Sentados no passeio de um dos parques de estacionamento do Estádio Municipal de Aveiro, Sérgio Freitas, Ricardo Rodrigues e Isabel Ferreira, três amigos vindos de Braga, vão aproveitando o final de tarde e partilham uma caixa de pizza que trouxeram antes de avançarem para a entrada do estádio. O cachecol e a camisola do Sporting Clube de Braga estão prontos, bem como os testes negativos à Covid-19, uma das condições para assistirem à final da Supertaça Cândido de Oliveira, entre Sporting e Sporting de Braga — o primeiro jogo de uma competição portuguesa com público nas bancadas ao fim de 16 meses de pandemia.
“Estamos muito satisfeitos. Não vejo um jogo ao vivo desde a Liga Europa, com o AEK de Atenas, e estava mortinho por estar a puxar pela equipa, cantar e sentir que fazemos parte do jogo também. Já tinha muitas saudades”, conta Sérgio Freitas ao Observador. Já Ricardo diz que não pisava um estádio de futebol há cerca de um ano e meio e que sentiu falta dessa rotina: “Isto é algo que também já faz parte de nós, do nosso dia a dia e principalmente do nosso fim de semana, quando contávamos sempre com os nossos jogos”.
Os três amigos de Braga, juntamente com mais de sete mil adeptos, regressaram pela primeira vez a um estádio de futebol desde que a pandemia de Covid-19 mudou todas as rotinas, incluindo as do mundo desportivo. Agora há regras mais restritas a cumprir e o cenário de milhares de adeptos juntos e em festa deixou de ser permitido. A festa é diferente, mas há uma opinião unânime: todos estão felizes por, pelo menos, poderem voltar a entrar dentro de um estádio para ver futebol. Desta vez, foi o Sporting a levantar a Supertaça e a festa, no final, fez-se de verde e branco.
“Jogos na televisão é bonito, mas cansa. Não se vibra no sofá como se vibra num estádio”
“Até que enfim!” João Gomes, outro adepto do Sporting de Braga, contou os dias para voltar a ver o seu clube ao vivo. Veio de Braga até Aveiro com a mulher, Cláudia Fernandes, e garante que se sentiu seguro com todo o processo e exigências para entrar no estádio. “Já temos certificado de vacinação, por isso foi só levar esse certificado, o bilhete de identidade e o cartão de sócio com lugar anual”, descreve ao Observador. Ainda assim, o casal esteve duas horas na fila para conseguir comprar o bilhete para a final da Supertaça. “Mas valeu a pena”, atira de imediato Cláudia Fernandes, acrescentando que o importante “é que cada um faça a sua parte”. “Se não queremos que isto volte a fechar, todos nós temos que fazer a nossa parte. E acho que vai correr bem”, sublinha.
Em todo o perímetro do estádio houve regras específicas a cumprir que num período pré-pandemia nunca teriam de existir. Entre os milhares de adeptos presentes, todos tiveram de apresentar o Certificado Digital Covid-19 que comprovasse a vacinação completa com mais de 14 dias ou um teste negativo à Covid-19 (PCR ou antigénio). Depois de confirmada esta situação, cada pessoa recebia uma pulseira específica para entrar no recinto. De seguida, e já na zona de entrada para o estádio, foi também medida a temperatura corporal, que não poderia ser superior a 38.ºC.
As filas não eram longas e cada passo era dado com cuidado. Para quem ainda não tivesse sido testado, foi ainda disponibilizada uma zona de testagem com seis postos para os adeptos. É lá que Telmo Abreu está à espera do resultado do teste de antigénio da filha de 22 anos, que ainda não foi vacinada. “Foi tudo relativamente simples. Acho que está bem organizado. A separação dos adeptos, esta parte dos testes… está tudo muito bem organizado”, refere o adepto do Sporting vindo de Santa Maria da Feira.
“Se cada um pensar um bocado em si e nos outros, vai-se respeitar bem isto. Embora nunca se saiba o que vai acontecer com a adrenalina do jogo, acho que podemos respeitar as regras e pode ser um bom teste para haver público nos estádios”, acrescenta. Já João Gomes, vindo de Lisboa para apoiar os leões, trazia o certificado de vacinação e a pulseira prontos para entrar no estádio. “Deram esta oportunidade dos 33% da lotação e aproveitei. Consegui um bilhete para estar aqui presente no início desta nova etapa futebolística, porque jogos na televisão é bonito, mas cansa. Não se vibra no sofá como se vibra num estádio e eu que sou adepto e desportista já há muitos anos, sinto isso perfeitamente”, admite o sócio leonino há 56 anos.
João Gomes, que veio ver a final com o seu irmão, acredita que houve alguns fatores que levaram várias pessoas a decidirem não assistir à final da Supertaça e a esgotar os 33% de lotação permitidos (sobraram cerca de 3 mil bilhetes). “Hoje é final do mês, é início de férias, apareceu muito recentemente esta informação do público no estádio. E depois são os custos de vir para aqui, o almoço, o jantar, a viagem… não está ao alcance de muita gente”, diz, sublinhando que “se as pessoas tiveram consciência e não entrarem em exageros, as regras são cumpridas e as coisas andam para a frente”.
Mais à frente, e enquanto esperam pelos seus bilhetes, estão Filomena Alves e João Alves, de 54 e 59 anos. O casal veio de Sintra até Aveiro para ver o Sporting. João não se lembra da última vez que viu os leões jogarem ao vivo e não esconde a emoção de voltar a sentar-se na bancada de um estádio. “Sou um adepto do Sporting sempre de estádio e há 17 meses que não via um jogo de futebol. Quando lá entrar dentro acho que vai ser qualquer coisa de especial. Para além de ir ver o meu Sporting campeão a jogar”, descreve ao Observador. Já Filomena, a mulher, admite: “Eu venho mais para lhe segurar as lágrimas, venho para dar apoio moral”.
Isabel Ferreira, de Braga, admite que o mais difícil em todo este regresso foi a burocracia e refere que deveria ter havido mais informações.”Foi um pouco difícil conseguir o bilhete por causa dos horários, porque os bilhetes começaram a ficar disponíveis quando nós também estamos a trabalhar. Depois o ir fazer o teste, o trocar por uma pulseira… não foi assim muito acessível por uma questão de horários, mas a nível de filas e de organização estava tudo direito”, descreve.
Ricardo Rodrigues é da mesma opinião: “Acabou por ser um processo simples, mas que implicou muitas deslocações. Acho que isso também afastou um bocadinho as pessoas, porque eram tantas as exigências quer de deslocação para o teste, de associar o teste ao bilhete através da pulseira, e como aconteceu tudo em momentos diferentes, acabou por afastar um bocadinho pela carga burocrática associada”. Apesar de todas as dificuldades, garante que se sente seguro e que este regresso “veio na altura certa”. Sérgio Freitas completa: “A saúde pública em primeiro lugar. O futebol é acessório a todas as outras questões. Não fazia sentido corrermos o risco de sobrecarregar o sistema de saúde ou pormos em risco familiares só porque queríamos ver um jogo. Agora que há um processo de vacinação, já há outras respostas”.
Lugares reduzidos, máscara obrigatória: o regresso ao futebol
Já dentro do Estádio Municipal de Aveiro, o aviso do speaker vai ecoando em todas as bancadas: “Mantenham o distanciamento. O uso de máscara é obrigatório em todo o estádio. Vamos todos, em segurança, fazer a festa do futebol”. De um lado, os adeptos do Sp. Braga, do outro os do Sporting, fazem a festa com cânticos que já não se ouviam nas bancadas desde março de 2020. Cada cadeira com um adepto está acompanhada de duas cadeiras interditas, o uso de máscara é obrigatório e o distanciamento vai-se fazendo cumprir. Comparando com todo o estádio, há mais cadeiras vazias do que preenchidas. Mas também, pela primeira vez em pandemia, há público.
Em jeito de festa, e por não puderem levar bandeiras para o estádio, os adeptos vão levantando os cachecóis, cantando os cânticos de apoio e aplaudindo. Os momentos de maior euforia, dos dois lados, impediram que o distanciamento fosse sempre cumprido: nos três golos da partida houve quem saltasse para as cadeiras da frente, abraçasse os adeptos do lado ou até corresse pela fila da bancada. No momento de cantar, grande parte dos adeptos estava de máscara, mas houve também quem a tivesse tirado para se fazer ouvir melhor. O intervalo foi passado sentado no respetivo lugar, sem espaço para idas ao bar ou passeios pelos corredores.
Entre a euforia de voltar a um jogo, os adeptos admitem que este foi o momento ideal para o regresso do público. “Não havia condições antes disto, com tantos avanços e recuos no processo de vacinação e na pandemia. Pode não ser o momento ideal, porque gostava muito de ter visto o Sporting ser campeão em Alvalade, mas é o que é. Oxalá consigamos ter uma época inteira a ver futebol. Hoje são 33%, daqui a um mês esperemos que já consigam ser 66% e depois logo se verá”, diz João Alves.
À saída do jogo, e já depois de ver o Sporting levantar a taça, Pedro Coelho, de Lisboa, admite que tudo isto poderia ter começado mais cedo. “No nosso país, infelizmente, damos primazia aos estrangeiros. Houve aquela festa toda dos ingleses e os portugueses, enfim, ficamos com os restos”, lamenta. Ainda assim, o adepto leonino gostou do jogo e da festa que viu e que permitiu regressar a uma normalidade possível. “Matamos saudades dos jogadores e da equipa técnica. Merecem este carinho dos sócios”, sublinha, acrescentando que todo o processo de entrada e saída do estádio, com as novas regras, “não demorou e foi bem organizado”.
Este sábado, na final da Supertaça, foi dado mais um passo em frente. Agora, relembra João Alves, é esperar pelo resto. “Não sei se algum dia voltaremos a ver futebol como antigamente. Mas ainda vai demorar. Temos que nos habituar, é assim que tem de ser para conseguirmos ver alguma coisa e voltar a ter uma vida normal”.