A luz atravessa as paredes despidas da Galeria Quadrum, em Alvalade. “Gosto muito de ver as galerias assim”, admite Sara Antónia Matos. O momento é raro. Nos cinco espaços que a Câmara Municipal de Lisboa tem para exposições temporárias de arte contemporânea, há um calendário preenchido de mostras. O tempo entre montagens e desmontagens é escasso.
“Há instituições com uma programação autoral muito marcada. Não é o caso das Galerias Municipais, que abrangem uma diversidade de artistas, gerações e geografias”, comenta a diretora e programadora de espaços tão diversos como a Galeria Quadrum, o Pavilhão Branco, a Galeria da Boavista, o Torreão Nascente da Cordoaria e a Galeria da Avenida da Índia.
A revolução nestes espaços, sob a gestão da EGEAC — a empresa municipal de cultura — deve-se em grande parte a ela. Sara Antónia Matos esteve na direção das Galerias Municipais entre janeiro de 2017 e março de 2019. Em articulação com a tutela, fez a reorganização da orgânica e a definição das linhas estratégicas de programação para o conjunto dos cinco espaços tendo em conta a noção de serviço público, as características e potencialidades de cada um. Esteve à frente do projeto de remodelação da Galeria Quadrum, que devolveu ao espaço expositivo transparência arquitetónica e amplitude. Tudo isto acumulando sempre as funções de diretora Atelier-Museu Júlio Pomar, cargo que ocupa desde 2012 (e que também está sob a alçada da EGEAC).
Em 2019, saiu das Galerias Municipais para fazer parte da comissão instaladora do Banco de Arte Contemporânea – BAC, um projeto de espólios documentais e artísticos de arte contemporânea. Do concurso público para a substituir foi eleito o curador e crítico de arte alemão Tobi Maier. Mas a mudança de executivo camarário e as mudanças na EGEAC ditaram mexidas em vários equipamentos de Lisboa e em 2023 tornou ao leme dos espaços de exposições temporárias de arte contemporânea da câmara, uma opção “interna” do novo presidente da EGEAC, Pedro Moreira, quatro meses depois de ter entrado em funções. A comissão de serviço de Tobi Maier foi antecipada, e Sara Antónia Matos voltou à casa que conhece bem.
Formada em Escultura, a curadora tem feito por fugir ao que lhe é próximo. “O que tenho procurado fazer é, justamente, não cunhar demasiado a programação com as minhas empatias. Tenho que perceber quais são as necessidades do meio”, afirma.
Em entrevista, Sara Antónia Matos, 45 anos, descreve os desafios de programar espaços tão distintos, alerta para a urgência de dignificar o trabalho artístico, desvenda porque prefere exposições individuais a coletivas, e revela que a Câmara Municipal de Lisboa está à procura de um espaço que possa albergar os espólios do Banco de Arte Contemporânea e, possivelmente, a coleção de arte contemporânea que tem vindo a construir desde 2016.
As Galerias Municipais são constituídas por cinco espaços com tipologias e localizações distintas. É benéfico que a programação seja centralizada numa única figura de programador-curador?
Sim, porque a especificidade desta orgânica da EGEAC, constituída pelas cinco galerias, tem mesmo a ver com trabalhar em conjunto. Na sua diversidade, cada uma das galerias serve o tecido artístico de uma maneira diferente e é importante, do meu ponto de vista, que tenha um curador e programador que supervisione a sequência das exposições. Por exemplo, a Galeria da Boavista é dedicada a projetos mais experimentais e mais jovens, proporciona exposições a artistas que nunca tiveram exposições individuais. Têm aí o seu primeiro suporte institucional, orçamental, técnico. O Pavilhão Branco age com os artistas de meia carreira. A Cordoaria recebe sobretudo exposições de instituições que não têm espaço de exposição e que querem tornar acessível as suas coleções ao público, mas também tem sempre previsto, pelo menos uma vez por ano, fazer uma antologia de um artista veterano.
É o caso da que agora está patente, Factum, do fotógrafo Eduardo Gageiro?
Sim. Se bem que foge um bocadinho à tipologia mais convencional das galerias porque o Eduardo Gageiro é um fotojornalista e a programação das galerias é estritamente no campo da arte contemporânea. Mas a fotografia faz parte dos meios da arte contemporânea e como estávamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril achámos por bem fazer essa antologia retrospetiva. Mas a Cordoaria tem essa missão, de uma vez por ano, fazer uma antologia de um artista veterano que, por algum aspeto, não chegou a outras instituições congéneres: CCB, Serralves, Culturgest, Gulbenkian.
O papel das Galerias Municipais é o de preencher lacunas, chegar ao que outras instituições e entidades culturais da cidade não conseguem dar resposta?
Também. As instituições têm uma programação e missão muito específicas. Estas galerias só fazem sentido se pensarmos no conjunto de instituições da cidade. Não substituem as outras instituições, mas elas também não invalidam a programação das galerias, colmatam-se. Há uma outra especificidade das galerias municipais que é a possibilidade de criar oportunidades para artistas que estão a desenvolver determinado trabalho e que estão em ocasião de mostrar. Damos condições para que desenvolvam um projeto desde a conceção, à produção, até à apresentação, com suporte institucional, com um orçamento. A ideia de trabalhar em conjunto e de desenvolver projetos de raiz são as duas valências que julgo que tornam as galerias tão especiais e tão importantes no meio.
Quando o seu antecessor, Tobi Maier, assumiu funções, em 2019, disse querer eliminar “ilhas de pensamento”, explicando que os espaços iam deixar de ter uma identidade própria e individual. Pelo que diz, presumo que defende o oposto, isto é, a cada galeria a sua função.
Já estive nas Galerias Municipais, depois houve esta interrupção. Portanto, estou a seguir uma linha de trabalho que já havia encetado. Há uma especificidade de cada galeria que também tem a ver com a sua localização na cidade. Vamos pensar na Galeria Avenida da Índia: é uma galeria que está no eixo de um conjunto de instituições importantíssimas, como o MAC/CCB (ex-Museu Berardo), tem o MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia) em frente, a Torre Belém, que é um símbolo dos Descobrimentos, se quisermos dizer dessa maneira. Portanto, há ali todo um envolvimento com o rio que pede que se tratem determinadas questões naquela galeria. Tem sido procurada por artistas que trabalham as questões da memória, que estão envolvidos com ativismos, reivindicando questões do feminino, da ecologia, das questões coloniais. Faz todo o sentido que essa galeria aborde determinadas questões. Não quer dizer que sejam “ilhas de pensamento”, até porque não vamos criar guetos de assuntos. Vamos ter agora um artista afro-descendente no Pavilhão Branco. Não é criar ilhas de pensamento, é ter em conta a especificidade da galeria e o seu contexto, para nela desenvolver uma programação coerente.
Sendo a mesma pessoa a programar diferentes equipamentos, não é inevitável que estes partilhem uma visão ou linguagem comum?
Necessariamente isso pode acontecer. Os curadores também têm os seus campos de trabalho, as suas matérias de investigação. Sou escultora de formação, naturalmente que me interessa trabalhar as questões do corpo e das relações sensíveis com o espaço. Não desprezo esse conhecimento, mas alheio-me dessa via de investigação para acolher nas galerias diferentes projetos que me são apresentados. A programação não é exclusivamente minha, há artistas e curadores que nos propõem determinadas exposições, independentemente dos meus assuntos de trabalho e de investigação. Há instituições com uma programação autoral muito marcada. Não é o caso das Galerias Municipais, que abrangem uma diversidade de artistas, gerações e geografias. Não pode ser conotado com um gosto ou empatia pessoal.
As Galerias Municipais “são constituídas por cinco espaços, em rede e sem coleção”, lê-se no site. Considera benéfico ou de lamentar a não existência de uma coleção?
É extremamente benéfico. Uma estrutura que não tem coleção, à partida, pode ter uma programação mais desgarrada, não tem que partir sempre dessa coleção, como acontece, por exemplo, com o Atelier-Museu Júlio Pomar, que parte sempre da coleção, embora depois convide outros artistas a intervir até sobre ela. No caso das Galerias Municipais não. Isso é uma valência. A estrutura é muito mais leve, não tem que ter reservas, não tem que ter conservadores a tratar dessa coleção permanentemente. Torna-se numa estrutura muito mais ágil. É essa agilidade que caracteriza as Galerias Municipais: a de se conseguir, entre as cinco galerias, fazer 18, 20 exposições por ano, preenchendo e dando oportunidades a artistas nos seus vários patamares.
Embora a Câmara Municipal de Lisboa tenha uma coleção e a esteja a fazer com imenso mérito, já leva sete ou oito anos de aquisições, é mostrada quase todos os anos durante a ARCO (Feira Internacional de Arte Contemporânea) no Torreão Nascente da Cordoaria. As aquisições, geralmente de um ou dois anos anteriores, são mostradas naquele momento, também para estimular o público e o certame. Essa coleção, além de ótima, tem uma função importante, que tem a ver com a estimulação do meio português, de constituir memória destes artistas que passam por aqui e que trabalham no meio. Essa coleção acaba por constituir memória sobre todo este meio artístico, que está em grande pujança.
Refere-se à coleção constituída graças ao Fundo de Aquisições de Arte Contemporânea [FAAC] da Câmara Municipal de Lisboa, criado em 2016. Nunca se colocou a hipótese de o acervo estar à guarda das Galerias Municipais? Não deveriam os lisboetas ter acesso a poder vê-lo mais do que uma vez por ano?
A coleção está à guarda das Galerias Municipais e do Museu de Lisboa. Aliás, está à guarda da EGEAC, que é a tutela das Galerias Municipais. É mostrada quase sempre uma vez por ano justamente para tornar público aquilo que a câmara adquiriu, o investimento que a câmara fez. Julgo que é importante que não tenhamos um sítio estagnado com essa coleção. Acho mais importante que se façam exposições de artistas que estão a necessitar de mostrar trabalho. Quando se tem uma coleção permanentemente em mostra o que acontece é que não estamos a dar oportunidade a outros artistas de desenvolver projetos.
Existem cinco galerias municipais, não haveria espaço para fazer ambos?
Mas todas elas têm uma função. Todas estão em permanente desenvolvimento. Os projetos são desenvolvidos ano a ano, quase todos com um ano de antecedência de desenvolvimento. Se uma galeria estiver ocupada com a coleção, no período em que essa coleção é mostrada são menos artistas que têm a oportunidade de desenvolver projetos.
Portanto, parece-lhe adequado que a coleção seja mostrada uma vez por ano?
Perfeito. Até porque a coleção também não é extensa. Não é uma coleção que traduza um período histórico e que mereça estar exposta permanentemente. Lá virá o tempo. Poderá vir a acontecer no futuro, mas ainda é um pouco cedo. Foi uma coleção que arrancou num momento fundamental, de crise em que muitas instituições estavam estagnadas nas suas aquisições. A Câmara Municipal de Lisboa deu esse sinal de que era preciso voltar a fazer história de arte portuguesa. Foi um sinal absolutamente vital para o meio num momento absolutamente fulcral. Só depois é que a Câmara Municipal de Porto começou a fazer a sua coleção e outras instituições retomaram. Mas ainda é uma coleção muito jovem que ainda não traduz o lastro histórico que outras instituições têm. Para uma coleção como é basta [ser mostrada] uma vez por ano.
Havia uma certa ideia, preconizada em tempos pela tutela, de que o cargo que ocupa, de direção das Galerias Municipais não se cinge ao papel de curador, devendo ser alguém que tenha uma “visão um pouco mais estratégica, uma visão de certa forma política, no sentido institucional”. Concorda?
Um bocadinho. Concordo no sentido em que as galerias são tuteladas pela EGEAC, que tem esta vontade de, através das Galerias Municipais, mostrar a sua diferença no campo da arte contemporânea, trabalhando simultaneamente cinco espaços com características diferentes e articulando com as outras instituições congéneres que existem no país e até fora. O que tenho procurado fazer é não cunhar demasiado a programação com as minhas empatias e perceber quais são as necessidades do meio. Isso é que nos leva a programar e a definir quais são as exposições que entram numa determinada altura e porque é que entram naquela altura e não noutra. Tem sido isso que estamos a procurar: afirmar a diferença. O que passa por por proporcionar aos artistas esses momentos de desenvolver um projeto do princípio ao fim com apoio institucional.
Vamos ter uma artista agora com uma exposição que é a Alice Geirinhas, que tem um cunho feminista e vai rever determinados conceitos que hoje continuam operantes. Cada galeria tem uma estratégia. Tem uma estratégia política também, com esse posicionamento de diferenciação. Julgo que há muitas instituições congéneres que nos vêm como pares nesse sentido. Não estamos a concorrer no sentido de quem mostra determinado artista. Estamos a complementar-nos. Tenho por boas práticas trabalhar em articulação com as outras instituições.
Há diálogo entre as instituições da EGEAC?
Há bastante diálogo e abertura. Pelo menos a administração tem promovido essa articulação entre os equipamentos.
Já dirigira as Galerias Municipais entre 2017 e 2019. Chegou aqui de novo depois do curador alemão Tobi Maier ter sido dispensado — a comissão de serviço acabava em fevereiro e foi dispensado em dezembro. Como interpreta a sua chegada através de nomeação? Foi uma decisão fácil de tomar?
Na verdade foi uma surpresa boa. Foi fácil, mas difícil ao mesmo tempo. Com a saída de Toni Maier, que só soube quase em cima da hora, convidaram-me outra vez. Já conhecia a orgânica, foi muito fácil de aceitar porque o desafio é muito interessante. Há um conhecimento abrangente do meio que já tinha, mas continuo a aprofundar porque o meio da arte contemporânea está em permanente transformação e desenvolvimento, com uma pujança extraordinária. Foi difícil porque tenho família e exige algum desdobramento. Mas como as equipas estão muito bem aliadas, e o conselho de administração dá-nos todo o suporte. Tem sido um prazer.
Desdobra-se também na direção do Atelier-Júlio Pomar.
Sim, a minha base é o Atelier-Júlio Pomar. Depois acumulei as Galerias Municipais de 2017 a 2019 até que me pediram para implantar o Banco de Arte Contemporânea Maria da Graça Carmona e Costa (BAC), que é um banco de arquivos e espólios documentais que permite estudar a história da Arte e as suas diversas relações, como coisas menos visíveis, mas muito importantes em termos históricos para construir a história da Arte portuguesa. Fui implantar esse Banco de Arte Contemporânea. Está implantado, está estruturado, agora precisa de um espaço maior, que a câmara continua a procurar.
Já não está a coordenar o Banco de Arte Contemporânea?
Estou e espero estar. O Banco de Arte Contemporânea tem esta valência de ir resgatar os espólios de artistas portugueses que estavam em risco de se perder — e que estão em risco de se perder. Espólios de artistas que falecem e que os herdeiros não sabem tratar, ou que muitas vezes não compreendem a amplitude que envolve estes espólios. É um trabalho de sistematização que é feito, de catalogação, e que vai ser disponibilizado online assim que for possível.
O que falta?
A disponibilização online está preparada, vai acontecer em meados deste ano. É um trabalho muito exigente no sentido de que é preciso muita atenção, muito rigor, leva bastante tempo a fazer. Mas a EGEAC tornou possível todos estes processos, que exigem softwares muito especializados. Esse projeto está a avançar. Temos muitos investigadores da academia a trabalhar connosco ou que nos pedem para aceder a esse espólio para para poder fazer as suas filmografias, as suas teses, os seus estudos.
Foi noticiado, em 2019, que o BAC tinha recebido o espólio da artista plástica Ana Vieira [1940-2016] e o da escultora Graça Costa Cabral [1939-2016]. Há mais espólios que já estejam à guarda do BAC?
Sim. O espólio do Pedro Morais, da Galeria Judite da Cruz, do Eduardo Nery. Já temos também de vários críticos de arte: Alexandre Melo, João Pinharanda, Luís Porfírio. Na verdade, estes espólios dos críticos e dos artistas completam-se. Nos espólios de uns encontram-se materiais dos outros e referências aos outros. Muitas vezes os artistas nem são as figuras mais cimeiras da arte contemporânea, mas percebemos os meandros, as relações e as influências que eles teceram entre eles e que permitem hoje que haja uma história da arte contemporânea.
A história da arte contemporânea não é feita pelos highlights. A história da arte portuguesa não é feita só pela Paula Rego e pelo Júlio Pomar. A história da arte é feita por todos os artistas e é este tecido intrincado que permite que a história avance e que permite desenhar uma história da arte portuguesa. Perceber todas essas relações, o porquê de alguns terem chegado a determinadas exposições e outros não, como é que se relacionaram, que correspondência trocavam entre eles… É muito curioso. Hoje pergunto-me, por exemplo, como é que será daqui a umas décadas a história dos artistas e as discussões deles. Antes os artistas trocavam cartas, à mão. Temos um conjunto de cartas trocadas entre artistas onde se discutiam coisas. Diziam “fui ver esta exposição, constituí-a assim, estou com este problema, esta dúvida”. Como é que será daqui a um tempo? Os e-mails vão desaparecendo. Tudo isso é fascinante, mas é de grande dúvida. Estes espólios documentais dão-nos acesso a essas relações. No Banco de Arte Contemporânea há muitos projetos inacabados, por exemplo. Artistas que no meio destes espólios-documentais traziam documentos de projetos que não chegaram a ser realizados, que estão inacabados. Estamos a preparar uma exposição no Atelier-Museu Júlio Pomar para o final de ano só sobre os espólios do Banco de Arte Contemporânea Maria da Graça Carmona e Costa.
Essa coleção já mereceria ter um espaço que a mostrasse?
Mereceria. A câmara está a fazer todo esse esforço no sentido de encontrar um espaço para o Banco de Arte Contemporânea e onde se poderão mostrar também outras coisas, como a coleção da câmara…
Um espaço que juntasse ambas?
É uma possibilidade. É um desejo que tenho e que sei que a câmara também tem, mas muitas vezes não acontece com a celeridade de que todos gostaríamos.
Qual foi o número de visitantes das Galerias Municipais em 2023?
Cerca de 24.767 visitantes, número este que previsivelmente irá subir este ano, tendo em conta que exposições como a exposição Factum, de Eduardo Gageiro, teve cerca de 600 visitantes só no primeiro fim de semana de abertura ao público. É um número muito satisfatório. Temos por experiência que as exposições de fotografia também trazem muito público.
A esse propósito, o Relatório de Contas de 2022 da EGEAC (o último disponibilizado) antecipava para 2023 uma “modificação da linha programática das várias galerias, mediante uma aposta mais centrada no trabalho de artistas nacionais e do incremento de exposições de fotografia na programação”. Dará continuidade a esta aposta, artistas nacionais e incremento de exposições de fotografia, ou há outras apostas mais prementes?
Diria que a aposta é em exposições de um artista, individuais. Já fiz isso na anterior programação das Galerias Municipais e volto a reafirmá-lo: é muito mais importante exposições monográficas de um artista, exposições individuais, do que exposições coletivas com muitos artistas. Não quer dizer que não exista uma ou outra, mas a predominância vai ser exposições individuais. Porque permitem que curadores, visitantes, o público em geral, conheçam a obra do artista em mais profundidade. Se isso é uma coisa que poderá marcar a programação das Galerias Municipais, assumo: a programação será sempre mais de exposições individuais do que exposições coletivas, isso é uma diferença, com certeza. O meu antecessor fez mais exposições coletivas. São importantes para se mostrar uma determinada temática. O que acontece é que elas ilustram uma determinada temática, mas não acrescentam muito à obra do artista.
A lógica das Galerias Municipais não é a de falar apenas para o público, mas também para os artistas?
Sim. Trabalhamos para todos os públicos, mas, na verdade, o nosso primeiro público são os artistas.
“O público da arte contemporânea ou das artes visuais é menos transversal a outras linguagens artísticas”, disse em entrevista ao podcast Um Chão Comum, do CCB, em novembro. É uma das prioridades das Galerias Municipais, conquistar este público?
Também. É mais fácil cruzar o campo da performance com o das artes visuais. O campo da música, por exemplo, ou da arquitetura, parecem já estar um bocadinho mais distantes das artes plásticas. De de facto não há motivos para isso, porque todos se tocam em algum momento. É uma aspiração nossa, que estes públicos se cruzem de uma forma mais fluída. Nesse sentido fazemos programas complementares, performances dentro das exposições, a ver se abrimos esse campo de interesse. Temos os concertos de verão da [associação] Filho Único aqui na Quadrum para permitir fazer essa circulação entre o público das artes plásticas e o público da musica.
Tem sido a estratégia de várias instituições culturais a utilização do espaço público do jardim como porta de entrada para os museus e galerias. É facil galgar essa barreira física com a dinamização de eventos culturais nesses espaços?
A barreira física existe, mas também é isso que faz a separação entre a arte e a vida. É preciso estimular as pessoas, fazer esse contacto com a rua. Julgo que as pessoas estão cada vez mais abertas e curiosas, porque a arte contemporânea traz-nos esse mundo de curiosidade, de pensar como é que hoje as pessoas que apresentam, sobre que assuntos é que estão a trabalhar, que reivindicações é que os artistas estão a fazer? São as de todas as pessoas. A arte contemporânea é cada vez mais estimulante.
Este ano as Galerias Municipais encomendaram uma obra sonora à artista Luísa Cunha que, dividida em partes, será escutada nas várias galerias durante a última quinzena de abril.
O que fizemos foi criar um projeto que junte as cinco galerias. A obra prevê que só seja totalmente ouvida e experienciada se a pessoa percorrer todos estes espaços. Desafiei a Luísa Cunha, que é uma mulher da liberdade, também, a criar uma obra sonora em seis partes. Vai apresentar uma parte em cada galeria e a sexta parte no Atelier-Museu. Estão instaladas à entrada de cada espaço, independentemente da exposição. A Luísa é uma das artistas pioneiras no que diz respeito ao trabalho do som, é uma artista muito especial, com um sentido crítico muito apurado, até em relação às instituições. Portanto com certeza que as suas frases e obras vão ter um sentido critico. É um projeto muito especial que vamos repetir nos anos seguintes, convidando outro artista. A Galerias Municipais querem potenciar o desenvolvimento de novos projetos. Este é uma marca da nova programação.
Qual é o orçamento das Galerias Municipais para 2024?
São 600 mil euros para programação. É um valor generoso que permite ter um trabalho consequente. A ideia de pôr os artistas a fazer novos projetos e não a trazer o que está feito envolve custos. Tive um cuidado na direção anterior das Galerias Municipais e faço absolutamente questão que isso volte a acontecer que é: remuneramos todos os colaboradores, desde curadores a artistas, ensaístas, quem convidamos para fazer textos, participantes nas diversas atividades, performers. Fazemos questão porque isso faz parte da dignidade dos artistas, que eles sejam remunerados e que vejam o seu trabalho compensado. Os artistas não comem visibilidade, é preciso dignificar o trabalho dos artistas. Portanto, são todos remunerados.
Di-lo porquê? Não é a prática nas instituições culturais?
Começa a ser, felizmente. Mas foi um ponto que fiz questão de implementar no anterior período que cá estive, e que vamos seguir, tal como fizemos no Atelier-Museu. A EGEAC sendo uma empresa de cultura faz toda a questão que isso aconteça, tem essa preocupação incutida.
Em 2016, quando assumiu a direção das Galerias Municipais, em Lisboa, substituindo João Mourão, eram sete os espaços que faziam parte das Galerias Municipais. Além dos cinco atuais estavam o Palácio Pombal e o Africa.Cont.
O Africa.Cont já não era. Nunca foi das Galerias Municipais. Era um projeto da câmara que nunca teve continuidade e que acabou por encerrar. Nunca foi sequer da EGEAC. Era da direção de Cultura da câmara. O Palácio Pombal era, mas está num processo de reestruturação, tinha inclusive uma escada que não era segura. É um espaço magnífico, mas que está em reabilitação.
A existência de um Centro de Arte Africana Contemporânea saiu do debate ou internamente ainda é discutida?
Não tenho ouvido falar, mas as Galerias Municipais também trabalham as temáticas da colonização, dos afrodescendentes. Esses assuntos fazem parte da contemporaneidade e portanto as galerias naturalmente trabalham-no. Não foi preciso haver um centro para que isso se trabalhe. Temos agora no Pavilhão Branco um artista afrodescendente, com um trabalho incrível que não mostrava há algum tempo em Portugal, e temos a Petra.Preta na Galeria Boavista, uma artista emergente. Portanto, diria que não é preciso haver um Centro de Artes Africanas para se trabalhar questões relacionadas com as outras geografias.
Uma das bandeiras do atual executivo da CML é o Passe Cultura, que permite o acesso gratuito em alguns equipamentos municipais, com restrições. O preço ainda é uma entrave para a fruição cultural?
Muitas vezes é. Sobretudo em relação ao público escolar. Há muita solicitação das escolas para se fazerem visitas. A formação também passa por sair dos muros da escola e entrar nos espaços e ver outras coisas. É vital, mas muitas vezes há solicitações acumuladas das escolas porque os pais e formadores começam a ter alguma dificuldade. Percebemos que há algum entrave. Nas Galerias Municipais as entradas são gratuitas justamente para estimular a visita e a repetição da visita.
Se as Galerias Municipais, sendo de entrada gratuita, não tiverem o número de visitantes desejados, o que está a falhar?
O público tem vindo a crescer ao longo dos anos e julgo que tem a ver com a continuidade da programação, com não haver galerias fechadas, com não estarem três meses estagnadas. A continuidade promove isso. Tem a ver com o hábito e a comunicação do estímulo. Com a habituação, as pessoas exigem mais, melhor e com mais frequência.