Uma eventual “segunda vaga” de infeções pelo novo coronavírus e a imposição de novas medidas restritivas fariam a economia nacional derrapar mais de 13% este ano – esse é o novo cenário adverso avançado pelo Banco de Portugal, instituição que em março tinha apontado para uma quebra de 3,7% ou, no cenário adverso então definido, 5,7%. Agora, as novas projeções indicam que mesmo que se evite a segunda vaga e a crise sanitária evolua como está previsto, a criação anual de riqueza irá baixar 9,5%, um cenário-base que é também muito mais negativo do que a projeção (de uma quebra de apenas 6,9%) que está subjacente ao Orçamento do Estado que o parlamento discute e vota esta semana na generalidade.
A fazer fé nas novas projeções feitas no Boletim Económico do Banco de Portugal, divulgado esta terça-feira, nem em 2022 a economia portuguesa irá regressar ao que era em 2019. Estas são projeções que têm “um grau de incerteza muito superior ao habitual”, pelas características especiais desta crise, mas que beneficiam de existir, agora, mais informação sobre o choque económico vivido nos últimos meses não só em Portugal mas, também, nos outros países do Eurosistema – que além de fontes de informação económica são, também, clientes das exportações portuguesas.
É precisamente nas exportações de bens e serviços, que incluem o turismo, que se regista a maior quebra homóloga da atividade: mais de um quarto (25,3%) da atividade exportadora (e turística) evapora-se em 2020, admitindo o Banco de Portugal, depois, dois anos de recuperações percentuais na casa dos 11%. Essa previsível recuperação irá ajudar a economia portuguesa, como um todo, a recuperar 5,2% em 2021 e 3,8% em 2022, como se pode ler no quadro do Banco de Portugal.
“No primeiro trimestre de 2020, o PIB reduziu-se 3,8% face ao trimestre anterior, a maior queda desde que existem séries trimestrais para a economia portuguesa”, escreve o Banco de Portugal, acrescentando que “no segundo trimestre de 2020, mais afetado pela pandemia e pelo impacto das respetivas medidas de contenção, a taxa de variação em cadeia da atividade deverá diminuir numa magnitude sem precedente histórico”. Quanto, exatamente? “Embora rodeada de elevada incerteza, estima-se que esta redução possa atingir um valor em torno de 15%“.
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Também a contribuir para a quebra de 9,5% está a descida de cerca de 11% no investimento – isto é, a formação bruta de capital fixo –, uma rubrica onde o Banco de Portugal antecipa um aumento de 5% em 2021 e de 4,5% em 2022. O consumo privado tenderá a recuperar com o “desconfinamento” mas acabará o ano a cair quase 9%, ao passo que no consumo público se prevê um crescimento de 0,6% em 2020, refletindo dois efeitos significativos de sinal contrário: aumento da despesa em saúde e redução no número de horas trabalhadas, indica o Banco de Portugal. No investimento público prevê-se uma aceleração em 2020 e um crescimento superior ao do PIB nominal em 2021-22, sobretudo graças ao previsível maior fluxo de fundos europeus.
É preciso recuar até à Grande Depressão que começou com o crash bolsista de 1929 para encontrar registos de uma quebra económica anual de 9,5% em Portugal, refere o Banco de Portugal. Esta é a previsão feita pela instituição com base em dados recolhidos até 18 de maio, que não incluem qualquer contribuição de pacotes de assistência europeia – certamente não para 2020, já que existe ainda muita incerteza sobre que medidas é que serão acordadas pelos estados-membros.
E, por outro lado, pelo facto de a base de trabalho só ir até 18 de maio, as projeções também não incluem a contribuição do chamado Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), lançado pelo Governo já neste mês de junho. Porém, sabe o Observador, as medidas do PEES não alterariam de forma substancial as projeções feitas pelo Banco de Portugal. São, é certo, medidas que fomentam um quadro (previsível) de um acesso facilitado das empresas e famílias a financiamento, mas não são medidas que façam “mexer a agulha”, no cenário previsto pelo Banco de Portugal.
Por outras palavras, não é o PEES que justifica a discrepância que existe entre a recessão prevista pelo Banco de Portugal (9,5%, no mínimo) e a contração prevista no novo Orçamento do Estado (6,9%).
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Só no final de 2022 a economia se “aproxima” do que era em 2019
A expectativa do Banco de Portugal é a de que, no final de 2022, o valor do produto económico português poderá “aproximar-se” daquilo que era em 2019, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 2,2%. Em comparação com aquilo que se previa, em 2019, que seria a economia portuguesa em 2022, as projeções agora divulgadas pelo Banco de Portugal indicam uma economia 6% mais pequena, nessa altura, do que aquilo que se previa antes da pandemia.
Será uma recuperação “lenta” e “incompleta“, diz o departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. Ainda assim, apesar de se prever uma recessão mais profunda, a previsão do Banco de Portugal para a taxa de desemprego mantém-se na região dos 10% (o mesmo que foi antecipado em março, destacando-se aqui a importância de medidas como o layoff simplificado, entre outras, a evitar um desemprego mais generalizado).
Ainda assim, em contraste com a chamada crise das dívidas soberanas, aqui prevê-se uma recuperação mais rápida, porque se acredita que não irão existir as diferenças na evolução do investimento que existiram na última recessão. Porém, o Banco de Portugal salienta que é de esperar um “impacto persistente” nas exportações nos próximos anos. O que também não ajuda – é uma “fragilidade“, dizem os economistas – é a “situação financeira das empresas portuguesas” à entrada para a crise.
Esses fatores ajudam a enquadrar as “consideráveis diferenças” que existem nos ritmos de recuperação previsíveis entre os países do euro, cujo PIB deverá baixar 8,7% em 2020 (portanto, um pouco menos do que Portugal) recuperando depois 5,2% em 2021 e 3,3% em 2022.
“A queda da atividade em 2020 é comum às economias avançadas e emergentes, mas é particularmente pronunciada em países europeus que são parceiros comerciais importantes de Portugal, com destaque para Espanha”, afirma o Banco de Portugal, notando que “neste contexto, a procura externa dirigida à economia portuguesa deverá contrair-se mais do que o comércio mundial em 2020 (-15,1%), recuperando em 2021-22, mas mantendo níveis inferiores aos observados em 2019″.
Economia cai mais de 13% em “cenário mais severo”
Se estas são previsões envoltas em enorme incerteza, mesmo quando se fala em “cenários-base”, o Banco de Portugal decidiu voltar a incluir uma projeção de um cenário adverso que inclui “uma segunda vaga de infeções a nível global, que obrigue à reintrodução de medidas de contenção rigorosas, incluindo a possibilidade de um novo período de confinamento geral”. Em 2020, isso significaria uma quebra de 13,1% na riqueza produzida no país.
Esse cenário adverso poderá concretizar-se tendo em conta que “medidas para conter esta segunda vaga do vírus implicariam novas perdas significativas da atividade nos diversos setores da economia, ainda que eventualmente menores do que as observadas no período recente de estado de emergência”. O principal problema é que “neste cenário adverso, após estas fortes paragens da atividade, a recuperação tenderá a ocorrer de forma mais contida comparativamente ao assumido nas projeções apresentadas neste boletim”.
Aí, “as medidas [restritivas], bem como a elevada incerteza e insegurança, mantêm-se por um período mais prolongado, afetando os processos de produção, as decisões de investimento e os padrões de consumo”, receia o Banco de Portugal, notando que, se esse cenário adverso se materializar, “mais empresas serão obrigadas a encerrar definitivamente“.
Este “cenário mais adverso” serve para ilustrar que “os custos económicos da pandemia sobre a economia portuguesa se podem revelar ainda mais significativos e persistentes do que assumido nas projeções centrais” – o que “exigiria uma reação das autoridades de política económica ainda mais vigorosa e coordenada a nível internacional, para limitar a escala e a persistência dos danos económicos e sociais”, afirma o Banco de Portugal.