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Bardella e Le Pen

AFP via Getty Images

Bardella e Le Pen

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"Se Bardella vencer, a verdadeira primeira-ministra será Le Pen." Entrevista a Pierre-Stéphane Fort, biógrafo do candidato a PM

Piere-Stèphane Fort investigou a fundo o percurso de Jordan Bardella. Nota o sucesso da sua imagem, mas crê que nada mudou na antiga Frente Nacional: "Por trás da fachada, estão lá as mesmas ideias."

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Pierre-Stéphane Fort é um jornalista francês. Ao longo da vida, especializou-se em produzir e realizar documentários, sobretudo para o Canal 2, sobre os mais variados temas: tráfico animal, assédio moral na Força Aérea, ligações dúbias de empresas francesas ao Mundial de futebol no Qatar — este último valeu-lhe mesmo o Prémio Franco-Alemão de jornalismo na área de investigação de 2023.

Mas foi o seu mais recente trabalho, um documentário de cerca de uma hora sobre Jordan Bardella, o candidato da União Nacional a estas legislativas francesas, que lhe trouxe maior visibilidade em França. A solidez da investigação foi elogiada e, perante tanto material que ficou de fora, Fort decidiu escrever um livro sobre o homem que representa a tentativa de “desdiabolização” — termo usado em França para descrever uma aparente tentativa de moderação da antiga Frente Nacional. Chamou-lhe Le Grand Remplaçant (“O Grande Substituto”), num trocadilho entre a teoria racista que diz existir um plano concertado entre estrangeiros para invadir a Europa e substituir os europeus demograficamente (muitas vezes defendida por membros da UN) e uma possível substituição do poder em França, perante a possibilidade de o país eleger pela primeira vez um Parlamento que resulte num governo de extrema-direita.

Pierre-Stèphane Fort é jornalista de investigação e realizador de documentários para o Canal 2 francês

DR

Não é, porém, uma substituição de Marine Le Pen. Pierre-Stèphane Fort é claro na sua ideia de que a filha de Jean-Marie Le Pen continua a ser a força motriz do partido e aquela que tomará verdadeiramente as decisões caso Bardella chegue ao Palácio do Matignon (residência oficial do primeiro-ministro). “Bardella não toma nenhuma decisão importante sem falar com Marine. Não é uma questão de ‘Estou a informá-la de que vou fazer isto.’ É antes ‘O que acha?’. Sim, o nome será Bardella. Mas ele continuará a ser apenas a ferramenta de Le Pen“, afirma Fort numa longa entrevista concedida ao Observador, no centro de Paris.

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Ao longo de toda a conversa, o jornalista tenta escudar-se no muito material documental e de entrevistas que recolheu para sustentar a ideia de que a União Nacional (UN) continua a ser um partido muito semelhante à antiga Frente Nacional, mantendo no seu seio colaboradores antissemitas e adeptos da violência. Relembra que o poder de compra e a imigração são as atuais prioridades dos franceses e como o partido foi hábil a explorar isso. Deixa críticas a Emmanuel Macron, cuja atitude de “Júpiter” diz ter contribuído para criar uma raiva generalizada entre os franceses, e também à França Insubmissa de Jéan-Luc Melénchon, que diz ter cristalizado o seu discurso apenas na questão israelo-palestiniana.

Mas explica também porque considera que Bardella é um sucesso de comunicação, criado e treinado pelo partido. Um sucesso que também se deve em parte ao próprio, pelas relações de proximidade que criou com pessoas íntimas de Marine Le Pen, tornando-se parte efetiva “da família”. O que pensa, porém, verdadeiramente Jordan Bardella? “Ele tem vários rostos. Bardella é um camaleão. É difícil saber o que se passa realmente na sua cabeça, mas temos que nos apoiar no que foi o seu percurso e nas suas propostas”, afirma o investigador. Percurso que, em toda a linha, é semelhante às velhas bandeiras do partido da extrema-direita francesa. Mesmo que apresentado numa nova embalagem, mais mainstream. 

Um jovem de família remediada que estudou num colégio privado e teve carro e apartamento aos 20 anos. A narrativa criada pela UN que “apagou metade da vida de Bardella”

A tese do seu livro é a de que Jordan Bardella é uma criatura feita por Marine Le Pen. Há quanto tempo crê que esse trabalho começou e porquê? O que viu ela em Bardella?
Marine Le Pen conheceu Jordan Bardella em setembro de 2017. E percebeu muito rapidamente o interesse eleitoral que ele tinha para ela, porque era o oposto dela. Ela é da grande burguesia, é milionária, é advogada, cresceu no luxo, em Montretout [castelo em que chegou a viver a família Le Pen]. Jordan Bardella é exatamente o oposto. Ele é jovem e chama-se Jordan — Jordan é um nome em França que tem uma conotação, está ligado às classes mais populares durante a década de 90. E Bardella é um nome com conotações italianas, aos imigrantes italianos. Ele cresceu em Saint-Denis, numa família bastante modesta, embora haja nuances neste storytelling. Ele é jovem, é bonito, apresenta-se bem. Não tem excessos racistas ou de outro género. Sempre esteve ali e prestou atenção a isto. E ela compreendeu que ele poderia encarnar esta “desdiabolização” e permitir-lhe chegar a um eleitorado que ainda não tinha conseguido alcançar: os jovens, as mulheres, os habitantes das grandes metrópoles e dos banlieus e talvez também um eleitorado um pouco mais moderado, como a direita republicana mais à direita. Ela percebe isso muito cedo. Um dos arquitetos de Jordan Bardella chama-se Jean-Lin Lacapelle. É um quadro da União Nacional há mais de 30 anos e é ex-diretor comercial da L’Oréal, o seu trabalho antes era vender batons e rímel.

Ou seja, houve aqui um papel do marketing?
Sim. Ele vê a política como um super-negócio, ele próprio já o disse em artigos. Para ele, o programa da União Nacional é um produto para ser vendido aos eleitores-consumidores. E, portanto, ela vê Bardella e percebe que pode criar ali um produto para ser vendido. Alguém que pode transformar num objeto de marketing para vender o produto — ou seja, as propostas da UN. Então, a partir de 2018, Jean-Lin Lacapelle e Marine Le Pen pegam na mão de Bardella e contratam media coaches, em particular Pascal Humeau, que é pago a preço de ouro. Pascal Humeau treina Bardella durante quatro anos para fazer dele o “campeão da comunicação”, usando as suas palavras, que hoje conhecemos. Entrevistei-o para o livro e ele disse-me: “A primeira missão que me foi confiada por Marine Le Pen era a de criar ‘um facho simpático”.

"A ideia era criar um 'storytelling', uma narrativa sedutora em torno de Bardella. Fazer com que as pessoas acreditem na história de Bardella e, portanto, votem nele. E esta história é de Jordan, um jovem pobre que, graças ao mérito republicano, conseguiu ascender a responsabilidades importantes."

Portanto isso nem sequer é escondido?
Não, de todo. Ele disse-me: “Na televisão e na rádio, quando as pessoas veem alguém da extrema-direita, muitas vezes nem a ouvem, porque não se reveem naquele partido. Portanto, as ideias caem por terra. Por outro lado, se o representante da extrema-direita for um jovem sorridente, sedutor, tranquilizador, então talvez lhe deem uma oportunidade e o oiçam. E esta estratégia realmente funcionou muito bem. Ele contou-me como durante meses ensinou-o a sorrir, a dizer bom dia, a ter aquela presença calorosa que hoje em dia conhecemos. Jordan Bardella já tinha uma base boa, porque era porta-voz desde 2017. Mas quando vemos a diferença entre o antes e o depois do media training, torna-se muito evidente. Antes ele era era um pouco rígido, um pouco à defesa, muito maquinal, como um robô. E agora vemo-lo a sorrir. É até caricatural de início, aqueles “Bom dia!” e aqueles sorrisos.
Essa foi a primeira missão. Depois veio a segunda: foi-me dito por Pascal Humeau e por outros que trabalharam com ele, que a ideia era criar um storytelling, uma narrativa sedutora em torno de Bardella. Fazer com que as pessoas acreditem na história de Bardella e, portanto, votem nele. E esta história é de Jordan, um jovem pobre que, graças ao mérito republicano, conseguiu ascender a responsabilidades importantes. Porque, na verdade, uma das mensagens mais importantes de Marine Le Pen é de que o partido já não é “os Le Pen”, trata-se de criar uma nova elite popular. E ele pode encarnar isso, ou seja, a ideia de alguém que vem do povo, vem de baixo, e passa a fazer parte de uma nova elite.

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Bardella em campanha eleitoral há quase dez anos, na sua cidade de Saint-Denis

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Mas, para isso, foi preciso insistir muito na ideia de que ele vinha de uma zona pobre. E, portanto, a narrativa apagou metade da vida de Bardella. Porque os pais de Bardella divorciaram-se quando ele era muito pequeno, tinha dois ou três anos. E ele cresceu com a mãe em Saint-Denis, uma pequena cidade onde há problemas de delinquência, mas que está longe de ser o pior tipo de cidade em França. É verdade que a mãe de Jordan Bardella é uma pessoa modesta, é auxiliar de educação numa escola — lida com as crianças e faz alguma limpeza, etc. Toda essa parte é verdade. Mas o que aconteceu é que apagaram completamente o papel do pai, porque o pai de Jordan Bardella é um pai presente e é chefe numa empresa, que passou a viver numa zona rica de Paris. Bardella ia a casa dele todas as semanas. E o pai participa na educação de Bardella. Isso quer dizer que, por exemplo, Bardella fez todos os seus estudos num colégio católico, um estabelecimento de ensino privado que a sua mãe nunca poderia pagar, é impossível. Eu vi os preços: são 1.200 euros por mês, que é provavelmente o que ela ganhava na altura. Portanto é óbvio que o pai ajudou bastante.

Era como se ele tivesse um pé em dois mundos diferentes?
Exatamente, como muitos filhos de pais divorciados. Quando era adolescente, o pai levou-o numa longa viagem aos Estados Unidos, umas ótimas férias nos EUA. Quando ele tira a carta de condução, aos 19 anos, o pai dá-lhe um carro, um Smart. E depois, aos 20, um apartamento, numa boa zona de Paris. Portanto este pai estava lá, mas foi completamente apagado da narrativa e excluído até dos seus discursos. Em 2018, Bardella falava o tempo todo sobre a mãe, sobre como a sua infância foi difícil financeiramente e que isso contribuiu para entrar na política. É muito exagerado, porque basicamente apaga metade da vida dele. Mas serviu a mensagem política desejada por Marine Le Pen: a da criação de uma elite popular de mérito republicano. E que permite que as pessoas se identifiquem facilmente com ela. “Ele trabalhou no duro e conseguiu”. Criaram uma espécie de figura a que podem aspirar.

Uma espécie de “sonho francês”?
Isso mesmo.

A admiração escondida por Jean-Marie Le Pen e as companhias da extrema-direita mais radical de França

Em muitas entrevistas ele sublinha que quando se juntou à UN foi mais por causa de Marine Le Pen do que do partido. Acha que a lealdade é um dos elementos que a fez apostar nele?
Ele disse-o em 2012, quando Bardella tinha 16 anos e se juntou à Frente Nacional. Na altura, Jean-Marie Le Pen ainda era o presidente honorário do partido, mas Bardella nunca fala sobre Jean-Marie Le Pen, porque é demasiado controverso, é como se fosse enxofre. Todos conhecemos as suas tiradas racistas e anti-semitas. E, nessa altura, Bardella diz que viu Marine na televisão e decidiu juntar-se. Com a minha investigação consegui provar que ele também era fã de Jean-Marie Le Pen.

"Publiquei uma foto numa das minhas reportagens em que se vê Jordan Bardella, aos 18 anos, depois de estar durante horas numa fila, em pleno inverno nas ruas de Paris, para tirar uma fotografia com Jean-Marie Le Pen. E na foto podemos ver como ele está super sorridente, super feliz por ter conseguido tirar uma fotografia com Jean-Marie Le Pen."

Só que tenta escondê-lo?
Sim. Como sempre, como fazem todos os políticos, ele não o único a fazê-lo. Neste caso, publiquei uma foto numa das minhas reportagens em que se vê Jordan Bardella, aos 18 anos, depois de estar durante horas numa fila, em pleno inverno nas ruas de Paris, para tirar uma fotografia com Jean-Marie Le Pen. E na foto podemos ver como ele está super sorridente, super feliz por ter conseguido tirar uma fotografia com Jean-Marie Le Pen. Incluí o depoimento do fotógrafo que tirou a foto e do amigo que estava com Bardella nesse dia. E ambos me disseram que sim, que Jordan Bardella era uma espécie de groupie de Jean-Marie Le Pen. Era atraído por ele, como se fosse uma luz. Portanto… Jean-Marie Le Pen também fez parte da construção política de Jordan Bardella e também uma foi referência para ele, tal como Marine Le Pen. Mas ele esconde isso porque é demasiado tóxico para a sua imagem de verdadeiro campeão da “desdiabolização” em curso.

Acha que ele tem ideias políticas concretas, que segue uma ideologia? Ou é um pragmático?
É um Janus [deus romano com duas caras] político. Ele tem vários rostos. Bardella é um camaleão. É difícil saber o que se passa realmente na sua cabeça, mas temos que nos apoiar no que foi o seu percurso e nas suas propostas. Por exemplo, Bardella validou várias vezes a teoria da “Grande Substituição”, conhece?

Sim. E que serviu de trocadilho para o título do seu livro.
Sim [risos]. Ele frequentemente validava essa teoria, era algo que dizia em público. E é muito radical dizer isto. Também descobri a sua conta privada e anónima no Twitter — isso está no livro e irá ser publicado numa reportagem em breve —, que se chama “RepNat du Gaito”. E tenho todos os testemunhos, de pessoas próximas e etc., que provam que era de facto a sua conta anónima. E, de facto, o que vemos nela? Vemos as obsessões clássicas da Frente Nacional. Isto é: a islamofobia, por vezes a homofobia, o racismo. E estes posts foram feitos entre 2015 e 2017 e era ele quem colocava tudo isto nas redes sociais. Portanto, na verdade, Jordan Bardella obteve o cartão de militante da Frente Nacional aos 16 anos e ficou imbuído desse pensamento da Frente Nacional xenófoba, por vezes racista, etc. É evidente que isso está no seu ADN político, é evidente.
Também lhe posso falar sobre o seu conselheiro atual, que se chama Pierre-Romain Thionnet e que também escreve os discursos de Bardella. Cada vez que me encontrei com Jordan Bardella, ele estava sempre presente. Acabou de ser eleito eurodeputado e gere a juventude da UN. E os jovens do partido são importantes, isto não é um cargo para um qualquer. Se Bardella assumir o poder, Thionnet irá diretamente para o Matignon com ele, é claramente o seu conselheiro político mais importante. É um jovem, muito radical, que foi presidente de La Cocarde Étudiante, um sindicato estudantil de extrema-direita. Não há muito tempo consegui imagens, que passaram na BFM TV, onde vemos o Pierre-Romain Thionnet com estes tipos a atacarem estudantes de esquerda e extrema-esquerda em Nanterre. E vemos a violência, a violência de ambos os lados — tanto da extrema-esquerda como da extrema-direita, Mas quem é que manda nesta trupe, quem é o chefe daquele sindicato? É ele. Eles podem ser só uns 30, mas houve mais ações violentas da Cocarde, basta procurar na internet. E é preocupante, porque este é o perfil de alguém para quem a violência  na política é legítima. Há anos que o conhecemos da Cocarde, sabemos que é o responsável pela juventude do partido e agora pode entrar no Matignon alguém com este perfil, que continua na comitiva do Bardella e que quer aplicar as suas ideias. Basta ver as propostas que fez recentemente durante a campanha: propôs proibir a comercialização de carne halal e kosher em França, sob o pretexto de lutar contra o sofrimento animal. Bom, quando ele fala de sofrimento animal, não acredito nele — porque, na verdade, se fosse essa a questão, pode proibir-se a criação industrial ou aplicar outro tipo de medidas. Na prática, quem é estigmatizado por esse tipo de lei são as comunidades judaica e muçulmana de França.

Ação de campanha da Cocarde, o sindicato estudantil ligado à extrema-direita que teve como líder um dos colaboradores mais próximos de Bardella atualmente

Facebook Cocarde Etudiante

E aqui encontramos as velhas obsessões da Frente Nacional. O mesmo acontece com os cidadãos com dupla nacionalidade. Começaram a dizer que cidadãos com dupla nacionalidade não devem ter acesso a determinados cargos. E quando começamos a distinguir entre cidadãos franceses e a dar-lhes direitos diferentes, isso começa a afetar os franco-portugueses, por exemplo. Vocês deixam de ter os mesmos direitos que os que são apenas franceses. E, na prática, isso é contrário à ideia da igualdade. É algo super importante, é um pilar da República francesa: “A Igualdade”. “Todos os cidadãos nascem livres e iguais em direitos”, é o que está na nossa Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E é apenas o princípio. Porque, quer dizer, eles nem sequer estão no poder ainda. Estão em campanha e já estão a começar a minar o pacto republicano, a criar diferenças entre as pessoas e isso pode ir mais longe. Esta é a verdadeira questão que devemos colocar: se eles estiverem no poder um ano, dois, três, quatro… até que ponto vão prejudicar a igualdade entre cidadãos? A dupla nacionalidade é uma obsessão de Jean-Marie Le Pen de há 40 anos. Estas são as propostas antigas. Estas são as velhas ideias da Frente Nacional. Elas continuam lá.  Por isso é evidente que Jordan Bardella foi identificado, treinado e empurrado por Marine Le Pen para encarnar o rosto da “desdiabolização”. Tranquilizantemente jovem; mas atrás da montra, por trás da fachada, as mesmas ideias estão sempre lá: xenófobas, às vezes racistas, estigmatizantes e discriminatórias. E também estão sempre os mesmos homens que o manobram.

"E depois, a partir de 2019, e com o seu sucesso nas Europeias [de 2019], ele passa a ter uma relação amorosa com a sobrinha de Marine Le Pen, que é neta de Jean-Marie Le Pen [Nolwenn Olivier]. E aí, realmente, passa a fazer parte da família, torna-se um tipo leal à família. É visita de casa, torna-se família e isso obviamente ajudou-o."

Que homens são esses?
Jordan está lá, mas deve muito a Frédéric Châtillon. E Châtillon ainda é um dos líderes da extrema-direita antissemita, homofóbica, violenta e racista. É um antigo líder do GUD [Grupo União e Defesa, organização estudantil de extrema-direita], um pequeno grupúsculo de pessoas muito violentas, que todos os anos desfilam por Paris com os seus capuzes, as suas cruzes celtas, etc. E, em 2017, Jordan Bardella começou uma relação com a filha de Frédéric Châtillon. Naquela época, Chatillon já era amigo de Marine Le Pen há 30 anos e continua a sê-lo. E ele também é um colaborador muito importante dela, porque foi quem geriu oficialmente toda a comunicação da campanha de Marine Le Pen em 2017. Em setembro de 2017, Jordan Bardella chega a uma reunião com Marine Le Pen e vem de braço dado com a filha de Frédéric Châtillon. O seu nome é Kerridwen Châtillon. E esta jovem não é apenas filha de Châtillon, o mais importante é que é também ela uma radical. Assim como o pai, ela é próxima do GUD, é fotografada em manifestações onde as pessoas fazem a saudação nazi. Ela usa um medalhão com a cruz celta, símbolo dos supremacistas brancos em França, e frequenta grupos radicais conhecidos pela sua violência dentro da extrema direita, como aquele a que pertence Loïk Le Priol, implicado no assassínio de Federico Martin Aramburu, jogador de rugby que foi morto há dois anos, e que está a aguardar julgamento. Voilà, são estas as companhias de Châtillon e de Bardella. Foram um casal durante dois anos. E desde aquele momento em que ele se encontrou com Marine Le Pen de braço dado com Kerridwen Châtillon, Marine Le Pen reparou bem nele, porque conhece muito bem os Châtillon, as duas famílias conhecem-se muito bem, confiam uma na outra. E é aí que Bardella entra no círculo de amigos de Marine.

Foi o primeiro passo para essa aproximação a Le Pen?
Foi. Tenho as fotos do encontro, com todos eles sorridentes. E também tenho o depoimento da ex-melhor amiga de Bardella, que estava lá nesse dia e assistiu ao encontro, e que me disse que foi a partir desse momento que ela reparou nele. E o testemunho dela é apoiado por factos, porque 12 dias depois desse encontro — 12 dias! — ele é nomeado porta-voz nacional do partido.  Portanto, foi assim que ele entrou. E depois, a partir de 2019, e com o seu sucesso nas Europeias [de 2019], ele passa a ter uma relação amorosa com a sobrinha de Marine Le Pen, que é neta de Jean-Marie Le Pen [Nolwenn Olivier]. E aí, realmente, passa a fazer parte da família, torna-se um tipo leal à família. É visita de casa, torna-se família e isso obviamente ajudou-o a tornar-se no presidente da União Nacional — porque ele é o primeiro que não faz parte da família a tornar-se presidente do partido. Porque está lá, no seio da família.

A UN já não é antissemita e os judeus podem confiar nela? “Não existe geometria variável no racismo”

Mencionou o exemplo de propostas como banir a carne halal e kosher. Muitas das ideias da União Nacional são focadas na comunidade islâmica, mas esta também afetaria a comunidade judaica. Mas, neste momento, Bardella acusa frequentemente a França Insubmissa de ser antissemita. Houve uma mudança de posicionamento da UN ou é uma jogada política?
Isto existe em Bardella e na União Nacional desde sempre: há um discurso dúplice, uma face dupla, em que hoje eles se apresentam como o escudo — estas são palavras do próprio Bardella — da comunidade judaica. Mas, francamente, isso é uma anedota. Já podemos ver, só por este projeto de lei, que também tem como alvo os judeus. E quando nós investigámos os assuntos do partido, percebemos que Frédéric Châtillon, um líder antissemita, tem toda uma galáxia à sua volta chamada a “GUD connection”. São pessoas que têm negócios e são todos amigos. E estão ligados pela sua ideologia radical, muito… Terceiro Reich. Alguns são neonazis, tenho a certeza. Digo isso porque tenho tudo no livro, tenho os documentos das buscas [da polícia] e sabemos o que foi encontrado nas suas casas. Toda a propaganda neo-nazi, as revistas horríveis com desenhos de judeus a serem empurrados para os fornos crematórios. São verdadeiros neo-nazis. E a “GUD connection” tem negócios com a União Nacional. Fez contratos para a Assembleia Nacional e quando isto se tornou público esses contratos não foram terminados. Agora estão a tentar esconder-se um pouco, a mudar os acionistas das empresas e tudo mais. Mas é a mesma coisa. É sempre a mesma coisa, sempre o mesmo grupo, muito radical, que recebe o dinheiro da União Nacional. Indiretamente, o dinheiro da UN financia indiretamente esta galáxia, que tem fascistas e neonazis. Em 2022, um dos líderes do GUD, um verdadeiro neonazi, arranjou emprego na empresa que é a principal responsável por fazer a comunicação da UN, a e-Politic. Na verdade, a UN faz contratos com empresas e financia indiretamente o ecossistema da extrema-direita radical, que é antissemita. E isso continua, continua até hoje.

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David Rachline, autarca da UN em Fréjus que tem um passado de antissemitismo e que é próximo de Bardella

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Portanto parece-me muito oportunista dizer agora “Defendemos os judeus” e é uma forma de por em marcha a “desdiabolização”. Em novembro passado houve uma grande marcha contra o antissemitismo, com 30 mil pessoas, em Paris. Eu estava lá. Antes era impensável que a UN pudesse desfilar ali, por causa do passado. Jean-Marie Le Pen disse coisas loucas, disse que as câmaras de gás foram só um detalhe da História. Há um ADN antissemita que é poderoso. Historicamente, mesmo tendo sido algo feito pelos antecessores e que o partido quer que seja esquecido, é um legado que perdura. Mas naquela marcha esteve Jordan Bardella, esteve Marine Le Pen, estiveram vários deputados e quadros da UN que são considerados “frequentáveis”, mas muitos não estiveram lá. Não esteve Gilles Pennelle, o número dois do partido, porque tem um passado antissemita. David Rachline, o terceiro do partido, também não estava presente — e tenho testemunhas que me dizem que ele é um antissemita. Existe até um vídeo dele, no banco de trás de um Mercedes, a dizer “Mercedes, o carro do Führer”. Ele é um ex-discípulo de Alain Soral, que também é um conhecido antissemita. Ou seja, ainda existem quadros que têm pelo menos um passado antissemita e, talvez, também um presente. Não tenho provas para dizer que hoje em dia são antissemitas, mas há uma História. E estas pessoas ainda lá estão.

Mas têm mais pudor em assumi-lo do que quando falam do Islão.
Sim, preferem odiar os muçulmanos mais do que os judeus, e fazer disso um argumento eleitoral junto da comunidade judaica e dizer “Vamos proteger-vos”. Mas isso é contraditório com certos homens, contratos, com o circuito do dinheiro e até com algumas propostas como a da proibição da carne kosher. Dizê-lo pode criar facilmente um escândalo. Eles dizem que podem propor quotas [de importação], mas mesmo assim. Com que direito? O governo francês e o primeiro-ministro vão interferir na religião das pessoas, entrar na sua intimidade, nas suas cozinhas? O local onde elas deveriam poder comer a carne que quiserem e que é conforme à sua religião. Portanto podemos ver claramente a estigmatização e é sempre contra as mesmas comunidades, a judaica e a muçulmana. Sei que há alguns franceses judeus que pensam que a UN os pode proteger. Acho que estão a ser enganados. Não existe geometria variável no racismo, “Ah, gosto mais destes do que daqueles”. Não, é uma ideologia. É a rejeição do outro e isto inclui muçulmanos, judeus, budistas. Portanto, eles fizeram esforços para remover certas figuras antissemitas, que eram visivelmente escandalosas. Mas quando olhamos para os bastidores, alguns destes homens ainda lá estão e os contratos ainda lá estão. E Bardella deve muito a Châtillon. Sempre o apoiou,. Foi graças a Châtillon que Bardella passou a fazer parte da comitiva de Marine Le Pen e depois, por exemplo, para as Europeias de 2019, foi a equipa de Châtillon que fez toda a sua comunicação. E ainda hoje são amigos, passam todas as férias de verão em Fréjus, com David Rachline, que é o autarca de lá. Tenho um entrevistado que me garante que David Rahcline é um antissemita patológico. E Bardella passa as suas férias com ele. Isso não faz de Bardella um antissemita, não é isso que estou a dizer. Mas vejo que, ao longo de sua carreira, não se importou de passar tempo com antissemitas. Pelo contrário, até conviveu com eles de forma íntima. Aproveitou-se deles para fazer uma carreira e está em dívida para com eles. Portanto, se chegar ao poder, essas pessoas também também lá estarão, não vão simplesmente desaparecer. Chegarão ao poder na esteira de Bardella.

Silêncio e vergonha num dos bastiões de Marine Le Pen. “Terei de fazer um voto egoísta”

Como Emmanuel Macron e a França Insubmissa contribuíram para o crescimento da UN. “Eles partilham parte da responsabilidade nisto”

Relativamente ao Islão, acha que o macronismo contribuiu para o discurso da UN? Temos o caso da última legislação sobre imigração, que foi apoiada pela UN. Foi uma estratégia que correu mal ou o problema da migração islâmica é tal em França que as medidas se justificavam?
Bem, recordo-me de há apenas 15 dias, quando estava na Bretanha, o Presidente ter dito que a esquerda tem um programa “imigracionista”. Este é o vocabulário da UN, da extrema-direita. A lei de imigração incorporou parcialmente as propostas da UN. E, sem dúvida, isso contribuiu para banalizar um pouco as ideias deles. Eles podem dizer “Olhem para o Presidente, ele aprovou uma lei que adota algumas das nossas ideias”, o que contribuiu para a banalização.

Mas ainda na terça-feira tivemos Gabriel Attal a dizer que “quatro em cada cinco” deputados da UN são racistas e homofóbicos…
Mas hoje em dia, a realidade é que a esquerda não conseguirá ter uma maioria absoluta, não vai poder ter um primeiro-ministro. Portanto, neste momento, [os macronistas] podem dizer que o único inimigo é a extrema-direita. E torna tudo mais fácil para eles, é mais fácil dizer: “Temos de votar contra a extrema-direita”. Talvez tivesse sido mais corajoso se o tivessem feito um pouco antes. Mas já é bom, comparado com o perigo que a extrema-direita representa. É bom defender a democracia da extrema-direita hoje em dia, mas não devemos esquecer-nos que ao colocar sistematicamente a esquerda, [sobretudo] o partido da França Insubmissa, e a extrema-direita no mesmo plano, isso também banaliza a extrema-direita. E alguns ministros ainda hoje o fazem, portanto Macron tem uma quota-parte da responsabilidade. Pensemos ainda no plano maior: a forma de governar de Macron nos últimos sete anos tem sido muito brutal. Muito. Ele quer ser um Júpiter, [exercer um poder] muito vertical, às vezes brutal, com o uso da força e da polícia para conter o povo, às vezes de forma violenta. Foi assim durante os tumultos com os Coletes Amarelos, por exemplo. E isso criou uma raiva muito poderosa entre o povo.

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A repressão policial do movimento dos Coletes Amarelos pode ter contribuído para a impopularidade de Macron, diz Fort

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Basta ir às outras regiões, porque Paris é diferente do resto da França. Mas eu venho de uma pequena cidade provinciana do sul, ando por lá, falo com as pessoas de lá que conheço. Sinto isso, é fácil notar. Há uma raiva muito forte. Há também um empobrecimento das pessoas. Há um desejo de justiça social, na minha opinião muito forte, mas a que ele não conseguiu responder. Pelo contrário, agravou-a e governou de uma forma em que por vezes aplicou a força democraticamente. É uma forma de dizer: “Eu sou Júpiter, eu decido e acabou”. Ele consultou muito pouco [outras vozes]. Por exemplo, os sindicatos, todas as camadas intermédias entre o Presidente e o povo. É claro que muito disto aconteceu não só por causa da ação dele. Mas em muitos eleitores há uma rejeição tão grande dele que cria uma vontade de votar nos únicos que hoje são diferentes — e também foi ele em parte que criou esta contenda entre o Presidente e a extrema-direita.  E isso é parte do que explica a votação massiva neles.

A França Insubmissa não contribuiu também para a banalização deste discurso?
Sim, também têm a sua quota-parte de responsabilidade. Não tenho nenhuma prova de atos antissemitas por parte de membros da FI, porque teriam sido acusados e condenados [judicialmente]. Não é esse o caso, é preciso dizer, mas houve sem dúvida uma estratégia eleitoral da FI para se aproximar e tentar conquistar o voto muçulmano em França, com a histeria com que caracterizaram a questão palestiniana e fizeram dela o centro de tudo. Para a maioria dos franceses, não é o centro de tudo. A questão israelo-palestiniana é importante, mas não é o centro das atenções de todos. A prioridade dos franceses é que o seu frigorífico está vazio. Ou que sentem insegurança. Sabemos quais são as prioridades, vemos nos estudos de opinião. Mas a estratégia da FI e de Mélenchon cristalizou-se na questão palestiniana. E é verdade que isso afastou alguns dos eleitores, que dizem: “Mas, para mim, não é isso o que mais me importa. Não estou interessado.” Na verdade, há muitas pessoas que devem dizer isso a si mesmas e que, para além disso, ouviram as noções desenvolvidas pela extrema-direita como o “islamo-esquerdismo”, ou seja, a ideia de que os islamistas formaram uma aliança com a esquerda. Tudo isto foi amplamente instrumentalizado pelo macronismo e pela extrema-direita e Mélenchon, em vez de acalmar as coisas, muitas vezes atira lenha para a fogueira. Portanto eles partilham parte da responsabilidade nisto.

“Poder de compra” e “imigração”. Os temas centrais do partido que não evitam que o Conselho de Estado os defina como “extrema-direita”

Quando sai de Paris e fala com eleitores que votam na UN, acha que o que os atrai mais no partido é a sua política social ou há um elemento ligado à xenofobia?
São as duas coisas. As duas. Hoje em dia, a principal preocupação nas sondagens, como vemos, é o poder de compra. É sobre como encher o frigorífico. E Marine Le Pen foi esperta porque, a partir de setembro de 2022, dominou o tema do poder de compra e dirigiu toda a sua campanha presidencial com base nisso. Lembro-me de à altura Éric Zemmour dizer: “Ela perdeu a noção do que é fundamental, que é a segurança e a imigração”.

Mas isso talvez a tenha até ajudado, porque a fez parecer mais moderada?
Sim, é verdade. E as pessoas agora dizem: “Ela já fala sobre isto há dois anos. Ela entende as nossas dificuldades.” Isso funcionou bem e não devemos enterrar a cabeça na areia e ignorar isso. Ao mesmo tempo, também existe um pensamento racista no país que é forte e vemos a multiplicação de incidentes racistas. Basta ler a imprensa, os jovens magrebinos que são atacados. Em Montpellier, em Avignon, em todos os centros das cidades, as lojas de negros ou de pessoas de outras origens são grafitadas. Também existe esta realidade, não podemos mentir a nós próprios. A principal preocupação é o poder de compra, a segunda a imigração, onde há uma exigência forte de que seja regulamentada. O que foi parcialmente explorado pela extrema-direita, que está sempre, sempre, sempre a falar disso. Como se pudéssemos governar um país apenas com medidas relativas à imigração, isso não faz sentido. Há tudo o resto, as relações internacionais, a economia, a cultura. Mas as preocupações são o poder de compra e a imigração. E, nestes dois pontos, a UN assumiu esses combates sozinha.

"Não sou eu que digo que eles são de extrema-direita, é o Conselho de Estado [órgão judicial que acumula as funções de Tribunal Constitucional com as do Supremo Tribunal]. Que por duas vezes, em setembro passado e agora em março de 2024, classificou a UN como um partido de extrema-direita. E justificaram a sua decisão com o programa discriminatório e xenófobo da UN e com os seus aliados europeus, que são partidos racistas e etc. Portanto para mim não há dúvidas."

A que se soma a estratégia de “desdiabolização”: eles não querem mais ser definidos como extrema-direita e vejo jornalistas conhecidos que já não se atrevem a dizer que eles são de extrema-direita na televisão. Mas eu pergunto: porquê? Não sou eu que digo que eles são de extrema-direita, é o Conselho de Estado [órgão judicial que acumula as funções de Tribunal Constitucional com as do Supremo Tribunal]. Que por duas vezes, em setembro passado e agora em março de 2024, classificou a UN como um partido de extrema-direita. E justificaram a sua decisão com o programa discriminatório e xenófobo da UN e com os seus aliados europeus, que são partidos racistas e etc. Portanto para mim não há dúvidas, quer dizer, é o Conselho de Estado. É o tribunal de maior instância, é quem dita a lei em França, é o pilar do Estado de Direito e da democracia. Mas estão a tentar derrubar esta última barreira. E o que acontecerá se não pudermos mais dizer que eles são de extrema-direita, é que deixa de haver razão para nos mobilizarmos, para criarmos uma barreira republicana contra eles, porque passam a ser “normais”. Esta é uma das suas lutas e há certos meios de comunicação que contribuem para esta banalização.

Nas suas entrevistas sobre Bardella usa frequentemente o termo “sedução”. As redes sociais são grande parte disso, ele é o rei do TikTok em França. Quanto é que isso contribui para captar o eleitorado jovem?
Bem, funciona. Creio que 30% dos jovens entre os 18 e os 25 anos votaram na UN. 30%! Portanto, é uma estratégia deliberada. Jordan Barella é mais um influencer do que um político. Basta olhar para as redes sociais dele, ele a comer um cachorro-quente, a beber uma coca-cola, a comer um bombom, a fazer piadas. Para tentar estar próximo dos jovens, para lhes dar uma ilusão de proximidade. “Olha para mim, mostro-te a minha vida, eu em casa, eu no meu gabinete”. É uma estratégia que vem sendo pensada há muito tempo, porque uma das missões de Bardella é conquistar o voto dos jovens. É claro que não é Bardella quem faz sozinho os seus pequenos vídeos no TikTok, há toda uma empresa por trás disso que trabalha 100% nisto, a e-Politic. Esta é uma empresa que está ligada à extrema-direita mais radical. Por isso, lá está: é uma empresa, não é Bardella, o que torna isto numa estratégia política que também foi cuidadosamente pensada pela extrema-direita.

Imagem de um dos vídeos de Jordan Bardella no TikTok

Eles sempre tentaram chegar às pessoas através de diferentes canais, porque muitas vezes não tinham acesso aos meios de comunicação tradicionais. E também porque a vantagem das redes sociais é que não há contraditório. Não há um jornalista chato que diga: “Ah, mas isso não é verdade”. Nas redes sociais, pode-se falar diretamente com o eleitorado e passar as mensagens que se quer passar.

Em caso de maioria absoluta, “a verdadeira primeira-ministra será Le Pen”, que já está de olho em 2027. E Putin agradece

Se houver uma maioria absoluta da UN, como acha que a coabitação com o Presidente vai funcionar?
Não sei. Vai ser difícil. É preciso lembrar que Jordan Bardella é um jovem de 28 anos, que não completou o ensino superior e nunca trabalhou numa empresa na sua vida, a não ser um mês na empresa do pai. Foi toda a vida um apparatchik, fez toda a sua vida na UN. Passou toda a vida a treinar a sua comunicação e não a estudar os dossiês.

Ele sabe ser um candidato, mas não sabe ser um governante?
Com um perfil como este… Terá ele capacidade para liderar a França, o governo e todas as engrenagens do país? Duvido. Digo-lhe francamente que podemos duvidar disso, de forma legítima. Vejamos tudo o que lhe estive aqui a contar. Para mim, fica claro que, na verdade, se ele for nomeado para o Matignon, a verdadeira primeira-ministra será Le Pen. Irão trabalhar juntos, sempre funcionaram bem. Ele será o porta-voz, fará o trabalho com os media, o trabalho de representação, porque o faz bem e é jovem. Mas tudo será decidido com Marine Le Pen e com a sua comitiva, bem como com as pessoas muito radicais que mencionei anteriormente.

Ele irá anunciar as medidas, mas as ideias não são suas?
É uma evidência, já os vi a trabalhar juntos num gabinete. Bardella não toma nenhuma decisão importante sem falar com Marine. Não é uma questão de: “Estou a informá-la de que vou fazer isto.” É antes: “O que acha?”. Sim, o nome será Bardella. Mas ele continuará a ser apenas a ferramenta de Le Pen. É difícil de acreditar. Ele pode ser o chefe, mas não há ali nada. Ele é o presidente do partido, mas é Marine Le Pen quem recebe esse salário, são 60 mil euros líquidos por ano. Ele não toca nesse dinheiro. Bardella é este representante, mas é evidente que será ela quem manda verdadeiramente. E já vemos como ela começa a desafiar o Presidente, dizendo que o título de chefe das Forças Armadas é honorário.

Esta semana falou num “golpe de Estado administrativo” por o Presidente ter feito nomeações durante a campanha.
O golpe de Estado administrativo! Ela já está na batalha contra o Presidente da República, de olho em 2027.

Acha que, estando no governo, a UN poderá ter alguma influência nas questões internacionais, tendo em conta como muitos desses poderes estão reservados ao Presidente? Estou a pensar, por exemplo, na política em relação à Rússia.
É interessante porque existe uma contradição profunda na UN. Dizem que são a favor da soberania da França, da independência da França, etc. E, ao mesmo tempo, cada linha que puxamos de Bardella ou do partido leva-nos sempre a Putin. Eles são pró-Putin e estão em dívida para com Vladimir Putin, que financiou a UN durante 10 anos. Vejamos, quem financiou a campanha de Marine Le Pen em 2022? Foi o melhor amigo de Viktor Orbán, com 10 milhões de euros, através de um banco. E Orbán é Putin, é o rosto gentil de Putin, todos sabemos isso. Portanto, obviamente, isso mudaria drasticamente as nossas relações com a Ucrânia e com Putin. Independentemente do que digam hoje, mesmo que digam: “Sim, a Rússia é uma ameaça para a França”. Durante cinco anos, quando olhamos para as votações de Bardella no Parlamento Europeu, ele sistematicamente recusou-se a votar a favor de sanções contra Putin, recusou condenar os crimes do grupo Wagner, recusou condenar as condições da prisão de Alexei Navalny, recusou condenar o regime de terror da Bielorrússia ou dos opositores sequestrados no meio da rua pelos serviços secretos.

Muitas vezes faltava às votações, quando o tema era relacionado com a Rússia.
Sim, ou não ia, ou votava contra. Há o discurso e há as ações. E, na política, as ações é que contam. E quando olhamos para as ações de Bardella e de todo o partido, vemos que são pró-Putin. Também recolhi provas de que Bardella, quando tinha 20, 22 anos, fez parte do Cercle Pushkine [plataforma de aproximação russo-francesa], colaborava com eles muitas vezes. Temos Thierry Mariani [eurodeputado da UN que foi observador no referendo da Crimeia], que criou o Diálogo Franco-Russo, e Pierre Gentillet, braço-direito de Marine, que foi quem criou o Cercle Pushkine para os jovens, um círculo de influência que tem encontros onde os serviços secretos russos participam. É um lobby pró-russo e Bardella esteve lá, tenho as fotografias. Por isso, quando olhamos para o seu passado, quando olhamos para a forma como vota atualmente e os comparamos com o discurso, não é a mesma coisa. Ainda existem estas duas caras. Portanto, obviamente, se eu fosse ucraniano ficaria preocupado. E, obviamente, Vladimir Putin estará a esfregar as mãos.

"Pode ou não vir a haver motins em França, dependendo dos resultados da UN. Pode haver uma desordem que pode servir a extrema-direita, mas também a extrema-esquerda. Não sabemos realmente. É uma neblina."

Porque, para além disto, quando olhamos para a big picture, para o programa da UN no que se refere à Europa, eles colocam em causa todos os tratados económicos, de imigração, etc., que assinámos. E se começamos a pensar em pôr em causa os tratados, países como Portugal, Bélgica ou Alemanha podem começar a fazer o mesmo. E o risco a longo prazo continua a ser a fragmentação da Europa. E quem beneficiaria mais com ela? Evidentemente seria Putin. É claro que pode ser ficção científica, pode ser tudo ser ficção. Mas se olharmos para o próximo outono, e se tivermos um governo francês de extrema-direita e Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, devemos ficar preocupados. Daí que ache que temos o direito de projetar, com base naquilo a que assistimos. Vladimir Putin tem manobrado para desestabilizar toda a Europa.

Se a UN não tiver uma maioria absoluta e França entrar numa situação complicada por não ter uma maioria clara, nem noção de que governo sairá daí, a instabilidade poderá ajudar a UN nas próximas presidenciais?
É difícil dizer. Se a UN não tiver a maioria, se não chegar ao Matignon, certamente haverá um governo de gestão, funcionários que se limitam a administrar os assuntos.

Um governo de tecnocratas?
Sim. Não será muito politizado, porque não haverá uma maioria clara, mas não sei quem seriam as figuras. Pode ou não vir a haver motins em França, dependendo dos resultados da UN. Pode haver uma desordem que pode servir a extrema-direita, mas também a extrema-esquerda. Não sabemos realmente. É uma neblina.

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