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O que é o novo coronavírus (Covid-19)?
Cientificamente chamado de 2019-nCoV, também conhecido como coronavírus de Wuhan, ou mais recentemente Covid-19, trata-se de um vírus de pneumonia que foi detetado pela primeira vez no final do ano passado em Wuhan, na província chinesa de Hubei, que tem mais habitantes do que Portugal inteiro. Não há, ainda, tratamento específico para o vírus, que já fez mais de 4.500 mortos.
Pertence à família “coronavírus”, que engloba todos os vírus que estão na origem de várias doenças de cariz respiratório, que vão desde a gripe até à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) — que, em 2002, fez cerca de 800 mortes, mas foi rapidamente controlada —, ou à Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS) — que também fez cerca de 800 vítimas mortais, mas da qual ainda hoje se continuam a registar casos. O novo coronavírus é uma nova estirpe que, até agora, não tinha sido detetada em humanos. Os coronavírus são vírus transmissíveis entre animais e humanos: o SARS, também com epicentro na China, era transmitido de gatos selvagens para humanos, e o MERS de camelos dromedários. Há ainda outras estirpes de coronavírus que são conhecidas por circularem entre animais, mas nunca chegaram aos seres humanos.
Em termos de sintomas, traduz-se em dores de cabeça e enxaquecas, nariz entupido, tosse, falta de ar, dores de garganta e dores musculares, sintomas facilmente confundidos com os da gripe. Depois, a doença pode evoluir para febres acima dos 38ºC e dificuldades em respirar, que podem evoluir para uma pneumonia. Nos casos mortais, as vítimas tinham entrado, maioritariamente, em septicémia.
O paciente-zero, Zeng, de 61 anos, foi a primeira vítima mortal desta nova estirpe de coronavírus, que até aqui só tinha sido identificada em animais: nunca tinha sido detetada em humanos.
De onde veio o vírus?
Não se sabe. Os primeiros casos de infeções surgiram num grupo de 41 pessoas que tinham visitado um mercado de marisco e animais selvagens em Wuhan, daí que se tenha começado a olhar para o mercado de Wuhan como o epicentro do surto, embora haja outras teorias que duvidam de que tenha sido apenas esse o início da propagação do vírus para humanos.
Foi, contudo, a partir desses 41 pacientes iniciais que a comunidade científica começou a sequenciar o material genético do vírus. A informação permitiu descobrir duas coisas: a primeira, que o vírus era muito semelhante ao SARS, que provocou um surto em 2002 que infetou oito mil pessoas e matou 800; a segunda, que era geneticamente parecido a um vírus que existe numa espécie de cobras da China, as Twain, que são muito venenosas, mas com as quais os chineses fazem espetadas. Essas cobras estavam à venda no mercado onde o surto parece ter começado, daí que a comunidade científica tenha começado por fazer essa ligação.
Contudo, o aspeto físico do vírus revelou-se depois semelhante a um agente infeccioso que já tinha sido detetado em morcegos. Segundo a Universidade da China, isso podia indiciar que os morcegos infetaram as cobras e que as cobras, através das fezes, transmitiram o vírus aos humanos pelo ar que circulava no mercado e que os doentes respiraram. A verdade é que havia muitos morcegos e cobras no mercado em questão.
A hipótese da cobra, contudo, começou a perder força, mas a do morcego não. O morcego é o que a maioria dos especialistas aponta como fonte primária, já que os genomas do novo coronavírus são 96% iguais aos que circulam no organismo dos morcegos. Não é a primeira vez que estes mamíferos são apontados como “reservatórios naturais” das últimas grandes epidemias. Acredita-se que tanto o Ébola, a epidemia que matou, entre 2013 e 2016, mais de 11 mil pessoas na África Ocidental, como o vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) tenham tido também origem nos morcegos.
Entretanto, surgiu ainda outra hipótese que juntava os morcegos a um outro animal que pode ter servido como “intermediário”, mas que já foi derrubada: um novo estudo apontava o pangolim, um pequeno mamífero em risco de extinção e um dos animais mais contrabandeados do mundo, como “intermediário” do vírus. Em comunicado, investigadores da Universidade de Agricultura do Sul da China afirmaram que tinha identificado o pangolim como o “possível hospedeiro intermediário” que facilitou a transmissão do vírus, sendo que o animal pode abrigar o vírus sem adoecer e, ao mesmo tempo, pode infetar outras espécies. É designado de “reservatório”. Assim sendo, o pangolim poderia ter servido como “hospedeiro intermediário” entre o morcego e os humanos. Mas a teoria caiu por terra.
Como é que o novo coronavírus infeta os humanos?
O COVID-19, também chamado SARS-CoV-2 pelas semelhanças genéticas com o vírus que provocou o surto de 2003, tem uma proteína que, quando se aproxima de uma célula humana, une-se a outra chamada ACE2. Quando isso acontece, o vírus introduz o seu material genético (o ARN) na célula humana, que, confundindo-o com o próprio material genético, começa a produzir proteínas virais por engano.
Uma vez dentro da célula, o material genético do vírus começa a replicar-se e os novos exemplares ficam encapsulados por uma espécie de “bolsa” proteica — algo que acontece com muita facilidade porque o vírus toma como refém o sistema metabólico da célula para que trabalhe apenas a seu favor. Depois, os novos coronavírus furam a membrana celular e escapam para infetar novas células.
A proteína ACE2 existe nos pulmões, rins, coração e intestinos. É a mesma à qual o vírus do SARS se ligava para contaminar os humanos. Mas há uma diferença: o COVID-19 consegue fazer isso com ainda mais eficiência do que o coronavírus de 2003, porque há uma maior compatibilidade entre os aminoácidos que compõem estas proteínas, o que pode justificar a facilidade com que o novo coronavírus se espalha.
Que sintomas são mesmo relevantes?
Os sintomas mais comuns do Covid-19, a doença infecciosa provocada pelo novo coronavírus, são febre, cansaço e tosse seca, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a que a DGS acrescenta ainda a dificuldade respiratória (falta de ar). Muito poucas pessoas espirram ou têm congestão nasal, mas alguns doentes podem ter dores musculares, indica Maria Van Kerkhove, diretora interina do departamento de doenças emergentes da OMS. Apesar disso, a organização destaca congestão nasal, dores de garganta e diarreia como possíveis sintomas. E lembra que há pessoas que podem estar infetadas e não desenvolver qualquer sintoma.
Nos casos mais graves, refere a DGS, a doença pode levar a “pneumonia com insuficiência respiratória aguda, falência renal e de outros órgãos, e eventual morte”.
Os sintomas costumam surgir de forma leve e gradual, sublinha a OMS. As pessoas que cheguem de algum dos locais acima referidos, mas que estejam assintomáticas, devem estar, ainda assim, atentas aos 14 dias seguintes, uma vez que podem desenvolver sintomas. Isto porque se estima que o período de incubação — isto é, o tempo entre contrair o vírus e começarem a surgir sintomas — seja de um a 14 dias. No entanto, na maioria dos pacientes, os sintomas aparecem ao fim de cinco dias. A DGS recomenda que a temperatura corporal seja medida duas vezes por dia e que os valores sejam registados.
Há duas estirpes de coronavírus a circular. O que significa isso?
Uma análise a uma base de dados com os genomas de 103 pessoas atingidas pela epidemia do novo coronavírus revelou que há duas estirpes de COVID-19 a circular pelo mundo. Uma, a do “tipo S”, é a menos agressiva e foi encontrada em 30% dos casos; a outra é do “tipo L”, é mais agressiva e foi detetada em 70% dos infetados.
Primeiro, um esclarecimento: de acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem pelo menos 104 variantes do novo coronavírus em circulação. A diferença entre eles está na informação genética: quando os vírus se replicam, a informação genética copiada de um para outro pode sofrer mutações que dão origem a uma nova variante. Mas essas mutações são tão ténues que são quase impercetíveis. Geneticamente falando, são semelhantes em mais de 99%.
O que esta equipa de investigadores chineses veio anunciar é que essas variantes podem ser divididas em dois subtipos do vírus COVID-19, cujas diferenças na informação genética são mais expressivas — o tipo S e o tipo L. Conforme teorizaram, é possível que o tipo de vírus mais agressivo tenha evoluído do tipo menos agressivo (que é também o mais antigo), que mudou para se tornar mais resistente ao meio. Isso é algo comum no vírus da gripe sazonal, por exemplo, que muda ao longo do tempo para conseguir subsistir no meio.
Os dados estatísticas sugerem que o tipo L era o mais comum no início do surto em Wuhan, na China. E continua a ser assim. Mas, a partir de janeiro deste ano, a prevalência do COVID-19 do tipo L começou a diminuir. O motivo continua por descobrir, mas os cientistas desconfiam que isso é consequência dos tratamentos que têm sido aplicados nos humanos. É como se o COVID-19 do tipo L, embora seja mais agressivo, estivesse a ceder mais ao contra-ataque dos médicos. Nesta batalha, o Homem está a conquistar terreno.
Há, no entanto, algumas reservas a manter sobre estas conclusões — tal como admitido pelos próprios investigadores, que classificaram o estudo como “muito limitado”. O número de genomas estudados é muito pequeno e, tal como comentado pelos especialistas no tema, o termo “agressivo” que foi utilizado pelos cientistas não só é pouco usual na virologia, como é ambíguo. Será que uma estirpe mais agressiva é aquela que se reproduz com mais rapidez quando infeta uma célula? Será que é, mais do que isso, a facilidade e a velocidade com que se espalha pelo corpo? Ou estamos a falar da gravidade dos problemas de saúde que ela provoca?
São interrogações que Michael Skinner, especialista em virologia do Imperial College London, coloca na reação que publicou a este anúncio: “Eles especulam que o tipo L pode ser mais ‘agressivo’, mas esse não é um adjetivo que normalmente aplicamos aos vírus, sobre os quais falamos de transmissibilidade, aptidão, virulência”. E acrescenta: “Os vírus precisam ser capazes de se replicar em cada hospedeiro e transmitir-se entre eles de forma sequencial. É bem possível que uma forma do vírus seja melhor na replicação e outra na transmissão“.
Stephen Griffin, professor da Universidade de Leeds, também ressalva que “é difícil confirmar estudos sem uma comparação direta lado a lado da patogenicidade e disseminação, idealmente em modelos animais, ou, pelo menos, um estudo epidemiológico bastante extenso”.
De resto, prossegue o especialista, não é de estranhar que o vírus tenha entrado em mutação: “Geralmente, quando os vírus com ARN [um tipo de molécula portadora de informação genética] atravessam as barreiras de espécies pela primeira vez e entram nos seres humanos, eles não estão particularmente bem adaptados ao novo hospedeiro. Assim, eles costumam sofrer algumas mudanças, permitindo que se adaptem e se tornem mais capazes de se replicar e se espalhar de humano para humano”.
Como devo proteger-me?
São várias as recomendações da Organização Mundial de Saúde para agir de forma preventiva face à possibilidade de infeção:
- Se visitar mercados de animais, evitar contacto direto com eles e superfícies em contacto com animais;
- Evitar consumo de carne crua ou mal passada;
- Lavar regularmente as mãos com água e sabão ou produtos à base de álcool;
- Manter distância (pelo menos um metro) de pessoas que estejam com sintomas visíveis, como tosse, espirros ou febre;
- Usar máscara respiratória para evitar a propagação de qualquer doença respiratória. O uso isolado da máscara, contudo, não garante nada, uma vez que o vírus também se transmite através do contacto com superfícies infetadas. O conselho é usar máscara por precaução apenas se tiver sintomas de doença respiratória (tosse ou espirros).
- Mas também há regras para usar a máscara devidamente: lavar as mãos antes de colocar a máscara, evitar tocar na máscara enquanto a usa, e, quando a tirar do rosto, deve ter atenção para não tocar na parte da frente.
Uma das dúvidas mais frequentes é se é seguro receber uma encomenda vinda da China, mas a Organização Mundial de Saúde tranquiliza neste ponto: “É seguro. As pessoas que recebam encomendas da China não correm risco de ser infetadas pelo novo vírus, uma vez que, a avaliar pela experiência com outras estirpes de coronavírus, o vírus não permanece muito tempo neste tipo de objetos, como pacotes ou cartas”, lê-se no site da Organização Mundial de Saúde.
Vale a pena usar máscaras?
Se estiver ao ar livre, não faz sentido nenhum, diz Nuno Taveira, que faz trabalho de investigação em HIV, hepatite B, C e febre amarela. A situação muda se estiver ao lado de alguém que possa estar infetado. “Por exemplo, se o meu filho tivesse regressado de uma viagem a Itália, mantinha-o em casa, e o resto da família também. Ele punha máscara, e eu punha máscara, para tentar conter a transmissão do vírus que ele pudesse estar a incubar.”
Para já, o investigador da Faculdade de Farmácia não aconselha às pessoas que usem máscaras em sítios como o metro, fechados e com muita gente, porque parece alarmista. Mas admite que ele próprio o faria: “Se eu andasse de metro, usava máscara. A partir do momento em que o primeiro caso estiver confirmado, fará todo o sentido usar em espaços fechados”, defende.
Contudo, a recomendação da OMS é a de que apenas as pessoas que estejam doentes, que tenham sintomas de doença respiratória ou que tenham um sistema imunitário fragilizado usem máscaras. Estas protegem os outros e não a pessoa que a está a usar — ou seja, as máscaras servem apenas para impedir que as gotículas que podem ser projetadas quando uma pessoa espirra ou tosse cheguem aos outros, explica Maria Van Kerkhove, da OMS.
A própria DGS já referiu que a população em geral não precisa de utilizar protetores faciais, mas Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, indicou dois grupos que devem usar máscaras: os doentes, que devem escolher as máscaras cirúrgicas, “para constituir uma barreira entre a boca e o nariz do doente e as suas gotículas em relação a terceiros”, e os profissionais de saúde, que devem usar as máscaras apelidadas de “respirador”. Isto porque estes profissionais têm um contacto muito próximo com o doente, especialmente quando estão a realizar exames como zaragatoas orais e nasais e, nessa altura, os pacientes não podem estar a usar máscaras.
Também a presidente da Associação de Farmácias Portuguesas diz que o uso de máscaras só faz sentido “no caso de pessoas que já estejam debilitadas e que saiam à rua para um local onde haja um possível foco de contágio”. “Na maior parte dos casos, não faz sentido de todo“, considera Manuela Pacheco, em declarações ao Observador.
A verdade é que o vírus também se pode transmitir através do contacto com superfícies contaminadas, portanto utilizar máscaras não garante que se evite a propagação. Aliás, o que pode ser perigoso para a saúde é descartar as máscaras sem cuidado. Isto porque o vírus pode permanecer na máscara, se o seu utilizador estiver doente, e tornar-se assim num foco de disseminação. A OMS faz mesmo uma ressalva: as máscaras têm de ser descartadas “num lixo que seja coberto”.
“É importante usar e descartar corretamente [da máscara]. Caso contrário, em vez de proteger, a máscara pode tornar-se uma fonte de infeção devido aos germes que pode permanecer nela”, explica Christine Francis, consultora da OMS.
Caso decida usar máscara, é importante ter em conta as seguintes regras de utilização: lavar as mãos antes de a colocar, evitar tocar na máscara enquanto a usa e, ao retirá-la, não tocar na parte da frente. Se por algum motivo tocar na parte da frente da máscara, lave as mãos com água e sabão ou com produtos à base de álcool. Se ela ficar muito molhada, é necessário substitui-la por uma nova.
Os desinfetantes matam ou não o coronavírus?
Só se tiver álcool, explica Nuno Taveira. O melhor é usar álcool a 70 graus, que é antisséptico. O álcool a 95 graus não tem o mesmo efeito e deve ser evitado. “Parece um contrassenso, mas o que é eficaz é o álcool a 70 graus.”
Aliás, a OMS recomenda que se lave as mãos ou com água e sabão ou com produtos à base de álcool precisamente porque matam o vírus.
Ainda assim, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos — citada pela CNN — diz que não há 100% de certeza. Isto porque se trata de uma nova estirpe de coronavírus e os estudos sobre a eficácia dos desinfetantes têm por base outros tipos do vírus. Nesses casos, os desinfetantes matam o vírus. Embora possam ser também eficazes contra este, é necessário fazer testes para que haja uma comprovação científica da sua eficácia, considera a EPA.
Um estudo publicado no “The Journal of Hospital Infection” e que analisou dados sobre diferentes epidemias como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês) e a Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS), concluiu que a maioria dos coronavírus são sensíveis a desinfetantes e agentes químicos à base de etanol, peróxido de hidrogénio ou hipoclorito de sódio.
O que tenho de fazer e onde me devo dirigir se tiver sintomas?
Qualquer pessoa que tenha regressado “de uma área afetada” — isto é, China, Coreia do Sul, Japão, Singapura, Irão e Itália — e que apresente “sintomas sugestivos de doença respiratória, durante ou após a viagem”, a primeira coisa que deve fazer, antes até de ir a um serviço de saúde, é ligar para o SNS24 (808242424), dar conta da “condição de saúde e história de viagem” e seguir as orientações que forem dadas. Esta é a recomendação da Direção-Geral de Saúde (DGS).
É possível recuperar da doença?
A esmagadora maioria dos infetados recupera do vírus sem precisar de um tratamento específico. Uma em cada seis pessoas fica gravemente doente e tem dificuldades respiratórias, sendo que os idosos e as pessoas que já tenham problemas de saúde como hipertensão, problemas cardíacos ou diabetes são os que têm uma maior probabilidade de ficarem gravemente doentes. Apenas uma pequena percentagem de doentes morre devido ao Covid-19.
Quem não esteja ou não tenha viajado para uma zona com casos confirmados, ou não tenha tido um contacto próximo com alguém que tenha estado num desses países e não se esteja a sentir bem, tem uma probabilidade baixa de contrair este vírus, refere ainda a OMS.
Esta quinta-feira surgiu inclusivamente a notícia de que há um primeiro doente curado em Portugal.
Há algum tratamento ou vacina para o Covid-19?
Não. Tanto a DGS como a OMS referem o mesmo: atualmente não existe uma vacina, embora estejam a decorrer várias investigações para a desenvolver. Também não há nenhum tratamento específico para o novo coronavírus, havendo apenas tratamento para os sintomas que o doente possa apresentar (tosse, febre, entre outros).
A OMS reforça ainda que os antibióticos não servem para tratar vírus, uma vez que só têm efeito em infeções bacterianas. Para a OMS, apenas um fármaco parece ter eficácia real. Depois de ter sido usado, com sucesso, no primeiro doente nos EUA, o Remdesivir vai ser usado nos doentes italianos.
Os animais de estimação podem contrair o vírus?
As autoridades e os especialistas dizem que não, mas as dúvidas impuseram-se quando surgiu a notícia de um cão que foi colocado em quarentena, em Hong Kong, depois de os testes realizados ao animal darem um “fraco positivo” — apesar de ele não apresentar “quaisquer sintomas relevantes”. Ainda assim, as autoridades dizem que não há “evidências” de que o cão tenha Covid-19 e vão fazer novos exames para confirmar se está efetivamente infetado “ou se isto é o resultado de uma contaminação ambiental da boca e do nariz do cão”, refere a CNN.
No site da OMS, lê-se que não há evidências de que os animais domésticos, como cães e gatos, tenham sido infetados e possam transmitir o novo coronavírus. Os especialistas contactados pelo Observador também são da mesma opinião.
“Todas as autoridades veterinárias europeias dizem que não haverá risco de transmissão dos animais de companhia para as pessoas e vice-versa“, afirma Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, ao Observador, salientando que o vírus “pode ter tido origem em animais”.
O médico veterinário sublinha, contudo, que este é um vírus ainda pouco conhecido, mas os “primeiros estudos” apontam para que não haja riscos para as pessoas, porque “teoricamente os animais de companhia não transmitem o vírus”. “É evidente que as coisas podem mudar, há um desconhecimento ainda muito grande por parte da comunidade científica sobre este vírus. Até agora só se descobriu que há transmissão de homem para homem.”
Já Nuno Taveira, investigador da Faculdade de Farmácia na área do HIV, hepatite B, C e febre amarela, diz que não são conhecidos efeitos de transmissão inversa, ou seja do homem para os animais. O que se conhece são casos de transmissão dos animais para os homens. Neste caso concreto, a origem terá sido um morcego. Quanto à hipótese de um animal de estimação em Portugal ser infetado por um morcego, defende que essa probabilidade é praticamente inexistente, já que a nossa relação e contacto com este tipo de animais é muito diferente da que acontece na China.
A verdade é que tanto a OMS como a DGS dizem que ainda não há certezas de que o Covid-19 seja de origem animal, porque, apesar de a maioria dos casos estarem associados ao mercado de Wuhan — cidade onde teve origem o novo coronavírus —, há infeções confirmadas em pessoas que não estiveram nesse local. No entanto, há outros tipos de coronavírus, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla inglesa) e a Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS), que estão ligados a animais: o SARS está associado ao civeta (gato dos Himalaias) e o MERS transmite-se através de camelos, lê-se no site da OMS.
Ainda assim, a organização recomenda que, no caso de visitar mercados de animais, as pessoas devem evitar contacto direto com eles e superfícies em contacto com animais.
Em caso de uma suspeita de infeção, qual é o processo?
Em primeiro lugar, é preciso que um caso seja validado como suspeito. Para isso, de acordo com a mais recente orientação da Direção-Geral de Saúde (DGS), a pessoa tem de ter uma infeção respiratória (febre ou tosse ou dificuldade respiratória), que pode levar ou não à hospitalização, e tem de ter estado em “áreas com transmissão comunitária ativa” — isto é, China, Coreia do Sul, Japão, Singapura, Irão e Itália — nos últimos 14 dias antes de começar a ter sintomas.
Doentes que apresentem os critérios clínicos acima mencionados e tenham estado em contacto ou com um doente infetado ou com um caso suspeito duas semanas antes de aparecerem os sintomas ou então com um profissional de saúde que tenha estado a tratar pacientes com Covid-19 também são considerados casos suspeitos.
Se tiverem alguns dos sintomas associados à infeção, as pessoas devem — e antes de irem a qualquer unidade de saúde — ligar para o SNS24 e é através deste número que irão receber as devidas orientações. Cabe à DGS, juntamente com um médico de um dos três hospitais de referência, validar o caso como suspeito, tendo por base o relato do paciente.
Se for considerado suspeito, é acionado o INEM para fazer o transporte do doente. “Se não for validado, são dadas indicações para onde se deve dirigir”, explica o médico Fernando Maltez, diretor do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de Curry Cabral ao Observador.
Os três hospitais de primeira linha têm indicações para isolarem imediatamente estes doentes “como se se tratasse de um caso” confirmado, acrescenta Fernando Maltez. O mesmo acontece se o doente com sintomas for diretamente a uma unidade de saúde, sem contactar o SNS24 antes. Nestes casos, é um profissional de saúde quem contacta a Linha de Apoio ao Médico da DGS para validar o caso. Se se confirmar que se trata de um caso suspeito, ativam-se os mesmos mecanismos de transporte do paciente.
A única diferença é que o isolamento no São João, Curry Cabral ou D. Estefânia é feito num quarto com pressão negativa — isto é, com uma pressão inferior à pressão atmosférica normal e que impede a saída dos vírus que estejam no interior da divisão — e filtração de ar. “Tem um sistema de cinco a seis mudanças de ar por hora”, explica o professor Fernando Maltez: “É um isolamento indicado para situações clínicas de alta infecciosidade.”
Em seguida, são feitas análises ao sangue e às secreções respiratórias — “se não for possível, faz-se à expetoração”, explica o médico — e zaragatoas orais e nasais, que permitem a recolha de amostras do doente para análises. Estas amostras são depois enviadas para análise ou para o Instituto Ricardo Jorge ou para os laboratórios dos hospitais que já fazem os testes — mas os que derem positivo, ainda têm de passar pelo Ricardo Jorge. “Temos a confirmação do diagnóstico ou a infirmação em cinco ou seis horas”, acrescenta Fernando Maltez.
Durante o internamento do doente — e enquanto se confirma a suspeição —, os familiares e pessoas com quem o paciente tenha estado em contacto são identificados para depois se decidir as medidas tomar, de acordo com o resultado das análises.
Se houver confirmação, o que acontece?
Se se confirmar que um paciente está efetivamente infetado com o novo coronavírus, ele será tratado para os sintomas que apresentar, uma vez que não existe qualquer “tratamento específico” para o vírus nem uma vacina — pelo menos para já. “Se o doente tem febre, trata-se a febre. Se o doente tem tosse, dá-se um medicamento para a tosse. Se, eventualmente, tem uma pneumonia, pode dar-se alguma antibioterapia para possibilidade de infeção bacteriana”, explica Fernando Maltez.
Durante o tratamento, o doente permanece em isolamento — as visitas só poderão ocorrer quando já não houver risco de transmissão —, mas não é possível determinar à partida durante quanto tempo. Segundo o diretor do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de Curry Cabral, isso depende da sua evolução clínica e se os exames que inicialmente foram positivos, deram negativo quando forem repetidos.
Quais são os hospitais que já estão preparados para receber doentes?
Há três hospitais que estão “permanentemente preparados” para receber doentes com coronavírus ou casos suspeitos de infeção, segundo a diretora-geral da Saúde, Graças Freitas: o Hospital de São João, no Porto — que admite tanto adultos como crianças —, o Hospital Curry Cabral e o Hospital Dona Estefânia, ambos em Lisboa. O primeiro recebe apenas adultos enquanto que o último só pode internar crianças.
Entretanto, com o avançar do crescimento da epidemia, foram entretanto ativados alguns hospitais de segunda linha, que estão agora preparados para receber doentes infetados com Covid-19. São eles:
- Hospital de Braga
- Hospital de Santo António (Porto)
- Hospital Pedro Hispano (Matosinhos)
- Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (incluindo o hospital pediátrico)
- Hospital da Guarda
- Hospital de Santa Maria (Lisboa)
- Hospital de Faro
- Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira)
- Hospital Santo Espírito (Açores)
“Em última análise, se houver uma escala e se evoluirmos para epidemia no nosso país, no futuro todos [os hospitais] estarão preparados para receber doentes“, disse ainda Graça Freitas.
O Estado pode recorrer aos hospitais privados, caso seja necessário?
Sim. “Num cenário em que o número de casos o justifique, está prevista a requisição de serviços a terceiros”, afirmou a ministra da Saúde no final do Congresso Nacional da Associação de Unidades de Cuidados na Comunidade.
Marta Temido explicou que logo “na primeira reunião do Conselho Nacional de Saúde Pública”, tanto a União de Misericórdias como a Associação Portuguesa da Hospitalização Privada “demonstraram total disponibilidade para ajudar”.
Além de que a nova Lei de Bases da Saúde “prevê que a Autoridade Nacional de Saúde, em caso de necessidade, possa requisitar serviços a terceiras entidades, quer em termos de camas quer em termos laboratoriais“.
“A rede do SNS dará a sua melhor resposta, mas estamos a trabalhar em articulação”, acrescentou Marta Temido. Para estudar melhor esta hipótese, a DGS e os privados irão reunir-se no dia 17 de março para discutir o tema.
Devo evitar hospitais e outras áreas públicas?
Sim. A recomendação tanto da DGS como de Ricardo Mexia é a de ligar para a linha Saúde 24, antes de qualquer outra coisa, no caso de ter os sintomas já descritos, de tiver viajado para algum país onde haja foco de infeções ou se tiver tido contacto com alguém infetado.
Quanto a outras áreas públicas, o primeiro-ministro António Costa anunciou que, a partir da segunda-feira, todas as escolas serão encerradas. Para além disso, as discotecas também serão fechadas e os centros comerciais passarão a ter um número limite de pessoas que podem entrar. Quanto aos restaurantes, terão de limitar a sua capacidade a 1/3 do habitual.
No caso de estar oficialmente de quarentena, por ter tido contacto com alguém infetado, deve ficar totalmente isolado em casa.
O vírus pode ser transmitido pela comida?
A Organização Mundial de Saúde (OMS), como autoridade principal na definição de protocolos e medidas para combater e controlar surtos como o deste coronavírus, já se pronunciou sobre o papel da alimentação e de toda a indústria que a envolve. Apesar de ainda não existir confirmação de que o vírus pode ser transmitido pela comida, nos últimos dias a OMS partilhou uma série de infografias que explicam a melhor forma de gerir o contacto com os alimentos, a sua venda e transformação — tudo sempre de uma forma geral e não se centrando apenas no consumo de comida chinesa. De entre todas, destaca-se a importância de cozinhar bem as carnes, por exemplo, e prestar especial atenção à salubridade e eventuais sinais de alarme nos alimentos. São estes os conselhos divulgados:
- Mesmo em países ou áreas onde não existam casos confirmados de infeção com o COVID-19, é importante que todos os produtos de proteína animal seja bem cozinhados e manipulados, para poderem ser ingeridos de forma segura. Ou seja, o consumo de carne mal passada ou crua deve ser evitado e o armazenamento e transporte devem ser feitos de acordo com as regras base de controlo de temperatura e exposição ao ar, por exemplo;
- Animais doentes ou que tenham morrido de forma suspeita, possivelmente por causa de alguma enfermidade, não devem, de maneira alguma, ser consumidos, mesmo sendo manuseados de forma segura;
- É recomendável a utilização de facas e tábuas de corte diferentes, consoante o tipo de carne a ser utilizado. Também devem ser manipulados de forma distinta alimentos crus e cozinhados. Ou seja, para se agir da forma mais segura, é aconselhável que use uma tábua de corte e uma faca só para tratar de carne de vaca, por exemplo, e outro conjunto semelhante só para carne de aves. O mesmo se aplica quanto a alimentos crus e cozinhados;
- É muito importante lavar as mãos com frequência, antes, durante e depois da manipulação de alimentos.
A que outros objetos devo estar atento?
China e Coreia do Sul têm estado a desinfetar notas bancárias, por receio de que o vírus possa sobreviver na superfície, enquanto a Organização Mundial de Saúde aconselha uso de tecnologia contactless nos pagamentos. Mas há mais objetos do nosso dia a dia que contribuem em larga medida para a propagação do vírus, depois deste alerta dirigido ao uso do dinheiro.
- Comandos de televisão ou ar condicionado. Se estiver alojado num hotel, provavelmente já utilizou um destes dois objetos. Ou para regular a temperatura ou escolher o canal que mais gosta. Fique a saber que são dos objetos menos limpos, logo, com maior probabilidade de terem alguns vírus ainda vivos depois da passagem dos anteriores clientes. Tente lavar as mãos depois de os usar ou passar um toalhete desinfetante antes da primeira utilização.
- Puxadores de portas. É quase inevitável não tocar nos puxadores das portas, a menos que sejam elétricas ou tenha a sorte de se cruzar com alguém que a possa abrir por si. O melhor a fazer é lavar sempre as mãos depois de tocar nos puxadores de portas e evitar ao máximo o contacto com a cara antes de as lavar.
- Copas do escritório. As máquinas de café, os microondas, as máquinas de venda automática, as cadeiras, mesas e outros espaços da copa podem ser ambientes propícios para que o vírus se mantenha vivo por mais tempo e possa contaminar um grande número de pessoas. Além da limpeza habitual devem ser feita uma maior higienização depois de serem utilizados.
- Máquinas Multibanco e bilheteiras automáticas. As máquinas de multibanco, de pagamento ou bilheteiras automáticas são também fonte de propagação de vírus, dada a elevada utilização que têm diariamente. Tente lavar as mãos sempre depois de as utilizar.
- Corrimãos. Se é daquelas pessoas que não consegue subir ou descer escadas sem se apoiar tente combater esse hábito — caso não precise mesmo. É que os corrimãos são tocados por centenas ou milhares de pessoas diariamente por isso, caso não consiga mesmo evitar apoiar-se nos corrimãos use desinfetante logo depois de o fazer.
- Superfícies de casas de banho públicas. Quantas vezes já foi a uma casa de banho pública para se assoar? Muitas? Dessas, quantas vezes lavou as mãos depois de o ter feito? Poucas? Pois, esse é um dos problemas. A maior parte das pessoas que vai às casas de banho para se assoar não tem por hábito lavar as mãos depois de o fazer, contribuindo para a propagação do vírus.
- Apertos de mãos em hospitais. Um dos hábitos que maiores riscos traz na propagação de vírus são os cumprimentos, sejam os tradicionais dois beijos ou o aperto de mão. Nos hospitais, o aperto de mãos é um dos meios mais frequentes para a transmissão de vírus também por isso o pessoal hospitalar deve lavar e desinfetar as mãos com muita frequência. “Caso visite alguém no hospital, ou tenha uma consulta, lave as mãos antes e depois de estar na unidade de saúde”, aconselham os especialistas.
- Telefones. Podemos agradecer à evolução tecnológica o facto de existirem cada vez menos pessoas a partilhar telefones fixos nos escritórios, mas ainda há quem partilhe. Nesses casos é recomendado que os desinfetem ou que evitem ao máximo utilizar os telefones fixos.
- Lugares de avião. “As viagens internacionais são um fator de risco para transmissão”, afirma Tait-Burkard, da Universidade de Edimburgo. Naomi Campbell é conhecida por limpar os assentos do avião antes da descolagem, ainda que não seja totalmente eficaz — já que nos aviões o sistema de ventilação faz circular o mesmo ar —, pode ajudar a reduzir a probabilidade de ficar infetado com o vírus.
- Tudo o que estiver num serviço de urgências. As diretrizes da Direção-Geral de Saúde são claras: se suspeita que pode estar infetado com coronavírus não vá a nenhuma unidade de saúde, ligue para a linha SNS 24 para que possa ser encaminhado através de transporte diferenciado para os hospitais preparados para receber esses doentes. Ainda assim, pode dar-se o caso de quem não sabe que está infetado se deslocar ao serviço de urgência e nas superfícies aí existentes deixar gotículas (através de espirros ou saliva, por exemplo). Por isso, evite tocar em qualquer superfície num serviço de urgência.
É perigoso importar produtos da China ou de outro país com casos de Covid-19?
É seguro encomendar produtos da China. Isto porque “os coronavírus não sobrevivem por longos períodos em objetos”. “As pessoas que recebem encomendas ou cartas da China não estão em risco de ser infetadaspelo novo coronavírus”, lê-se numa publicação da DGS na sua página de Facebook.
“A probabilidade de uma pessoa infetada contaminar um produto é baixa e o risco de contrair o vírus que provoca o Covid-19 de uma encomenda que foi transportada, que viajou e foi exposta a vários ambientes e temperaturas também é baixa”, explica ainda a OMS.
O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública também diz que “não há qualquer indicação nesse sentido”. O vírus fora do organismo hospedeiro é muito frágil e, até agora, não há episódios de pessoas infetadas por terem manipulado produtos vindos de zonas onde haja infetados, explica Ricardo Mexia.
A quarentena é ou não obrigatória?
A resposta não é clara. Quando foram repatriados os 18 portugueses e as duas cidadãs brasileiras da China, no final de janeiro, a DGS referiu que não era possível obrigá-los a ficar de quarentena, uma vez que a lei portuguesa não o permitia. Ainda assim, os cidadãos ficaram de quarentena voluntária, isto é, ficaram de livre e espontânea vontade durante 14 dias no Hospital Curry Cabral ou no Parque da Saúde, em Lisboa.
No entanto, esta não é a interpretação que Constantino Sakellarides, antigo diretor-geral de Saúde, faz da lei: “A nossa legislação permite a quarentena obrigatória para casos como o coronavírus”, afirmou o responsável pela Escola Nacional de Saúde Pública, numa entrevista ao Diário de Notícias, remetendo para o decreto-lei n.º 81/2009 e para a Lei de Bases da Saúde de 2019.
Já Francisco George, também antigo diretor-geral da Saúde, considerou que seria necessário fazer mudanças na Constituição para permitir a quarentena obrigatória. “Em Portugal, é altura de deputados da Assembleia da República alterarem a alínea h) do número 3, do artigo 27.º da Constituição, no sentido de passar a ser permitido o internamento obrigatório por motivos de Saúde Pública. Inadiável”, lê-se num artigo opinião publicado no jornal Público, no final de janeiro, Francisco George.
Em termos legais, a situação é mais complexa do que parece e depende do que estamos a considerar que é “quarentena obrigatória”: é isolamento de pessoas não doentes ou internamento compulsivo? “A lei não é clara e tão pouco existe consenso da parte dos juristas sobre o que é a quarentena obrigatória e que me medidas, no âmbito de uma quarentena, podem ser aplicadas”, explica a advogada Joana Silveira Botelho.
O artigo 17 do decreto-lei n.º 81/2009 fala do internamento de pessoas não doentes. Na legislação, lê-se que “o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública“, nomeadamente proceder a uma “separação de pessoas que não estejam doentes” — ou seja, isolar estas pessoas — para “evitar a eventual disseminação da infeção ou contaminação”.
Há ainda a possibilidade de um doente infetado que recuse a quarentena e que comprovadamente infete alguém poder ser acusado ao abrigo do artigo 283.º do Código Penal, que refere que a propagação de doença pode ser punida com pena de prisão até oito anos. Se for por negligência, a pena pode chegar até aos cinco anos.
“Quando a quarentena for relativamente ao isolamento de pessoas não doentes, isso parece-me consensual que é possível e não levanta grandes problemas, desde que seja nos termos desta lei”, considera a coordenadora do departamento de Direito da Saúde da Cuatrecasas. “Agora, relativamente a isolá-las e recolher amostras [por exemplo], a lei não é evidente nesse aspeto. Nem me parece que haja uma solução na Constituição, nem consenso ao nível dos juristas.”
Relativamente ao internamento compulsivo, esse está previsto na Constituição Portuguesa, mas diz respeito apenas a “portadores de anomalias psíquicas” — a alínea h) do número 3, do artigo 27.º de que Francisco George quer ver alterada. Ou seja, a questão de internamento compulsivo devido ao novo coronavírus não entra neste cenário. “Mas há muitas teorias sobre de que forma como os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos. Aí entramos num campo muito complexo”, diz Joana Silveira Botelho.
Já o constitucionalista Paulo Otero sublinha, ao Observador, que num “estado de necessidade administrativa” e num “estado de exceção constitucional”, para impedir ou limitar o alastrar de uma epidemia, o Estado pode decretar “medidas restritivas de liberdade de deslocação”, como por exemplo “medidas que impeçam a entrada ou saída de pessoas para centros onde está mais difundido o vírus”.
“Pode acontecer submeter pessoas que de lá vêm a restrições como não saírem de casa e, no limite, serem postas em centros fora dos hospitais para essas pessoas ficarem isoladas, mas com todas as condições de sobrevivência como material de alimentação e de vestuário, mas estarem sob vigilância médica”, considera Paulo Otero, lançando ainda outros cenários: o “racionamento de produtos para evitar uma situação de rutura” e o encerramento de supermercados, centros comerciais, escolas e universidades “por decisão administrativa”.
Ainda assim, têm de ser medidas impostas “de acordo com o princípio da proporcionalidade”. “Têm de ser adequadas e necessárias consoante a gravidade da situação, não podem ser excessivas”, indica Paulo Otero.
E o isolamento, é obrigatório?
Não é obrigatório. Contudo, tendo em conta o evoluir da situação, o Governo decretou estado de alerta, o que significa que os contactos sociais serão mais reduzidos e que os ajuntamentos devem ser evitados. A partir de segunda-feira, dia 16, todas as escolas do país estarão encerradas, bem como as discotecas. Os restaurantes e centros comerciais terão limitações à sua capacidade (1/3 do habitual em espaços de restauração).
Várias empresas começaram já a adotar planos de contingência para que alguns funcionários trabalhem a partir de casa. O mesmo será aplicado na função pública a partir de segunda-feira, sempre que possível. E múltiplas autarquias decidiram encerrar espaços como piscinas municipais, salas de espetáculos e museus. Vários instituições de ensino superior fecharam também portas.
Marta Temido voltou a reforçar que a “recomendação geral para as pessoas que venham da áreas afetadas” e onde “possam ter tido contacto com doentes”: “vigilância ativa” dos sintomas e contactar a Linha SNS 24 (808 24 24 24) para terem “aconselhamento sobre o que devem fazer”.
A diretora-geral da Saúde recomendou algumas medidas “de bom senso” para pessoas vindas de países com casos confirmados de Covid-19 — em particular os que chegam de Itália — e que estejam assintomáticas, para evitar a propagação do vírus.
Além de terem de se manter vigilantes para o surgimento de sintomas nos 14 dias seguintes, medir a temperatura corporal diariamente — e de preferência duas vezes por dia — e registar as medições, devem evitar o contacto físico direto com outras pessoas. “Não é preciso beijarmo-nos todos os dias, a toda a hora“, afirmou Graça Freitas. A OMS recomenda agora a distância de cerca de 1,5 metros entre pessoas.
Além do “distanciamento social”, lavar regularmente as mãos com água e sabão e medidas de “etiqueta respiratória” (como “espirrar para o cotovelo” e “nunca para as mãos”) são ainda algumas das recomendações.
Vou faltar ao trabalho porque fiquei de quarentena. Vou ser pago à mesma?
Resposta curta: sim, quer trabalhe no setor público, quer no privado. Um despacho publicado pelo governo a 03 de março que, caso fique em isolamento, o trabalhador recebe o salário a 100% durante os 14 dias. Mas a resposta longa tem algumas particularidades.
Vamos a um exemplo: imagine que recebe 1.000 euros brutos por mês. O seu salário de referência – para efeitos dos subsídios da Segurança Social – equivale à soma dos salários dos primeiros 6 meses dos 8 meses anteriores ao mês em que ficou de baixa, sem subsídios de férias nem de Natal (o que, neste caso, daria 6.000 euros) a dividir por 180 dias. Isto dá um salário de referência diário de 33,33 euros. É este valor que multiplica pelos dias que estiver em isolamento (que pode, assim, alcançar os 466 euros).
Após este período, se for necessário manter-se em baixa (imaginando que, efetivamente, contraiu o Covid-19) aplicam-se as regras das baixas por doença. No caso dos funcionários que descontam para a Segurança Social, o valor é de 55% nos primeiros 30 dias de baixa por doença, de 60% entre 30 dias e 90 dias e de 70% se tiver de ficar de baixa entre 90 dias e até 365 dias. Já quem ficar mais de um ano de baixa, tem direito a 75% da remuneração de referência.
Este despacho é destinado aos trabalhadores que descontam para a Segurança Social (aqui aplicam-se os funcionários do setor privado e os funcionários públicos que começaram a trabalhar após 2006) que “se encontrem impedidos, temporariamente, do exercício da sua atividade profissional por ordem da autoridade de saúde, devido a perigo de contágio”. Esta necessidade de isolamento equipara-se a uma “doença com internamento hospitalar”, sendo que a atribuição do subsídio de doença não fica sujeita a “prazo de garantia [isto é, o cidadão recebe o apoio independentemente de há quanto tempo está empregado], índice de profissionalidade e período de espera [ou seja, é pago o salário bruto a partir do primeiro dia de isolamento]”.
Para ter direito a receber o montante, pago pela Segurança Social, a situação de isolamento tem de ser certificada por uma Autoridade de Saúde, através de um formulário próprio, que “substitui o documento justificativo da ausência ao trabalho”.
O despacho é ainda claro sobre quem fica de fora: os “trabalhadores aos quais seja possível assegurar o recurso a mecanismos alternativos de prestação de trabalho, nomeadamente o teletrabalho ou programas de formação à distância”. Ou seja, se a natureza da sua profissão lhe permite trabalhar a partir de casa, e se a sua empresa quiser que o faça, continuará a receber o seu salário normalmente — assegurado pelo seu empregador. Quem não possa teletrabalhar, terá direito ao salário a 100%, assegurado pela Segurança Social (mais uma vez, desde que tenha uma declaração da Autoridade de Saúde).
E posso ser prejudicado de alguma maneira?
Numa conferência de imprensa, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, garantiu que as pessoas “não serão nunca prejudicadas nos seus direitos, nomeadamente nos seus direitos laborais” caso fiquem em isolamento voluntário.
“O Estado cuida dos seus, portanto, as pessoas que ficarem em isolamento voluntário terão toda a proteção do Estado em relação aos seus direitos laborais, tal como as pessoas que adoecerem”, garantiu Graça Freitas. Segundo a responsável, os secretários de Estado da Saúde e da Administração Pública “têm estado reunidos para, dentro do quadro legal português, resolver essa situação”.
Dias depois, e após informação em contrário divulgada pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, garantiu à Rádio Observador que os trabalhadores do público e do privado vão receber o salário a 100% em caso de necessidade de isolamento por possibilidade de contágio, desde o primeiro dia. “O que o Governo optou por fazer foi aplicar aos trabalhadores do setor privado exatamente a mesma situação que estamos a prever para os trabalhadores do setor público que é terem a garantia de, durante o período necessário ao isolamento, terem a remuneração garantida a 100%”, disse a ministra.
No entanto, para que este regime seja aplicado, é necessário, por um lado, que a autoridade de saúde passe uma declaração que garanta que a pessoa “precisa de estar em situação de isolamento” e, por outro lado, que “não exista forma de prestação alternativa de trabalho, nomeadamente o teletrabalho“. Os custos da aplicação deste regime para o setor privado serão suportados pela Segurança Social.
Após o período de isolamento profilático, “aplicam-se as regras próprias das baixas por doença“.
O que devo fazer para atestar a necessidade de isolamento?
Se trabalhar no setor público, tem de entregar um formulário. O formulário é preenchido pela Autoridade de Saúde, que terá de o remeter por email aos serviços da Segurança Social “no prazo máximo de cinco dias após a sua emissão”. O referido formulário é disponibilizado nos sites da Segurança Social e no site da Direção-Geral de Saúde, para utilização pelos respetivos serviços de saúde.
Se trabalhar no setor privado, o despacho é mais extenso e avisa os empregadores públicos que têm cinco dias úteis (a contar do dia 2 de março) para elaborarem planos de contingência com base nas orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS). As regras podem portanto variar de empresa para empresa.
Já no caso do setor público, o formulário que atesta a necessidade de isolamento é remetido pelos serviços de saúde competentes à secretaria-geral, ou equiparada, da área governativa a que pertence o serviço ou estabelecimento em causa, também no prazo máximo de cinco dias úteis após a sua emissão. As secretarias-gerais, por sua vez, remetem o documento “aos serviços e organismos a que pertencem os trabalhadores em situação de isolamento profilático, no prazo máximo de dois dias úteis”.
Estive numa zona com vários casos confirmados. Posso isolar-me em casa e não ir trabalhar?
Há que haver bom senso, quer do lado da empresa, quer do trabalhador. Se o funcionário esteve numa zona com casos confirmados, a empresa pode “acordar com o trabalhador que ele não vá trabalhar para a empresa” (onde estaria em contacto com outros colegas), durante o período de incubação da doença, explica ao Observador Maria da Glória Leitão, sócia coordenadora do departamento de Direito Laboral da Cuatrecasas. Por isso, há opções como:
- Teletrabalho — a empresa e o trabalhador podem definir que o funcionário, se tal for possível dada a natureza das suas funções, possa trabalhar a partir de casa ou num outro local temporário, que pertença à empresa, e em que não haja risco de contágio de terceiros.
- A empresa pode dispensar o trabalhador durante um determinado período sem perda de regalias, como o salário.
“Tudo deve ser feito no enquadramento do plano de segurança e saúde organizado pela empresa”, de forma a “haver uma base sustentável para serem tomadas as decisões com sensatez, realismo e com a intervenção de profissionais que saibam as regras que devem ser tidas em conta”, frisa a especialista em direito laboral.
A DGS, porém, diz que, tendo em conta as orientações da Organização Mundial da Saúde, “não existe recomendação” para que as crianças, jovens e adultos que regressem de uma área com transmissão ativa do novo coronavírus (como Itália, China, Coreia do Sul, Singapura, Japão ou Irão) tenham de faltar à escola ou ao trabalho e permanecerem isolados. Ainda assim, nos 14 dias após o regresso, o viajante deve “promover o distanciamento social, nomeadamente, não permanecendo em locais muito frequentados e fechados, sem absoluta necessidade (exceto atividades letivas e profissionais); evitar cumprimentos com contacto físico”.
É ainda aconselhado que o viajante esteja “atento ao aparecimento de febre, tosse ou dificuldade respiratória”.
Jorge Barroso Dias, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, considera que, ainda que se trate de um caso suspeito (e não efetivo), o trabalhador deve poder ficar em casa mesmo sem baixa. Mas deve ser o Serviço Nacional de Saúde a responsabilizar-se, através da linha SNS 24 (808 24 24 24).
“Eu diria que é da mesma maneira que quando alguém liga para a Saúde24 e lhe dizem para não sair de casa. Nesse momento já tem uma indicação do Serviço Nacional de Saúde, pelo que é o SNS que tem de resolver”, disse ao Observador:
“A forma como vejo isto é: há organizações que ganham muito em que os trabalhadores fiquem em casa e trabalhem a partir de casa. Poderá haver outras que não têm teletrabalho e que toda a atividade se desenvolve localmente, mas pode haver vantagens nesta empresa em que este trabalhador não contamine outros. E pode até haver empresas que dizem ‘não, esta é uma situação que o SNS e que a Saúde Pública consideram necessária, mas não tenho de ser eu a pagar isso’ e portanto devem considerar esse trabalhador às mãos ou sob a responsabilidade do SNS”.
Em caso de infeção com o novo coronavírus, o trabalhador tem direito a uma baixa médica, tal como aconteceria com outra doença, através de um certificado de incapacidade temporária. A falta é justificada e o funcionário tem direito ao subsídio de doença, clarifica Maria da Glória Leitão.
Tenho uma empresa. Como me posso preparar?
A DGS recomenda ainda às empresas que estejam preparadas para terem de recorrer a formas alternativas de trabalho, nomeadamente através do teletrabalho, reuniões por vídeo ou teleconferência, de forma a evitar o contacto direto entre trabalhadores. A empresa deve ainda precaver-se para a possibilidade “de parte (ou a totalidade) dos seus trabalhadores não ir trabalhar, devido a doença, suspensão de transportes públicos, encerramento de escolas, entre outras situações possíveis”. No caso de se confirmar um infetado, a DGS frisa que devem ser ativados os procedimentos de vigilância ativa dos contactos próximos (familiares e amigos).
As empresas devem, ainda, “adquirir e disponibilizar equipamentos e produtos”, como “máscaras cirúrgicas para utilização do trabalhador com sintomas” ou luvas descartáveis a usar “enquanto medida de precaução, pelos trabalhadores que prestam assistência ao trabalhador com sintomas (caso suspeito)”.
O empregador deve também “informar e formar os trabalhadores”, através, designadamente, da divulgação do Plano de Contingência específico a todos os trabalhadores. Esse plano será, no entanto, atualizado ao longo do tempo. Implica, nomeadamente, a sensibilização para procedimentos básicos de higienização das mãos (por exemplo, “lavar as mãos com água e sabão durante pelo menos 20 segundos; se estes não estiverem disponíveis utilizar antes um desinfetante para as mãos que tenha pelo menos 70% de álcool, cobrindo todas as superfícies das mãos e esfregando-as até ficarem secas; sabão e água devem ser usados preferencialmente se as mãos estiverem visivelmente sujas)”.
Surgiu um caso suspeito na minha empresa. O que devo fazer?
A Direção-Geral da Saúde publicou uma série de recomendações para as empresas lidarem com casos (efetivos ou suspeitos) do novo coronavírus. Se as empresas já são obrigadas a ter um plano de segurança e saúde no trabalho, a DGS recomenda agora que a este adicionem um “plano de contingência”, para “responder a um cenário de epidemia pelo novo coronavírus”. “A elaboração do plano deve envolver os serviços de saúde e segurança do trabalho da empresa, os trabalhadores e os seus representantes”.
Se suspeitar que contraiu a doença, o trabalhador tem o dever de o comunicar à sua chefia direta que, por sua vez, deve informar o empregador. Perante um caso suspeito de infeção na empresa, a companhia deve “estabelecer uma área de ‘isolamento’ e os circuitos até à mesma”, para “evitar a propagação da doença transmissível na empresa e na comunidade”, restringindo o contacto direto com colegas.
Esta área pode ser uma sala ou um gabinete com “ventilação natural ou sistema de ventilação mecânica”, revestimentos lisos e laváveis (por exemplo, não pode ter tapetes, alcatifas nem cortinados), um telefone, uma cadeira ou marquesa para descanso do trabalhador, kit com água, alguns alimentos não perecíveis, contentor de resíduos (com abertura não manual e saco de plástico), solução antisséptica de base alcoólica, toalhetes de papel; máscara(s) cirúrgica(s), luvas descartáveis e termómetro. Nesta área, ou próxima desta, “deve existir uma instalação sanitária devidamente equipada, nomeadamente com doseador de sabão e toalhetes de papel, para a utilização exclusiva do Trabalhador com Sintomas/Caso Suspeito.”
Na área de isolamento, o trabalhador deve contactar a linha SNS 24 para que esta valide ou não o caso como suspeito. Se for validado, a DGS ativa o INEM, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e a Autoridade de Saúde Regional, “iniciando-se a investigação epidemiológica e a gestão de contactos”. O trabalhador deve permanecer na zona de isolamento até à chegada do INEM.
Se a empresa me obrigar a trabalhar a partir de casa contra a minha vontade, posso recusar?
Maria da Glória Leitão entende que não. “Porque se o empregador tem obrigação de prevenir e de proteger a segurança e saúde dos seus trabalhadores, o trabalhador também tem a obrigação e cumprir as regras de segurança e saúde que estão em vigor.” A advogada frisa a necessidade da existência de um plano de segurança e saúde (que é obrigatório) e que enquadre estas situações, garantindo a proteção “de cada trabalhador individualmente, mas também do conjunto de trabalhadores”. “É nessa medida que considero que não pode recusar-se [a teletrabalhar].”
“Claro que não se pode usar a força, mas em termos de direitos e obrigações, creio que é claramente fundamental definir num plano de contingência, e creio que o trabalhador tem a obrigação de cumprir as regras de segurança e de saúde.”
Neste sentido, a especialista lembra que o artigo 194.º do Código do Trabalho prevê que “o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente” em situações como esta: “Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”. Além disso, “o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento”.
Maria da Glória Leitão conclui, assim, que “se se tratar de uma ordem legítima da entidade empregadora, o incumprimento constitui uma violação dos deveres do trabalho”. E isso, em última análise, pode dar processo disciplinar com vista ao despedimento com justa causa.
Vou viajar. Que cuidados de segurança posso adotar?
As máscaras são “muito eficazes para proteger pessoas que estão doentes”, uma vez que contribuem para evitar a propagação do vírus. O mesmo não acontece com pessoas saudáveis, já que não há evidências de que sejam elementos protetores, esclarece a OMS. O uso é, no entanto, crucial no que diz respeito a profissionais de saúde e ou a quem esteja a cuidar de terceiros que estejam infetados. A OMS aconselha ainda “o uso racional” de máscaras para evitar “desperdícios desnecessários” e recorda a importância de as usar apropriadamente, o que significa, por exemplo, que não é recomendável tocar no exterior destas.
De acordo com a OMS, é seguro viajar nas cabines dos aviões, sendo que o maior risco continua a ser estar em contacto próximo com pessoas infetadas. “A melhor coisa a fazer numa cabine é praticar uma higiene das mãos apropriada”, esclarece Carmen Dolea, chefe do Secretariado Internacional de Regulamentos em Saúde da OMS. Tal inclui lavar as mãos com água e sabão ou usar um desinfetante à base de álcool, mas também ter cuidado quando a tossir e manter a distância de, pelo menos, um metro de pessoas que apresentem sintomas. O ar que respiramos na cabine é seguro, é limpo e circula, sendo que existe um sistema específico que assegura a sua ventilação.
De acordo com a Newsweeek, deve lavar-se as mãos durante, pelo menos, 30 segundos, sem esquecer as unhas e o espaçamento entre os dedos. Além disso, é recomendável viajar com toalhitas desinfetantes para limpar as diferentes superfícies com as quais nos cruzamos. São exemplo as mesas de apoio em aviões ou comboios.
Caso uma pessoa saiba que esteve em contacto com alguém infetado com coronavírus, a OMS aconselha que se faça uma automonitorização durante 14 dias, o que inclui medir a temperatura corporal de manhã e à noite. Caso surjam sintomas, é necessário ligar para a SNS 24 (808 24 24 24) e usar uma máscara na ida a instalações médicas ou hospitalares.
Os viajantes que regressem de áreas afetadas e apresentem sintomas — tais como febre, tosse ou dificuldade respiratória — devem contactar o SNS24 (808 24 24 24).
Viagens canceladas ou por cancelar: a que reembolsos tenho direito?
Ao Observador, a Deco esclarece que, caso o voo em questão não se realize devido a restrições impostas pelas autoridades de saúde de algum país ou região, o “consumidor tem direito a ser reembolsado no prazo máximo de sete dias”, por causa do cancelamento. O viajante pode, ao invés, preferir negociar outro destino ou realizar o voo numa data diferente (mesmo que o original não tenha sido cancelado) — nesse caso, já não haverá direito a indemnização, dado que se trata “de uma circunstância extraordinária que escapa ao controlo da transportadora aérea”. Tendo em conta reservas como hotel, transfer ou entrada em atrações, a Deco sugere que se tente a rescisão dos contratos e o respetivo reembolso. “Pode não ser fácil em todas as situações, nomeadamente quando se trate de reservas que não permitem o cancelamento”, mas a insistência é aconselhada.
Tendo em conta viagens não canceladas a países onde há casos de infeção, como é o caso de China e Itália, a Deco afirma que — tendo em conta os conselhos das autoridades nacionais e estrangeiras — existe motivo para proceder ao cancelamento das reservas e respetivos reembolsos. Considerando outros países ou regiões em que o perigo “é residual”, o transportador não está obrigado a aceitar a alteração de datas ou de destino.
No caso de viagens organizadas, a lei permite que “o viajante rescinda o contrato a qualquer momento, antes de se iniciar a viagem”, sem prejuízo de ter de pagar à agência de viagens qualquer taxa de rescisão, “uma vez que se verificam circunstâncias excecionais no local de destino ou na sua proximidade que afetam consideravelmente a realização da viagem programada”. Nesse caso, há direito a reembolso pelo valor já pago “no prazo máximo de 14 dias”. “Mas será assim apenas em relação aos destinos gravemente afetados pelo vírus. Não pode ser fruto de um mero receio, porventura injustificado, do viajante. Em alternativa, poderá igualmente tentar negociar a viagem para outro destino ou noutro momento.”
A TAP e outras companhias, como por exemplo a Emirates, já anunciaram que poderão alterar as datas de viagens dos seus passageiros sem qualquer custo adicional.
A Deco recorda que a situação referente ao coronavírus muda diariamente, pelo que também os destinos seriamente afetados podem vir a mudar de dia para dia. A recomendação passa por acompanhar o desenvolvimento das informações e seguir de perto as recomendações das autoridades.
O Observador tentou contactar a ANA – Aeroportos de Portugal, a Direção-Geral de Saúde e o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre este tema, mas não obteve resposta.