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Os estatutos da Direção Executiva do SNS, publicados esta quinta-feira sob a forma de portaria, após quase um ano de espera, não definem apenas a organização interna do organismo. Trazem também algumas novidades no que diz respeito à definição das competências da Direção Executiva, depois de o decreto-lei que criou a DE-SNS — em setembro de ano passado — ter deixado num limbo algumas das funções do organismo, que se confundiam com as atribuições de outras entidades na esfera do Ministério da Saúde. E mesmo hoje ainda sobram algumas dúvidas, nomeadamente no que diz respeito à Direção-Geral da Saúde.
Certo é que a Direção Executiva do SNS passará, por exemplo, a fazer a gestão e distribuição dos profissionais de saúde, a definir os planos de atividades anuais dos hospitais e a implementar um sistema de urgências metropolitanas e regionais (como o que já existe na região do Porto).
No que diz respeito à organização interna, a Direção Executiva terá, assim, uma estrutura alargada de trabalhadores (sendo que muitos transitam de outros organismos da esfera do Ministério da Saúde), um total de 11 departamentos e um orçamento total de cerca de 30 milhões de euros. Muitas das competências que o organismo liderado por Fernando Araújo vai passar a assumir vão sendo, ao longo das próximas semanas, progressivamente retirados às Administrações Regionais de Saúde (ARS), entidades que serão extintas até final do ano.
Direção Executiva absorve competências das Administrações Regionais de Saúde
Um dos departamentos da Direção Executiva que vai absorver as competências das ARS é o Departamento de Gestão de Pessoas, Promoção do Bem-Estar, Diversidade e Sustentabilidade. A gestão de recursos humanos nos centros de saúde é uma competência que ainda está nas mãos das Administrações Regionais de Saúde e que passará para a Direção Executiva. Outra competência, a do planeamento dos recursos humanos (através de uma base de dados) também transitará para a Direção Executiva.
O Departamento de Contratualização é outro que concentra competências que agora estão nas ARS. Uma das funções que passa para a Direção Executiva é a afetação de recursos financeiros às instituições ou serviços integrados ou financiados pelo SNS; outra é a área das parceiras público-privadas; e transita ainda para a Direção Executiva a responsabilidade de acompanhar e monitorizar o desempenho assistencial das unidades de saúde do SNS. No Departamento de Estudos e Planeamento da Direção Executiva fica outra das atuais atribuições das Administrações Regionais de Saúde: a execução dos projetos de investimento das instituições do SNS.
Também no Departamento de Gestão da Rede de Serviços e Recursos em Saúde ficam incluídas outras duas competências das ARS: a coordenação e gestão da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e a coordenação e gestão da Rede Nacional de Cuidados Paliativos. Já a execução e aprovação de projetos de instalações e equipamentos nas unidades do SNS será da responsabilidade do Departamento de Gestão de Instalações e Equipamento da Direção Executiva do SNS.
Ex-ministro Adalberto Campos Fernandes critica limitação da autonomia dos hospitais
Uma das atribuições mais significativas, e que mais impacta os hospitais, é a definição das prioridades e das diretrizes a que devem obedecer os planos de atividades anuais dos hospitais. Desta forma, continua a não ser possível aos hospitais delinearem e implementarem, sem intervenção externa, os planos de atividades. A autonomia, que os administradores hospitalares pedem há muito e que tem sido condicionada pelo Ministério das Finanças, continuará, assim, limitada.
Finanças só aprovaram metade dos orçamentos dos hospitais e fizeram cortes
Ao Observador, o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes tece críticas a esse nível: “Estamos a trocar a autonomia dos hospitais pela Direção Executiva do SNS”, diz, acrescentando que se a ideia fosse “ter um quadro de autonomia, não seria necessária uma DE-SNS tão grande”.
Em julho, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, revelava, à Lusa, que apenas cerca de metade dos hospitais tinham os planos de 2023 aprovados, sendo que os que tinham recebido luz verde sofreram “cortes significativos” das Finanças.
Por outro lado, Adalberto Campos Fernandes defende que é preciso “fazer a prova da absorção de competências das ARS”. “Temos de ver como vai tudo fluir, como é gerido o financiamento e os recursos humanos”, realça, sublinhando ainda assim que é positivo que a DE-SNS já tenha estatutos aprovados. “Habemus estatutos. Foi pena que tenham demorado tanto tempo”, refere.
Para o ex-ministro, a “criação da Direção Executiva do SNS foi feita por impulso, com base na fezada”, e sem acautelar que isso se traduziria numa “maior efetividade dos hospitais”. Passado mais de um ano, o ex-ministro diz que a DE-SNS tem pela frente “um grande desafio”, que é a “implementação das medidas e a execução das políticas”. “Passada esta fase [de indefinição], espera-se que a DE-SNS possa começar a rematar à baliza”, realça.
DGS vai partilhar competências com a Direção Executiva. Descontentamento é crescente
Outra área que a Direção Executiva vai gerir, pelo menos em parte, é a da Saúde Pública — ao que parece, à custa de algumas competências até aqui exclusivas da Direção Geral da Saúde. Há dois departamentos da DE-SNS que incluem competências que estão hoje sob a alçada da DGS: o Departamento de Gestão da Doença Crónica e o de Gestão da Qualidade em Saúde e Segurança do Utente.
Em causa estão as alíneas que definem que o organismo com sede no Porto deverá propor e monitorizar a implementação de projetos de boas práticas de promoção de estilos de vida saudáveis; que terá a função de elaborar e promover programas de promoção da literacia em saúde; e que deverá promover e coordenar o desenvolvimento e avaliação de instrumentos, atividades e programas de melhoria da qualidade das unidades de saúde, bem como certificar essas mesmas unidades. Todas estas são competências atuais da DGS, que, segundo o disposto nos estatutos, deverão, a partir de agora, ser partilhadas entre os dois organismos.
Ao Observador, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública sublinha que “há competências que são transferidas da DGS para a Direção Executiva” e teme “uma perda de preponderância da DGS” no futuro. Gustavo Tato Borges defende que “a DGS deve manter o seu lugar na vigilância da saúde da população, não ficando preterida perante a DE-SNS nas funções de vigilância e acompanhamento”.
Os novos estatutos da Direção Executiva do SNS vêm, assim, sublinha, agravar a retirada progressiva de competências à DGS, realidade a que se tem assistido ao longo do último ano, “desde que a atual equipa do Ministério da Saúde está em funções”. Em causa, apurou o Observador, estiveram a perda de competências em áreas como as doenças raras, o envelhecimento ativo, as relações internacionais ou a estratégia de saúde para as pessoas LGBT — a que somam, agora, as ditadas pelos estatutos da Direção Executiva. E o perda de competências pode continuar, teme Tato Borges. “Está em cima da mesa a criação de uma Agência de Promoção da Saúde, que ainda vai retirar mais competências à DGS — o que vai espartilhar a saúde pública em dois ou três organismos”, defende o presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública, sublinhando que faria mais sentido concentrar as funções num único organismo.
O Observador apurou que, no seio da Direção Geral da Saúde, é crescente o descontentamento com o desinvestimento no organismo. Em causa está a demora na nomeação de um novo Diretor-Geral da Saúde, a dificuldade na contratação de funcionários — que serviriam para colmatar as muitas saídas que foram acontecendo no último ano — e a progressiva retirada de competências, cada vez mais evidente.
DGS “bateu no fundo”. Perdeu competências, profissionais e, agora, a liderança, acusam médicos
Reorganização das urgências deve concentrar resposta num só hospital de uma região
Quanto às urgências, a Direção Executiva tem o poder de “promover o desenho e a implementação das redes de referenciação hospitalar, incluindo o desenvolvimento de urgências metropolitanas e regionais”. Numa altura em que muitos serviços de urgência não têm médicos suficientes para garantir o seu funcionamento, a DE-SNS prepara uma reorganização das urgências de âmbito regional, alargando a todo o país o modelo de urgência metropolitana implementando, há mais de uma década, na área do Porto, e que passa pela concentração das urgências de certas especialidades (Psiquiatria, Oftalmologia, Gastronterologia) num único hospital de uma certa região, num esquema de rotatividade. Isso mesmo foi admitido, há dias pelo ministro Manuel Pizarro.