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Temas, alvos e problemas nacionais são palavra de ordem. Ventura, o candidato a primeiro-ministro que invadiu a campanha europeia

Ventura não disfarça nem nega: a campanha é para as europeias, mas está na estrada e fala para os portugueses como se de umas legislativas se tratasse — e recusa-se a discutir "coisas esotéricas".

É entre o amor e o ódio que André Ventura se vai movendo. A bolha abafa os momentos embaraçosos em que são dirigidos gritos de “racistas” ou “fascistas” à passagem comitiva, enquanto o presidente do Chega não quer desperdiçar nenhuma tentativa de contacto, mesmo quando as caras são de desprezo ou de poucos amigos. Se é verdade que as equipas fazem o habitual trabalho de apalpar terreno antes de Ventura passar, também é verdade que há ocasiões incontroláveis — e nem o presidente do Chega se safa de todas.

Em Elvas, quando passava por uma das dezenas de barraquinhas da feira da criança que estava montada no jardim municipal, esticou simpaticamente a mão em cima de um balcão. As três pessoas que se tinham chegado para trás com o aproximar da comitiva hesitaram. Uma a uma, lá foram acedendo ao cumprimento, à exceção da última, que além da má cara abanou negativamente a cabeça. Ventura não desistiu, tocou na mão e seguiu. Nem sempre acontece, até porque o trabalho de casa é feito na fila da frente, como é costume.

Mais ao longe, acontece mais vezes. Em Setúbal, enquanto abanava a mão e tirava fotos com um grupo de jovens em euforia, havia quem esticasse o braço com gestos ofensivos. Em Lisboa, em plena Feira do Livro, há quem faça má cara a um “boa tarde, tudo bem?” e nem se levante para cumprimentar o líder do Chega, mas não é um problema. A caravana do Chega passa e quem se aproxima serve perfeitamente para a fotografia. E há muitas, às dezenas em cada paragem.

Foi na rua que Ventura foi tirando um curso sobre como estar na rua. Já deve ter um mestrado. Em cinco anos de partido correu o país várias vezes, fez campanhas que têm paragem marcada nos sítios mais periféricos e a aceitação das pessoas foi crescendo numa estreita relação com os resultados eleitorais que saíam de cada ida às urnas. Ventura sabe o que faz, como e onde. Mantém o controlo apertado e na bolha em que segue não faltam seguranças e quem o apoie em tudo. Muda o chip em comícios, quando sabe que as televisões estão em direto ou quando toca em determinadas bandeiras. E se está em campanha como protagonista — e ainda que o candidato seja outro —, não abdica do trunfo do costume: falar sobre o que as pessoas querem ouvir.

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Num contexto que considera o propício para uma grande abstenção, desde logo numa semana de feriados e dois meses após umas legislativas antecipadas, André Ventura assumiu-o com todas as letras e sem pudores: “Como é que um político contribui para que as pessoas não se alienem? Falando do que lhes interessa.” E questionado sobre se o foco constante em questões nacionais não retira a importância às eleições europeias, Ventura defende-se: “Na Europa que nós defendemos, que é a Europa das nações, cada nação tem o seu problema e a Europa fortalece-se se cada nação discutir o seu problema. Não se começarmos a discutir coisas esotéricas que às pessoas não dizem absolutamente nada.”

“É evidente que nos podemos entreter a discutir os tratados uns com os outros, e o artigo 50 e o 49, mas nas vossas rádios, nas vossas televisões, há um total de 0,5 pessoas que querem saber disso”, realça André Ventura — e isso sim interessa ao presidente do Chega. Aliás, pela forma como está presente em toda a campanha, como uma sombra de Tânger Corrêa (ou mais ao contrário), e sempre na linha da frente, o presidente do Chega fez destas uma segunda ronda das eleições legislativas.

O candidato-sombra e o candidato na sombra. Tânger assume que precisa de Ventura e pede “cheque cinzento” para o Chega

Já disse tratar-se de um “barómetro” de umas próximas eleições, assumiu que os temas nacionais são os que mais importam e está na estrada para ser visto por toda a gente como se estas eleições fossem mesmo umas legislativas. Mais a mais, todos os dias faz questão de levar para a campanha temas nacionais, seja nas declarações ou nas entrelinhas. E até na hora de oferecer livros está mais virado para Luís Montenegro do que para Sebastião Bugalho.

Em plena Feira do Livro, onde a tradição dita que se recomendem livros aos adversários e poucas horas após a presença de Cotrim Figueiredo — que ofereceu “A Conspiração do Kremlin” a Tânger Corrêa —, André Ventura arriscou num “Como deixar de ser frouxo”. “Acho que a tradução não é bem essa, mas Luís Montenegro devia ler esse livro. Como deixa de ser frouxo na imigração, na corrupção…” dizia, enquanto era interrompido para recentrar: o candidato da Aliança Democrática é Sebastião Bugalho. “O outro é mais frouxo ainda, por isso mais vale só falar do primeiro-ministro. Digo isto com toda a simpatia, que é muita, mas o candidato devia aprender mais umas coisas antes de ser candidato, nós temos um candidato muito experiente. O outro ainda está na creche, o outro já está na universidade”, afirmava entre risos com Tânger Corrêa e certezas de que aquelas palavras é que “passariam logo à noite” (leia-se, na televisão).

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Os temas de sempre para que não fuja eleitorado

Do caso das gémeas ao plano de emergência para a Saúde, de referências a Alexandra Reis à casa de Espinho de Luís Montenegro, da atribuição de culpas tanto ao anterior como ao atual Governo pela situação dos imigrantes em Portugal à Madeira, tudo é motivo para, dia após dia, Ventura aparecer a falar dos temas que quer e ignorar que a campanha é para umas eleições europeias.

Em Santarém, no primeiro jantar-comício em que Tânger Corrêa esteve presente, e naquele que foi o segundo discurso desde o arranque da campanha — a falta de comícios não permite a Ventura ter tanto tempo mediático sem questões dos jornalistas —, o presidente do partido avisou que “aqueles que davam [o Chega] por vencidos” perceberam na primeira semana de campanha que “o Chega voltou a estar ombreado com os maiores”.

“Estão com medo porque sabem que o nosso resultado vai ser forte”, sugeriu o líder do Chega, que alertou para sondagens com valores abaixo dos reais e colocou como fasquia “subir o resultado” que teve nas legislativas e “lutar para vencer”. “Vamos ter o mesmo número de eurodeputados, senão mais, do que PS e PSD nestas eleições”, antecipou.

E se o tema da imigração marca esta corrida às eleições europeias ainda antes do arranque da campanha, André Ventura também não desperdiçou a oportunidade para o levar novamente, desta vez com direito à criação de um grito de guerra que rapidamente entusiasmou a plateia: “Nem mais um imigrante até termos isto regularizado.” “Nem mais um”, repetiu-se durante vários segundos e novamente quando Tânger subiu ao palco.

O soundbite assenta na proposta de suspender as autorizações de residência até que os pedidos pendentes sejam analisados e que levou André Ventura a ir mais longe pedindo que se “fechem fronteiras” até a atual situação estar resolvida. “Estamos cheios de imigrantes e não podemos receber mais imigrantes.”

E o tema vem ter com Ventura, até na rua, dando-lhe ainda mais força para aumentar a narrativa. Na Feira do Livro, abordado por uma emigrante portuguesa que viveu em França, ouviu queixas de quem justificou o regresso com imigrantes islâmicos e fez promessas de que o Chega vai “lutar para que não aconteça aqui”. E nem quando o pedido de fotografia vem de um jovem de 14 anos, natural do Iraque, Ventura dá tréguas. A selfie seguida de um cumprimento com palmada no peito, sorriso na cara e o aviso: “Cumprir as regras.”

De novo no discurso em Santarém, Ventura defendeu o mesmo, que é preciso “regras para entrar no país” e deu Bélgica, França e Inglaterra como “exemplos de outros países da Europa” para dizer que a “imigração islâmica se tornou maioritária”. Pelo caminho, repetiu o exemplo da casa (“Imaginem a vossa própria casa com uma porta aberta onde de repente invadem todas as divisões, imaginem a casa toda cheia e de repente começam a pôr pessoas na varanda também e no terraço. E depois a casa está completamente cheia. O que é que faz uma pessoa normal e com cabeça? Continua a dizer-lhes para virem para casa, ou diz que não entra mais ninguém até estar resolvida a situação da sua própria casa?”) e aproveitou para deixar uma farpa a Luís Montenegro, ao dizer que “se a casa não tiver seis andares, em Espinho, fica cheia rapidamente”. A dica nas entrelinhas, uma referência à polémica que envolveu o licenciamento da casa do atual primeiro-ministro, passou rápido, gerou risos, mas serviu para criticar o atual Governo.

Nos últimos dias, já disse que o problema da imigração é uma herança do anterior Governo, mas também do atual, que acusou de “fracasso” por “ainda não ter conseguido resolver este problema quando se tinha comprometido com a reversão da extinção do SEF”. E nas poucas referências que fez a adversários nas europeias, desafiou Marta Temido a assumir “a responsabilidade” da opção do governo de Costa que, disse, “levou à criação desta agência e à sua reestruturação e ao desastre que temos hoje, que é uma agência completamente ineficaz, sem funcionários motivados e com um sinal político errado”.

No mesmo sentido, tem optado por falar do caso das gémeas todos os dias, anunciou potestativos, pediu que os protagonistas deem justificações e desafiou Marcelo Rebelo de Sousa a responder à comissão de inquérito — “Não quero acreditar que o Presidente, que pediu transparência a todos, inclusive ao Chega, agora que se vê ele envolvido num caso que é grave, se exima ou fuja à responsabilidade e à justiça.”

Perante isso, desafiou mesmo o Presidente da República: “Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, há momentos na vida em que nos definimos como políticos. Responder a esta comissão de inquérito, responder para haver justiça e transparência, não é só uma questão de ser político ou não ser, é de exercer um cargo público com decência e com dignidade.”

E também não deixou escapar um dos temas mais cavalgados dos últimos meses: as reparações às ex-colónias. Reiterou que se trata de algo “chocante”, falou diretamente para quem esteve na guerra e “veio de lá sem nada”, para concluir, numa referência à aproximação do mandato e ao facto de ir ver os poderes reduzidos: “Finalmente vamos ver-nos livres de Marcelo Rebelo de Sousa.”

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O plano de Tânger com “os amigos americanos”

No primeiro jantar-comício com a presença de António Tânger Corrêa, o candidato não perdeu tempo e brincou ao dizer que a sua escolha para cabeça de lista foi uma “irrefletida decisão” de André Ventura “sujeita a comentários depreciativos”.

Depois das teorias que foi apresentando ao longo do período eleitoral e que lhe têm valido várias críticas, Tânger Corrêa não se inibiu: “Tenho um plano gizado há anos com amigos americanos para que Portugal possa de uma forma sustentada garantir um plano de sustentabilidade económica para Portugal através do Atlântico”, contou, garantindo que o vai colocar em prática “no dia em que André Ventura for primeiro-ministro de Portugal”.

Frisando que os EUA são o “maior vizinho de Portugal” e não Espanha, Tânger Corrêa sublinhou que o país tem de “ir buscar essa fronteira” porque é preciso conjugar as valências de Portugal ser um país europeu mas também atlântico. O objetivo ficou claro: “Isto é o Portugal que nós queremos, não é o Portugal de mão estendida, dos pedintes, dos subsidiodependentes, é um Portugal por si próprio.”

Ainda sobre os adversários às europeias, depois de já os ter acusado de “impreparação total” noutra circunstância, reiterou que “toda a gente vê” isso: “Não vou dizer que não percebem nada de relações internacionais, que toda a gente vê. Eu nunca os vi, ao longo de 40 e muitos anos de carreira, qualquer dessas pessoas das outras lista negociar um tratado internacional, representar Portugal, representar os portugueses, fazer alguma coisa por Portugal e os portugueses. Nunca os vi e eu passei a minha vida a fazê-lo”, disse, enquanto deixou um desafio a todos: “Vamos fazer um debate nas línguas de trabalho da União Europeia. Vamos lá ver quem é que se aguenta à bronca.”

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