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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Telefones desligados, baixas e recusa de horas extra. Como os motoristas estão a fintar a requisição civil que afinal não esvaziou a greve

Telefones desligados, baixas médicas, atrasos nas descargas, condução lenta, almoços mais longos. E a mãe de todas as medidas: recusar fazer horas suplementares. Tudo para que a greve não morra.

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A greve afinal está para durar. É essa a perceção que se está a cristalizar em vários setores da economia e, até, no Governo. Ao contrário do que alguns terão admitido, a requisição civil e a chamada de militares para conduzir camiões-cisterna não esvaziou a greve dos motoristas, acelerando um acordo entre as partes. Pelo contrário: o segundo dia de protesto foi marcado por uma calma podre que aumentou a ansiedade de quem está a ver o feriado de 15 de agosto a aproximar-se e ouve o líder do sindicato (numa postura mais calculista do que a demonstrada no primeiro dia) a dizer que a greve pode durar um ano, ou 10 anos.

[Febras e tentativas de bloqueio. O 3º dia de greve em Matosinhos e Aveiras]

Desde ainda antes de a greve se iniciar que os sindicatos prepararam um conjunto de táticas para contornar os serviços mínimos definidos pelo governo (entre 50 e 100%), uma eventual requisição preventiva (que não se concretizou) e uma requisição efetiva que acabou por ser decretada na tarde de segunda-feira. Na greve de abril, os patrões já se tinham deparado com dificuldades para escalar trabalhadores em caso de não cumprimento dos serviços mínimos. “Não havia escalas dos alternativos e, em alguns casos, quando a empresa tentava contactar outro trabalhador, havia telefones desligados, depois justificados com ‘não tinha bateria’”, contou ao Observador uma fonte que acompanhou a forma como as empresas de transportes lidaram com o processo.

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ANTONIO COTRIM/LUSA

ANTONIO COTRIM/LUSA

Nesta greve – agora já com os 900 filiados do Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) a juntarem-se à paralisação – as empresas e a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias) colocaram uma tónica especial nas 23h59 de sábado. Porquê? Porque até essa hora as empresas teriam de receber, por parte dos sindicatos, as escalas de quem iria trabalhar nos serviços mínimos. “Desejavelmente, os sindicatos deveriam indicar não apenas isso, mas também quem os poderia substituir”, disse a mesma fonte. Nada disso aconteceu. O sindicato não entregou qualquer documento, alegando que as empresas já estavam a convocar os trabalhadores diretamente, por mensagem e SMS.

Entrou-se numa guerra de acusações sobre os SMS e sobre quem estaria a boicotar quem. As empresas admitiram que enviaram mensagens aos motoristas a convocá-los para estar nas sedes, a horas concretas (6h00, 8h00 e por aí fora), por segurança, para poderem garantir, pelo menos, o primeiro turno. Por isso houve poucos problemas na primeira manhã do protesto, na segunda-feira. Mas a base de trabalhadores já não era a mesma.

Baixas médicas, eventuais detenções e os 14 motoristas desobedientes

Uma outra fonte ligada às empresas de transporte indica que houve aumentos das baixas médicas (de 15, 16 e 17%) na semana e meia que antecedeu o início do protesto, sinalizando que os motoristas estariam a recorrer a este método para dificultar ainda mais a substituição de trabalhadores em caso de não cumprimento dos serviços mínimos. Nesta terça-feira, o ministro do Ambiente especificou os casos em que foram recebidas queixas por incumprimento da requisição civil. Foram comunicados à GNR incumprimento de onze trabalhadores. “Todos alegaram baixa médica”, explicou João Matos Fernandes. Por isso mesmo o Governo também já anunciou que vai investigar cada uma das baixas, para perceber se são ou não fraudulentas.

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, endureceu o tom e disse que os motoristas que não cumpriram a requisição civil foram “notificados e, a partir daí, cabe às autoridades judiciárias, a partir de um crime que é de desobediência, avaliar também o que será feito quando, depois de notificados, apresentam declarações médicas”. Os motoristas que recusem podem ser detidos? “Não posso dizê-lo. Dependerá das circunstâncias. Se tiver de ser, sê-lo-á“. Eduardo Cabrita, entrevistado na CMTV, disse que se trata de “garantir exatamente aquilo que é o respeito da legalidade democrática“.

OCTÁVIO PASSOS/OBSERVADOR

Octavio Passos/Observador

O primeiro sinal de problemas relacionados com a greve começou ainda na segunda-feira, mais concretamente na parte da tarde. A ANTRAM alertou que não estavam a ser cumpridos os serviços mínimos, algo que o sindicato desmentiu, e o Governo avançou para uma requisição civil que começaria pelo abastecimento à rede estratégica de bombas de combustível (REPA), especialmente no abastecimento no Algarve [já explicaremos a importância desta referência geográfica], à refinaria de Sines e ao transporte de gás. E garantiu que publicaria novas portarias a alargar esta requisição sempre e quando fosse necessário. No dia seguinte, esta terça-feira, militares do exército, da GNR e da PSP começaram a trabalhar na entrega de combustível.

Porquê? Segundo o ministro do Ambiente, as empresas comunicaram “o incumprimento da requisição civil por 14 trabalhadores”. “Destes, 11 foram notificados. Há ainda 3 trabalhadores por localizar e consequentemente por notificar”, disse ainda. Mas só a maior empresa de transporte de combustíveis, a Transportes Paulo Duarte, tem 730 colaboradores, dos quais 615 são motoristas. Considerando apenas este universo – e não todos os motoristas da Transportes J. Amaral, a Tiel, a Atlantic Cargo, a Transportes Nogueira e outras – 14 motoristas que se recusam a cumprir a requisição civil representa apenas 2,2%.

Requisição civil em 6 respostas: o que é, para que serve, quem abrange, quando pode ser decretada e o que acontece a quem não cumprir

A táctica de fazer apenas 8 horas para travar o trabalho e continuar a receber

Então por que razão há problemas, ainda que em menor dimensão do que na segunda-feira? A mais recente medida adotada pelo sindicato para contornar o esvaziamento da greve (e revelada em várias declarações à imprensa por parte do assessor jurídico do SNMMP, Pedro Pardal Henriques) é a de instigar os trabalhadores a fazerem apenas 8 horas de trabalho, aquilo que o sindicato diz ser “o horário normal” que está no contrato de trabalho.

“As coisas estão feitas de forma a que as pessoas não sejam prejudicadas, estão a trabalhar oito horas, vão receber o seu salário porque estão a trabalhar”, diz Pedro Pardal Henriques. Até quando aguentam os motoristas a fazer apenas as 8 horas de trabalho? Estão a perder dinheiro com isso para manterem a greve? E esta derradeira manobra, já com a greve a decorrer, tem capacidade de “secar” o país como aconteceu em abril? Pardal Henriques mostra-se tranquilo, mas acha mesmo que sim.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Aos poucos os postos de abastecimento vão ficar vazios”, disse Pedro Pardal Henriques na manhã desta terça-feira. Isso significa que o porta-voz do sindicato não está preocupado com a requisição civil ordenada pelo Governo. Porquê? Primeiro, porque a requisição civil se destina a corrigir o incumprimento dos serviços mínimos, chamando trabalhadores (e, na falta destes, motoristas do Exército, da PSP e da GNR) até completar estes serviços mínimos.

As empresas do setor indicaram na segunda-feira a meio da manhã que apenas 0,4% dos trabalhadores estavam em greve, mas na tarde do mesmo dia pediram ao governo que decretasse a requisição civil, por falta de condições para cumprir os abastecimentos de áreas prioritárias. Ora os sindicatos afirmam não só que estão a cumprir todas as obrigações no despacho de serviços mínimos (que oscilam entre os 50% e os 100% consoante a prioridade), como apontam a razão para a falta de abastecimentos: porque o modelo de negócio das empresas assenta na necessidade de os seus trabalhadores fazerem trabalho suplementar.

Ou seja, dizem que se todos os motoristas fizessem apenas as oito horas de horário normal o abastecimento em Portugal seria impossível. Dizendo de outra forma: afirmam que o abastecimento normal em Portugal só se está a fazer porque o Estado está a pagar para que militares, guardas da GNR e agentes da PSP façam o trabalho suplementar que as empresas exigem todos os dias, por baixa da mesa, aos motoristas.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Há ressalvas a fazer. O porta-voz do sindicato não está a referir alguns pontos que podem estar a fazer inclinar a balança a seu favor. E algumas destas medidas poderiam ser consideradas mais medidas de boicote à requisição civil. Quais? Na manhã de segunda-feira houve relatos de tentativas de bloqueio aos camiões que, de facto, saíam para trabalhar. Já hoje, relatos de pneus de camiões esvaziados num parque junto à fronteira com Espanha, onde centenas de motoristas costumam estacionar durante a noite.

A medida que poderá estar a influenciar mais as operações é o facto de, neste momento, estar em marcha uma greve de zelo. Como? As empresas acusam os motoristas de atrasarem as operações diárias (conduzindo a 40km/h, demorando nas cargas e descargas de combustível, prolongando horas de almoço, descanso ou idas à casa-de-banho). Juntando todos esses momentos, mais o trabalho efetivo, ultrapassam as oito horas de trabalho e param. E cumprindo apenas “as oito horas regulamentares de trabalho”, como diz Pardal Henriques, é normal que o abastecimento se ressinta.

Mas ao dizer que os motoristas estão prontos para aguentar, a argumentação de Pedro Pardal Henriques assenta num segundo ponto. A de que os motoristas não estão a perder dinheiro com esta manobra. O porta-voz do SNMMP admite que o sindicato não tem qualquer fundo de greve. “Os trabalhadores não têm qualquer fundo, não existe qualquer fundo que financie esta greve. Não têm nada a perder. Já não é só uma questão dos direitos que reivindicam, é uma questão de honra”, disse na semana passada. De acordo com dirigentes sindicais ouvidos pelo Observador, isso significa que os trabalhadores poderiam vir a perder até 40 euros por cada dia de greve em que não trabalhem.

Mas isso não está a acontecer. Francisco São Bento, o presidente do SNMMP, disse ao Observador que os motoristas estão em protesto, mas quase todos a trabalhar, embora cumprindo apenas 8 horas. Ou seja, estão a receber como normalmente. “Os motoristas não estar a perder nada com esta greve”, diz. Nem as horas suplementares? “Não. O contrato coletivo assinado em setembro meteu o trabalho suplementar numa cláusula” que não dá para ser retirada do salário, diz Francisco São Bento.

A leitura da cláusula dá-lhe razão. “Os trabalhadores (…) terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar”, indica a cláusula 61, até descrita em vários recibos de vencimento consultados pelo Observador. Mas que complemento é este que “corresponde” a duas horas extra, indicado no recibo (em baixo) como cláusula 61, mas não é trabalho suplementar?

Num dos recibos a que o Observador teve acesso não aparece referência a trabalho suplementar, apenas a uma componente “Cláusula 61” em referência ao contrato coletivo de trabalho (de Setembro de 2018)

Nas primeiras horas da greve dos motoristas de matérias perigosas em abril, a ANTRAM – então ainda sem André Matias de Almeida como porta-voz – explicava assim este complemento. O objetivo, dizia a associação que representa os patrões, era o de “desmistificar” o salário dos motoristas.

“A cláusula 61 (representa o) equivalente a duas horas extras de trabalho por dia, multiplicado por 30 dias. […] Esta verba, […] na prática, apresenta-se como se de uma isenção de horário de trabalho se tratasse, dadas as particularidades, desde logo da ausência de controlo direto e imediato, que o trabalho prestado por estes trabalhadores tem”.

Ou seja, é um complemento garantido que não implica a realização de qualquer hora de trabalho extraordinário. Só lá está a expressão “correspondente a duas horas de trabalho suplementar” por uma questão de facilidade de cálculo, explicam ao Observador os especialistas em Direito Laboral da Cuatrecasas Sandra Lima da Silveira e Victor Hugo Ventura. Mas o trabalhador (neste caso o motorista de pesados) não tem de as fazer, este complemento é pago quer este faça oito horas por dia, dez ou 12. Recebe a primeira dessas horas – de acordo com uma fórmula algo complexa (que envolve o salário base, os complementos e as diuturnidades) a 50% e a segunda hora a 75%.

Por isso, os sindicatos dizem que não perdem nada “abdicando” das horas de trabalho suplementar. Alegam que as empresas estão a manipular esta cláusula para usar horas extraordinárias “com caráter de regularidade”. O que é proibido pelo mesmo Contrato Coletivo de Trabalho, que também fixa em 200 horas anuais como máximo.

“Isto só vem reforçar a ideia de que as empresas estão a violar a lei, ao assentarem o seu negócio em trabalho suplementar não remunerado e usado de forma sistemática”, diz Francisco São Bento. Esta cláusula 61, que era um trunfo para as empresas, está a ser transformada pelos sindicatos, em contexto de luta, numa fraqueza.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A ANTRAM, pela voz de André Matias Almeida, diz que não é bem assim, que os motoristas estão a perder alguma coisa: ajudas de custo, por exemplo. Mas estas ajudas são muito menos significativas. O exemplo da ANTRAM fala ajudas de custo entre os “2,75 euros para compensar custos relacionados com pequeno-almoço ou ceia” e “8 euros por almoço ou por jantar”. Nada que se compare com os mais de 340 euros do complemento descrito anteriormente. Mas confirma que a remuneração dada ao abrigo da cláusula 61 não pode ser retirada, quer o motorista faça 8, 1o ou doze horas de trabalho.

Por que razão o trabalho suplementar é tão importante para as empresas? Simples. Porque muitos percursos (por exemplo, Porto-Sines-Algarve, com ou sem regresso) não se podem realizar dentro do horário de trabalho de oito horas. As empresas indicam, e os advogados da Cuatrecasas corroboram, que a estas oito tem de se juntar os 45 minutos do descanso obrigatório destes trabalhadores (porque são condutores de pesados, na estrada) e a hora de almoço, que não conta para o horário. Ou seja, estes têm de estar 9h45 ao serviço. As escalas são feitas com estes pressupostos. Os sindicatos discordam: até o trajeto de casa para o local em que pegam no camião deve ser contabilizado, bem como o descanso entre tarefas e o almoço.

“Os trabalhadores não fazem esta pausa técnica porque querem. Só a fazem porque o contrato assim o obriga. Só o fazem porque estão a trabalhar, por isso deve ser contada no horário. Quanto ao almoço, quando falamos em oito horas não contamos com ele”, reforça o presidente do sindicato.

As fotos do segundo dia da greve dos motoristas

Independentemente das interpretações, as empresas consideram que um trabalhador não pode recusar trabalho suplementar a seguir às oito horas se a tarefa que lhe foi dada não estiver cumprida. Mas é isso que tem vindo a acontecer. Onde? Por exemplo, no Algarve, na segunda-feira.

Este cenário significa que os motoristas podem afinal prolongar bastante mais tempo o protesto do que se poderia pensar. Aliás, os motoristas de matérias perigosas até podem levantar a greve e manter o trabalho limitado a oito horas, recusando trabalho suplementar. Victor Hugo Ventura, da Cuatrecasas, explica que – sem estar num contexto de greve – um trabalhador só pode recusar trabalho suplementar se “tiver um motivo atendível”, como doença, assunto familiar ou – como tem sido invocado nesta greve – “já tiver ultrapassado o limite de trabalho suplementar”, fixado em 200 horas por ano. Aliás, esse limite é uma das regras que visa impedir as empresas de usarem as horas extraordinárias “com caráter de regularidade”. O que é proibido.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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O que representaria para as empresas um levantamento da greve? Muito. Por um lado, significaria uma vitória simbólica sobre o sindicato liderado na prática por Pedro Pardal Henriques. Mas poderia ser uma vitória amarga. Caso os trabalhadores continuassem apenas a fazer as oito horas, as empresas já não teriam os motoristas da GNR, PSP e Exército para completar os serviços deixados a meio. É que se a greve for levantada, deixam de se verificar os pressupostos para definir os serviços mínimos e, consequentemente, fazer uma requisição civil aos motoristas. E isso poderá deixar a nu se o modelo de negócio das empresas assenta ou não no trabalho suplementar (declarado ou não).

E o país? Até quando aguenta esta greve?

Os serviços mínimos vão reabastecendo os postos de combustível aqui e ali, mas poucos acreditarão que este ritmo de abastecimento será capaz de responder ao aumento da procura que provavelmente existirá quando se esvaziarem os depósitos das pessoas que se “precaveram”, seguindo o conselho do ministro Pedro Nuno Santos, na semana anterior à greve. Quando estas pessoas começarem a ter de reabastecer — um processo que poderá acelerar-se dado o período de férias — as bombas de gasolina podem voltar a entrar em rutura (mesmo com as limitações de litros que se podem abastecer).

Governo decreta requisição civil. Podemos ficar descansados?

Se, na greve de abril, ao fim de poucos dias as pessoas receberam o sinal de que tudo estava resolvido e a normalidade regressaria dentro de momentos, aqui corre-se o risco de a greve se arrastar e as pessoas nunca receberem esse sinal psicológico de que a situação está solucionada — portanto, a ansiedade tende a agravar-se. Sobretudo porque, mesmo num contexto de serviços mínimos e requisição civil, a prioridade no abastecimento terá de ser dada aos postos exclusivos da REPA (para forças armadas e de segurança, serviços e agentes de proteção civil e os serviços prisionais, de emergência médica e de transporte de medicamentos e dispositivos médicos) e só depois aos não exclusivos (onde todos podem abastecer). Só a seguir chega aos postos fora da rede. E mesmo nestes, é dada prioridade aos condutores com maiores necessidades de combustível.

E se falta comida nos supermercados?

Mas tão ou mais importante do que ter o carro abastecido, do ponto de vista da ansiedade do cidadão comum, pode ser a questão do fornecimento de produtos alimentares aos supermercados. O Observador voltou a falar, neste segundo dia de greve, com Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da associação que representa as principais empresas do setor da distribuição, a APED. O responsável garantiu que “as lojas estão a funcionar dentro da normalidade“.

Felizmente, o abastecimento às lojas está a fazer-se com um ritmo adequado, tendo em conta que temos uma greve com serviços mínimos garantidos até agora”, considera Gonçalo Lobo Xavier, em declarações prestadas antes da hora de almoço desta terça-feira. “Os entrepostos têm funcionado normalmente, com uma participação ativa das forças de segurança que têm garantido que os trabalhos se executam em segurança, com tranquilidade e com bom ambiente entre os colaboradores e os camionistas que estão disponíveis para cumprir os serviços mínimos”, acrescentou.

Para já, o abastecimento das lojas está a fazer-se de forma relativamente normal, mas o setor não esconde desejar que a greve termine rapidamente.

Porém, não há como fugir à realidade: “A nossa expectativa é que a greve termine o mais brevemente possível”. É impossível calcular até quando é que os problemas podem ser evitados graças aos “planos de ação” que foram executados nas semanas anteriores à greve. “As lojas tiveram oportunidade de stockar e tomar medidas para manter a logística o mais eficiente possível”, mas Gonçalo Lobo Xavier admite: “Preocupa-nos que a situação se arraste. (…) Como é evidente, o que nós gostaríamos é que a situação voltasse à normalidade, sem greve e sem limitações”.

Com o arrastar da greve, muitos poderão recordar as palavras do diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), Pedro Queiroz, que disse ao Jornal Económico que “o racionamento de bens alimentares é uma possibilidade. Logo no primeiro dia de greve há constrangimentos na atividade da indústria e na entrega de produtos e a partir do terceiro dia de greve começa a sentir-se dificuldade no abastecimento de bens essenciais”. E concluía que “o racionamento é um risco que está em cima da mesa, a partir do terceiro dia de greve, e pode ser sentido em bens que, por norma, integram o cabaz prioritário como pão, lácteos, alimentação para bebés, massas, arroz e conservas”.

Os problemas que se levantam com uma greve de zelo deste tipo são diferentes no setor dos combustíveis e na grande distribuição alimentar. Por um lado, existem poucas refinarias em Portugal (Sines e Leixões), o que torna as tarefas de distribuição de combustíveis mais difíceis de concretizar em apenas oito horas. Esse problema não se coloca no retalho, já que as grandes cadeias (Jerónimo Martins, Sonae, Auchan, Lidl, etc) têm centros de distribuição e armazenamento mais disseminados geograficamente. Podem ser afetados por falta de gasóleo a montante, mas isso pode acontecer a todos os setores.

Por outro lado, o facto de existirem apenas duas refinarias permite controlar muito mais facilmente a evolução das operações, e reagir com medidas de corta-fogo. No caso da distribuição alimentar, a capacidade de reação e coordenação pode não ser tão rápida.

Para já, contudo, o setor do retalho esforça-se por passar uma mensagem de tranquilidade, até para evitar algo que pode acelerar o esgotamento das medidas preventivas que foram tomadas: o açambarcamento. Algo que, como o Observador escreveu na semana passada, é um crime em Portugal.

Racionamento de bens é improvável, mas legal. E cada supermercado decide como quiser

E se você perdesse o rendimento de um ano inteiro?

Um cenário bem mais “crítico” foi descrito, também ao Observador, pelo representante da indústria agrícola. Luís Mira, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), foi muito claro: “No setor agrícola, eu penso que até quinta ou sexta-feira, com as reservas que existem, as pessoas podem continuar a funcionar — não direi normalmente mas a funcionar”. Mas “depois disso vai ser muito complicado porque esta altura é crítica para a agricultura, para setores como a pêra-rocha, o pêssego, o tomate para indústria — que está em plena campanha e precisa de gasóleo para trabalhar, para os transportadores levarem o tomate desde o campo até à fábrica”. E as vindimas começam daqui a uma semana, 10 dias, lembra.

O enfoque mediático tem estado sobre as deslocações para as férias, mas Luís Mira lembra que há um grande número de pessoas que, com esta greve, tem em risco um ano inteiro de rendimento.

Numa atividade como a colheita do tomate para indústria as coisas são muito simples: “Isto não permite parar. Se o tomate ficar no campo, a perda é total. E o produto não espera. Uma semana de atraso significa perder a cultura”, avisa o responsável.

“Enquanto o tomate que vai para as prateleiras de supermercado está sempre a ser produzido, em estufas, este tem um período próprio de colheita” e precisa de combustível para as máquinas e para atestar os camiões que fazem o chamado micro-transporte. “Nós falámos com a organização dos industriais do tomate e eles calculam que, por dia, se fazem mil transportes de tomate para a fábrica. Não são 1.000 camiões porque alguns fazem dois ou três, mas são mil transportes diários. Portanto veja quanto é que isto não é em termos de necessidades de combustível”, explica.

Esta greve está a decorrer num setor crítico de colheitas, de produtos como o tomate-indústria, o pêssego e a pêra-rocha. E as vindimas estão à porta.

Luís Mira sublinha: “Estamos a falar do rendimento de um ano dos trabalhadores. Isto não é aceitável”. Na outra greve, em abril, não era altura de colheitas, portanto esta questão não se colocava. “Mas desta vez coloca-se, por isso apelo ao Estado para que intervenha defendendo os direitos dos cidadãos, porque a greve já se fez, já teve o seu impacto, mas não podemos ‘estar 10 anos em greve'”, nem sequer 10 dias, provavelmente, entende o responsável.

“Quanto mais rapidamente a greve terminar, melhor. Acho que não vale a pena entrarmos numa situação de experimentar até quando é que cada um aguenta“, remata o responsável, indignado por se “permitir que um grupo de algumas centenas de pessoas coloque em causa o rendimento de um país e o bem-estar das pessoas — isso é mais importante do que o direito à greve, que deve ser respeitado mas não pode tirar as liberdades básicas aos cidadãos”.

E afinal, os hospitais estão ou não prestes a ter problemas?

Mais difícil de perceber é qual é o perigo que existe para o setor hospitalar, depois de a associação patronal ANTRAM ter indicado, a meio da tarde de terça-feira, que os abastecimentos a hospitais das zonas de Lisboa, Leiria e Coimbra ficariam “nas próximas 24 horas, seriamente comprometidos”. “É urgente que o Governo decrete a requisição civil total para quem, insensível sequer ao abastecimento a hospitais, insiste em incumprir os serviços mínimos”, referiu a entidade numa nota enviada à Lusa que defendia que .

O alerta acabaria por ser desmentido pelos visados. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo disse não ter “qualquer queixa ou preocupação de hospital ou centros de saúde”. À Rádio Observador, o presidente Luís Pisco garantiu: “Não chegou aqui à administração de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, até ao momento, qualquer queixa ou preocupação de hospital ou centros de saúde com abastecimentos, seja de combustíveis seja de medicamentos”.

Luís Pisco esclareceu ainda que a ARS contactou alguns hospitais e que a resposta foi que estava tudo “absolutamente normal e que não havia nada que estivesse em falta ou em risco de faltar”. E o próprio Ministério da Saúde, minutos mais tarde, lembrou que “o abastecimento aos hospitais e centros de saúde está garantido através do acesso à REPA. Está ainda garantido o acesso de todas as entidades, definidas como prioritárias, que prestem serviços de emergência médica e de transporte de medicamentos e dispositivos médicos”.

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