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(artigo em atualização ao longo do dia)
Como é que a senhora se chama? “Não digo”. Vamos chamar-lhe então “senhora-de-Viseu-cheia-de-força-que-não-deixa-Nuno-Melo-falar”. O cognome foi dado pelo próprio candidato do CDS que, esta manhã, numa feira em Viseu, se viu aflito para conseguir ter a palavra num debate espontâneo, travado ali mesmo, entre queijos e chouriços.
Um debate diferente em Viseu. E “Marisa Matias mente” (conclui Melo depois de ter ido à internet)
Ao contrário do debate de ontem à noite, em Lisboa, onde Nuno Melo defrontou os candidatos ao Parlamento Europeu sob a moderação da jornalista Maria Flor Pedroso, o debate desta manhã foi “sem moderação”. De tal forma, que Nuno Melo até ensaiou pedir ajuda a uma jornalista que faz a cobertura da campanha para fazer as vezes de moderadora. “Esta senhora esmaga-me, não consigo falar!”, atirava entre risos. Nuno Melo e a “senhora-de-Viseu-cheia-de-força” até nem discordavam em muita coisa. Com 80 anos, 298,68 euros de reforma, e apenas a quarta classe, a interlocutora do candidato queixava-se, sobretudo, do Governo socialista.
“O PS só tem treta, ainda faz pior do que os outros. E este governo só está lá porque o António Costa se elegeu a si próprio, não foi eleito pelo povo, porque ele perdeu as eleições”, dizia, fazendo Nuno Melo acrescentar que andava “a dizer isso há muito tempo”. Concordam no essencial, mas discordam no resto, já que o candidato, como todos os políticos, diz a “senhora de Viseu”, não sabe o que é “viver com 298,68 euros por mês, pagar renda, água, luz, e pagar 4,5 euros por uma consulta mais 2,5 pelos medicamentos”. “Este é um país de ladrões, porque nós temos boca como os outros, temos de comer como os outros, temos de vestir e calçar sapatos, e andamos aqui a passar miséria enquanto os outros têm milhões de euros”.
Foram alguns minutos de conversa. Nuno Melo e Mota Soares escutavam atentamente e admiravam-se com a eloquência discursiva. “Eu só tenho a quarta classe mas não sou burra, sei fazer contas muito bem”, dizia interrompendo cada tentativa de intervenção do candidato. A avaliar pelos dotes argumentativos, acrescentava Melo, não só sabe de matemática como podia muito bem “ir para a política”.
Nuno Melo voltou às feiras. Em Viseu, até entrou num debate com uma senhora que ganhava 298€ por mês e que quase não o deixava falar #Europeias2019 #EE2019 pic.twitter.com/ea9cPcfvUe
— Observador (Eleições) (@OBSEleicoes) May 21, 2019
Perante a descrença da “senhora de Viseu” pela classe política, Nuno Melo pedia-lhe para votar no CDS porque era a única forma de fazer a diferença. Mas a interlocutora só lhe dava o voto se tivesse a garantia de que para o ano teria um ordenado melhor — e isso Nuno Melo não podia prometer. “Isso não lhe posso prometer, não posso prometer aumentar salários se depois não puder cumprir”, respondeu o candidato que tentou convencê-la por outra via: com o trunfo Mota Soares. “Uma coisa lhe digo: nós somos o único partido que tem uma pessoa como o Pedro Mota Soares, inteiramente dedicado às políticas sociais, com experiência governativa”, disse.
Talvez não chegue, não se sabe. A senhora-cujo-nome-não-foi-revelado, acabaria por não também revelar em quem iria votar no domingo, ou se iria votar em alguém. O papel do CDS, pelo menos, levou na carteira. E Nuno Melo ficou com uma história para contar.
“São casos de vida como este que nós queremos representar“, diria depois aos jornalistas, sublinhando que o caso desta senhora de Viseu, que vive com 200 euros por mês, é transversal a muitos outros. “São pessoas que vivem com 200 euros por mês e que não sentem o retorno do Estado depois de uma vida inteira a trabalhar”, disse, criticando aqueles, como o PS, que “vão a votos a falar de contas certas e a mostrar uma realidade paralela”, enquanto situações como esta — e como a do senhor de Monchique que viu o IMI agravado por uma casa que ardeu no incêndio — continuam a acontecer no país real.
O debate da manhã, ainda assim, seria mais fácil do que o debate da noite anterior, em Lisboa, que originou réplicas no dia seguinte. Depois de Marisa Matias ter dito que o CDS tinha votado contra uma diretiva da União Europeia sobre a redução dos plásticos, e que agora andava a “fazer número” a limpar praias e a propor medidas de “plástico zero”, Nuno Melo ficou baralhado. “Foi tanta a certeza com que eles [PCP e BE] disseram aquilo que eu próprio fui confirmar”, disse aos jornalistas, mostrando (no telemóvel) o guião de votações sobre aquela mesma diretiva. Durante o debate, Melo até tentou ir à internet confirmar logo o guião de votações para responder a Marisa em tempo real, mas não foi possível. Resultado, um dia depois: “Marisa Matias mente”. “Está aqui: votei a favor da diretiva duas vezes, em outubro de 2018 e depois em março de 2019”, disse, sublinhando que “não vale tudo na política” e a “mentira” é uma das coisas que não vale.
Sondagens são o que são, mas CDS quer ficar à frente do BE e PCP. Se não ficar, “é a vida”
Mas, então, recapitulando, não foi o governo anterior do PSD e CDS que provocou muitos destes casos, com cortes de salários e pensões? Nuno Melo rejeita essa narrativa, colocando o ónus no PS de José Sócrates, cujo negociador com a troika (Pedro Silva Pereira) é precisamente um dos candidatos do PS ao Parlamento Europeu.
“O programa de austeridade, que previa cortes de salários e pensões, foi negociado com a troika em 2011 precisamente por Pedro Silva Pereira, mandatado pelo governo de José Sócrates, impondo uma austeridade que o governo que se seguiu se limitou a aplicar”, disse o candidato centrista, sublinhando que qualquer governo que se seguisse ao governo de José Sócrates “não tinha alternativa senão cumprir o programa de austeridade”.
“O PS trouxe a troika [e os cortes de salários e pensões], e o CDS ajudou a libertar o país da troika”, é esta a versão da história que o CDS repete vezes sem conta por estes dias na estrada. Melo chega a ser questionado se não fica “envergonhado” por ver gente a ganhar pouco mais de 200 euros, enquanto o salário de eurodeputado é muitas vezes superior, mas o candidato rejeita a ideia, dizendo que é por eles que batalha em Bruxelas. “É obrigação dos eurodeputados tentar ajudar a corrigir estas assimetrias, por isso é que insisto tanto nos fundos de coesão, que são o mecanismo usado pela Comissão Europeia para aproximar os países mais pobres dos países mais ricos”. Problema: Portugal prepara-se para ter um corte de 7% nesses fundos, e isso é que é “trágico”. “Não me sinto envergonhado, sinto-me é orgulhoso por estar a lutar para que Portugal esteja no grupo de países que, como a Grécia, vão ser beneficiados nos fundos, e não no grupo dos que perdem”, disse.
A caravana centrista segue por Viseu, a distribuir panfletos, beijinhos e dois ou três dedos de conversa a quem passa. Há quem note a falta de Assunção Cristas (“onde anda a Assunção?”), que está “por Lisboa”, como responde prontamente Nuno Melo, mas à falta da líder, o candidato faz as vezes nos cumprimentos calorosos. Como diz Mota Soares, “é um a um”. Até ao domingo final.
Certo é que as sondagens — que o CDS “desvaloriza” e com as quais “não se ilude” –, têm mostrado que o partido pode chegar à meta a que se propôs: eleger dois eurodeputados. Pelo menos a uma das metas a que se propôs. Porque, a meio da campanha, Nuno Melo traçou outra: ficar à frente do BE e do PCP, numa luta entre partidos democratas e partidos que apoiam ditaduras. Essa meta, contudo, é mais difícil de alcançar. Se não chegar lá, o CDS assume derrota? “Se ficar atrás [do BE e PCP], é a vida. O que eu não vou dizer é que os votos foram fúteis, porque todos os votos são bons”, disse, comentando a última sondagem da RTP/Público, que dá ao CDS 8%, abaixo do Bloco, e empatado com o PCP.
Para quem não “liga” a sondagens, Nuno Melo tem as contas bem na ponta da língua. É que, se a margem de erro da sondagem era de 3%, então dizer que o BE tem 9% e o PCP e CDS 8% é o mesmo que dizer que os três estão empatados. Por isso, nada está perdido. E tanto nas ruas como nas sondagens (a que o CDS não liga), a tendência de crescimento tem sido “positiva”: “subimos dois pontos” face ao último barómetro, diz o candidato (aquele que não liga a sondagens).
Brindar com o mesmo espumante que se brindou a saída da troika (numa cooperativa onde todas as caravanas passaram)
João Silva, presidente do Conselho de Administração da Cooperativa Agrícola do Távora, de Moimenta da Beira, recebe de forma calorosa a comitiva do CDS, que foi ali para visitar as caves onde se faz “o melhor vinho espumante”. Desdobra-se em elogios ao deputado centrista do distrito de Viseu, Hélder Amaral, que “foi-nos acompanhando e nunca nos deixou desamparados”, diz que o CDS está “na Crista da onda” e brinda para que o CDS “consiga atingir os seus objetivos no domingo”.
O brinde é feito com espumante “Terras do Demo”, mas nem por isso o CDS se sente em terreno hostil. É que João Silva já recebeu ali naquelas mesmas caves todas as campanhas que andam na estrada — “menos a do Bloco de Esquerda” — mas não esconde que, apesar de ter desejado “sorte a todos”, deseja “mais a uns do que a outros”. O PSD de Paulo Rangel esteve por ali na semana passada, enquanto o PS de Pedro Marques e o PCP de João Ferreira passaram por lá na pré-campanha. João Silva diz ao Observador que não milita em nenhum partido (embora se oiça por ali que é socialista), mas realça que o vice-presidente da cooperativa “é militante do CDS”.
Em todo o caso, a passagem da caravana centrista servia para enaltecer um exemplo positivo de bom aproveitamento dos fundos comunitários de Bruxelas. “Começaram por vender 6.500 garrafas e neste momento já estão a vender 1 milhão, dão rendimento a 957 produtores, e tudo isto porque se candidataram ao PDR 2020 (ainda no tempo em que Assunção Cristas era ministra) e conseguiram crescer com ajuda de fundos europeus”, disse o candidato em jeito de balanço, criticando por outro lado que o programa europeu Vitis, que pretende ajudar quem produz vinho, ainda não tenha aberto candidaturas em Portugal.
De copo de espumante na mão, Nuno Melo aproveita as palavras do presidente da cooperativa para brindar à sorte do CDS no dia 26. Mas recusa-se a deitar já os foguetes da festa. “Não estou a fazer festa, estamos apenas a homenagear os excelentes produtores da região”, disse, lembrando-se de seguida que foi com aquele mesmo champanhe que, há cinco anos, quando andava igualmente em campanha, brindou à saída da troika de Portugal. Pode ser que dê sorte.