Tiago Barbosa Ribeiro falou com o Observador com algum barulho de fundo: a entrevista foi feita na sede de candidatura, em plena Avenida dos Aliados, e os autocarros a passar — assim como os transeuntes curiosos — foram uma constante. Mas o verdadeiro ruído de fundo que o candidato do PS à Câmara Municipal do Porto tem para combater diz respeito à sua própria candidatura, já que se multiplicam os nomes do PS — António Costa incluído — a assumirem publicamente que a missão de ganhar o Porto é difícil, se não impossível.
O próprio candidato admite que Rui Moreira tem “vantagem” e insiste que “estas eleições não são uma prova de vida”, mas estabelece uma fasquia difícil: “Não ganhar é sempre uma derrota”. Sobre o facto de ter sido escolhido pelo partido depois de Eduardo Pinheiro — o secretário de Estado acabaria por recuar depois de muitas pressões internas — Tiago Barbosa Ribeiro é taxativo: Pinheiro “nunca foi” candidato. Mas foi convidado? “Eu não fiz esse convite”. Ficam claros os desentendimentos no PS/Porto, mas Barbosa Ribeiro faz por matar o assunto: “O candidato que foi votado fui mesmo eu”.
O socialista prefere falar dos desentendimentos com Moreira, que acusa de “agir como se a campanha fosse um incómodo e o escrutínio um ataque de caráter”. O socialista ainda não divulgou o próprio programa — conta fazê-lo na próxima semana — mas ao Observador adianta algumas propostas, como o objetivo, a seis anos, de construir três mil casas para arrendamento acessível, com T1 a menos de 250 euros.
[Veja os melhores momentos da entrevista a Tiago Barbosa Ribeiro:]
“O secretário-geral está muito empenhado na vitória no Porto”
António Costa já disse publicamente que as perspetivas no Porto são de que Rui Moreira volte a ganhar. Eduardo Vítor Rodrigues, socialista, presidente da Câmara de Gaia e da Área Metropolitana do Porto, disse mais: “No Porto, ninguém ganha a Rui Moreira”. A sua candidatura é um pró-forma?
Não, de forma alguma. Não é um pró-forma e não me cabe a mim fazer análise política sobre candidaturas, muito menos candidaturas do PS.
Estava a pedir-lhe um comentário a palavras de camaradas seus de partido, nomeadamente do secretário-geral do PS.
O secretário-geral do PS está muito empenhado na vitória no Porto. Ele quer uma vitória na cidade do Porto.
Mas não parece acreditar muito nela.
Ele esteve no distrito do Porto na apresentação de todos os candidatos, em Vila do Conde. Obviamente o PS, quando entra em qualquer eleição, entra para ganhar. Portanto não ganhar, para o PS, é sempre uma derrota.
Então como é que comenta as palavras de Eduardo Vítor Rodrigues?
Existem eleições que são mais fáceis e eleições mais difíceis. Não tem a ver especificamente com o atual incumbente da Câmara do Porto. Todos nós entendemos que um presidente em exercício que se recandidata a um terceiro e último mandato tem teoricamente vantagem sobre quem entra nessa disputa, porque está no exercício do poder e porque a partir do poder consegue também ter outro tipo de reforço da sua própria campanha eleitoral, muitas vezes misturando o que é o município e o que é a sua campanha, como tem vindo a acontecer ao longo das últimas semanas. Dito isto, o PS está nesta campanha com muita força. E há uma coisa que saliento: a cidade do Porto tem dado ao longo dos anos muitas surpresas na noite das eleições, em especial nas autárquicas.
Muito concretamente: quando António Costa diz que é difícil outro resultado que não a vitória de Rui Moreira e Eduardo Vítor Rodrigues diz que no Porto só Rui Moreira ganha, não se sente fragilizado? Acha normal que duas figuras desta dimensão do PS admitam para quem quiser ouvir que o PS está derrotado à partida?
Creio que essa intervenção de Eduardo Vítor é numa entrevista com alguns meses que não tem a ver especificamente com um comentário à realidade autárquica. Nem a de António Costa. Eduardo Vítor é um grande presidente em Gaia e fez um percurso muito difícil e exigente contra um destacado dirigente e presidente da câmara do PSD, Luís Filipe Menezes, que por sua vez foi derrotado aqui no Porto quando toda a gente o considerava vencedor antecipado. O Eduardo Vítor disputou essas eleições em Gaia e venceu-as. Entendo que sobretudo as eleições autárquicas são muito marcadas por dinâmicas locais que não estão propriamente apreendidas pelo espaço mediático mais amplo. Acho mesmo que as autárquicas, no caso do Porto, estão muito longe de estar decididas. Sinto muito descontentamento nas ruas com o atual presidente da câmara. Vamos a este combate com toda a determinação e com a presença do secretário-geral nesta campanha, naturalmente.
Ainda que desvalorize as declarações de António Costa e Eduardo Vítor Rodrigues, eles disseram o que disseram. Também é verdade que não foi a primeira escolha do PS para ser candidato. Se o partido, a começar pelo secretário-geral, diz que não acredita na vitória; se não foi a primeira escolha do partido; como é que espera que os portuenses olhem para si como primeira escolha para a Câmara do Porto?
Gostava de clarificar essa questão da primeira e segunda escolha. Primeiro, relativamente aos calendários. O PS tomou a sua decisão relativamente ao Porto e a outras autarquias do país efetivamente mais tarde do que aconteceu, por exemplo, com o PSD.
Isso não prejudicou a sua preparação para a campanha?
Não. Quer dizer, vejo que há candidatos que estão há muitos meses no terreno na cidade do Porto e nem por isso estão especialmente mais bem colocados. O que fizemos a nível do PS foi primeiro resolver os problemas com que nos debatíamos na frente sanitária, na frente da pandemia, na frente económica e depois avançar para a questão autárquica. Estas eleições não são uma prova de vida, como parecem ser para o PSD. Relativamente à outra matéria, é preciso separar o que foi sendo dito, escrito e comentado do que efetivamente estava a acontecer. Pude ler muitas notícias, muitas dessas colocavam-me nessa disputa muito antes de ela surgir, e foram lançando pré-candidatos…
Mas Eduardo Pinheiro não era o candidato do PS?
Não, nunca foi. Nunca foi votado como candidato do PS.
Foi anunciado como tal.
Não chegou a ser anunciado. O Eduardo Pinheiro, de quem sou amigo, é um grande governante, que faz parte do Conselho Estratégico desta candidatura.
Foi convidado para ser candidato. Isso é verdade.
Não vou comentar convites que possam ou não ter sido feitos. Eu não fiz esse convite e portanto não me cabe a mim…
Está a dizer que Eduardo Pinheiro não chegou a ser convidado?
Não vou pronunciar-me sobre convites que possam ou não ter sido feitos. Aliás, a discussão neste momento, a cerca de duas semanas do fecho desta campanha, é extemporânea. Eduardo Pinheiro é alguém que está concentrado no seu trabalho. Esteve na apresentação da minha candidatura, tem dado o seu contributo, já esteve em vários momentos da campanha. Não há aí qualquer questão. No PS, o candidato que foi votado fui mesmo eu. Portanto o candidato escolhido por unanimidade, que tem o apoio dos órgãos do PS, sou eu. Porquê? Sou presidente da concelhia do PS/Porto, sou autarca na cidade há 12 anos, tenho participado política e civicamente, é a cidade onde trabalho — estou deputado há seis anos, mas sou quadro de uma empresa aqui do Porto, vivo no Porto, tenho a minha família no Porto.
Disse que Eduardo Pinheiro não recebeu qualquer convite. Quando Eduardo Pinheiro desistiu da eventual candidatura, o próprio disse ter recebido com orgulho o convite de Manuel Pizarro, líder da federação do PS/Porto.
Eu disse que eu próprio não tinha feito nenhum convite.
Portanto, houve aí uma falha de comunicação entre si e Manuel Pizarro.
O PS no Porto sempre teve este processo de participação tendo por base duas linhas de orientação: a escolha de um perfil, e ele foi feito; e uma declaração de princípios para os candidatos…
Já percebemos que Manuel Pizarro queria a candidatura de Eduardo Pinheiro e Tiago Barbosa Ribeiro, enquanto líder da concelhia, não quis.
Não, de forma alguma. Nem houve nenhum tipo de disputa, nenhuma divergência nesse sentido. Há um total alinhamento entre mim, o presidente da federação, o Eduardo Pinheiro e o secretário-geral do PS relativamente a esta matéria. E sempre houve. Houve muita coisa que foi escrita e dita…
O que é que está a desmentir, exatamente?
Foram colocados vários nomes como possíveis candidatos, incluindo eu próprio. Foi sendo dito e escrito que tinham sido feitos alguns convites a outras pessoas, que também foram sendo colocadas nessa roda mediática sem que essas pessoas alguma vez sequer pensassem nesse tipo de enquadramento para si próprias. Portanto não cabia ao PS/Porto estar a comentar notícias, o que fizemos foi aprovar um perfil do candidato à câmara por unanimidade, e depois votar um candidato por unanimidade nos órgãos do PS.
Está a falar em alinhamento, mas quando Eduardo Pinheiro desistiu António Costa veio manifestar publicamente a sua solidariedade para com ele e pôs a solução nas mãos das estruturas. Eduardo Pinheiro foi boicotado pelas estruturas?
Não, de norma nenhuma. Nem sequer nos pronunciámos sobre isso. Como referi, ele está a participar na minha candidatura, no meu programa. Não sei que mais possa referir para mostrar que ele está empenhado nesta candidatura.
Mas porque é que Eduardo Pinheiro precisava dessa solidariedade do secretário-geral?
Tem de perguntar ao Eduardo Pinheiro.
“Candidato-me para ganhar e não ganhar é uma derrota”
António Costa não esteve presente na sua candidatura, esteve depois consigo e outros candidatos em Vila do Conde. Já sabe quando é que Costa virá ao Porto em campanha?
Estamos a acertar esse calendário. O secretário-geral ainda não esteve em nenhuma candidatura do distrito do Porto, fez uma apresentação de todos os candidatos do distrito e terá os seus momentos de participação de acordo com a sua agenda e virá naturalmente ao Porto.
É um candidato jovem e relativamente desconhecido do grande público. Esta candidatura é na realidade uma rampa de lançamento para se dar a conhecer e voltar a concorrer às eleições de 2025 já com mais condições para disputar a câmara?
Não, é uma candidatura de presente. Estamos mesmo empenhados em ganhar a Câmara do Porto agora, porque sentimos que precisa de liderança do PS para mudar o que está mal na cidade do Porto. Vemos atualmente um projeto esgotado, cuja única visão para o futuro da cidade é, durante os próximos quatro anos, cumprir tudo aquilo com que se comprometeu nos últimos oito anos e não o fez.
Perguntava-lhe porque assumiu há pouco que é natural que o incumbente tenha vantagem eleitoral. Por isso pergunto se em 2025 poderá já ter mais notoriedade e disputar as eleições.
Quatro anos é uma eternidade na vida política. O que posso dizer é que ficarei, seja qual for o resultado que os portuenses entenderem que merecemos, sempre na Câmara do Porto. Em que funções, os portuenses dirão. Não deixarei o Porto.
Quando é questionado sobre a fasquia para o Porto, tem dito precisamente o que nos disse agora: que será o que os portuenses acharem que merece. Não é uma frase que permita depois fazer uma avaliação do resultado. Está a baixar as expectativas?
Não, trata-se de ter respeito pelos eleitores. Não temos uma visão arrogante sobre a escolha dos eleitores, como acontece com o atual presidente da câmara; não achamos que as eleições, em especial as autárquicas, sejam um ato simbólico, uma espécie de um marco rumo a algo para o qual algumas pessoas estão predestinadas; não, é mesmo a democracia a funcionar.
Onde é que vê essa arrogância de Rui Moreira?
Comporta-se como se uma campanha eleitoral fosse um incómodo e como se o escrutínio fosse sempre um ataque de caráter ou um ataque pessoal. Isto não é de quem está especialmente confortável com a forma como a democracia deve funcionar.
Mas ainda sobre metas eleitorais. Disse que entra com o objetivo de ganhar. Ao mesmo tempo diz que espera ter o resultado que os portuenses lhe queiram atribuir…
Que espero que seja a vitória.
Isso não é contraditório?
Não. Eu candidato-me para ganhar e não ganhar é uma derrota, não há qualquer forma de dar a volta aos resultados. Candidatamo-nos para vencer em todas as eleições, não ignorando as dificuldades em concreto de cada disputa que se trava. Depois de contados os votos, cá estaremos para assumir todas as responsabilidades.
Ainda na questão das fasquias, mesmo num contexto particularmente difícil, em 2017 o PS teve mais de 28%. Tendo sido um dos grandes responsáveis por esta solução de candidatura, demite-se da liderança da concelhia se ficar aquém do resultado de 2017?
O PS terá eleições internas nas concelhias, federações e todo o ciclo de eleições democraticamente calendarizadas e esse ciclo acontecerá logo no início do ano. Mas devo dizer que no caso do Porto o PS está fortemente empenhado e unido em torno desta candidatura, que foi votada por unanimidade e aclamação nos órgãos, algo que não acontecia há muitos anos.
Exceto na parte de Manuel Pizarro ter proposto e convidado outra pessoa.
Manuel Pizarro faz parte também desta concelhia, tem participado na campanha, esteve comigo no sábado. É um grande ativo do PS, um militante da concelhia e participou, obviamente, neste processo de decisão.
Portanto vai-se recandidatar seja qual for o resultado?
Não está na minha agenda de prioridades refletir sobre esse tema. Ainda não decidi. Apenas digo que vai haver eleições.
Responsabilizou BE e PCP por não existir um entendimento alargado à esquerda para enfrentar Rui Moreira. Os partidos à esquerda faltaram à chamada?
Não sei quem faltou.
Mas o PS mostrou essa disponibilidade.
É um facto. E o PS, no caso do Porto, entende que havia condições, e historicamente podiam ter sido concretizadas para esta campanha, e o entendimento quer com o PCP quer com BE, PAN e outros partidos.
Puseram os interesses particulares à frente de uma aliança à esquerda?
Não queria pôr as coisas nesses termos. Eles têm a sua agenda, a sua visão e estratégia. O eleitorado de esquerda do Porto terá possibilidade de avaliar isso no dia das eleições.
Acha que vai concentrar votos do eleitorado de esquerda por não haver essa união?
Os partidos e os candidatos não são donos dos votos. Eu entendo que a candidatura do PS responde a um conjunto de temas que dizem muito respeito aos eleitorados progressistas, às classes médias, a quem procura mais coesão social, uma economia mais qualificada, habitação, mais qualidade de vida, uma rede pública de creches… Sentimos que ao longo dos últimos anos houve muitos momentos de convergência concretos, na Câmara entre PS e PCP, na assembleia municipal incluindo BE e PAN, e combates em que houve um relativo alinhamento.
No entanto, aqui no Porto o muro ainda não caiu.
Não sei se caiu ou não. O que gostávamos mesmo era de dar à cidade o que merece. Isso faz-se com votos e maiorias sociais que têm de ser construídas antes das eleições, porque evidentemente no caso das autarquias não é possível uma solução pós-eleitoral como existiu em 2015 na Assembleia da República.
“Um T1 não pode custar mais de 250 euros no Porto”
Tentámos encontrar o programa eleitoral. Ele existe, está disponível?
O programa vai ser apresentado na próxima semana, vamos fazer um grande evento. Terá 130 medidas para mudar a cidade, em torno de seis grandes eixos. Foi coordenado pelo professor Rui Fernandes, pelo Rui Lage…
Mas estamos a 20 dias das eleições. Para quem diz que quer fazer uma campanha de transparência, não é poucochinho apresentar o programa a 10 dias das eleições? Isso favorece o escrutínio público?
Favorece porque o nosso trabalho tem sido feito ao longo do tempo, não é algo que se esgota no momento.
Mas a verdade é que as pessoas não sabem as suas ideias para a cidade, sabem algumas avulsas.
Eu tenho vindo a apresentar algumas ideias e temos tido um processo de auscultação da cidade. Lançámos no final de junho o movimento A voz do Porto, que permitiu recolher por toda a cidade um conjunto de ideias, centenas delas, temos reunido com as instituições e associações representativas dos setores, e tivemos um ciclo de debates e conferências, englobando a área da habitação, economia, da dimensão metropolitana do Porto, que nos permite agregar um conjunto de personalidades e especialistas. O processo de conclusão de toda esta auscultação é a apresentação do programa. Não sei se serão dez dias, mas o que não conheço mesmo são as ideias de Rui Moreira para os próximo quatro anos. Isso é que se calhar valia a pena percebermos. Não será certamente por falta de um bom programa que os portuenses deixarão de votar no PS.
Já disse que seria possível colocar “largas centenas, se não milhares de imóveis” no mercado a custos acessíveis. Qual é o número?
É sempre difícil concretizar antes de termos os dados que a câmara tem, para depois não dizerem que falhámos nas metas. O que antecipo como possível e exequível é a possibilidade de colocarmos durante os próximos seis anos — não nos próximos quatro, é um projeto de médio prazo — três mil fogos de arrendamento acessível.
Que custos, para que faixas da população…?
Os preços cresceram de forma brutal nos últimos anos, muito acima do país, do distrito, de Lisboa. No ano passado, o Porto foi o município onde o preço da habitação mais cresceu. Nos últimos anos, a mediana por metro quadrado cresceu 105%. E vemos que há uma impossibilidade das classes médias, dos seus filhos e de quem vive na cidade em casas arrendadas de continuar a viver na cidade.
O diagnóstico é conhecido e partilhado. Perguntava-lhe pelas soluções.
Mais ou menos. Rui Moreira tem uma permanente obsessão com a criação de factos alternativos e com realidades mediáticas que não correspondem à realidade consegue dizer que os números que demonstram um decréscimo da população do Porto correspondem a um aumento da população do Porto. Isto é extraordinário. Dos dez municípios mais populosos do país, o Porto foi o que mais perdeu habitação nos últimos dez anos.
Mas também não perdeu os 20 mil habitantes que diz ter perdido. Foram 5 mil na cidade, 20 mil na Área Metropolitana.
Tínhamos estimativas que apontavam para uma perda e essa perda se for alargada à última década vai bater mais ou menos nesses valores. Temos que ver que nos últimos quatro anos perdemos 7500 eleitores.
Para recentrar: o que propõe para a responder ao problema da habitação?
Implica uma mudança efetiva de políticas. Em primeiro lugar, queremos criar um banco municipal de terras e de imóveis da Câmara que podem ser mobilizados para o programa de arrendamento acessível. Um T1 não pode custar mais de 250 euros no Porto, um T4 não pode custar mais de 600 euros. Não podemos ter arrendamento acessível que, na prática, não é acessível. Em segundo lugar, passa por mobilizar património do Estado Central. Existe muito património, quer da Segurança Social, quer da Defesa, que pode ser mobilizado para este programa. E ele já tem sido, na verdade. Dou o exemplo do Monte Pedral, um antigo quartel com largos milhares de metros quadrados de construção: foi entregue à Câmara Municipal do Porto há mais de dois anos e não foi lá posto um prego. Além disso, é possível mobilizar parceiros para isto: a Santa Casa da Misericórdia do Porto é a maior proprietária não pública da cidade; tem centenas e centenas de imóveis e de terrenos; já reuniu com o provedor, António Tavares, e ele está muito disponível para entrar num programa que seja participado pelo município, assim o município tenha essa vontade — neste momento estão de costas voltadas.
O executivo de Rui Moreira não mostrou essa vontade quando assinou um acordo com o Governo para a construção de habitação acessível para 1700 famílias?
Reconheço aí a iniciativa do Governo.
Rui Moreira queixa-se de não ter recebido ainda um tostão.
Rui Moreira faz isso sistematicamente: não cumprir aquilo que lhe diz respeito e estar permanentemente a vitimizar-se com aquilo que não lhe diz respeito.
Em que é que Rui Moreira incumpriu?
Dei o exemplo do Monte Pedral.
Não, mas neste caso concreto. Em que é que Rui Moreira incumpriu?
Não conheço esse caso concreto. Era preciso ver esses dados para perceber a que é que Rui Moreira se refere. Rui Moreira cria muitos factos mediáticos que depois não correspondem à realidade. Rui Moreira usa sistematicamente o combate ao centralismo — e esse combate é justo se for baseado em causas concretas — mas o que nós vemos é que, se o centralismo prejudica o país todo, a inação de Rui Moreira prejudica os habitantes do Porto. Rui Moreira está há oito anos na cidade do Porto. Ele é que tem de dizer o que é que fez ao nível do programa de arrendamento acessível.
Na assinatura desse acordo, em novembro de 2020, António Costa congratulou o Porto por ser um dos primeiros municípios a ter uma estratégia de habitação e Pedro Nuno Santos registava a articulação com Rui Moreira, destacava a sua iniciativa e dinamismo. Discorda deles?
Não. O que eu pergunto é: ao abrigo desse programa, o que é que foi executado que não seja uma desculpa de mau pagador? Desde aí, não foram disponibilizados imóveis para renda acessível. O Porto Com Sentido, que permitia retirar arrendamento de alojamento local para arrendamento de longa duração, mais valia chamar-se Porto Sem Sentido. O caso das ilhas: deixámos [PS] um programa para intervenção nas ilhas do Porto que está parado. Cerca de 10 mil pessoas ainda vivem nas ilhas do Porto e precisámos de dar condições condições de vida.
“Vamos definir como zona de contenção de alojamento local todo o centro histórico”
Falou na questão do alojamento local. Em Lisboa, Fernando Medina reconheceu que isso era um problema e quer impossibilitar a abertura de novos alojamentos em toda a cidade. É uma medida de que o Porto precisa?
É. Antes disso: temos disponibilidade de intervenção em vários terrenos que têm neste momento uma inação brutal por parte da Câmara do Porto. Estive recentemente no Bairro do Leal e existem dezenas e dezenas e dezenas de casas que estão a cair de podre, algumas delas com gente lá dentro, sem saneamento básico, em condições indignas para o século XXI. A Câmara Municipal do Porto não fez qualquer tipo de intervenção nos últimos quatro anos.
Voltando ao alojamento local.
O caso do alojamento local é paradigmático. No caso do centro histórico, o alojamento local tem vindo a provocar uma enorme dificuldade de acesso à habitação e dou o exemplo da freguesia de Cedofeita [União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória]: é a freguesia que tem mais licenciamentos de alojamento local registados; no final do ano passado, superava 70% do total de licenciamentos na Câmara Municipal do Porto; nos últimos seis anos, o preço por m2 aumentou 155%; e foi a freguesia que mais perdeu habitantes, cerca de 13% da população nos últimos dez anos.
São essas zonas que quer limitar?
Evidentemente. Estas zonas têm de ser zonas de contenção.
Ou seja: não é para a cidade toda; quer criar zonas tampão.
Sim, vamos definir como zona de contenção a novos registos de alojamento local todo o centro histórico. E depois vamos avaliar percentagens de intervenção em função daquilo é a realidade da cidade. É mais fácil intervir sobre o alojamento local do que propriamente licenciamentos hoteleiros, mas essa dimensão também é importante: por exemplo, havia 83 hotéis em processo de licenciamento na Câmara do Porto no final do ano passado, a grande maioria no centro histórico. Este processo de massificação brutal de oferta de alojamento local e de hotéis estamos a tirar valor ao próprio turismo. Nenhum de nós vai a uma cidade para ver na porta ao lado alojamento local e um turista.
“A TAP não tem vindo a servir como devia o aeroporto do Porto”
Já disse que a TAP não tem servido o aeroporto do Porto como devia. Um ano depois de o Estado ter garantido a participação maioritária na empresa, responsabiliza o Governo por essa defesa insuficiente dos interesses da cidade?
O Governo não intervém sobre a definição das rotas concretas da TAP. O que o Governo tem de definir é o papel estratégico que a TAP tem de desempenhar enquanto empresa pública.
E está a defini-lo bem?
Temos de aguardar pela definição do programa de restruturação e pela concretização desse plano. Espero que a TAP, como todas as empresas públicas, sirva todo o país. Ao longo dos últimos anos, independentemente da componente acionista, a TAP não tem vindo a servir e a acompanhar como devia o aeroporto do Porto.
Segundo dados do segundo trimestre publicados pela Autoridade Nacional de Aviação Civil, o número de passageiros transportados pela TAP no Aeroporto do Porto fixa-se em 110 mil, o que corresponde a uma quota de mercado de 12%, um valor historicamente mínimo. Mais uma vez: o Governo tem acautelado os interesses do Porto?
O Governo tem procurado defender os interesses do Porto através da intervenção de uma empresa pública. Não o poderíamos fazer se não tivéssemos uma componente pública para a decisão. O que vemos é um discurso profundamente demagógico de comparar o trabalho e o tipo de intervenção que tem a TAP, uma companhia de bandeira, que compra em Portugal, que paga impostos em Portugal, que contrata em Portugal e que respeita a legislação portuguesa com outras companhias, que têm o seu papel, mas que têm outro tipo de lógica. Portanto, a TAP é uma companhia que tem de servir os interesses de todo o país.
Pedro Nuno Santos tem gerido bem o dossiê TAP?
Tem gerido bem com as muitas dificuldades que existem sobretudo em cima de uma pandemia. Quando falamos em deixar cair a TAP temos de avaliar os custos alternativos: despedir dezenas de milhares de pessoas, subsídios de desemprego, contribuições para a Segurança Social, contribuições para o equilíbrio da balança comercial, o que a TAP exporta e o que importa, o que compra a empresas portuguesas… Esfumando-se tudo isto não seria uma brincadeira. Temos de avaliar se a TAP é ou não estratégica para o país. Na minha opinião, é.
Precisamente. Já reconheceu que a TAP não está a acautelar os interesses da cidade do Porto e da região. É portuense e candidata-se à Câmara do Porto. Sente-se confortável com o dinheiro que já foi investido na TAP, uma companhia aérea que não está, como reconheceu, a defender os interesses da cidade?
A TAP está com um processo de reestruturação.
Portanto, se no final desse processo a TAP não corresponder às exigências da cidade do Porto…
Cá estaremos para nos fazer ouvir. Como aliás temos feito.
“Rui Moreira é muito acintoso mas revela sobretudo inação”
A mobilidade tem sido um dos temas levantados pela sua campanha, em particular a questão da VCI. O que é que propõe exatamente?
Proponho várias coisas. É importante separar aquilo que são estrangulamentos rodoviários da cidade do Porto, daquilo que é responsabilidade direta da autarquia, daquilo que implica uma intervenção mais ampla. Começava logo por aí: o processo de expansão da Metro do Porto.
Concorda com este projeto de expansão?
Sim. É da iniciativa do Governo e é um projeto que vai implicar um total de 800 milhões de euros que pode com outras linhas superar os mil milhões, implica uma nova ponte sobre o Douro, e implica um grande investimento, criação de emprego e, sobretudo, tirar muitos carros e autocarros da cidade.
Voltando à VCI.
Temos de reivindicar a VCI para o Porto. Temos de conseguir lidar com a IP, coisa que Rui Moreira não tem conseguido. Nem com a IP nem com a Área Metropolitana porque 70% dos carros que entram na cidade todos os dias não são de portuenses. E temos dois grandes obstáculos: a VCI e a circunvalação. Acho inacreditável como é que não se encontra um consenso para intervir na circunvalação. No caso da VCI, temos de conseguir retirar tudo aquilo que é tráfego que não diga respeito a transporte de ligeiros.
É uma autoestrada que atravessa a cidade. E é da competência do Governo.
Com certeza que há e que está no âmbito da IP. Eu quero é reivindicar a VCI para a cidade do Porto. Rui Moreira, que tem um discurso muito acintoso sobre várias matérias, tem sobretudo uma inação nos resultados. Se há um problema na VCI e se esse problema diz respeito à IP é importante ver o que é que a IP está a fazer sobre isso.
A questão é que Rui Moreira já propôs isentar de portagens os veículos pesados de mercadorias que se deslocassem não pela VCI mas pela CREP. Até ver, segundo Rui Moreira, o Governo tem falhado em dar uma resposta. Portanto a culpa aqui é de quem?
A culpa é de todas as entidades que têm intervenção sobre a VCI. O passa-culpas é que não resolve o problema. A IP gere a VCI e é importante dialogar com a IP para encontrar essas soluções. A Câmara Municipal não pode fazer aquilo que faz sempre: “Não temos nada a ver com isto, não conseguimos”. Se não são ouvidos, é importante testar outros protagonistas que possam vir a ser ouvidos.
“É muito importante que António Costa seja sucessor dele próprio”
Há um par de semanas tivemos o congresso do PS, onde se discutiu muito a sucessão de António Costa. Acredita que seria importante para o país e para o PS ter António Costa recandidato em 2023?
Com certeza. António Costa tem feito um grande trabalho como primeiro-ministro. Vi muitas notícias sobre a sucessão de António Costa, mas não foi tema que tivesse no congresso. Para o bem do país, é muito importante que António Costa seja sucessor dele próprio. Acho que tem o apoio unânime de todo o PS e espero veementemente que o faça.
Mesmo que isso signifique que Pedro Nuno Santos, de quem é próximo, tenha de esperar?
Essa questão não está pura e simplesmente em cima da mesa.
É natural que venha a estar.
Não sei.
Não acredita que Pedro Nuno Santos venha a ser candidato a sucessor de António Costa?
Acho que essa questão não está mesmo em cima da mesa. Haverá um tempo, que espero que esteja bastante distante, para que o PS encontre as suas soluções.
Mas vê alguém melhor do que Pedro Nuno Santos para assumir esse cargo?
O PS é um grande partido, que sempre conseguiu encontrar soluções…
Reformulando: neste momento, vê alguém em melhores condições para assumir esse cargo?
Neste momento, Pedro Nuno Santos é ministro das Infraestruturas e está a fazer um grande trabalho. Sou amigo de Pedro Nuno Santos, reconheço-me na sua forma de intervir politicamente, reconheço-me na sua visão de sociedade e na sua visão para o PS. Não há aí nenhum mistério.
Portanto, quando chegar a altura, vai apoiar Pedro Nuno Santos para a liderança do PS?
Essa questão não se coloca. Primeiro, é preciso que essa questão se coloque. Depois, é preciso avaliar quem é que quer disputar essa eleição e depois as pessoas farão as suas opções em torno disso. Mas não é uma matéria que esteja em cima da mesa.
Teve pena de não o ouvir no congresso? Não deu a ideia de que a ala esquerda do PS está adormecida?
Primeiro, somos todos da ala do PS. Dito isto, não senti especial falta de ouvir Pedro Nuno Santos porque falo muito com Pedro Nuno Santos independentemente dos congressos.
Mas faz falta ao partido ouvi-lo ou não?
Faz sempre falta ouvir militantes da dimensão de Pedro Nuno Santos. Terá certamente muitas oportunidades para falar quando entender.
Pedro Nuno Santos já disse que até gostava de votar no Porto para votar em si; Moreira associa-o a essa ala ‘pedronunista’ e até falou de si, numa entrevista ao Observador, como um “homem que admira a revolução cubana”. Não teme ser prejudicado por essa associação?
Não. É uma ficção de Rui Moreira que não tem qualquer adesão à realidade. Normalmente ele quando fica irritado lança assim algumas dessas e eu até acompanhei essa com algum gozo. O que nunca tivemos foi eleitos do PS que votassem contra moções a celebrarem o 25 de Abril como aconteceu com os eleitos de Rui Moreira na Assembleia Municipal do Porto. Isso não é nada da década 50, nem 60. Foi algo que aconteceu há muito pouco tempo e sobre esse tipo de radicalismo e dificuldade em lidar com os valores democráticos que existe em muitos apoiantes de Rui Moreira que devia merecer a sua preocupação.
[Veja a entrevista na íntegra:]