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Mrs William Astor
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Mrs. William Astor', 1890, (1903). 'Retrato da socialite americana Caroline Webster Schermerhorn (1831-1908), mulher do empresário William Backhouse Astor Jr.

The Print Collector/Heritage Ima

Mrs. William Astor', 1890, (1903). 'Retrato da socialite americana Caroline Webster Schermerhorn (1831-1908), mulher do empresário William Backhouse Astor Jr.

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"The Gilded Age". Mrs. Astor, a verdadeira rainha da alta-roda de Nova Iorque

Na segunda metade do século XIX, durante quase 40 anos, o acesso ao exclusivo “grupo dos 400” foi controlado pela matriarca dos Astor, símbolo das velhas fortunas e tradição, numa capital em mudança.

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Só um convite em seu nome garantia o acesso ao círculo da elite. A ausência de tal presente na caixa do correio era sinónimo de desfecho atroz para as aspirações sociais — o embaraço levava muitos a invocarem razões de saúde para uma súbita ausência da cidade. É que “Vou a França no fim de semana” soava sempre melhor que “Não fui convidado para o baile de Mrs. Astor”.

Numa cidade em reconfiguração no rescaldo da Guerra Civil e Revolução Industrial, a socialite que liderou milhares de eventos importou os códigos da alta-roda europeia para uma Manhattan onde velhos milionários mediam agora forças com fortunas emergentes. Ao longo de quase quatro décadas, entre 1870 e o romper de 1900, com as suas lendárias festas na opulenta mansão na 5ª Avenida, geriu um peculiar monopólio, na ânsia de travar arrivistas Midwesterners e preservar o status quo do 1% do século XIX.

Reza a lenda urbana que a lotação máxima do seu salão não ia além das quatro centenas de convidados, fasquia que terá levado o amigo e árbitro do social Ward McAllister a fixar o nome, e número, do privilegiado grupo de notáveis que ali garantia acesso regular, destacando-se no firmamento nova-iorquino: “The 400”, ou “Os 400”. “Só há 400 pessoas fashion na sociedade nova-iorquina“, sustentava em última instância, alheio ao maior ou menor número de metros quadrados à disposição para um pé de dança. Segundo o especialista, apenas estas interessavam e se sentiam à vontade nos salões de festas da alta sociedade. Em 1888, no New York Tribune, advertia mesmo que “se ultrapassar esse número atinge as pessoas que não se sentem à vontade num salão de baile ou deixa outras pessoas insatisfeitas”.

Depois de vários anos de especulação, em 16 de fevereiro de 1892, o jornal The New York Times publicaria por fim a lista oficial com os nomes dos eleitos, um viveiro de dinheiro e estatuto ferreamente gerido por “Lina” em plena “Era Dourada” para advogados, banqueiros, respetivas mulheres e outras figuras de proa, um  universo retratado no folhetim de época recém estreado na HBO, “The Gilded Age”.

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Facto é que havia agora muito mais do que 400 candidatos a um ranking de sobriedade e muitos dólares, aritmética capaz de desafiar as regras do jogo num mundo até aqui ocupado por Roosevelts e Winthrops.

Marido, procura-se. Os códigos dos bailes onde se falava sobre o tempo e não se mostrava o tornozelo

O seu enlace não foi caso para uma festa menos badalada que muitos dos rendez vous que patrocinou nos anos seguintes. Caroline Webster “Lina” Schermerhorn nasceu a 2 de setembro de 1830, a nona filha de Abraham Schermerhorn e de Helen Van Courtlandt, numa abastada família oriunda da aristocracia holandesa radicada em Nova Iorque. O clã começou por viver em Greenwich Street, mas com a população a crescer na lower Manhattan, mudar-se-iam por volta de 1830 um pouco mais para norte, para o número 36 de Bond Street, perto da trendy “Lafayette Place,” um projeto desenvolvido pelo avô daquele que viria a ser o seu marido. Educada numa escola gerida por uma emigrante francesa, que lhe ensinou a língua, Lina casaria a 23 de setembro de 1853 com William Backhouse Astor Jr. (1829–1892), empresário, criador de cavalos e lobo do mar. Na Trinity Church selaria a união com o filho do meio do gigante do imobiliário William Backhouse Astor Sr. e Margaret Alida Rebecca Armstrong. A fortuna dos Astor encontrava-se assim com o pedigree de uma legítima representante de uma velha família Knickerbocker.

Mrs Astor Greeting Guests at her Ball

Um baile em casa de Mrs. Astor, um momento incontornável na alta-roda nova-iorquina em plena "Era Dourada"

Bettmann Archive

Juntos tiveram cinco filhos, incluindo John Jacob Astor IV, que quando o pai morreu, em 1892, herdou o título de homem mais rico da América – e que haveria de perder a vida no naufrágio do Titanic. Mais do que honrarias, foi a forma como conseguiu ver cristalizada o modo de tratamento que mais conta para esta história — Caroline logrou ser conhecida apenas por The Mrs. Astor, ou simplesmente Mrs. Astor, chegando mesmo a alterar o nome no seu cartão de visita depois da morte da cunhada, Charlotte Augusta Gibbese, em 1887 – a quem caberia efetivamente o título de Mrs. Astor, por ser casada com o irmão mais velho da família.

Se a primavera apontava o caminho de Inglaterra ou França, o verão dos Astor era passado na casa de Newport, em Rhode Island, outra meca festiva, e as joias eram companhia permanente da diva do social, que não precisou do casamento, aos 24 anos, para dominar a etiqueta da sua classe. Não por acaso, a dúvida metódica “What Would Mrs. Astor Do?” (o que faria Mrs. Astor?) popularizou-se como fiel barómetro na casta privilegiada sempre que uma hesitação assomava, e até originou um livro.

Costa que Lina, que também ficou conhecida como “rosa mística”, não seria especialmente bafejada pela beleza, detestava fotos, a não ser que tivesse todo o controlo artístico sobre a respetiva representação. Carolus-Duran estava no seu auge enquanto retratista da alta sociedade quando fixou a sua figura em quadro, corria o ano de 1890, e Mrs. Astor encontrava-se em Paris. A obra pode ser admirada no Met Museum, que destaca a evidente admiração pelo estilo de Velásquez.

Escusado será dizer que Mrs. Astor impunha regras apertadas nos encontros anuais que promovia, sobretudo mais aplicadas às senhoras. Número 1? Nunca ofuscar a anfitriã nesse evento anual habitualmente agendado para a terceira segunda-feira à noite de janeiro. Mas a lista de dos and don’ts não ficava por aqui. Exemplos? Uma inocente conversa sobre o estado do tempo nunca fez ninguém tropeçar. Um mexerico ou outro também podia entrar em cena. A dança era desejada e recomendada, desde que não fosse a polka, capaz de deixar a descoberto alguma parte do corpo feminino, com o tornozelo, sinal de vulgaridade.

O fito principal destes momentos, perfeitos para ver e ser visto, apontava no entanto para outro tipo de coordenação de movimentos, e sobretudo de intenções: tratava-se de encontrar um bom partido, fosse em causa própria ou para garantir a extensão da fortuna encontrando um par ideal para uma filha. De resto, a semente do propósito remontava a outros convívios célebres – em 1872, o braço direito Ward McAllister lançara a Sociedade dos Patriarcas, um grupo de 25 cavalheiros das famílias mais tradicionais de Nova Iorque, que participam nos chamados Bailes dos Patriarcas.

Foi com McAllister, definidor do gosto da época, que lançaram esta série de eventos por subscrição, de forma a zelar pela exclusividade dos encontros — os convites seguiam apenas para 25 nomes cirurgicamente escolhidos de cavalheiros, que por sua vez podiam trazer consigo nove convidados extra: quatro debutantes e cinco candidatos a futuros noivos. O critério era mais ou menos simples: cada uma das respetivas famílias tinha um pecúlio estimado de um milhão de dólares à época, o equivalente atual a 20 milhões no banco.

New York City, The Social Event of the Season, Marriage of Miss Caroline Schermerhorn Astor.

Uma ilustração do evento social da temporada, incluída no "Frank Leslie's Illustrated Newspaper" (1884) : o enlace de Caroline Schermerhorn Astor

Sepia Times/Universal Images Gro

O então célebre restaurante Delmonico era o cenário da ceia dançante ao som da orquestra Lander’s. Começava pela meia-noite e à uma e meia da madrugada os ilustres protagonistas sentavam-se à mesa para uma singela refeição de nove pratos servida em louça Limoges.

O registo haveria de marcar o tom nos bailes que Mrs. Ascot ofereceu no endereço onde hoje se ergue o famoso Empire State Building. As senhoras vestiam roupa especialmente concebida para as soirées, os homens apresentavam-se nos seus smokings — e um dia a anfitriã até lhes terá oferecido trompetes de prata. Mas a hierarquia da sociedade nova-iorquina não é conhecida pelo estaticismo, lembra o Museu da Cidade de Nova Iorque, que em 2013 enquadrou um dos momentos mais transgressores da Gilded Age.

O grande baile de 1883, a revolta dos “novos ricos” Vanderbilt e um duquesa de trunfo

Terceiro de oito irmãos, William Kissam Vanderbilt, o filho de um magnata dos caminhos de ferro, tornar-se-ia o homem mais rico da América quando, em 1877, herdou a fortuna do pai, qualquer coisa como 55 milhões de dólares. Empresário, filantropo, criador de cavalos, neto de Cornelius Vanderbilt, que à luz dos Astor acusava falta de gosto e de modos, casara-se em primeiras núpcias, dois anos antes, com Alva Erskine Smith. A socialite sufragista venceria um braço de ferro com Caroline Astor, quando deu umas das festas mais memoráveis na história de Nova Iorque, em 26 de março de 1883.

“Não conheço nenhuma profissão, arte, ou atividade comercial desempenhada hoje por uma mulher que seja tão esgotante como liderar a sociedade“, chegou a desabafar a mulher que por largo tempo se manteve arredada da lista VIP de Lina. Alva nunca recebera convite para as suas festas anuais, nem para os embrionários Bailes dos Patriarcas, ainda que o dinheiro da família pudesse rivalizar com os mais ricos entre os ricos. “A riqueza da família Vanderbilt tornou-se tão poderosa em Nova York, tantas empresas dependiam do seu apoio financeiro, que as fortunas de muitas das famílias antigas estavam sujeitas a despromoção por hostilizarem os Vanderbilt, de tal forma que os mais antigos Knickerbocker foram gradualmente forçados a renderem-se”, chegou a explicar o The New York Times, lembrando que apenas um sobrenome ainda resistia, os Astor.

Alva Smith Vanderbilt no seu histórico baile de 1883, A mulher de William K. Vanderbilt, casada em segundas núpcias com Oliver Belmont, foi uma das sucessoras de Mrs. Astor

Até ao dia em que a senhora Vanderbilt assumiu as rédeas das festividades e ousou lançar o seu próprio baile de máscaras, na renovada mansão na 5ª Avenida, conhecida pelo nome de Petit Chateau, o primeiro passo para o sucesso. Para a metamorfose, recrutou o reputado arquiteto Richard Morris Hunt que no número 660 haveria de criar um enorme palacete ao estilo francês capaz de ofuscar as luxuosas residências daquela avenida. Depois, encheu-o de preciosidades decorativas. Por fim, começou a enviar convites anunciando como convidada de honra a sua amiga Consuelo Yznaga, casada com o herdeiro do Duque de Manchester, Lord Mandeville — e desta forma até os aliados mais fervorosos dos Astor se decidiram a aceitá-los, para conhecerem o recheio da nova morada e o rosto da futura duquesa.

De repente, os tradicionais aglomerados de charme e riqueza de Mrs. Astor eram eclipsados pelo anúncio de um evento que seduziu até a sua própria filha, à semelhança de meia Nova Iorque, mas de pouco servia à jovem Carrie andar a praticar a quadrilha para pôr em prática na festa dos Vanderbilt — corria o risco de ficar porta já que a anfitriã nunca recebera o bilhete dourado para as festas da sua mãe. Para Alva, a sua inclusão seria “inconcebível” tais as afrontas anteriores, contava Frank Crowninshield num artigo da Vogue de 1941. Descartada da festa dos Vanderbilt onde todo o mundo queria estar, Mrs. Astor entendeu a irrelevância a que seria votada em pouco tempo. A supremacia de Lina ficava por um fio enquanto 1200 convidados partiam à caça do disfarce mais estrondoso para entrar em casa dos Vanderbilt. E a rendição estava ao virar da esquina, com Lina a estender por fim a mão, e os convites, à nova rica e nova amiga.

A rejeição sofrida por parte da curadora do social por excelência é personificada no ecrã por “Mrs. Russell” (Carrie Coon), sistematicamente banida do circuito. Em “The Gilded Age” de pouco serve oferecer uma festa — ninguém aparece; ou esperar acesso a uma instituição de caridade — ninguém a chama para tal; ou disponibilizar o seu grande salão de festas a título gratuito — a fauna prefere aparecer num evento mais pequeno em que é preciso abrir os cordões.

Na vida real, os empertigados Knickerbockers e os desafiantes Nouveau Riche cruzavam-se por fim debaixo do mesmo teto com a ousadia de Alva Vanderbilt, que encheu a mansão de convivas mascarados de Mozart, Luís XVI, várias rainhas e Joanas d’Arc. A excentricidade desconheceu limites. Com toda a pompa, Mrs. Cornelius Vanderbilt II fazia-se apresentar com uma tocha e uma criação “Electric Light” de Charles Frederick Worth, da conhecida House of Worth, enquanto a socialite Kate “Puss” Strong dava largas à taxidermia com um gato na cabeça. Ninguém jantou antes das duas da manhã, o champanhe correu até se gastar 65 mil dólares e só em flores foram 11 mil. Escusado será dizer que a conta final chegou a uns impressionantes 250 mil dólares — o que aos dias de hoje poderia ascender aos 6 milhões.

A mansão de William B. Astor e Caroline Astor, cenário das míticas festas anuais de janeiro e de outros encontros para a história, em plena 5ª. Avenida (1895)

Quanto a Alva Vanderbilt, vestiu a pele de uma verdadeira lady do Renascimento Veneziana, com um retrato a imortalizar o figurino (as aves terão sido acrescentadas posteriormente pelo fotógrafo). A festa durou até ser dia, servida por centenas de criados dos Vanderbilt,

Aos Astor não sobrara remédio senão alargar o ranking dos 400 para abarcar os Vanderbilt e outros apelidos sonantes da “Era Dourada” como os J.P.Morgan. De resto, quando a tal Vogue foi fundada em 1892 como newsletter com as principais notícias da sociedade, o até então menosprezado Cornelius Vanderbilt encontrava-se entre os principais acionistas do título.

Disputas familiares, a história de dois hotéis, a nova paisagem da 5ª Avenida e o declínio de The List

Com Caroline Astor, os duelos iam além dos acontecimentos sociais. Para lá dessa contenda história com os Vanderbilt, ao estilo Capuletos versus Montescos, passou à história o confronto com os próprios membros da família, a começar pelo sobrinho — e vizinho do lado — William Waldorf Astor, uma colisão recordada no episódio “The Real Mrs. Astor.” do podcast The Gilded Gentlemen.

É lendária a sua insistência em ser reconhecida simplesmente como Mrs. Astor e como chefe da família, depois da morte do cunhado John J. Astor III, em 1890, a cuja mulher pertenceria por direito o uso dessa designação, o que sempre incomodou William. Mas este enredo também envolve terrenos e património. “Há uma tasca na porta ao lado”, terá ridicularizado Lina quando o sobrinho decidiu erguer um hotel paredes meias, onde funcionara até então a sua mansão de família.

Members of high society at the Waldorf Hotel, 1896

Membros da alta sociedade no Waldorf Hotel, 1896. Ilustração de W. T. Smedley na publicação Harper's Weekly

Getty Images

Quando Caroline abandonou a sua própria residência perto do que é hoje Herarld Square, desdenhando do seu familiar, o espaço tornou-se a segunda metade do Waldorf Astoria. O hotel que originalmente abriu portas em março de 1893 haveria de ser demolido em 1929, para dar origem ao Empire State Building e o conjunto dos então dois hotéis foi deslocado para a sua atual morada, em Park Avenue, onde funciona desde 1931.

Mrs. Astor instalou-se numa mansão dupla não menos lendária do que a anterior morada, e com um salão com capacidade para 1200, em vez dos famosos 400 — não que a rainha do social se tivesse tornado subitamente mãos largas no processo de inclusão.

Para trás ficava o número 350 da 5ª Avenida, outrora casa dos pais, recheada de arte e com o cunho do arquiteto Stanford White que remodelara o interior em 1879. Mrs. Astor transitava para o 840 da 5ª Avenida, cruzamento com a 65, um projeto completado em 1896, numa fase em que as imediações do Central Park ganhavam novas feições.

As mudanças no social não se aplicavam apenas ao entra e sai de personagens nesta galeria de relevo — a própria arquitetura da ilha de Manhattan modificou-se ao sabor dos recém-chegados e do seu estilo reluzente, bem menos discreto que as casas em pedra com tom acastanhado que até então povoavam o quarteirão das antigas dinastias. Do outro lado da sua rua 34, Mrs. Astor assistira à nova construção da mansão de Alexander Stewart, dono de um dos primeiros grandes armazéns comerciais nesta nova era, que se instalou num brilhante e chamativo edifício de mármore branco, destoando da paisagem, qual castelinho europeu. Mr. Stewart nunca recebeu convite de Mrs Astor: “Não é como nós“.

John Jacob Astor IV

John Jacob Astor IV, que mais tarde morreria no naufrágio do Titanic

Bettmann Archive

Mais serena era relação com a prole, com destaque para dois dos filhos que mais se evidenciaram na alta-roda, Caroline (ou simplesmente Carrie) e John Jacob IV, o tal que viveu de forma extravagante e encontrou a morte a bordo de um transatlântico. Alto, magro e com um bigode, caiu no goto de retratistas, fotógrafos e caricaturistas. Formado em Harvard e ao leme da fortuna do clã, fundou o Hotel Astoria, que em 1897 se fundiria com o tal hotel do primo, o Waldorf, gerando aquele que chegou a ser o hotel mais famoso do mundo. Já a irmã, viveu até aos oitentas, acompanhou a mãe na generalidade das festas que deram e deu continuidade ao legado materno depois da morte de Mrs. Astor, inválida no final da sua vida, em 1908.

O declínio de TheList, o último baile, e as novas listas

Ao cair do século XIX, Caroline Astor estava pronta para seu mítico close up, descendo pela derradeira vez a majestosa escadaria onde ao longo de anos deu as boas vindas à nata da nata. Talvez uma das melhores escadarias alguma vez desenhada por Richard Morris Hunt para uma entrada triunfal da elite nova-iorquina, aguardando a chegada da sua rainha. Uma soberana sem trono conhecida por ter adquirido várias joias provenientes da corte francesa, sendo célebre a sua gargantilha de diamantes que terá sido usada por Maria Antonieta, e que nas festas a faziam brilhar como um lustre. Nos últimos anos do seu longo reinado, reza a lenda, continuou a vestir as suas mais ricas criações com a assinatura da House of Worth e a descer aqueles degraus como se os antigos convidados ainda esperassem pela anfitriã, numa espécie de transe. Ironicamente, depois da glória, a escadaria foi a cena de um momento fatal, quando caiu e bateu com a cabeça, encerrando em definitivo o seu papel.

Se em fevereiro de 1896 ainda promovia um caloroso evento para 600 convidados, cumprimentando um por um sob o seu próprio retrato pintado por Charles Carolus-Duran, o canto do cisne fez-se escutar em 1902, graças a uma sua nemesis. Originalmente uma das suas protegidas, Grace Vanderbilt, de 32 anos, abriu asas e voou, adiantando-se a oferecer um jantar de homenagem ao príncipe Henry da Prússia. O triunfo correu ligeiro em Nova Iorque e Caroline Astor partiu de fininho para a Europa para escapar ao burburinho, como em outros tempos outros excluídos haviam feito.

A moda dos bailes como a sociedade os conheceu até então terá definhando nessa primeira década do novo século, considerados ultrapassados pela elite emergente. Feita de naturais ciclos, a vida encarregou-se de mostrar o fim da linha a Grace Vanderbilt na década de 40. A sucessora de Mrs. Astor viu-se obrigada a trocar o seu palacial reduto por uma casa mais modesta, ainda que na mesma 5ª Avenida.

Quanto à célebre lista McAllister, veio a revelar-se repleta de imprecisões, com muitos cônjuges omitidos e alguns nomes já falecidos a fazerem parte. Depois da sua divulgação no The New York Times, discutiu-se o polémico conceito de sociedade aceitável e abundaram as caricaturas. Ward McAllister foi chamado de “Sr. Make-a-Lister” e enquanto representante da velha guarda votado ao ostracismo social. A privacidade e discrição de outros tempos estava longe de ser tendência numa era marcada pela ascensão das revistas de mexericos e pela consagração de nomes como William d’Alton Mann, o antigo soldado e empresário da imprensa que fundou a Town Topics, a revista de fofocas que expunha os podres da sociedade — ou que os calava, a troco de dinheiro e fomentando a chantagem.

De resto, McAllister entrara já em queda livre quando em 1890 lançou as suas memórias, “Society As I Have Found It”, uma edição que muitos consideraram excessivamente indiscreta, traçando um paralelo com “Answered Prayers”, o título que valeu a Truman Capote a sua retirada do famoso círculo de “cisnes”.

Uma das inúmeras caricaturas que ridicularizavam Ward McAllister, o infame autor da restrita lista dos 400 privilegiados

Alguns anos anos depois, o autor William Sydney Porter, mais conhecido por O. Henry respondia aos defuntos 400 com uma coletânea de contos intitulada “The Four Million”. Defuntos ou nem por isso, já que no novo milénio o mais luxuoso lifestyle voltou a ganhar expressão recuperando essa polémica conta onde só cabiam 400. Em 2006, Tony Abrams tentou resgatar a antiga versão da sociedade estratificada e lançou o clube restrito Four Hundred, uma rede com curadoria para ajudar a organizar a vida das famílias mais exclusivas, numa alusão moderna à The Gilded Age.

Em 2009, o Museu da Cidade de Nova York compilava sua própria lista “The New York City 400”, com os 400 nomes que fizeram a diferença nos quatro séculos de história daquela cidade, desde a chegada de Henry Hudson em 1609. Mais elástica e democrática, o elenco não esqueceu o velho e snob McAllister foi “a única pessoa no Four Hundred original a também fazer parte da lista do museu”.

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