Por ocasião da comemoração dos 25 anos da queda do Muro de Berlim, que marcou o início do fim do totalitarismo comunista que oprimia boa parte da Europa, no jornal Avante!, do PCP, foi publicado um editorial que merece ser lido e relido com atenção. Aí, as celebrações relativas à queda do Muro de Berlim são descritas nos seguintes termos:

“Mais do que a «queda do muro de Berlim» o que as forças da reacção e da social-democracia celebram é o fim da República Democrática Alemã (RDA), é a anexação (a que chamam de «unificação») da RDA pela República Federal Alemã (RFA) com a formação de uma «grande Alemanha» imperialista, é a derrota do socialismo no primeiro Estado alemão antifascista e demais países do Leste da Europa e, posteriormente, a derrota do socialismo na URSS.”

Coerentemente, na linha comunista de defesa do bloco soviético, a República Democrática Alemã (RDA) e as suas realizações são elogiadas de forma entusiástica e inequívoca, ao mesmo tempo que se lamenta o triunfo do “imperialismo”:

“Hostilizada e caluniada pela reacção internacional, a RDA, pelas suas notáveis realizações nos planos económico, social e cultural e pela sua política antifascista e de paz, impôs-se e fez-se respeitar no concerto das nações como Estado independente e soberano e tornando-se depois de anos de duro combate membro de pleno direito da ONU (1973) em simultâneo com a RFA. Mas o imperialismo nunca desistiu das suas tentativas de liquidar a RDA socialista acabando em 1989 por alcançar a vitória, conseguindo que manifestações, nomeadamente em Leipzig, que na sua essência reclamavam o aperfeiçoamento do socialismo e não a sua destruição, ganhassem a dinâmica contra-revolucionária que conduziu à precipitação dos acontecimentos e à anexação forçada da RDA pelo governo de Helmut Kohl.”

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Curiosamente (ou talvez não), este notável editorial do jornal do PCP mereceu muito pouco destaque na comunicação social portuguesa. Qual seria a reacção nessas mesmas redacções se o órgão oficial de um qualquer partido português com representação parlamentar achasse por bem lamentar o colapso do hediondo regime da Alemanha Nazi no final da Segunda Guerra Mundial e louvar as “notáveis realizações nos planos económico, social e cultural” do regime Nacional-Socialista de Hitler? Face à enormidade de um tal disparate, não é difícil prever que as (perfeitamente justificadas) ondas de choque e indignação seriam imediatas e avassaladoras, o que só por si nos diz bastante sobre o padrão geral do jornalismo político em Portugal.

Conforme muito bem salientou João Carlos Espada, o editorial do jornal do PCP “pode ser útil para recordar que as ditaduras comunistas de Leste se reclamavam também elas da democracia, a chamada democracia popular” e que durante o PREC “os comunistas procuraram impedir a consolidação de uma democracia de tipo ocidental — e que se opuseram a ela em nome de uma democracia socialista, ou popular”.

Mas além dessas – pertinentes – observações, creio que a ausência de uma vaga de indignação e condenação generalizada evidencia um problema mais grave no país, cujas raízes são mais profundas do que a forte influência da extrema-esquerda nas redacções dos orgãos de comunicação social portugueses. Esse problema é bem resumido por Ramiro Marques quando alerta: “Aqueles que vaticinaram que a queda do Muro de Berlim marcou o fim da ideologia comunista ignoraram os escritos de António Gramsci e falaram cedo de mais.”

De facto, não obstante a queda do Muro de Berlim, as escolas e – ainda mais – as Universidades continuam em Portugal a ser, não raras vezes, bastiões da extrema-esquerda.  Creio aliás que não é possível compreender o sucesso da “perversa aliança entre governantes e grupos de interesse que, como no “neomercantilismo” de hoje, se revê no centralismo e no excesso de regulamentação”, bem denunciada por José Manuel Moreira, sem acrescentar a sustentação intelectual de que goza. De facto, não faltam no sistema universitário português aspirantes a planeadores soviéticos que conjugam habilmente as velhas crenças revolucionárias com uma pragmática capacidade para actividades rentistas à custa do Orçamento de Estado e dos fundos europeus.

É aliás interessante constatar que, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim e da libertação da Europa de Leste do totalitarismo comunista, o marxismo puro e duro subsiste e prospera no sistema educacional e universitário, onde abundam os aspirantes a planeadores, em especial na área das ciências sociais. É certo que não raras vezes se trata de um marxismo mais duro do que puro – já que as graves lacunas teóricas em alguns departamentos de ciências sociais e políticas por esse país fora não dão para mais – mas ainda assim é uma realidade que deveria merecer maior reflexão, dentro e (especialmente) fora das Universidades.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa