As raparigas têm melhores notas a Português, o rapazes a Matemática e a Ciências. Certo? Errado. Foi assim durante vários anos, um padrão bastante claro, mas essa realidade está a mudar. As alunas, já de si com melhores resultados escolares (em média) do que os rapazes, conquistaram um dos últimos bastiões masculinos. A Ciências do 4.º ano já há mais países, 18, nos quais as raparigas têm melhor desempenho à disciplina do que os rapazes, enquanto que o contrário só é verdade em 8. Eles continuam a estar à frente delas nos resultados a Matemática e a diferença entre sexos não tem sequer diminuído, pelo contrário.
Portugal, porém, foge a esta regra nas Ciências e, por cá, os rapazes continuam a aparecer à frente das raparigas a ambas as disciplinas, tanto no 4.º como no 8.º ano.
Matemática. Há mais alunos do 4.º ano que não sabem o básico e menos a chegarem ao nível avançado
Estas são algumas das conclusões do estudo da IEA, a International Association for the Evaluation of Educational Achievement, que avalia o desempenho dos alunos a Matemática e a Ciências de quatro em quatro anos. O mais recente relatório “Tendências Internacionais de Matemática e Ciências”, o TIMSS 2019, foi revelado esta terça-feira, e mostra que apesar de algumas quedas — como aconteceu com Portugal — na generalidade dos países e regiões analisados, os alunos têm melhorado as suas performances.
A notícia é válida para o 4.º e para o 8.º ano, os únicos que são analisados no TIMSS, e onde se encontram crianças que têm, em média, 9 e 13 anos, respetivamente. Tanto as alunas mais novas como as mais velhas estão a conseguir apanhar os rapazes no desempenho a Ciências e, desde o final dos anos 1990, há cada vez mais países a alcançar a equidade entre os sexos. Apesar disso, no grupo dos alunos com notas mais altas continua a haver maior representação de rapazes.
“Em 1995, quando começámos estes estudos, não havia nenhum país em que as raparigas apresentassem desempenhos acima dos dos rapazes a Ciências. Ou eles estavam melhores ou não havia diferença. Essa imagem geral claramente mudou nos últimos 24 anos de educação e há agora há uma tendência de as raparigas apanharem os rapazes ou serem melhores do que eles”, defendeu Dirk Hastedt, diretor executivo da IEA em conferência de imprensa. Para si, frisou, “o mais interessante nestes 24 anos de TIMSS é que as tendências de longo prazo são positivas” na generalidade dos países. Ou seja, em todos os países os alunos estão a aprender mais e melhor.
Em 2019, ano a que reporta este último TIMSS, a equidade de género foi atingida em 33 países e regiões a Ciências do 4.º ano (Estudo do Meio em Portugal). No 8.º ano foi alcançada em 18 zonas do globo. Em seis, os rapazes estavam à frente, em 15 estavam as raparigas.
“Portanto, existem maneiras de ultrapassar as desigualdades de género. Os países devem aprender uns com os outros e considerar adotar medidas semelhantes às dos países que enfrentaram com sucesso este desafio”, defenderam, por seu lado, Sabine Meinck e Falk Brese, dois investigadores da IEA que analisaram, à lupa, as diferenças entre sexos.
Em conjunto, assinam um dos documentos distribuídos pela IEA — “A diferença entre géneros na Ciência não é um dado adquirido” — onde afirmam ter identificado evidências de que a igualdade de género na educação científica está a aumentar.
“No entanto, vários sistemas educativos mostram uma tendência persistente de ter mais estudantes do sexo masculino no grupo de alunos com alto desempenho em ciências. As disciplinas STEM têm uma longa história de preferência por estudantes do sexo masculino, situação que fomenta diferenças de género nas competências académicas e uma sub-representação das mulheres nas carreiras científicas”, escrevem. Sabine Meinck e Falk Brese lembram ainda que há um padrão que leva mais homens do que mulheres a escolher carreiras científicas, algo que também o último relatório PISA já tinha demonstrado.
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A investigação que apresentam não aponta as causas para a evolução da equidade entre géneros e defendem ser necessário fazer mais pesquisa nesse sentido “para compreender melhor esses mecanismos e refinar as implicações e recomendações para políticas” educativas nos países onde rapazes e raparigas ainda não têm as mesmas oportunidades.
Já a Matemática, há 27 (no 4.º ano) e 26 países e regiões (no 8.ºanos) que atingem a equidade de género. Entre os alunos de 9 anos, há 27 zonas onde eles têm melhores desempenhos do que elas e apenas quatro onde são as raparigas que alcançam melhores notas. Entre os adolescentes, a diferença esbate-se: em seis países, os rapazes são melhores, em sete são as raparigas. Em 1995, ano em que foi realizado o primeiro TIMSS, as raparigas não estavam à frente dos rapazes em nenhum país.
Sem surpresas, alunos asiáticos são os melhores a tudo
A diferença é considerável. Os alunos asiáticos continuam a ser os que obtêm melhores resultados a Matemática e, quando se olha para cinco territórios — Singapura, Coreia do Sul, Japão, Taiwan e Hong Kong —, a margem que os separa dos países que vêm imediatamente a seguir é grande: 26 pontos no 4.º ano e 25 pontos no 8.º ano.
Entre eles, há um líder indiscutível: Singapura consegue a primeira posição nos quatros rankings (Matemática e Ciências do 4.º e do 8.º ano) e, em dois deles, destaca-se até dos parceiros de topo.
Os alunos do 4.º ano, na disciplina de Matemática, levam 23 pontos de dianteira em relação a Hong Kong, que vem imediatamente a seguir. Os estudantes singapurenses conseguem, assim, um feito único: chegam ao mais alto nível de conhecimento, o avançado, algo que nenhum outro grupo de alunos consegue.
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Nas escolas de Singapura, mais de metade dos alunos de 9 anos consegue dominar suficiente bem a disciplina para ficar no nível avançado. Em Portugal são 9%, enquanto a média dos países participantes no estudo é de 7%.
Já quando se trata de Ciências do 8.º ano, a distância ainda é maior e 34 pontos separam o desempenho obtido nas escolas de Singapura das de Taiwan. No entanto, nesta disciplina, Singapura fica no nível alto, não chegando ao avançado — para além dos asiáticos, apenas Rússia, Irlanda do Norte e Inglaterra chegam a este patamar.
Portugal, em todos os rankings, encontra-se no nível intermédio, acima da média internacional, mas com quedas ligeiras em relação à posição de 2015.
“Os rankings são o menos importante do nosso estudo”, argumentou Dirk Hastedt, na apresentação à imprensa do TIMSS 2019, assumindo que, apesar disso, sabe que os países gostam de ver com quem se comparam. Sobre os asiáticos, fez questão de frisar que embora haja alguma diferença na pontuação, ela nem sempre é estatisticamente relevante. “Quando falamos de Matemática do 4.º ano, Singapura está em primeiro lugar, mas Hong Kong, Coreia e Taiwan estão empatados no 2.º lugar, surgindo depois o Japão no 5.º lugar da lista, embora corresponda a um terceiro lugar”, detalha.
Em termos de pontuação, Hong Kong tem 602 pontos, a Coreia do Sul tem 600 e Taiwan obtém 599. Os estudantes japoneses alcançam 593 pontos.
Os alunos das mesmas regiões também conseguem ótimos resultados a Ciências e todos chegam ao nível alto, exceto Hong Kong. Ali, a média do desempenho dos alunos fica pelo nível intermédio a Ciências do 8.º ano, patamar onde se encontra o grosso dos países participantes no TIMSS.
Depois dos asiáticos, os alunos russos e finlandeses são os que mais se destacam na disciplina de Ciências.