Investigador, professor e consultor de estratégia e inovação em empresas como a American Express, a Pearson, o Standard Bank, o Banco Mundial, a General Electric ou a Whirlpool, Tendayi Viki especializou-se em ajudar grandes organizações a inovarem como startups, mas sem se comportarem como tal. Em entrevista ao Observador, numa passagem pelo evento ‘The Future Is…’, na Beta-i – associação para promoção do empreendedorismo, o autor dos livros “The Corporate Startup” e “The Lean Product Lifecycle” explicou porque é esta ideia não passa de “um mito”. Apesar de os empreendedores aparecerem como rock stars na imprensa, de rock a vida de um empreendedor não tem nada.. “As startups que falham não aparecem nas notícias. E isso é um problema”, disse.
Com um doutoramento em Psicologia e um MBA, Tendayi Viki desenhou um sistema de inovação para a Pearson que venceu, em 2015, o “Best Innovation Program” dos prémios Corporate Entrepreneur, em Nova Iorque. Ao Observador, explicou que a inovação não são ideias, são os modelos de negócio sustentáveis que saem dessas ideias. “Quando dizemos que os inovadores estão a testar as suas ideias, o que estão a testar é um modelo de negócio sustentável e lucrativo. A verdadeira inovação acontece quando fazes o trabalho difícil de procurar, deliberadamente, o modelo de negócio que rodeia a ideia.” Durante 12 anos, Viki foi professor na Universidade de Kent, no Reino Unido, e investigador na Universidade de Stanford e em Harvard, nos Estado Unidos.
Tem-se especializado em inovação em grandes empresas. O que é mais difícil neste processo?
É o facto de serem já grandes empresas e de terem sucesso. Esse sucesso depois traz todas as coisas que são precisas para geri-lo. E, para geri-lo, tens de assegurar que os objetivos da equipa são cumpridos, bem como o plano de negócio, as projeções a cinco anos. Tens de fazer marketing. E estas práticas, que são ótimas para gerir um plano de negócios de sucesso, com clientes e receitas, são exatamente o oposto do que devias fazer com a inovação. O que impede as empresas grandes de inovarem é precisamente o facto de serem grandes empresas.
Concorda com a ideia de que uma empresa grande pode comportar-se como uma startup?
Não.
Porquê?
Porque é uma empresa grande. Um dos mitos que têm sido vendidos ao mundo é que as grandes empresas deviam agir como startups. Mas a primeira coisa que temos de entender é que são as startups que estão a tentar agir como empresas grandes, estão a tentar transformar-se nelas. A razão pela qual estão a fazer o seu trabalho é crescerem e tornarem-se grandes empresas. Estão à procura de uma forma para conseguirem ter um modelo de negócio sustentável. Essa é a primeira coisa. A segunda é que, apesar de os empreendedores serem agora rock stars, as startups falham muito. Numa escala de 5 a 10 anos, 90% das startups fracassa. Quando pensamos em empresas que já têm um modelo de negócio de sucesso e agem como se fossem uma startup, do que é que estamos a falar então?
Então qual é o segredo? As grandes organizações não crescem tão depressa como uma startup. Isso pode ter alguma coisa a ver com a cultura da empresa?
Isso depende da forma como medes o crescimento. Se eu for uma startup, tiver receitas de 2 milhões e quiser crescer 10%, apenas tenho de adicionar uma receita-extra de 200 mil no próximo ano. É um crescimento de 10% e é fantástico. Posso até crescer 100% e, tudo o que preciso de adicionar, é uma receita-extra de mais 2 milhões. Se eu tiver uma grande empresa, com receitas de 6 mil milhões e quiser crescer 10% tenho de ter um extra na ordem de 600 milhões. É de doidos.
Por isso, quando olhamos para startups não devemos olhar para as taxas de crescimento. É o mesmo que olhar para a carreira de ator do Brad Pitt e achar que a típica carreira de ator é aquela. A carreira típica de um ator é viver em Los Angeles e trabalhar no MacDonald’s. A carreira típica de uma startup é falhar. Mas as startups têm um problema com a imprensa, a que chamamos o comportamento bias [enviesado] do conceito de sobrevivência: as startups que falham não aparecem nas notícias. Só as que têm sucesso, para que as pessoas pensem que as startups são outra coisa. E isto é um problema. É a razão pela qual, quando as grandes empresas tentam inovar, entram neste modo de tentar imitar as startups. O que deviam imitar não era as startups, mas aquilo a que chamamos o Startup Way, ou o Startup Method.
E como é esse método?
Há vários métodos: o Lean Startup, o Design Thinking, etc. No coração destas metodologias, há uma coisa que as pessoas não percebem. Por exemplo, o movimento Lean Startup não emergiu porque as startups são cool. O movimento foi criado para evitar que falhem tantas vezes. “O estamos a fazer? Porque é que estamos a falhar tanto? Porque é que escalamos as coisas sem sequer pensarmos se há ou não um mercado para o nosso produto?” E, com este movimento, percebemos que precisamos de passar mais tempo a testar as nossas ideias no mercado, antes de as lançarmos em escala. Procuramos e só depois executamos. E isso faz sentido. De repente, o que eles pensam é “o que é afinal procurar”? E quando mudamos a conversa para este assunto, começamos a falar de princípios.
Quando procuras, mapeias o teu modelo de negócio, identificas assunções no teu modelo de negócio, depois tens ideias sobre como testá-las. E quando testas, não testas numa folha de Excel dentro da empresa. Testas com clientes e começas a perceber o que os consumidores precisam, o que realmente querem, a solução que estão a desenvolver com os consumidores, testas o custo de criares um produto. Asseguras que estás a criar uma coisa que tem um bom modelo de negócio. E quando tens esses dados todos, todo esse conhecimento, então estás pronto para escalar. E isto é o Startup Way. E tu agora perguntas: uma grande empresa não pode fazer isto? Vamos separar o facto de serem uma startup e uma grande empresa e vamos só falar dos princípios e práticas. Porque é que uma empresa não pode desenvolver uma metodologia para testar ideias antes de escalarem?
É difícil convencer os executivos de topo disto?
Claro que é difícil. Porque vão dizer-te que tiveram sucesso em fazer determinada coisa, por isso, por que é que não hão-de continuar? E não têm de nos ouvir. Não é como se tivéssemos descido das montanhas com as novas regras da vida. Nós temos de contar esta história de forma a convencê-los. E que seja interessante. Eles entendem que precisam de fazer este tipo de coisas. O que não tinham antes era as ferramentas para fazê-las da forma correta. E isto mostrou-lhes que, na verdade, não é preciso 20 milhões, de início, numa só ideia. Podes dividi-la em pequenas apostas e testá-las, escolhendo só aquelas que têm tração. E quando escolhes as que têm sucesso, não estás a escolher aquelas que gostas. É escolher aquelas que, de facto, mostram uma tração real no mercado. E duplicar o investimento em dois.
O que pensa de empresas como a Uber? A Uber é uma startup, mas é quase como uma grande empresa.
É a Uber ainda uma startup?
É uma boa pergunta. É a Uber uma startup ainda?
Não sei. É uma empresa lucrativa?
Não, não é. Mas estão por todo o lado e isto confunde as pessoas.
E o que é que isto interessa? Todas as startups fazem este caminho, o caminho em que deitam abaixo modelos de negócio mesmo cool e escalam esse modelo de negócio. Enquanto escalam, investem todo o dinheiro nisso e não conseguem ser sustentáveis. Por isso, o que interessa se lhe chamamos startup ou não?
Para que as pessoas entendam estes conceitos.
Uma startup é uma metodologia. É um método para encontrar modelos de negócio de sucesso.
Tem um exemplo de uma empresa que tentou agir como uma startup e que não tenha corrido bem?
Quando as empresas tentam comportar-se como startups, nunca corre bem. A Yahoo, por exemplo, tinha um laboratório de Inovação e teve de o fechar porque ninguém estava interessado. Esse é um dos exemplos.
Acha que a forma como os líderes das empresas comunicam com as equipas é crucial para que isto resulte? Como é que os líderes devem falar com os colaboradores durante esse processo?
Não sei, não é a minha área de especialização. Mas já orientei uma tese de doutoramento que incidia sobre a comunicação na mudança. E a doutoranda recorreu a várias fórmulas que as empresas podem utilizar para explicar a mudança, como explicando também as causas, compararem-se a outras empresas, etc, etc. Mas a maioria das empresas não tem de lidar com o facto de os líderes não conseguirem comunicar. A maioria das empresas tem de lidar é com os líderes que lutam com os inovadores. Com o facto de a maioria dos inovadores estar a trabalhar com gestores que não entendem o método Startup. Não são os empregados que estão a pensar “meu deus, estão a fazer-nos inovar”. É tão horrível. É ao contrário.
E porque é que isto acontece? Porque é que os gestores não sabem lidar com os inovadores?
Quando digo que as grandes empresas estão a tentar comportar-se como startups, muito do que fazem é teatro da inovação, o que significa que estão a representar como startups. Pegam em pequenas ferramentas e artefactos que as startups utilizam e tentam levá-los para as empresas. E usam estas coisas para se tornarem mais inovadores. O que eles não percebem é que a inovação são as ferramentas e as ferramentas são apenas uma expressão de uma série de princípios e práticas. Quando os gestores mandam as suas equipas para um sítio como este, a Beta-i, as equipas aprendem a fazer aquele que é o miminum viable product, a testar ideias. Mas depois voltam para as suas empresas e se elas não permitirem que eles continuem a fazer isto, então não conseguem ter uma cultura de inovação.
As pessoas agem como se a cultura de inovação fosse uma criatura mítica que vem das montanhas. Mas a cultura de inovação é determinada pela forma como os gestores enfatizam as recompensas e as punições na empresa. E é ao tomares este tipo de decisões que constróis a cultura. O que estamos a fazer é tentar que eles desfaçam tudo isto. Não peças às pessoas, simplesmente, para escrevem um relatório de 20 páginas. Dá-lhes dinheiro, mas permite que façam experiências e usem esses dados para tomarem melhores decisões.
Tem algum conselho específico para um país com as características de Portugal?
Não tenho nenhum conselho específico para determinado país, mas talvez dissesse para acabarem com o teatro da inovação. Parem de o fazer. Percebam realmente o que é a inovação e depois transformem o vosso país.
E o que é realmente a inovação? Estamos a assistir a várias tecnologias disruptivas, como a da inteligência artificial.
Parece que a inovação são ideias, mas não é verdade. As ideias novas, cool, as tecnologias e outras coisas interessantes que estão a emergir são fantásticas, mas, para perceber a inovação, tens de agarrar nestas coisas todas e transformá-las em modelos de negócio sustentáveis e lucrativos. É esse o trabalho. O trabalho não é desenvolver um produto com inteligência artificial. O objetivo é saber se consegues utilizar, se consegues alavancar essas tecnologias para chegar a modelos de negócio sustentáveis. Quando dizemos que os inovadores estão a testar as suas ideias, o que estão a testar é um modelo de negócio sustentável e lucrativo. A verdadeira inovação acontece quando fazes o trabalho difícil de procurar deliberadamente o modelo de negócio que rodeia a ideia. Pôr as pessoas num quarto e permitir que elas cheguem a uma ideia, que construam essa ideia é só metade da equação.
E o que é que os empreendedores deviam procurar?
Empreendedores e grandes empresas deviam pensar se aquilo que estão a fazer cria valor para os consumidores.
É tão simples quanto isso?
Sim. Façam coisas que as pessoas queiram. Mas, para fazerem isso, têm de passar tempo fora do edifício, a compreender quais são as necessidades dos consumidores, porque é que que haveriam de querer utilizar aquele produto. Existem ferramentas e métodos para fazer isso, para testar ideias. Quando começas a desenvolver a solução é que aprendes com as necessidades do mercado. Começas a testar a solução. É aí que aprendes quais são as necessidades do mercado e podes fazê-lo muito rapidamente, enquanto testas o produto com os consumidores e asseguras que estás a entregar valor real.
É este o trabalho que uma startup devia estar a fazer. E que os inovadores deviam estar a fazer. E que os laboratórios de inovação deviam estar a fazer. E depois, quando encontras a necessidade, tens de perceber se o que descobriste é a descoberta certa, a solução certa e se consegues criar e vender essa solução de forma lucrativa.
Acha que todos estes unicórnios e todo este glamour à volta de pessoas como Mark Zuckerberg ou Evan Spiegel, as rock stars das startups, fez com que a comunidade tecnológica se esquecesse do que acabou de dizer?
Podem esquecer se quiserem, mas ficam sem dinheiro antes de terem lucros e vão ter de fechar o negócio. O que eu gosto nisto é que estas estrelas de rock fazem com que muitas pessoas entrem para estes negócios. E, uma vez que entram no negócio, têm de pensar no que é que faz o empreendedorismo funcionar. Não há mal nenhum em termos rock stars que inspiram histórias e que conseguem fazer com que outras pessoas entrem, mas se queres ser um bom ator, então tens de ir para a escola de teatro. Tens de aprender a praticar o teu ofício. Se queres ser o Mark Zuckerberg, tens de praticar o ofício do empreendedorismo. E o empreendedorismo é um ofício que têm um princípio: nenhuma ideia vai escalar o mercado antes de se testar o modelo de negócio. E depois a mestria de ser empreendedor torna-se esta: gerir modelos de negócio.
Acha que a Europa ainda está muito longe dos EUA nestas matérias?
Não. Se acharmos que empreendedorismo e startups são o Mark Zuckerberg e a Google, então, claro que os EUA estão à frente. Mas se pensarmos no empreendedorismo como empresas que têm lucros independentemente do seu tamanho, então qual é a diferença? Não há diferença. Há empresas em todo o lado, que estão a fazer dinheiro. Só porque não têm unicórnios na Europa não quer dizer que as startups europeias não sejam viáveis. O facto de elas se chamarem unicórnios revela-te logo o que são.
Mas é um facto que a Europa não tem tanto dinheiro para investir. E o dinheiro é crucial para inovar, não é?
O dinheiro é crucial para inovar, para testar uma ideia, construir um produto, fazer tudo isto. Mas usa o dinheiro para as coisas certas. Nos tempos certos. Não utilizes o dinheiro para escalar. Não escales as tuas equipas, a tua tecnologia sem antes teres validado o teu modelo de negócio. E isso é um princípio que se aplica quer estejas em Silicon Valley, em Londres, em Berlim ou em Lisboa. A razão pela qual os investidores estão céticos em investir o dinheiro em unicórnios é porque não estão a conseguir ver empreendedores a procurar, com auntenticidade, um modelo de negócio sustentável. Em vez disso, estão à procura de uma exit [que a empresa seja comprada ou admitida em bolsa]. O que é toda outra coisa, não tem nada a ver com nada.
Como é que vê a diferença entre um empreendedor que está focado no modelo de negócio e outro que não está?
Perguntando-lhe o que está a fazer. Se eles responderem que vão construir esta e aquela funcionalidade e não falarem nas experiências que estão a fazer para testar o modelo de negócio, então isso é um sinal de perigo.
O que pode dizer-lhes para não caírem nesses erros?
Optar por ter uma metodologia não significa que a startup não vá falhar. As metodologias existem para te ajudarem a falhar rapidamente e de forma informada. Quando tomas a decisão de fechar uma empresa ou mudar a tua ideia para algo que seja mais viável, quando tomas essas decisões, tomas com base no conhecimento. Por isso, quanto mais depressa vais, em termos de testes, quanto mais aprenderes, mais oportunidades terás de ter sucesso com o investimento que tens. Ainda assim, podes falhar porque ninguém quer o teu produto ou podes adaptá-lo e trazer ainda mais pessoas para o produto. Isso também pode acontecer. Mas torna-se mais deliberado.
Lisboa tem estado muito mediática. Recomenda alguma coisa para esta altura de euforia?
Sim, tornar-se mediática é bom. Porque tens mais ideias a entrar e mais dinheiro. E o ecossistema torna-se maior. O poder do ecossistema de Silicon Valley tem a ver com densidade. E a densidade cria serendipity [felizes coincidências]. Quanto mais denso for o ecossistema, mais interconexões se fazem, que é o que está no centro do sucesso de startups e da inovação. Se estiveres autenticamente interessado em construir o ecossistema adequado, usando as ferramentas certas, e não para ser famoso ou outras coisas que não sejam adequadas, então keep it real. Era o que vos diria.