Desde o início da invasão russa, a Europa decidiu — quase a uma só voz — apoiar inequivocamente a Ucrânia e condenar o Kremlin. Passado um ano, esse apoio mantém-se, mostra uma sondagem publicada esta quinta-feira pelo think tank European Council on Foreign Relations, que contou com a participação de cidadãos de dez países do espaço europeu (Portugal incluído). Mas há algumas diferenças face ao mesmo estudo de opinião realizado em maio de 2022 — e um destaque para os inquiridos portugueses como sendo os que mais temem o escalar do conflito para o plano nuclear, ainda que esse receio se tenha suavizado face ao estudo anterior.
Uma das diferenças entre as duas sondagens, realizadas com um intervalo de nove meses entre si, passa pela ideia de que a maioria dos europeus acredita que Rússia está mais fraca do que antes do conflito. Isso dá azo a que mais pessoas apoiem uma guerra longa, vendo como provável a possibilidade de as forças ucranianas saírem vitoriosas.
No entanto, nem todos os europeus pensam assim, incluindo os portugueses: 33% dos inquiridos em Portugal preferem que o conflito “termine o mais rapidamente possível”, mesmo que isso signifique que a “Ucrânia tenha de abdicar de territórios para a Rússia”. Em contrapartida, 28% dos inquiridos portugueses acreditam que Kiev deve “recuperar todo o território”, ainda que isso possa significar “uma guerra longa”. E 23% optam por não escolher entre nenhuma destas duas opções.
O estudo também teve em consideração o partido político com que cada um dos inquiridos mais se relacionava. No caso de Portugal, são os eleitores do Chega (em comparação com os do PS e os do PSD, sendo que os restantes partidos portugueses não foram tidos em consideração na sondagem) quem mais defende o fim da guerra: 42% dizem que o conflito deve acabar, mesmo que isso signifique perdas de territórios para a Ucrânia, enquanto 28% consideram que Kiev deve continuar o conflito até recuperar as localidades perdidas para a Rússia.
Esta opinião de que a guerra deve acabar rapidamente é transversal a todos os partidos de direita radical ou extrema-direita na Europa, incluindo a Lega Nord de Matteo Salvini (Itália), o Alternative für Deutschland (Alemanha), os Fratelli d’Italia (o mesmo partido da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni) e a União Nacional (o partido de Marine Le Pen, França). Mas isso não significa que estes partidos vão passar a apoiar a Rússia na guerra, já que os autores do estudo sublinham que a maioria dos eleitores destas forças políticas veem hoje a Rússia como uma “adversária” e não uma como potência “amiga”. “Parece que Putin conseguiu antagonizar os eleitores da maioria dos partidos pró-russos”, notam os autores do estudo, os analistas políticos Ivan Krastev e Mark Leonard.
Estónia e Polónia querem guerra longa, Roménia e Itália nem por isso
Ainda sentido os efeitos da onda de choque do início da invasão, a maioria dos europeus considerava, em maio de 2022, que a guerra tinha de terminar o mais cedo possível, mesmo que isso significasse que a Ucrânia eventualmente perdesse territórios. A única exceção eram os eleitores polacos, que admitiam a possibilidade de um conflito prolongado, com o objetivo de que as forças ucranianas conseguissem voltar a reconquistar as localidades perdidas para a Rússia.
“Mas nove meses depois, apesar de ainda persistirem divisões, o cenário alterou-se”, sinalizam os autores do estudo, explicando que a contraofensiva do final do verão e do outono (que levou à recuperação do oblast de Kharkiv e da cidade de Kherson) foi fundamental para alterar perceções. “Os resultados indicam que o desejo de que a guerra deve terminar o mais cedo possível já não é assim tão popular na Europa.”
Atualmente, a maioria dos franceses (35%), dos britânicos (44%), dos dinamarqueses (48%), dos polacos (52%) e dos estónios (66%) prefere uma guerra longa. E há vários países (como Portugal, Espanha ou a Alemanha) em que há cada vez mais inquiridos a preferirem a continuidade das hostilidades, em vez do fim célere do conflito.
Por exemplo, em maio de 2022, 49% dos alemães pediam o fim da guerra, contra os 19% que defendiam um conflito longo. Nove meses depois, 39% continuam a advogar o cessar das hostilidade, mas já são 33% aqueles que preferem que se desenvolva uma ofensiva longa se isso levar a Ucrânia a recuperar os territórios perdidos.
Em Portugal, verificou-se a mesma tendência, se bem que de uma maneira menos explícita do que na Alemanha. Em maio de 2022, 31% preferiam o fim da guerra e 21% desejavam que a Ucrânia recuperasse todos os territórios antes de um cessar-fogo; agora, 33% continuam a apelar ao término do conflito, enquanto 28% não se importam com um conflito prolongado.
Só em Itália e na Roménia é que maioria dos inquiridos continua a apelar ao fim da guerra. 41% dos italianos pedem um cessar-fogo (eram 51% há nove meses), contra 26% que desejam ver Kiev a recuperar todos os territórios (eram 16% há nove meses). Já 37% dos romenos preferem agora o fim célere do conflito (há nove meses eram 42%) e 22% querem ver a Ucrânia a reconquistar os territórios perdidos (em maio do ano passado eram 23%).
Os partidos mais à direita (à exceção dos polacos) são aqueles que mais defendem um cessar-fogo na Europa, enquanto os de centro são aqueles que apoiam uma guerra longa que devolva à Ucrânia os seus territórios. No caso português, as opiniões dividem-se: 36% dos eleitores do PS pedem um cessar-fogo mais imediato, mesmo que a Ucrânia perca territórios (contra 34% que defendem que Kiev deve recuperá-los). No PSD, 35% dos eleitores preferem o fim da guerra, ao passo que 34% não se importam de assistir a um conflito prolongado, se isso permitir à Ucrânia a reconquista dos territórios tomados pela Rússia.
De acordo com os autores do estudo, a resposta à invasão russa na Europa levou a uma “indefinição da divisão esquerda-direita na Europa em questões geopolíticas”, havendo uma “fusão” entre ideias mais “nacionalistas” — típicas de partidos de extrema-direita — com mais “cosmopolitas”. Se, por um lado, os partidos do ‘centrão’ recuperaram a importância da defesa da soberania e a importância da Defesa europeia, por outro, as forças partidárias mais radicais suavizaram as críticas à atuação de organizações internacionais como a União Europeia, deixando cair grande parte do seu euroceticismo.
“Isso ficou particularmente evidente na decisão de conceder o estatuto de candidato da União Europeia à Ucrânia”, exemplificam os autores do estudo.
Há hoje menos receio de um conflito nuclear na Europa
É uma constante em todos os países que a sondagem abarca (Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estónia, França, Grã-Bretanha, Itália, Polónia, Portugal e Roménia): a Rússia é atualmente vista como uma rival. As diferenças são substanciais face a outro estudo de opinião publicado em maio de 2021 pelo mesmo think tank, que analisava a perceção da maioria dos países europeus sobre Moscovo. “Houve uma grande mudança na forma como os europeus percecionam a Rússia”, lê-se.
Em termos concretos, 82% dos dinamarqueses, 79% dos estónios, 79% dos polacos, 77% dos britânicos, 69% dos alemães, 65% dos espanhóis, 59% dos franceses, 57% dos portugueses, 54% dos italianos e 44% dos romenos encaram a Rússia como uma ameaça. Poucos são aqueles que veem Moscovo como aliado — o país com uma maior percentagem nesse campo é a Alemanha (e esse universo de inquiridos não vai além dos 5% neste país).
Comparativamente a maio de 2021, registou-se uma diferença substancial. Por exemplo, na altura, 49% dos portugueses consideravam a Rússia um parceiro necessário (5% diziam ser mesmo uma aliada). No resto da Europa, 58% dos italianos, 44% dos espanhóis, 40% dos franceses, 36% dos alemães, 25% dos dinamarqueses e 22% dos polacos viam com bons olhos Moscovo há menos de dois anos.
A avaliação de que a Rússia é uma “adversária” engloba todos os partidos, incluindo os mais radicais. Os eleitores dos Verdes alemães (que fazem parte da coligação governamental) revelam a pior opinião relativamente ao país liderado por Vladimir Putin — 86% veem de forma desfavorável Moscovo. No que concerne aos partidos portugueses, 70% dos eleitores do PSD, 67% do PS e 57% do Chega encaram a Rússia como adversária.
A mudança de opinião sobre Moscovo não ficou limitada ao âmbito geopolítico. Atualmente, a maioria dos europeus considera que a Rússia está mais fraca do que no início da guerra. Mas há aqui uma divisão a registar. Enquanto os países do sul da Europa como Portugal, Espanha, Itália e a Roménia continuam a acreditar que a Rússia continua “forte”, os do norte como a Polónia, a Dinamarca e a Estónia defendem o inverso.
Atualmente, 64% dos estónios, 61% dos polacos, 56% dos dinamarqueses acreditam que a Rússia está mais fraca do que em comparação com fevereiro de 2022. Os inquiridos alemães e franceses estão divididos, ao passo que os do sul da Europa veem Moscovo ainda como uma potência a considerar no plano geopolítico e militar. Em Portugal, por exemplo, 43% opinam que a Rússia continua “forte”, enquanto 35% dos inquiridos consideram que o país está mais fraco.
Adicionalmente, os europeus estão menos preocupados em relação a um dos principais argumentos a que a Rússia tem recorrido para influenciar a perceção sobre o conflito no plano internacional: o uso de uma arma nuclear. Entre os inquiridos dos dez países, os portugueses são, ainda assim, os mais apreensivos relativamente à possibilidade de o uso de armas nucleares passar da retórica à prática (33%). Em maio de 2022, esse universo ainda correspondia a 36% dos inquiridos.
Essa é, aliás, uma nota constante nas respostas dos inquiridos à questão sobre quais as maiores preocupações relativamente ao futuro da guerra: em todos os países, o receio de que sejam usadas armadas nucleares é hoje menor do que era em maio de 2022. No caso dos inquiridos britânicos, 32% admitem esse receio (eram 37% há nove meses); 31% dos espanhóis assinalou essa opção (contra os anteriores 36%); 30% dos italianos (um recuo ligeiro face aos anteriores 31%); 29% dos polacos (contra, também, os 31% de maio); 26% dos franceses (eram 34%); 25% dos romenos (menos 1%); e 23% dos alemães (que descem dos anteriores 27%).
Estados Unidos saem a ganhar entre os parceiros europeus
A opinião dos europeus relativamente aos russos piorou, mas a imagem dos Estados Unidos junto dos inquiridos destes 10 países melhorou desde o início da invasão. “A administração Biden ajudou a fomentar uma nova unidade”, reforçam os autores do estudo, salientando que Washington é agora visto de forma mais significativa como aliado.
Face à sondagem de maio de 2021, os Estados Unidos voltaram a ganhar preponderância geopolítica na Europa. Há dois anos, 38% dos polacos, 35% dos dinamarqueses, 29% dos italianos, 19% dos alemães, 19% dos portugueses, 18% dos espanhóis e 18% dos franceses consideravam o país um aliado.
Agora, 52% dos dinamarqueses, 42% dos polacos, 32% dos alemães, 26% dos italianos, 26% dos portugueses, 25% dos franceses e 22% dos espanhóis olham para os Estados Unidos como um dos seus principais aliados — na prática, em quase todos os países (com exceção de Itália), Washington viu reforçado a sua relevância geopolítica no decurso do primeiro ano do conflito na Ucrânia. A maioria dos inquiridos (65%) também é da opinião de que Washington se tornou mais “forte” com o início da invasão russa.
“Um ano depois da guerra, a união da Europa aprofundou-se e cresceu, surpreendendo não só Moscovo e Washington, como também os europeus”, notam os autores do estudo, que advertem que esta união pode, no entanto, ser “frágil” e estar relacionada somente com os sucessos militares ucranianos. Daí que Ivan Krastev e Mark Leonard aconselhem os líderes dos países europeus que participaram no estudo a manter a coesão dos últimos meses.
O inquérito em questão foi elaborado em janeiro de 2023 e contou com 14.439 respostas de inquiridos de 10 países europeus (Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estónia, França, Grã-Bretanha, Itália, Polónia, Portugal e Roménia). O estudo de opinião foi elaborado com a ajuda da Universidade de Oxford, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Think Tank Europa e o International Center for Defence and Security.