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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (E), acompanhado pelo primeiro-ministro, António Costa (D), chegam para participar na cerimónia de posse dos novos secretários de Estado, no palácio de São Bento, em Lisboa, 02 de dezembro de 2022. TIAGO PETINGA/LUSA
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Coabitação foi descrita com muitos elogios e até como uma "amizade" há pouco mais de um mês. Mas contexto político mudou

TIAGO PETINGA/LUSA

Coabitação foi descrita com muitos elogios e até como uma "amizade" há pouco mais de um mês. Mas contexto político mudou

TIAGO PETINGA/LUSA

Socialistas entusiasmados com travão de Costa a Marcelo, mas veem risco em Galamba

Boa parte do PS gostou de ver "fibra" e "autoridade" de Costa contra Marcelo, que irritou socialistas com referências à dissolução do Parlamento. Mas proteção do imprevisível Galamba traz desconforto.

O país socialista também foi apanhado de surpresa pelo volte-face na situação de João Galamba. Depois de horas de tensão absoluta e dúvidas sobre aquela que seria a decisão de António Costa, mantida em total segredo até ao momento em que falou ao país, os socialistas assistiram ao choque frontal entre São Bento e Belém e notaram com entusiasmo a “fibra” e a afirmação da autoridade do “líder” Costa. Pelo PS, era necessário e desejável travar a tentação constante de Marcelo de agitar o fantasma das eleições antecipadas. Coisa diferente são os riscos da guerra que Costa comprou, e que o PS teme — nomeadamente, ao ligar o seu futuro político diretamente ao futuro político do “instável” João Galamba.

Ao longo do dia de terça-feira, o Observador sabe que a saúde da relação institucional com Belém, e os efeitos que contrariar a vontade de Marcelo poderia ter, pesou na avaliação do primeiro-ministro até ao momento final. Mas Costa, depois de ouvir o Presidente sem que as dúvidas que tinha sobre o caminho da demissão se dissipassem, acabou por dar “primazia à [sua] boa consciência” e manter o ministro. Com isso, comprava o choque com Belém e provocava uma resposta imediata de Marcelo — ainda o primeiro-ministro estava a fazer a declaração ao país e já o Presidente publicava uma nota inédita para dizer que “discordava” frontalmente da opção de segurar Galamba.

No Governo, a expectativa é de que a relação possa não azedar de vez, tendo em conta um fator difícil de controlar: a reação da opinião pública — e publicada. Ou seja, no Executivo existe a convicção de que, se essa reação for agressiva em relação a Marcelo Rebelo de Sousa, isso representará um perigo para a coabitação e poderá determinar alterações na postura de Belém em relação a São Bento. Mas o próprio Costa mostrou-se desde logo consciente de que, estando a ir contra as opiniões de “comentadores e agentes políticos” mas também, “provavelmente”, da maioria dos portugueses, esse ónus recairia sobretudo sobre si — e é neste ponto que reside a esperança dos socialistas.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a reação do PS à estratégia de António Costa.

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António Costa apostou demasiado alto? E se perder?

Costa “pôs Marcelo no lugar”

De resto, boa parte dos socialistas contactados pelo Observador tem uma visão benevolente, entusiástica até, da jogada política de Costa. E a isso não será alheio o facto de muitos acalentarem há meses a esperança de que Costa viesse a jogo “pôr Marcelo no lugar”: o PS estava desde o início do ano a acumular tensão e frustração a propósito das constantes referências do Presidente da República à hipótese de dissolver o Parlamento e convocar eleições mais cedo.

No PS, a decisão surpreendente de Costa é vista, precisamente, como uma forma de fazer frente ao Presidente, mesmo com os “cuidados” que alguns defendem que teve no tom da declaração e na forma como se referiu à relação com Belém. “António Costa fez uma remodelação profunda. Remodelou os comentadores, o Presidente da República e a oposição. Foram todos postos no seu lugar”, atira um socialista em conversa com o Observador.

“Agora [o Presidente] percebeu que não pode fazer o que quer e como quer”, atira um socialista, que considera que Marcelo “estava a abusar com a história da dissolução” e que, “mais cedo ou mais tarde, Costa tinha de vir dar um empurrão“. Para outro dirigente socialista contactado pelo Observador, “o primeiro-ministro não tinha outra hipótese se não vir dar a sua quota parte e sublinhar o que a Constituição prevê para ele.”

A mesma fonte remata: “O primeiro-ministro não pode pôr-se na situação de demitir um ministro apenas tendo em conta a opinião pública ou as palavras discordantes do Presidente da República”. Nas declarações que fez sobre este assunto, o próprio primeiro-ministro deixou um recado às pressões de Marcelo, descrevendo a decisão de exonerar ministros da seguinte forma: “Minha, só minha, exclusivamente minha.”

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Soltar o tiro ao Presidente

Enfrentar Marcelo é uma situação que os socialistas hoje encaram com bastante menos cordialidade do que em março, por exemplo, altura em que o Presidente deu uma entrevista em que classificou a maioria de Costa de “requentada” e “cansada”. Foi apenas há dois meses, mas esse mesmo PS que procurava não ir a choque com o Presidente, está hoje mais virado para outro lado. “Se é para entrar em guerra, entra-se”, comenta um socialista que acredita que o Governo “não se pode encolher” perante o Presidente da República. É, aliás, nessa linha que este socialista enquadra este novo posicionamento de Costa, a quem nota capacidades de virar o jogo a seu favor: “Também ninguém dava nada pela ‘geringonça’ mas ele tirou essa da cartola“.

Esta irritação com o Presidente estava contida mas vinha em crescendo, assume-se agora no PS, e com a jogada desta terça-feira acredita-se que Costa quis voltar a definir os limites da coabitação que tantas vezes elogia em público. “Assumiu uma decisão que só a ele lhe competia, sabendo que o Presidente tem o seu sítio… Cada um desempenha as suas funções”, avisa um dirigente socialista. E, como tal, são lançados alguns alertas a Marcelo: Costa foi “correto, leal e institucional” mesmo na discordância; logo, Marcelo deve-lhe o mesmo, diz-se (em tom de desejo) no PS.

A mesma fonte refere, numa tentativa de afastar o fantasma da dissolução do Parlamento, que Marcelo é além do mais um “bom conhecedor da Constituição” (ou não fosse o Presidente um constitucionalista) que “compreende que uma dissolução da Assembleia seria muito negativa” nesta altura. Antes deste episódio os socialistas já tinham, de resto, começado a assumir esse desconforto publicamente: na semana passada, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, disparava contra o Presidente, acusando Marcelo de “contribuir para alimentar o desejo de quem quer uma crise política”.

Nos corredores do partido a ideia é a mesma: se a agenda da direita é “escandalosamente clara” e passa, na visão do PS, por fazer com que a legislatura chegue ao fim mais cedo, Marcelo — que vai sempre dizendo que não é esse o seu desejo — até pode não “participar” ativamente nesse plano, mas… “Quando se fala muito sobre um assunto… não deixa de se falar sobre ele”. Ou seja: cada vez que Marcelo, de forma consciente, faz questão de falar na hipótese de fazer o Governo cair, dá força a quem quer provocar eleições — e sobretudo, na leitura do PS, tenta recuperar uma autoridade e uma influência que poderiam estar perdidas em tempos de maioria absoluta.

PS vê copo meio cheio nas críticas de Marcelo e não entra em confronto

Socialistas multiplicam argumentos contra dissolução

O PS vai agora deixando avisos ao Presidente nas entrelinhas. Esta quarta-feira, em reação ao mais recente episódio da crise política, o secretário-geral adjunto do PS, João Torres, deixou duas ideias: o que se passou não foi mais do que uma prova do “normal funcionamento das instituições” e o PS continua a ser um “referencial de estabilidade”.

Por outras palavras: por um lado, o que aconteceu foi que Costa decidiu o futuro de um ministro, como é prerrogativa do primeiro-ministro e não do Presidente da República; por outro, os socialistas ainda têm a legitimidade da maioria absoluta, uma solução que dificilmente outro partido pode tentar oferecer — e essa incerteza será um dos maiores fatores dissuasores para Marcelo na hora de decidir se quer usar a “bomba atómica” e provocar a queda do Governo.

Um dirigente do partido assume que “não há justificação material para a dissolução” e que “as questões políticas são de leitura subjetiva, não obrigando a um impulso processual como a dissolução. O quadro político não se alterou“, afirma este socialista. Além disso, apontam-se ainda os riscos que isso poderia trazer em termos de quadro político. “Marcelo não quer ficar na história como o Presidente que meteu o Chega no poder”, atira um socialista como argumento para travar eventuais ambições presidenciais.

A maioria dos socialistas com quem o Observador falou mostrou entusiasmo e um sentimento de galvanização que já não se via há algum tempo no partido, atingido por uma sucessão de casos da sua própria responsabilidade há meses. Para muitos, o que Costa fez foi uma espécie de prova de vida: se fora da bolha do PS houve um coro de críticas quase unânime à atuação do primeiro-ministro, entre os socialistas fala-se em “coragem” e “garra”.

“Quando António Costa mais precisava de afirmar a sua autoridade política, fê-lo da maneira mais audaz possível – recusando ceder ao populismo dos casos”, elogia um deputado, que fala mesmo num “gesto heróico” do primeiro-ministro contra o tal “assalto da direita esfomeada”. Se as tentativas do PS para recuperar o controlo da narrativa política saíram, até agora (e com uma Comissão de Inquérito à TAP a correr mal aos socialistas) furadas, a esperança é que Costa, acusado há semanas de se esconder atrás dos erros dos seus ministros, consiga mostrar agora que manda no Governo.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (D), cumprimenta o primeiro-ministro, António Costa (E), durante a cerimónia de posse dos novos secretários de Estado, no palácio de São Bento, em Lisboa, 02 de dezembro de 2022. TIAGO PETINGA/LUSA

TIAGO PETINGA/LUSA

Virar o jogo ou reação desproporcionada?

“Costa não pode fazer uma medida destas e voltar ao “business as usual”. Está na hora de mostrar na governação a fibra e a garra de líder que mostrou”, dizia, entusiasmado, o mesmo deputado ao Observador, horas depois da declaração de Costa. Outro dirigente falava numa intervenção “perfeita e notável” do primeiro-ministro: “É mesmo um líder”.

A avaliação não é unânime: no PS, também há quem suspeite do all in de Costa e recorde com ceticismo os casos de ministros que não segurou por muito menos, incluindo por motivos “ridículos” (por exemplo, o de João Soares, demitido por ter prometido no Facebook umas “bofetadas” a um colunista e com um ralhete público do primeiro-ministro, que disse que os ministros nem à mesa do café se podiam esquecer do cargo que ocupam).

“O Costa levou isto a um ponto tal que se houver dissolução não deve ser ele o candidato do PS a primeiro-ministro”, aponta um socialista, avaliando o potencial da deterioração das relações entre São Bento e Belém. Isto depois de o Expresso ter noticiado que Costa já teria avisado Marcelo de que, se o Presidente convocasse eleições antecipadas, voltaria a ser ele candidato. Uma forma de pressão, até porque quem sabe quais serão as condições em que o PS (e a oposição) voltará a ir a votos. “Momentaneamente, Costa saiu por cima. No futuro veremos”, sentencia um socialista mais cético.

Outro socialista, Vítor Ramalho, lembra que este é “o primeiro conflito institucional desta natureza. Não há precedente nenhum“, comenta um dos socialistas que foi conselheiro de Mário Soares em Belém. “Há aqui um conflito aberto”, acrescenta em declarações ao Observador onde acredita mesmo que “a crispação não é positiva” e que Presidente e primeiro-ministro “deviam ter evitado isto a tempo e horas”. Para este socialista, a solução para salvar a “situação do governo” passaria por um “debate interno sem mas e sem pressões”.

Gerardo Santos / Global Imagens

Receio de Galamba, a “flip coin

O ceticismo entra também quando o assunto é o momento que Costa escolheu para comprar a guerra. Ou antes, por quem escolheu comprá-la. É que João Galamba não será um nome consensual, mesmo no PS — e até os socialistas que gostam do ministro admitem que é uma “flip coin”, ou seja, uma figura imprevisível e com potencial explosivo.

Mas o que Costa fez ao declarar repetidamente que a responsabilidade pela manutenção de Galamba seria sua e só sua, contra quase tudo e todos, e que tem a convicção de que dará um excelente ministro foi lançar uma associação que o PS acredita poder ser perigosa no futuro.

“Percebo a guerra, não sei se valerá a pena fazê-la por João Galamba. É instável e, apesar de tudo, podia ter gerido de outra forma este assunto, com culpa ou sem culpa”, acrescenta um socialista sobre este mesmo assunto. “O primeiro-ministro acabou de colar o seu o percurso político ao do Galamba, com todas as particularidades que lhe são conhecidas… É estranho”, comenta, hesitante, um deputado.

“É a maior ironia dos últimos 20 anos”, atira outro, lembrando as quedas de governantes como João Soares, Azeredo Lopes, Constança Urbano de Sousa, Eduardo Cabrita, Miguel Alves ou Pedro Nuno Santos. Depois de todo esse histórico, “é o João Saldanha de Azevedo Galamba que corporiza o peito ao Marcelo”, ironiza. Apesar de Costa garantir que teve todas as provas de que precisava de que Galamba não quis mentir ao Parlamento e não errou em nenhum momento, os socialistas desconfiam: com este nível de associação ao ministro quase demitido, é o próprio Costa que fica em xeque se Galamba der algum passo em falso.

Os socialistas vão, assim, separando as águas: uma coisa é o empurrão que Costa decidiu dar a Marcelo, definindo as linhas vermelhas da relação entre os dois e da influência do Presidente nos destinos de uma maioria atingida por casos, atitude que boa parte do PS saúda. Outra é a decisão de dar todo o seu apoio e proteção ao polémico Galamba, assumindo todos os riscos que esse apoio traz.

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