP Memória. Fomos assistir a gravações de aulas de Educação Física e Geografia e ouvir professores e tradutores.

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No estúdio onde até aqui se gravavam programas como “O Preço Certo” de Fernando Mendes, na sede da RTP, em Chelas, há por estes dias aglomerações de pessoas que até há umas semanas eram impensáveis em Portugal: na passada sexta-feira, víamos dois professores de Geografia ocuparem o mesmo espaço de dois operadores de câmara, um assistente de realização e dois assistentes de produção. Não estavam a gravar um filme, estavam a gravar uma aula. E de repente, o “silêncio” que se ouve para o início das gravações substitui o “silêncio” que era dito pelos professores aos alunos mais irrequietos, antes da pandemia do novo coronavírus encerrar as escolas.

Ninguém esperava que o estúdio onde até há pouco mais de um mês plateias cheias ansiavam poder arriscar o preço de televisores, fogões e frigoríficos para os levar para casa se viesse a tornar uma sala de aulas improvisada. A necessidade aguça o engenho e foi preciso adaptar o espaço depois de o ministério da Educação e a RTP terem acordado que, para garantir que 850 mil alunos do 1º ao 9º ano sem dispositivos eletrónicos continuam a poder assistir a aulas e aprender, a velhinha telescola regressaria, num formato muito diferente e com o nome “Estudo em Casa”. Agora, sem alunos em salas de aula a assistir pela televisão à matéria lecionada por professores, como no passado, mas novamente a aprender via televisão, desta vez de casa.

Um dos estúdios de televisão da RTP transformou-se, por estes dias, de estúdio de gravação de aulas para alunos do 1º ao 9º ano

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Uma aula de Geografia na TV. “A primeira reação foi de pânico”, diz uma professora

Naquele que foi o último dia útil antes do início da transmissão de aulas na RTP Memória — começa esta segunda-feira, as aulas serão exibidas entre as 9h e os 18h e já há horários para a transmissão de aulas de cada disciplina, que pode consultar aqui —, gravava-se às 17h30 uma aula de Geografia para alunos do sétimo e oitavo ano de escolaridade.

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A aula estava a ser lecionada por Fernanda Marta e por José Pinto, ambos de 46 anos. José é professor há 20 anos — atualmente no Agrupamento de Escolas de Ferreira de Castro, em Mem Martins, Sintra — e Fernanda há 23 anos, atualmente no Agrupamento de Escolas de Alcanena, em Santarém. As apresentações ficaram a cargo de Fernanda Marta, que olhando na direção das câmaras anunciava: “Hoje o tema é diferente: vamos falar da distribuição da população mundial. Vamos perceber porque é que há regiões com tanta populações e perceber quais os fatores influentes para que existam essas diferenças”.

Aula de Geografia lecionada por José Pinto e Fernanda Marta, para a iniciativa de aulas televisivas "Estudo em Casa"

João Pedro Morais/Observador

O cenário mostrava uma secretária com um computador e um “copo” para lápis e canetas, um quadro, uma decoração a preceito — com alguns lápis roxos em grande escala e até um modelo de esqueleto ao canto. O quadro serviria para ir apresentando vários pontos da matéria, sobre os quais o professor José Pinto, sem ler, dissertaria. De pé, começava por anunciar: “Vamos passar ao sumário da aula de hoje”.

À frente do quadro onde iam surgindo os pontos da matéria, José ia dando passos no cenário da sala de aula improvisada, seguido pelas duas câmaras de estúdio a que se soma uma terceira câmara “em grua”. Ao longo dos minutos a que assistimos, foi explicando, falando para alunos que imagina estarem em casa, dos “fatores condicionantes” para regiões do globo terem mais ou menos população: desde o clima, porque “os valores extremos de temperatura e precipitação” são pouco propícios a concentrações maiores de população, ao “relevo acidentado e altitude”, passando pela “escassez de água e outros recursos”.

Gravações de uma aula de Geografia para a nova telescola: o projeto "Estudo em Casa", que terá transmissão na RTP Memória

João Pedro Morais/Observador

A matéria não era lida, era apresentada em discurso escorreito e com tempo para alguns exemplos, para “uma curiosidade, para isto não ser só matéria”, relativa à temperatura mais baixa já registada por termómetros. “A temperatura mais baixa registada até hoje foi numa estação da Antártida e o termómetro marcou qualquer coisa como – 89 graus celsius; teve de ser medida com termómetros de álcool, porque os termómetros a mercúrio congelam com menos de – 39 graus celsius”. Para se ter uma ideia, prosseguia o professor, escondendo o nervosismo das câmaras a que não está habituado, “se fosse atirada água a ferver de uma panela” para o ar, com uma temperatura inferior a – 39 graus, “no espaço de poucos metros transformar-se-ia em neve”.

Como provavelmente todos os outros professores em atividade, Fernanda Marta e José Pinto nunca tinham imaginado aparecer na televisão a dar aulas. “É diferente, é uma nova experiência, estamos sempre com o coração a mil”, contava José ao Observador, depois da gravação. Quando foi desafiado a entrar neste “Estudo em Casa”, ou nesta nova telescola em que as aulas podem ser vistas por qualquer português que sintonizar a televisão na RTP Memória, “a primeira reação foi dizer não”, admite o professor de Geografia da escola Ferreira do Castro. “Mas depois disseram-me: não podes dizer não. E pronto, mentalizei-me e dei o corpo às balas”, acrescentou, visivelmente nervoso.

Fernanda Marta diz que o receio de aparecer a dar aulas na televisão fê-la ter uma primeira reação "de pânico, muito pânico". O colega José Pinto, também professor de Geografia, detalha: "Antes, havia exposição para os alunos, com quem já temos uma confiança fantástica. Aqui é para o país todo".

Também Fernanda Marta, que dividiu o palco com José Pinto nesta gravação de mais uma aula de Geografia, assume que a exposição é um receio. “A primeira reação foi de pânico, muito pânico, passei noites sem dormir a pensar nisto”. Com a experiência do início das gravações, a coisa acalmou um pouco, mas não muito, conta-nos: “Apesar de a primeira e a segunda aula já terem passado, continuo nervosa e a pensar no que ainda falta. Isto exige muito trabalho da nossa parte e continuamos com as nossas turmas [a dar aulas por vídeo]… não vai ser fácil”.

O problema não é, explicam os dois professores de Geografia que serão duas das caras desta nova telescola, a preparação da aula ou lecionar uma aula. “O trabalho é basicamente o mesmo que fazemos para preparar as aulas do dia-a-dia, é o que fizemos aqui”, nota José Pinto, embora “no dia-a-dia não juntemos sétimo e oitavo [ano] na mesma aula”. O que muda é a exposição: “Não é a mesma: antes, havia exposição para os alunos, com quem já temos uma confiança fantástica. Aqui é para o país todo”.

Dar aulas de educação física pela televisão (e um “corta!” que assustou)

Terminada a gravação da aula de Geografia, seguia-se uma aula bastante diferente, mais difícil ainda de imaginar feita à distância: Educação Física, lecionada pelas professoras Carla Lagos, de 40 anos, e Raquel Lopes, de 37.

Para Raquel Lopes, esta seria a primeira aula gravada para o “Estudo em Casa” do Governo e da RTP. Para Carla Lagos, seria a segunda. “A primeira experiência foi algo… aterradora. Apesar de já ter feito algumas coisas com público, isto é um público muito diferente e num contexto ainda mais diferente, porque estamos numa sala [fechada e ainda por cima improvisada]. Estamos à frente de uma câmara, o que se calhar não é a parte pior — mas saber que vai ser transmitido para muitas pessoas… é uma responsabilidade muito grande, não é?”, explicava Carla Lagos, com uma pergunta retórica.

A disciplina, quando habitualmente lecionada em escolas, é bastante prática. Com as escolas encerradas e com este novo modelo de aulas pela televisão, foi preciso pensar rapidamente em como pôr os alunos a mexer e aprender a partir de casa. Entre “saber que o íamos fazer” e começarem a “pôr a mão na massa”, passaram “uns dois dias”, foi “muito rápido”, explica Carla Lagos. “Daí até agora, passaram cerca de 15 dias” para planear dez aulas.

"Com a experiência que temos dos nossos alunos e no meu caso da minha filha, fui tentando perceber o que é que pode cativar alunos e o que é que os pode motivar a estar em frente a uma televisão a fazer uma aula de Educação Física."
Carla Lagos, professora da Educação Física

A adaptação da disciplina ao formato televisivo foi “pensada durante algum tempo e por isso é que foi muito difícil, foi uma batalha de muitas e muitas horas a pensar no que faz sentido para os alunos nesta altura, no contexto em que estão”, assume Carla Lagos. Até porque é impossível contar com desportos coletivos ou com uma quantidade grande de material disponível em cada casa.

A imaginação e adaptação não foram inspiradas só pela experiência escolar, mas pela família, acrescenta a professora de 40 anos: “Com a experiência que temos dos nossos alunos e no meu caso da minha filha, fui tentando perceber o que é que pode cativar alunos e o que é que os pode motivar a estar em frente a uma televisão a fazer uma aula de Educação Física”. Raquel Lopes, a “estreante” nas gravações, faria uma achega, lembrando a importância de seguir o plano curricular: “Tentámos ir ao encontro do que é possível fazer dentro de casa, mas mantendo os conteúdos [previstos]”

Sair de casa para ir trabalhar, gravando aulas para o “Estudo em Casa” do Governo e da RTP, implica preocupações semelhantes às de outros profissionais que têm de sair por outros motivos essenciais. “Não é só vir cá filmar, porque também tivemos de ter momentos de trabalho que não poderiam ser todos por videochamada — e sempre que se sai, não deixamos de sentir que há um risco”, assume Raquel Lopes. “Para quem tem família, como é o caso da Carla, que tem filhos, acho que a preocupação acaba por ser um pouco maior do que para quem mora sozinho, que é o meu caso”, acrescenta a professora.

"Tentámos ir ao encontro do que é possível fazer dentro de casa, mas mantendo os conteúdos", explica a professora de Educação Física, Raquel Lopes

João Pedro Morais/Observador

Apesar dos receios face à “grande responsabilidade” e face à dificuldades de lecionar através do meio televisivo, as duas professoras de Educação Física mostravam-se mais descontraídas na conversa fora do contexto gravações do que Fernanda Marta e José Pinto, que tinham acabado de gravar uma aula de Geografia. A gravação de Raquel e Carla, contudo, começaria com um percalço.

Num cenário em que já não se viam lápis e canetas, mas era agora possível ver papéis espalhados na secretária e um amplo espaço livre ao centro, as duas professoras preparavam-se para começar a gravar. A música a que se seguiria o primeiro segundo de transmissão já se ouvia, as mãos de Carla Lagos iam-se entrelaçando e lutando uma com a outra, tentando chutar o nervosismo logo ao arranque: “Olá a todos, bem-vindos à primeira aula de Educação Física do 3º e 4º ano do Estudo em Casa”.

Faziam-se as apresentações, “sou a professora Carla”, “sou a professora Raquel”, e avisavam-se os alunos em casa com recursos às câmaras da RTP: era preciso vestirem “roupa de Educação Física, fato treino ou a roupa mais confortável possível” e era necessário terem por perto “uma garrafa de água, para nos irmos hidratando”. Depois vinha um alerta, para que os alunos em casa e eventualmente os pais vissem o espaço à sua volta, para perceber “se é necessário arrastar algo para o lado, para fazermos a aula e podermos movimentar-nos livremente”.

Carla Lagos (à esquerda) e Raquel Lopes (à direita), durante as gravações de uma aula de Educação Física

João Pedro Morais/Observador

A aula seria de “atividades rítmicas e expressivas, que muita gente conhece por dança”. Havia um jogo preparado, “tipo um sorteio”, em que cada professora tiraria um dos cartões sobre a secretária para ver os movimentos que seriam feitas nesta lição. Testa-se “o jogo da macaca”, misturam-se os movimentos de “saltos com deslocamentos” para originar uns passos de dança, avisam-se os alunos que é preciso “congelar” quando a música parar, mas de repente ouve-se um “corta” gritado no estúdio.

Ninguém sabia bem o que se passava, estava tudo em silêncio até um elemento da produção avisar as professoras que “isto é um problema nosso”. A reação audível era um suspiro de quem temia poder ter cometido erros, “ahh que susto, pensei que éramos nós”. Afinal isto também é novo para os professores. A gravação repetia-se, chegar-se-ia à música, Raquel Lopes brincava em direção às câmaras: “DJ, não dá mais alto?”. Mas até na equipa de produção havia quem, não estando no terceiro ou quarto de escolaridade, dançasse já ao som de Bruno Mars.

A “missão” da tradução por língua gestual: “Os alunos são mais importantes do que nós”

Quem entrar nos estúdios de gravação desta nova telescola pode não reparar nos intérpretes de língua gestual. Estão, algo escondidos, no fundo do estúdio (para quem entra), atrás do cenário onde as aulas estão a ser gravadas, mas também estão a gravar para uma câmara e têm uma função igualmente essencial, traduzindo as aulas para a comunidade alunos surda.

Teresa Vasconcelos e Nuno Calado são dois dos 13 intérpretes de língua gestual a trabalhar no projeto “Estudo em Casa”. Teresa Vasconcelos, de 39 anos — Nuno tem 44 — explica que a dimensão da equipa é grande porque “cada um, para além de estar aqui no ‘Estudo em Casa’, também está com as suas funções na escola — portanto temos as aulas, reuniões e tudo o resto para traduzir por videoconferência mas não podemos descurar esta parte”.

Uma das curiosidades da equipa de 13 intérpretes de língua gestual a trabalhar nesta nova telescola é que nem todos têm experiência em tradução por televisão. “Muitos trabalham em contexto escolar e nem sequer têm o conhecimento ou hábito de trabalhar em televisão. E é isso que nos deixa mais assustados, eventualmente. Daí haver também uma necessidade maior de preparação e de atenção à forma como vamos traduzir, uma vez que vai ser difundido para todo o país. Claro, há outros intérpretes aqui que já tinham experiência de televisão e portanto o formato não lhes causou tanta mossa”, detalha Nuno Calado.

Enquanto as aulas estão a ser dadas — neste caso, de Geografia —, um intérprete (neste caso, Nuno Calado) vai traduzindo tudo para língua gestual

João Pedro Morais/Observador

Em cenário de sala de aula, há um fator importante que muda e que é transversal a professores e a intérpretes de língua gestual: não havendo alunos presentes e sendo as gravações transmitidas em diferido, não é possível perceber a eficácia da comunicação em tempo real, como explica Teresa Vasconcelos: “Há receios também porque não há feedback. Falta-nos o feedback de quem está a ver e, no fundo, a ter a aula — não é possível perceber enquanto traduzimos se o aluno percebe, se a tradução está a passar de forma correta ou não. Isso gera algum stress, mas não é nada que não se resolva”, diz.

Sem estes intérpretes, os alunos surdos que dependem das transmissões de aulas pela televisão ficariam atrasados na matéria escolar, mas as noções de “serviço” e “missão” não diferem muito dependendo do formato em que o trabalho é feito. Pelo menos é o que defende o intérprete Nuno Calado: “A missão está sempre presente, seja na escola seja agora em contexto televisivo na telescola. A missão do intérprete foi sempre tentar chegar à comunidade surda e trabalhar para ela. Obviamente, a responsabilidade agora é um bocadinho acrescida”, nota.

"Tenho dois filhotes pequeninos e sair de casa é sempre complicado. O medo está lá sempre, só desaparece quando estamos com a câmara ligada, a traduzir. Quando a câmara desliga, volta a realidade. Diria que o momento de entrar em casa é quase mais stressante do que tudo o que está para trás."
Teresa Vasconcelos, intérprete de língua gestual

Para que a comunidade surda possa aceder a aulas pela televisão, contudo, os intérpretes e tradutores têm de sair de casa em época de confinamento e isso mudou as dinâmicas familiares por completo. Tal aconteceu, por exemplo, na família de Teresa Vasconcelos: “Sabemos que só o ato de sair de casa é um risco. Sabemos também que mais importante do que nós são as pessoas para quem trabalhamos, as crianças e os alunos, que se não trabalhássemos não teriam acesso às aulas. Isso faz com que sair faça sentido”, começa por dizer.

No entanto, intimamente há receios, por quem sai e pelas famílias. “Posso falar por mim: neste momento tenho dois filhotes pequeninos e sair de casa é sempre complicado. O medo está lá sempre, só desaparece quando estamos realmente com a câmara ligada, a trabalhar, a traduzir. Aí bloqueamos, tudo passa ao lado. Quando a câmara desliga, volta a realidade”, conta Teresa Vasconcelos.

Nuno Calado diz que há preocupações novas ao regressar à habitação, “desinfetar as chaves, desinfetar onde toquei, tirar a roupa, virar tudo do avesso, mandar tudo para a máquina de lavar, tirar os sapatos”, e que isso “claro que acaba por criar um ambiente tenso”. Teresa Vasconcelos acrescenta: “Sinto que o stress só desaparece depois de tomar um banho. Aí, sinto: agora estou limpa, posso estar com a minha família à vontade sem prejudicar ninguém. Mas claro, para os colegas que têm filhos pequenos, como eu, há um stress acrescido porque crianças são crianças. Veem os pais chegar a casa, querem logo dar beijinhos e abraços… diria que o momento de entrar em casa é quase mais stressante do que tudo o que está para trás”.

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