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Berlim. Os outros lugares da Ostalgie

Segunda parte do roteiro da Ostalgie, uma visita aos lugares onde é possível conhecer o que era a RDA. Desta vez com passagem pela sede da omnipresente Stasi e uma visita à principal prisão política.

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[Este artigo foi publicado originalmente a 4 de novembro de 2014 e é republicado a propósito dos 30 anos da queda do Muro de Berlim.]

Prosseguimos a nossa viagem por Berlim em busca da cidade que ficava para lá do Muro. De 1961 a 1989, a cidade cercada era Berlim Ocidental, que ficava encravada na RDA. Hoje a cidade que se recorda é Berlim Leste, a capital do desaparecido “paraíso socialista”.

No anterior artigo desta série visitámos o Memorial do Muro de Berlim e as «estações-fantasma», o Palácio das Lágrimas (Tränenpalast), o incontornável Checkpoint Charlie, a monumental Torre da TV (Fernsehturm) e o Museu da RDA (DDR Museum). Neste artigo completamos o nosso percurso pelos principais lugares da Ostalgie.

As fotografias são de António Araújo.

Museu Trabant (TrabiWorld)

Já aqui falámos de Trabant, mas convém referir que no centro de Berlim, não muito longe de locais como a Topografia do Terror ou o Checkpoint Charlie, existe um museu inteiramente dedicado ao veículo mais popular da República Democrática Alemã. Chama-se Trabi Museum e fica situado no nº 97 de Zimmerstrasse, a poucos metros do Checkpoint Charlie, sendo facilmente visível da rua (de caminho, tem um Panorama do Muro, a evitar a todo o preço). Aberto todos os dias das 10h00 às 18h00, com entrada a 5€, está associado ao Trabi World, um museu a céu aberto, escandalosamente oportunista, que se assemelha a um stand de automóveis, com a agravante de aqui serem todos da mesma marca e de, entre si, os modelos variarem pouco.

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Trata-se, no fundo, de uma descarada exploração de um dos símbolos da RDA, semelhante àquela que faz com que em todas as lojas de souvenirs existam à venda miniaturas desses automóveis. Mas, do ponto de vista da Östalgie, é inevitável falar dos Trabants.

A sua popularidade tinha uma explicação, pouco edificante: o lamentável estado de conservação e o péssimo funcionamento dos transportes públicos na República Democrática Alemã. Foi isso que levou – o que não deixa de ser irónico num país colectivista – a uma opção em massa pelo transporte individual. Em 1988, um ano antes da queda do Muro, circulavam quase 2 milhões de Trabant RDA, logo seguidos de 606.000 Wartburg, igualmente de fabrico leste-alemão, e de 329.000 Lada, soviéticos.

Evitando ao máximo idas à oficina, frequentemente exigidas pela má qualidade dos veículos, os alemães de Leste tornaram-se especialistas em mecânica artesanal, passando os fins-de-semana à volta dos seus Trabant.

O tempo de espera por um Trabant chegava a atingir 16 anos e, correspondendo «Trabi» a uma palavra russa que significa «companheiro», não há dúvida de que essa espera contribuía em muito para o tornar um dos maiores amigos dos alemães de Leste. Chamavam-lhe «caixa de fósforos a motor» pois a sua estrutura era de uma austeridade total. A carroçaria era feita em Duroplast, um material sintético, para a tornar mais leve e evitar a importação de metal; os interiores eram monásticos e os motores extremamente simples.

Evitando ao máximo idas à oficina, frequentemente exigidas pela má qualidade dos veículos, os alemães de Leste tornaram-se especialistas em mecânica artesanal, passando os fins-de-semana à volta dos seus Trabant, a que dedicavam os maiores carinhos. Com isso, desenvolveram-se laços afectivos e de grande camaradagem entre os cidadãos da RDA, sobretudo os de sexo masculino, e os seus automóveis. Depois caiu o Muro e vieram os Mercedes e os BMW, mas perdurou a memória dos tempos passados na companhia dos Trabant. São pormenores destes que explicam a Östalgie.

Em complemento ou em alternativa ao universo do Trabi World – e se estiver mesmo interessado nos Trabis – pode efectuar uma excursão em Berlim num Trabant. No TripAdvisor dão-lhe uma excelente pontuação, o que diz muito da pouca fiabilidade dos comentários do TripAdvisor. No Trabi Safari, assim se chama o passeio, existem várias modalidades. Uma delas, que atravessa os pontos mais quentes da Guerra Fria, custa cerca de 80€ por pessoa, tendo a excursão a duração de cerca de duas horas. Claramente a evitar. Apesar de Berlim ser uma cidade plana, convém recordar sempre a anedota dos tempos do comunismo:

− O que é um Trabant a subir uma colina?
− Um milagre.

Museu Trabant
Horário: aberto todos os dias do ano, das 10h00 às 18h00.
Entrada: 5€ / adultos.
Endereço: Zimmerstrasse, 97
Endereço electrónico: http://www.trabi-museum.com

A sede de uma organização, a Stasi, que interceptava diariamente 90.000 cartas, tinha 20.000 telefones sob escuta, possuía um arquivo com uma extensão de 180 quilómetros onde se guardavam 39 milhões de fichas.

Museu da Stasi

Uma advertência prévia, essencial: o Museu da Stasi encontra-se encerrado para obras de renovação desde 6 de Outubro, prevendo-se a sua reabertura em 15 de Janeiro de 2015.

As obras de renovação eram necessárias. O gabinete de Erich Mielke, o último director da Stasi, irá ser preservado. Nas restantes áreas, existirá uma remodelação profunda. Ainda bem. Na verdade, à parte aspectos arquitectónicos que se espera sejam preservados (o hall de entrada, as escadarias de acesso aos diversos pisos), o Museu carecia de funda renovação. Salas sucessivas, corredores inexpressivos, pouco por ali se mostrava. Tinha uma vantagem de valor incomensurável: com poucos turistas, era possível deambular pelos diversos espaços com relativa tranquilidade, entre casais sorumbáticos de franceses de meia-idade. A calma só era interrompida se porventura aparecesse uma excursão de alunos de liceu, ruidosos como em qualquer outra parte do mundo.

A sede da Stasi, tirando um pormenor ou outro, deixa uma impressão algo clean e meramente burocrática do aparelho repressivo da RDA. Por lá, nada havia de especialmente dramático ou sangrento. Bastava compará-la com a sede da polícia política húngara, no nº 60 da avenida Andrássy, em Budapeste, cujo nome actual diz tudo: Casa do Terror.

Enquanto em Budapeste se explora ao máximo, numa musealização demasiado criativa, os aspectos mais tirânicos do regime comunista, na sede da Stasi o que ressaltava era o mau-gosto dos imaculados aposentos de Mielke, bem como de todo o mobiliário envolvente. Num certo sentido, somos até abalados pela pequenez daquilo que, à entrada, julgaríamos encontrar: a sede de uma organização que interceptava diariamente 90.000 cartas, tinha 20.000 telefones sob escuta, possuía um arquivo com uma extensão de 180 quilómetros onde se guardavam 39 milhões de fichas. Aquela seria a cabeça de um polvo com 91.000 funcionários a tempo inteiro e uma rede de 173.000 colaboradores informais (Inofizielle Mitarbeiter). Das operações dirigidas a partir dali tinham surgido 280.000 penas de prisão por actividades políticas.

Algumas imagens mostram o lado caricato da acção operacional da Stasi, com artefactos intrusivos criados por imaginações férteis. Outras revelam dimensões mais sombrias e, de um modo geral, a visita é obrigatória para quem quiser conhecer esta faceta nuclear do regime deposto em Novembro de 1989.

O arquivo dos cheiros é aquilo que melhor exprime o que, numa visão geral, irá encontrar na sede da polícia política: o centro de comando de uma organização fria e impessoal, obcecada com detalhes, sôfrega para inventar sempre novas formas de intrusão na vida dos outros.

Mais do que tudo, o que impressiona é o arquivo dos cheiros: frascos com pedaços de algodão. Durante os interrogatórios, as cadeiras onde os inquiridos se sentavam eram aquecidas a temperaturas elevadas, tendo o detido de manter as palmas das mãos debaixo das pernas, em contacto directo com o assento. No interior da cadeira almofadada existia um pano de algodão dissimulado, que era retirado após a sessão de perguntas. O algodão, que absorvera o suor do inquirido, era cuidadosamente preservado num frasco de vidro. Noutros casos, a acção era mais directa: numa busca domiciliária, os agentes traziam consigo peças de roupa interior que estivessem por lavar. Acreditava-se que os milhares e milhares de cheiros recolhidos, e catalogados com rigor germânico, poderiam auxiliar novas buscas e deslindar casos de subversão, operações levadas a cabo com o auxílio de cães de faro apurado.

O arquivo dos cheiros é uma impressiva metáfora da actividade da Stasi, que literalmente farejava a privacidade de todos os cidadãos da República. É também o aspecto do Museu que mais desperta a curiosidade dos turistas, ávidos destes pormenores grotescos. De alguma forma, o arquivo dos cheiros é aquilo que melhor exprime o que, numa visão geral, irá encontrar na sede da polícia política: o centro de comando de uma organização fria e impessoal, obcecada com detalhes, sôfrega para inventar sempre novas formas de intrusão na vida dos outros.

Museu da Stasi
Horário: aberto todos os dias, excepto 24 e 31 de Dezembro, com horário reduzido nos dias 25 e 26 de Dezembro; de segunda a sexta, das 10h00 às 18h00; sábados, domingos e feriados, das 12h00 às 18h00.
Entradas: 5€ / adultos. Entrada gratuita com Berlin Pass. 
Endereço: Ruschestrasse 103
Endereço electrónico: http://www.stasimuseum.de/en

Deparamos, incrédulos, com celas inteiramente forradas a borracha, completamente insonorizadas. O cúmulo da tecnologia carcerária. Entre o final da 2ª Guerra e a queda do Muro, cerca de 50.000 pessoas estiveram detidas em Hohenschönhausen.

Prisão de Hohenschönhausen

Se o Museu da Stasi pode transmitir uma noção edulcorada da actividade dos organismos encarregues da segurança do Estado, a Prisão de Hohenschönhausen irá dissipar-lhe quaisquer dúvidas que tenha sobre o que foi a ocupação soviética de Berlim, a que se sucedeu a tomada de controlo da prisão por parte do aparelho securitário da RDA.

É, inquestionavelmente, o lugar mais terrível da Berlim dos tempos do comunismo. Fica longe do centro, numa área a que outrora se chamava «Distrito Proibido» e que nem sequer aparecia nos mapas da cidade. Situa-se a cerca de 10 quilómetros do centro, entendido este como as Portas de Brandenburgo.

A Prisão foi aberta ao público em 1994. Só admitem visitas guiadas, e ainda bem. Os guias são conhecedores (alguns, doutorados em História) e, à parte uma outra concessão que têm de fazer aos mais sedentos de horror e de sangue, não precisam muito disso: o local fala por si. Mas, sem um guia – e, por vezes, antigos prisioneiros servem de guia –, tudo não passaria de uma sucessão de celas, umas mais antigas, assemelhando-se a masmorras medievais em que os detidos eram enclausurados com água pelos tornozelos, outras mais modernas e sofisticadas. Uma das alas no subsolo, ainda do tempo dos soviéticos, tinha escassos meios de ventilação e refrigeração, sendo chamada de «submarino» pelos prisioneiros encarcerados naquela atmosfera irrespirável.

As explicações fornecidas são imprescindíveis para a compreensão do que ali se passou, sobretudo quando foram adoptados métodos mais subtis de tortura psicológica. Deparamos, incrédulos, com celas inteiramente forradas a borracha, completamente insonorizadas. O cúmulo da tecnologia carcerária. Entre o final da 2ª Guerra e a queda do Muro, cerca de 50.000 pessoas estiveram detidas em Hohenschönhausen.

Por estar situado numa área remota, o vasto complexo de Hohenschönhausen não foi alvo da ira popular nos dias subsequentes à queda do Muro. Segundo se diz, isso permitiu que muita documentação tivesse sido entretanto destruída, mas o espaço e as informações que nele são apresentadas tornam este lugar imprescindível para conhecer o mundo perdido da República Democrática Alemã.

Uma das alas no subsolo, ainda do tempo dos soviéticos, tinha escassos meios de ventilação e refrigeração, sendo chamada de «submarino» pelos prisioneiros encarcerados naquela atmosfera irrespirável.

Não sendo de fácil acesso, a Prisão é cada vez mais visitada por turistas, em transporte individual ou excursões organizadas. Como se referiu, só são admitidas visitas em grupo ou, melhor dizendo, acompanhadas por um guia. Diariamente, existe uma visita em inglês às 14h30. Apesar de no site do Memorial afirmarem não ser necessária uma reserva prévia, à cautela não deixaria de a fazer, utilizando o formulário disponibilizado online. Entre as 9h00 e as 16h00 existem tours para grupos que procedam a marcação prévia, escolhendo a respectiva língua da visita: inglês, francês, espanhol, italiano, norueguês e dinamarquês, mas para o efeito tem de fazer reserva prévia. Se for um visitante individual ou um pequeno grupo, é mais seguro realizar a visita das 14h30 e, mais seguro ainda, não deixar de realizar uma reserva antecipada. Apesar de, segundo sei, não existirem números-limite para as visitas das 14h30, o registo prévio através da Internet evita quaisquer surpresas desagradáveis (lembre-se que não está propriamente num local central de Berlim, a que possa ir no intervalo de dois programas ou de passagem a caminho de outro sítio).

Quanto a acessos, existem diversas formas de chegar ao local, consoante o ponto de partida. A mais prática é apanhar o S-Bahn nº 5 nas estações de Alexanderplatz ou Landsberger Allee e sair em Freienwalder Strasse, ficando a Prisão a dez minutos a pé desta rua. Mas não é descabido ir e vir de táxi, a menos que já se encontre em Alexanderplatz, por exemplo, e lhe seja fácil apanhar a linha 5 do S-Bahn. Como toda a zona envolvente não tem muito trânsito, a ida de táxi não é particularmente dispendiosa, mesmo estando na Alemanha.

Prisão de Hohenschönhausen 
Horário: em horários diferenciados, encontra-se aberta todos os dias, excepto 24, 25 e 31 de Dezembro e 1 de Janeiro; em todo o caso, o horário é relativamente indiferente, uma vez que não são admitidas visitas individuais, isto é, não acompanhadas por guia; existe todos os dias uma visita guiada em inglês às 14h30. 
Entradas: 5€ / adultos. Entrada gratuita com Berlin Pass.
Endereço: Genslerstrasse 66
Endereço electrónico: http://en.stiftung-hsh.de/

Museu na Kulturbrauerei

Quer o Palácio das Lágrimas, quer este Museu pertencem a uma fundação, a Haus der Geschichte der Bundesrepublik Deutschland, com espaços em Berlim, Bona e Leipzig. Desde Novembro de 2013, a fundação abriu o Museu na Kulturbraurei, com uma exposição permanente: «Vida Quotidiana na RDA», e exposições temporários, todas sobre o passado da República Democrática.

O museu fecha às segundas-feiras e, nos restantes dias, está aberto das 10h00 às 18h00 (às quintas-feiras, o horário é alargado, encerrando apenas às 20h00).

O espaço de exposição não é grande, mas tranquilo. Não se compara com o movimento e a dinâmica interactiva do DDR Museum, mas tem a vantagem de ser grátis. No interior, verá o habitual: cartazes, recriações do dia-a-dia, lenços dos Pioneiros, estatuária e brinquedos. O Museu da Kulturbrauerei, além de ter mais peças originais, possui um espólio que em nada fica atrás do que o DDR Museum exibe.

O Museu é de fácil acesso, ficando não muito longe da estação ferroviária de Frierichstrasse. Para ir de metro, utilize a linha U2, saindo na estação de Eberwalderstrasse. Uma alternativa é caminhar a pé num percurso que contemple também o Palácio das Lágrimas, não muito distante dali.

Museu na Kulturbrauerei
Horário: aberto todos os dias, excepto às terças, das 10h00 às 18h00.
Entrada: gratuita.
Endereço: Knaackstrasse, 97
Endereço electrónico: http://www.hdg.de/berlin/

A estátua não foge aos cânones da arte pública realista-socialista: é clássica, previsível e esmagadora. Tão monumental quanto monótona, só resgatada do tédio pela desmesura da sua escala. Curiosamente, a minúscula criança abraçada ao militar intrépido faz lembrar a iconografia cristã ocidental. 

Parque Treptower

É impossível fazer uma listagem de todos os locais merecedores de visita, até porque muitos deles só justificam a viagem se efectivamente quiser fazer um périplo a fundo pelos resquícios da Berlim comunista. Além do mais, é possível que essas reminiscências se encontrem em lugares surpreendentes, não em museus ou edifícios emblemáticos.

Em todo o caso, haverá que salientar os memoriais soviéticos, pois há alguns (e, curiosamente, sempre com turistas russos). Mas isso não constitui uma especificidade berlinense. Na cosmopolita e ocidental Viena, por exemplo, encontramos um majestoso Monumento aos Heróis do Exército Vermelho, da autoria de S. G. Yakovlev, no centro da cidade, perto do Palácio Schwarzenberger.

Em Berlim, destacam-se dois. Um, no Tiergarten, não muito distante das Portas de Brandenburgo, ao início da Strasse 17.Juni. Apenas para quem apreciar a monumentalidade do realismo soviético, e mesmo assim a obra nem muito monumental é. De qualquer forma, como fica a dois passos das Portas de Brandenburgo, não custa nada dar uma espreitadela.

Muito diferente, completamente diferente, é o Memorial Soviético (Sowejetisches Ehrenmal) inaugurado em 1949 no Parque Tretptower. A estátua central, de doze metros de altura, exibe um soldado da URSS, de espada na mão, com uma criança ao colo e uma cruz suástica aos pés, esmagada e fendida. De acordo com as memórias da batalha de Berlim escritas pelo marechal Zukhov, a estátua evoca o heróico salvamento de uma menina alemã de três anos, feito pelo sargento Nikolai Masalov. Debaixo de fogo intenso, Masalov terá ouvido o choro de uma criança, desamparada e só, junto ao cadáver da sua mãe. Com algumas variantes de pormenor, o heroísmo de Masalov é também referido em alguns livros sobre a batalha de Berlim, como The Race for the Reichstag, de Tony Le Tissier (Frank Cass Publishers, 1999). No entanto, Anthony Beevor, uma fonte muito fiável em matéria de história militar, não menciona Masalov no livro que dedicou à derrocada da capital do Reich (A Queda de Berlim, 1945, Bertrand Editora, 2011).

Por simbolismo ou pura necessidade, as pedras que serviram para edificar o monumento foram retiradas dos escombros da Chancelaria do Reich, de acordo com o testemunho de um observador privilegiado, Albert Speer.

A estátua de bronze foi construída em Leninegrado e transportada por barco até Berlim. Tornou-se um emblema – porventura, o mais poderoso de todos – da bravura dos soldados soviéticos na libertação da capital do Reich. Pensou-se inicialmente, segundo parece, erigir ali, no coração de Berlim, uma estátua a Estaline, mas no final optou-se pela figura serena e viril de um soldado soviético com uma criança ao colo.

A estátua não foge aos cânones da arte pública realista-socialista: é clássica, previsível e esmagadora. Tão monumental quanto monótona, só resgatada do tédio pela desmesura da sua escala. Curiosamente, a minúscula criança abraçada ao militar intrépido faz lembrar a iconografia cristã ocidental. Masalov, o salvador, assemelha-se a São Cristóvão. A estátua, e o conjunto monumental que a circunda, estavam e estão ali, em Berlim, para recordar a todos os alemães que, se não fosse o Exército Vermelho, talvez ainda vivessem sob o jugo hitleriano.

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Por simbolismo ou pura necessidade, as pedras que serviram para edificar o monumento foram retiradas dos escombros da Chancelaria do Reich, de acordo com o testemunho de um observador privilegiado, Albert Speer.

Os dezasseis sarcófagos aí existentes representam as dezasseis repúblicas da URSS. Por alturas da queda do Muro, o conjunto foi objecto de actos de vandalismo. Em reacção, o Partei des Demokratischen Sozialismus, força política criada em 1989 e próxima do legado soviético, convocou uma manifestação de repúdio contra os graffiti que manchavam a memória de tempos gloriosos. A manifestação reuniu mais de 250 mil pessoas. Mas há historiadores que dizem que os actos de vandalismo foram perpetrados por agentes da Stasi, os quais, com a queda do Muro, tinham medo de perder os seus empregos. Tratar-se-ia de uma «inventona» destinada a mostrar a necessidade de se manterem estruturas de segurança mesmo após a reunificação da Alemanha.

Em 2000 – e como seria de esperar –, Vladimir Putin visitou o Memorial Soviético com pompa e circunstância, depondo a habitual coroa de flores no monumento. A cerimónia durou alguns minutos, solenes, mas curiosamente não contou com a presença de Gerhard Schröder, que mandou o seu chefe de protocolo.

A estátua perdura, tendo sido restaurada em 2003 com capitais capitalistas (o orçamento foi de 3 milhões de dólares), nos termos do famoso acordo «Dois mais Quatro» que as autoridades oeste-alemãs celebraram em 1990 com as suas congéneres de Leste e com as quatro potências ocupantes de Berlim. É uma das atracções turísticas da cidade e um local de peregrinação de saudosistas dos tempos do comunismo, servindo regularmente de palco a celebrações da memória da guerra e dos soldados que nela morreram. Nesses dias, a praça enche-se de bandeiras vermelhas e cravos também vermelhos, de veteranos cada vez mais raros, muito medalhados ao peito.

Em 2000 – e como seria de esperar –, Vladimir Putin visitou o Memorial Soviético com pompa e circunstância, depondo a habitual coroa de flores no monumento. A cerimónia durou alguns minutos, solenes, mas curiosamente não contou com a presença de Gerhard Schröder, que mandou o seu chefe de protocolo. Estaria já o chanceler ocupado a tratar da sua ida para a Gazprom? Logo a seguir à cerimónia, o que também não causa espanto, Putin retomou um encontro com mais de vinte dos maiores empresários alemães, para tratarem de negócios e investimentos na Rússia.

A Mãe Pátria Chama!, de 1963-1967, erguida na colina de Mamayev Kurgan, nos arredores de Volgogrado

A Mãe Pátria Chama!, de 1963-1967, erguida na colina de Mamayev Kurgan, nos arredores de Volgogrado

A estátua do soldado é da autoria de Yevgeny Vuchetich, um dos principais artistas do realismo socialista, que também assinou a estátua de Dzerzhinsky na Praça Lubyanka, em Moscovo, a escultura Transformemos Espadas em Arados, patente na sede da ONU em Nova Iorque, a Mãe da Pátria, em Kiev, e sobretudo A Mãe Pátria Chama!, de 1963-1967, erguida na colina de Mamayev Kurgan, nos arredores de Volgogrado que, com os seus 87 metros de altura, é uma das maiores estátuas do mundo.

O Parque Treptower vale uma visita por ser o mais conhecido lugar de memória da presença soviética em Berlim, mas além da estátua do soldado e dos sarcófagos em redor, com uma placa explicativa muito sumária, não existe ali qualquer museu ou ponto de visita que justifique uma estadia demorada.

Também não convém alongarmo-nos em matéria de estatuária, pois existe vária na cidade de Berlim. Na antiga Berlim-Oeste, uma escultura fendida evocava a separação dolorosa das duas Alemanhas; foi erigida em 1987, na Tauetzienstrasse. A Leste, Marx & Engels, numa estátua pavorosa, no Marx-Engels Forum, a meio caminho entre a Ilha dos Museus e a Torre da TV, Karl Marx, num busto a solo, na Karl-Marx Allee. Finalmente, Ernst Thälmann – essa sim, uma grande estátua – em Greifswalder Strasse.

Existem outras estátuas dos tempos do comunismo em alguns pontos da cidade, mas Berlim não tem particular vontade de as exibir, ao contrário de Budapeste. Aí, existe nos arredores do centro da cidade, na parte sul de Buda, um parque de exposições da estatuária comunista, o Memento Park. Em Berlim, ao invés, ainda recentemente o governo regional proibiu exumar a cabeça gigantesca de Lenine, pertencente à estátua que vemos ser transportada de helicóptero em Goodbye, Lenin!

Parque Treptower  
Horário: aberto todos os dias.
Entrada: livre.
Endereço: Zwischen Puschkinallee und Am Treptower Park

Inaugurado em 1953, o Café Sybille alberga hoje muitos objectos que ilustram o sonho do que seria a Stalinallee, um boulevard de primeira classe numa sociedade orgulhosa de não ter classes. 

Karl-Marx Allee

Se não puder conhecê-la, faça ao menos uma visita virtual à Karl-Marx Allee no Google Maps. Um lugar fundamental, único. Um percurso pela memória da RDA impõe uma visita demorada pela Karl-Marx Allee, a gigantesca avenida construída entre 1952 e 1960, anteriormente designada Stalinalle. Pode ir de metro, saindo em Strausberger Platz e caminhando até Frankfurter Tor (é fundamental ver as torres de Frankfurter Tor). Em alternativa, pode sair na estação de Frankfurter Tor e fazer o percurso no sentido inverso, descendo até Strausberger Platz (não deixe de ir a esta praça tão monumental quanto decadente, concebida em 1967 pelo arquitecto Hermann Hrenselmann). Por mim, não iria muito além de Frankfurter Tor: é mais do mesmo e, por vezes, o ambiente pode ser um pouco hostil. Sem dúvida, é preferível mergulhar nas ruas circundantes de Karl-Marx Allee.

Atenção às distâncias: a avenida tem mais de dois quilómetros. Além dos edifícios, que convém observar com calma e atenção nos seus detalhes arquitectónicos e ornamentais, há dois lugares imperdíveis, praticamente um ao lado do outro. No nº 78, a Livraria Karl Marx (Karl Marx Buchhandlung), colossal mas de prateleiras vazias. E, sobretudo, o Café Sybille, no nº 72 da Karl Marx-Allee (aberto todos os dias da semana das 10h00 às 22h00 e, aos sábados e domingos, das 11h00 às 22h00).

No nº 131 da Karl-Marx Allee, existe ainda um edifício que merece ser visto, o Cinema Kosmos (Kino Kosmos), exemplo da arquitectura vanguardista socialista, um cinema multiplex, o maior da RDA, aberto em 1962.

Inaugurado em 1953, o Café Sybille alberga hoje muitos objectos que ilustram o sonho do que seria a Stalinallee, um boulevard de primeira classe numa sociedade orgulhosa de não ter classes. No interior do Sybille, fotografias dos andares-modelo, mobiliário de época, elementos decorativos e escultóricos que adornavam as imponentes fachadas de Karl-Marx Allee, cartazes de propaganda,  há de tudo sobre uma avenida destinada a servir de morada aos altos quadros do Partido. Na altura da sua construção, no inícios dos anos cinquenta, Otto Grotewohl, chefe de governo da República Democrática Alemã, exortou os operários a trabalharem mais 10% do que deviam (sem qualquer compensação, como é óbvio). O operariado não seguiu a exortação patriótica e, pelo contrário, entrou em rebelião. O levantamento popular obrigou à intervenção soviética e, ao fim de 55 a 75 trabalhadores mortos, as obras prosseguiram a bom ritmo. Hoje temos uma avenida de 2,5 quilómetros, com blocos de apartamentos de 14 andares.

No nº 131 da Karl-Marx Allee, existe ainda um edifício que merece ser visto, o Cinema Kosmos (Kino Kosmos), exemplo da arquitectura vanguardista socialista, um cinema multiplex, o maior da RDA, aberto em 1962. Não vale a pena entrar, basta vê-lo de fora. No nº 34, o Café Moskau, também merecedor de visionamento, sobretudo no exterior (no interior, tem algumas preciosidades, como as paredes forradas a mosaicos da autoria de Bert Heller, datadas de 1964). Mas, na Karl-Marx Allee, se quiser fazer uma pausa, o espaço mais recomendável é indubitavelmente o Café Sybille, simpático e acolhedor.

Um percurso-aventura pelas memórias da RDA implicaria incursões mais ousadas, inclusive por lugares abandonados ou fechados ao público, como a Escola da Juventude Comunista, em Bogensee, já fora de Berlim, na antiga casa de campo de Goebbels.

Outros lugares

Neste roteiro da Östalgie não mencionámos lugares que recordam de forma mais vincada o pós-guerra, como o Museu dos Aliados (Allierten-Museum), em Berlim-Zehlendorf (Clayallee 135). Ou, em Karlhorst, no nº 4 da Zwieseler Strasse, o Museu Russo-Alemão (Deutsch-Russisches Museum), onde foi assinada a rendição incondicional dos nazis, na noite de 8 de Maio de 1945.  . Mas obviamente que irá passar na Casa da Rússia – ou, melhor dizendo, na imponente Embaixada da Federação Russa, em estilo soviético, nos nºs 63-65 de Unter den Linden.

Do ponto de vista arquitectónico, e mesmo que sem uma ligação óbvia à Östalgie, poder-se-ia ainda citar, apesar de ficar situado longe do centro, Le Corbusier Haus, um grandioso edifício de apartamentos, nas cercanias do Olympiastadion (Reichssportfeldstrasse 16). E, quanto a museus, pode mencionar-se A História de Berlim, um espaço interactivo situado nos armazéns KaDeWe, nºs 207-208 da Kurfürsterdamm, ou o Museu de História da Alemanha, no nº 2 da Unter den Linden. Ou, no nº 40 da mesma avenida sob as tílias, o Museu de História de Berlim. Também o Museu «The Kennedys», sobre o autor da frase «Ich bin ein Berliner» e não só: August-Strasse, 11-13, aberto diariamente das 10h00 às 18h00.

A zona residencial para os altos quadros do Partido, em Waldsiedlung-Wandlitz, tinha uma área de dois quilómetros quadrados, foi concebida por Walter Ulbricht após ter visto os atemorizadores acontecimentos na Hungria em 1956. Era guardada por 800 pessoas, entre membros da Stasi e da chamada «Guarda Felix Dzerzhinsky».

A lista de locais a ver é imensa. Desde logo – e este é importante –, o Centro de Refugiados de Marienfelde, aberto em 1953 no sector americano da cidade para acolher os que fugiam do domínio de Leste (endereço: Marienfelder Allee 66/80). Depois, vários memorais ou sítios de carácter meramente simbólico, de interesse mais reduzido e circunscrito. Incluem-se aí o Memorial a Chris Gueffroy, evocativo da memória deste jovem assassinado em Fevereiro de 1989, a última pessoa que morreu a tentar atravessar o Muro. Por outro lado, o Memorial a Petter Fechter, uma coluna erguida perto do Checkpoint Charlie à memória do jovem de 18 anos que em Agosto de 1962 tentou fugir da RDA.

No mesmo âmbito, poderá visitar ainda a Torre de Vigia no nº 100 de Erna-Berger Strasse, no centro da cidade; ou a Torre de Vigia no nº 2 de Kieler Strasse, que, além do posto de vigilância, possui um memorial evocativo de Günther Liftin, a primeira pessoa morta ao saltar o Muro de Berlim.

Um percurso-aventura pelas memórias da RDA implicaria incursões mais ousadas, inclusive por lugares abandonados ou fechados ao público, como a Escola da Juventude Comunista, em Bogensee, já fora de Berlim, na antiga casa de campo de Goebbels. Igualmente fora de Berlim, a 35 quilómetros de distância, a zona residencial para os altos quadros do Partido, em Waldsiedlung-Wandlitz. Com uma área de dois quilómetros quadrados, foi concebida por Walter Ulbricht após ter visto os atemorizadores acontecimentos na Hungria em 1956. A construção iniciou-se em 1958 e terminou dois anos depois, compreendendo 23 habitações, bunkers, dois perímetros de segurança. Era guardada por 800 pessoas, entre membros da Stasi e da chamada «Guarda Felix Dzerzhinsky». Aí se encontrava a residência de campo de Walter Ulbricht, que viveu no local até 1971, e de Erich Honecker, que também aí tinha uma moradia. Actualmente é um centro clínico residencial, mas pode ser visitado. Acesso por carro (não pode ir de carro até às residências da nomenklatura) ou por S-Bahn (linha S2, com saída em Bernau, e autocarro nº 894 na direcção de Klosterfelde/Wandlitzsee, saída na paragem Brandenburg Klinik).

Singular pela sua estranheza, o Spreepark, um parque de atracções construído pelas autoridades comunistas em 1969, que foi adquirido por Norbert Witte em 1991 e entrou em completa decadência (em parte devido às actividades criminosas de Witte, alegadamente envolvido no tráfico de cocaína). Foi encerrado em 2002, é ilegal entrar no recinto, onde se acumulam comboios-fantasma, réplicas de dinossauros, montanhas-russas abandonadas. É igualmente proibido entrar numa estação abandonada que a National Security Agency edificou na Floresta de Grunewald, na parte ocidental de Berlim, um complexo fantasmagórico, hoje desactivado.

Robert Kennedy durante uma visita a Berlim, na companhia de Willy Brandt, 1962

Robert Kennedy durante uma visita a Berlim, na companhia de Willy Brandt, 1962

No bairro de Kreuzberg, encontra-se aberta, sendo gerida por um colectivo anarquista, a Casa de Georg von Rauch, um famoso activista e guerrilheiro urbano de extrema-esquerda, morto pela polícia da RFA em 1971.

Por fim, existem visitas pelos subterrâneos de Berlim, uns mais focados nos aspectos militares da Guerra Fria, outros nas tentativas de fuga pelo subsolo. Os mais aconselháveis são organizados pela Berlin Unterwelten e.V., a filial berlinense da associação dos exploradores de subterrâneos. Como existem diversos percursos e modalidades, sugere-se uma consulta da página na Internet: http://berliner-unterwelten.de/home.1.1.html

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