Índice
Índice
Prosseguimos hoje o nosso roteiro da Ostalgie propondo experiências que estão para lá de conhecer os museus e os locais da memória do regime comunista que vigorou, em Berlim Leste, até 1989. Foi isso que fizemos na primeira e na segunda parte deste roteiro (Berlim, 25 anos depois: Roteiro da Ostalgie e Os outros lugares da Ostalgie). Hoje fazemos sugestões de onde dormir, onde comer e o que comprar. No último artigo desta série faremos as indispensáveis sugestões de leitura.
Onde ficar
O cúmulo da Ostalgie é ficar hospedado no Das DDR Hostel, no nº 5 de Wrezener Karree. Todo o interior é uma recriação das residências da Alemanha de Leste, com mobiliário condizente, numa claustrofóbica combinação de rétro e de kitsch. Apesar de os preços não serem caros (a partir de 30€/noite), e de o hotel – ou, melhor, o hostel – não ficar longe da estação ferroviária Ostbahnof, a localização não é das melhores e centrais. Com a agravante de o ambiente e a decoração serem totalmente encenados e artificiais. Permanecer lá uma noite, talvez, apenas por divertimento, mas nem isso vale muito a pena, tal é a sensação de artificialidade. No mesmo género, existia um apartamento de três quartos, com 61 metros quadrados, muito mais fidedigno que o DDR Ostel. Chama-se mesmo «Apartamento-Museu» e situa-se no nº 179 de Hellersdorfer Strasse, podendo ser visitado, o que não implica, segundo sei, pernoitar lá. Ver aqui e aqui.
Existem alternativas muito mais confortáveis. Para quem não estiver disposto a pagar uma fortuna por uma noite no Hotel Adlon Kempinski (o mais famoso estabelecimento hoteleiro de Berlim, colado às Portas de Brandenburgo, onde Michael Jackson fez a graça de exibir o filho à janela), nada como ficar nas traseiras do Hotel Adlon. Mais precisamente, nos Apartments Am Brandenburger Tor, no nº 1c da Behrenstrasse. Não têm o calor vivencial de outras zonas da cidade nem as comodidades de um hotel, mas são extremamente práticos, amplos e limpos. O serviço está organizado com eficiência alemã (à entrada, terá de assinar um contrato de várias páginas, com dezenas de cláusulas…). A dois passos do Tiergarten, das Portas de Brandenburgo e do Reichstag, junto ao Memorial aos Judeus, podendo ir a pé ao Checkpoint Charlie, à Topografia do Terror ou a todos os locais circundantes, como o Museu do Trabant, etc. A localização é perfeita, sobretudo se pedir (e estiver disponível) um apartamento situado não na Behrenstrasse mas a poucos metros dela, na rua adjacente, a histórica Wilhelmstrasse (pode tentar reservar por telefone um apartamento nesta rua).
Daí terá acesso, a poucos minutos a pé, quer da estação de comboio e metro de Brandenburger Tor (linha castanha, U55), quer da estação de metro de Mohrenstrasse (linha vermelha, U2), o que lhe permitirá fazer uma gestão muito flexível dos seus percursos de metropolitano (U-Bahn) ou de comboios suburbanos (S-Bahn). Para mais, à saída da estação de metro de Mohrenstrasse existe um supermercado da cadeia Ullrich com dois vastos andares, onde encontrará o que desejar, incluindo vinhos ribatejanos, o que compensa a aridez do lugar e a relativa ausência de restaurantes, cafés e outros lugares de alimentação (um conselho: não frequente os restaurantes fast food de Behrenstrasse ou os que ficam defronte do Memorial aos Judeus).
Se se hospedar nos apartamentos da Wilhelmstrasse, muito provavelmente desfrutará de uma vista ampla para o Tiergarten, vendo ao longe as luzes multicoloridas da Potsdamer Platz, ainda que fique a dormir por cima do antigo bunker de Hitler, o que para alguns pode ser desconfortável. Se for o seu caso, antes de chegar solicite por telefone um apartamento noutro endereço.
DDR Hostel
Endereço: Wriezener Karree 5
Preços: variáveis, a partir de 30€.
Apartments am Brandenburger Tor
Endereço: Behrenstrasse, 1C
Preços: variáveis, consoante a dimensão do apartamento.
Onde comer
Perto da Ilha dos Museus e da Catedral de Berlim, mesmo ao lado do Museu da RDA – e pertencendo à mesma organização –, existe um restaurante cuja ementa é exclusivamente constituída por especialidades gastronómicas da antiga República Democrática Alemã. Fica no nº 1 da Karl-Liebknecht Strasse, nas margens do Spree. No cais, em cima, não perca o conjunto escultural neoclássico, da autoria de Wilfried Fitzenreiter, composto por três raparigas e um rapaz, que outrora adornava a fonte que ficava defronte do Palast Hotel.
O que irá comer no DDR-Restaurant, no entanto, não corresponde propriamente às refeições caseiras dos alemães de Leste. O menu recupera o do restaurante do Palast Hotel, que funcionou ali até 1992 e se destinava a receber visitas oficiais e delegações estrangeiras. Com a agravante de os pratos estarem agora um pouco adaptados ao gosto international dos turistas de vários países. De qualquer modo, vale a pena ir, apesar do ambiente ruidoso e algo plástico. Os preços não são caros e as refeições bem confeccionadas e abundantes.
Entre diversos pratos, pode optar pelo clássico dos clássicos da RDA – escalopes de porco um pouco condimentados, a 12.50€ – ou pela substancial sopa Soljanka (4,90€), a mais popular das sopas da Alemanha comunista, de origem russa. A acompanhar, se não quiser ir para vinhos da Bulgária e outras extravagâncias, experimente a Vita-Cola, a primeira cola produzida na RDA, e cuja fórmula se mantém inalterada desde 1958 (o ligeiro travo a limão é da responsabilidade da fábrica de químicos Miltitz…). Para ser um bom alemão de Leste, talvez devesse optar pelo vinho ou até coisas mais fortes: a RDA era campeã mundial no consumo de bebidas alcoólicas, com os homens – e as mulheres – a beberem, em média, 16 litros de álcool puro por ano. Evite os gelados, caros e opulentos, mas destituídos de qualquer sabor. Quando muito, e por graça, pode terminar com um gelado de baunilha, o Sundae Sueco, que se diz ter sido a sobremesa favorita de Walter Ulbricht desde que a equipa de hóquei no gelo da odiada Alemanha ocidental sofreu uma humilhante derrota ao jogar com a Suécia nas Olimpíadas de Inverno de 1952.
Se, no final, ficar convertido à culinária da RDA, existe um livro de receitas à venda no Museu ao lado (infelizmente, o DDR Kochbuch, que custa apenas 4,95€, está disponível só em língua alemã). O DDR-Restaurant está aberto todos os dias, a partir das 10 da manhã (pode começar o pequeno-almoço com Nudossi, uma imitação barata do chocolate Nutella). Não necessita de reserva e, a menos que exista uma enchente de uma excursão turística, o que não é provável, há sempre mesa. Na parede, um mural original dos anos 70 mostra a agonia do capitalismo, a opressão das massas e, finalmente, a libertação do homem novo.
Restaurante da RDA
Horário: aberto todos os dias, a partir das 10h00
Custo médio da refeição: entre 20 e 30€ (sem bebidas alcoólicas)
Reserva: em regra, não é necessária, mas pode fazê-lo por telefone: +49 (0)30 – 847 123 737
Endereço: Karl-Liebknechtstrasse, 1
Endereço electrónico: http://www.ddr-restaurant.de/en/
Percursos
1º dia
Mesmo quem estiver disposto a uma overdose de memória da RDA deve ter presente que é impossível ver tudo numa só viagem. A peça central do Museu Pérgamo está fechada para obras de remodelação, é certo, mas Berlim tem muito mais para ver – e viver – do que o Altar de Pérgamo ou a sede da Stasi.
Ainda assim, uma visita à capital da Alemanha não pode prescindir de uma travessia pelo Muro, algo que, durante várias décadas, milhões de seres humanos foram impedidos de fazer.
Comece pela estação S-Bahn Nordbanhof, visite a exposição sobre as «estações-fantasma». Dali, dirija-se ao Centro de Visitantes do Memorial do Muro, situado a poucos metros. Inicie aí o seu périplo pelo Memorial. Se não estiver integrado numa visita guiada, vá lendo atentamente as explicações fornecidas pelas placas existentes no local ou obtenha informação no Centro de Visitantes. Não deixe de subir aos vários andares da plataforma que lhe permitem ter uma visão panorâmica do Muro de Berlim tal como existiu até há 25 anos, com sucessivas barreiras que tornavam praticamente impossível qualquer evasão para o Ocidente.
Concluída a visita ao Memorial do Muro, pode seguir até ao Palácio das Lágrimas. A distância entre o Memorial do Muro e o Palácio das Lágrimas é considerável, cerca de 1,8km, mas faz-se bem a pé. De caminho, pode parar no Museu de História Natural (nº 43 de Invalidenstrasse), um desvio de percurso no roteiro da Ostalgie. É aconselhável gastar algum tempo a ver a exposição permanente do Trännenpalast, vitrina a vitrina.
2º dia
Um dia preenchido pela memória da RDA deve começar bem cedo. Um ponto de partida bucólico é o Memorial do Parque de Treptower. Existem vários autocarros, dependendo do lugar de partida, mas talvez o mais prático seja ir de táxi ou de S-Bahn, saindo na estação de Treptower Park e caminhando um pouco pelo meio do parque até chegar ao Memorial. Apesar de grandioso, como não tem nenhum museu ou centro para visitantes o percurso é relativamente rápido, tendo que contar apenas com o facto de o Parque de Treptower ficar um pouco distante do centro de Berlim.
Saindo de Treptower, regresse ao metropolitano e, tomando o S-Bahn, apeie-se na estação de Frankfurter Allee; ou pode vir de metro, na linha U5, na direcção de Honöw, apeando-se na estação de Magdlanestrasse. A sede da Stasi fica a poucos metros, ainda que não se situe logo à saída da estação de metro. A distância é curta, umas dezenas de metros. A visita à sede da Stasi pode fazer-se como a um museu de média dimensão: numa modalidade rápida, leva cerca de uma hora e meia. Se quiser gastar um pouco mais, duas ou três horas são mais do que suficientes para percorrer detidamente os diversos pisos. Não há muito para ver, são escassas as informações mas o lugar é fundamental, sobretudo se forem realizadas com a devida qualidade as obras de remodelação em curso, estando a inauguração aprazada para dia 15 de Janeiro de 2015.
Acima de tudo, é fundamental visitar a Prisão de Hohenschönhausen. A ter de optar, escolheria a prisão, deixando a visita a sede da Stasi para outro dia ou melhor oportunidade (atenção: desconhecemos como será o espaço expositivo a abrir em Janeiro de 2015, pelo que a visita ao Museu da Stasi pode passar a ser muito mais atraente do que era até há pouco). Se se encontrar na sede da Stasi, vá, por exemplo, até Alexanderplatz ou Landsberger Allee e daí apanhe a linha de S-Bahn nº 5 até à estação de Freienwalder Strasse. A Prisão fica a dez minutos a pé desta rua. Sair da prisão de Hohenschönhausen nunca foi fácil. A solução mais prática, ainda que um pouco mais dispendiosa, é regressar de táxi. Na recepção do Memorial podem chamar um, estão bastante acostumados a isso. Enquanto aguarda à porta da prisão pela chegada do táxi, não deixe de ver os edifícios em redor, sobretudo o grande bloco de apartamentos que fica mesmo do outro lado da rua. Ali funcionavam serviços de segurança ou residiam os seus funcionários. Recorde sempre do seguinte: está no antigo «Distrito Proibido».
Peça ao táxi para o deixar na Kulturbrauerei, no nº 97 da Knaackstrasse, que fica não muito longe do centro de Berlim (entendido o «centro» como as Portas de Brandenburgo e a Unter den Linden). O museu não é grande e visitá-lo após ter estado encerrado nas masmorras de Hohenschönhausen pode ser um bom lenitivo para um final de jornada.
Outra possibilidade, muito recomendável, é explorar um bairro ainda não descaracterizado pela invasão da «arquitectura BMW», feita de aço e vidro, como a que encontramos na Potsdamer Platz. O lado mais humanizado de Berlim encontra-se aí, nesses bairros; no centro político-administrativo, na Unter den Linden ou na Ilha dos Museus não vive praticamente ninguém. No encantador bairro de Prenzlauer Berg, por exemplo, a presença do passado da RDA não é tão visível como outrora, mas, por isso mesmo, a visita é especialmente cativante pois implica um exercício permanente de descoberta e olhos bem atentos aos pormenores. Prenzlauer Berg encontra-se hoje um pouco «gentrificado», mas é um sítio indicado para passear tranquilamente e afastar-se da confusão turística do centro de Berlim e da aridez dos seus edifícios. Ideal para terminar um dia, ao final da tarde.
3º dia
Se se encontra em Berlim, irá certamente à Ilha dos Museus. Reservaria esse dia para uma passagem pelo Museu da RDA, junto à Catedral, podendo almoçar ao lado, no DDR Restaurant.
De seguida, uma breve travessia (são duas ou três ruas…) pela reconstituição histórica algo kitsch de Nikolaiviertel, a caminho da Torre da TV. Vá vendo os edifícios em redor, muitos dos quais em arquitectura e com ornamentos realistas-socialistas. Destaca-se a Rote Rathaus, o edifício-sede da câmara municipal de Berlim-Leste, mas existem muitos outros prédios que merecem ser contemplados.
À saída ou à entrada da Torre da TV (insiste-se: convém reservar bilhete através da Internet), uma mirada pela Alexanderplatz, pelo Relógio das Horas do Mundo (o Weltzeituhr), a Casa dos Professores (Haus des Lehrers), o Centro de Congressos, o Kaufhof (outrora o maior centro comercial de Berlim-Leste). Com bom tempo e disposição para uma caminhada, pode fazer um passeio descontraído por Prenzlauer Berg ou Pankow (existe um pequeno e delicioso museu sobre a vida pretérita nesta zona de Berlim, no nº 227 de Prenzlauer Allee). Em alternativa, indo de metro, faça um percurso em Karl-Marx Allee e áreas adjacentes, este mais cansativo e demorado. Acima de tudo, se quiser explorar a Berlim da RDA mais a fundo, convém sair da Karl-Marx Allee e embrenhar-se nas pracetas ajardinadas e nas ruelas que se situam nas traseiras dos gigantescos blocos de apartamentos.
Compras
Esqueça a memorabilia. Várias lojas de antiguidades têm bustos de Lenine ou bandeiras autênticas da RDA, mas a preços incomportáveis. Se quiser uma recordação barata, pode comprar um gorro de pele soviético ou um emblema com foice e martelo, todos acabados de fabricar anteontem. Encontra-se disso em vários vendedores de rua (por exemplo, junto à Catedral de Berlim).
Existem ainda várias lojas de souvenirs, com fragmentos do Muro, os quais, mesmo quando acompanhados de certificados, deixam as maiores dúvidas quanto à sua autenticidade. A prova de que existe uma versão light e comercial da nostalgia de Leste é o facto de figura de Ampelmännchen estar hoje espalhada por toda a cidade. Trata-se do boneco, com um antiquado chapéu, que servia de sinal de tráfego, existindo as duas versões: a verde, caminhando; em vermelho, parado e de braços abertos. Desenhado em 1961 por Karl Plegau, é talvez o símbolo mais conhecido – e menos doloroso – dos tempos da RDA, tão popular que deu o nome a uma cadeia de lojas de souvenirs. Existem seis lojas da Ampelmann em Berlim (e até um restaurante). Uma das maiores e mais centrais situa-se em Unter den Linden, na esquina com a Friedrichstrasse. Aí encontrará a figura do Ampelmännchen reproduzida à náusea, em t-shirts, magnetos, canecas, candeeiros.
Outro ícone é Sandmännchen. Com a sua barbicha de bode e olhos inexpressivos, o boneco, que desde 1959 colou as crianças de Leste aos écrans da televisão estatal, foi exportado na época para países como Angola ou o Vietname. É hoje um figura de culto porque sabemos ser inofensiva. No passado, viajava num tapete mágico até ao Iraque, para saudar um Saddam Hussein acabado de chegar ao poder, ou aterrava em plena Praça Vermelha num estranho aparelho a jacto (há quem diga que foi esse episódio da série de bonecos animados, transmitido em 1963, que inspiraria muitos anos depois a proeza aeronáutica do jovem Mathias Rust, que ao aterrar de avioneta no centro de Moscovo cobriu de ridículo as forças armadas soviéticas e expôs ao mundo as fragilidades defensivas da URSS).
A melhor loja para objectos relacionados com a Östalgie encontra-se no Museu da RDA, com réplicas de tudo quanto desejar. Para quem não ficar satisfeito, existem sites que vendem produtos da antiga Alemanha de Leste.
Nos locais turísticos, a melhor livraria sobre a RDA é, de longe, a da Prisão de Hohenschönhausen (o Memorial do Muro também possui uma boa livraria). Desde livros para turistas a obras académicas, passando por romances e novelas, existem em Hohenschönhausen muitas centenas de títulos. Infelizmente, quase todos disponíveis apenas em língua alemã.