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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Trump está a contar com o voto dos agricultores da Pensilvânia. Mas os Hamby vão escolher Harris

Casal de antigos militares tornados agricultores, os Hamby vivem num dos condados rurais mais pró-Trump de toda a Pensilvânia. Votaram nos republicanos durante décadas; agora estão com Harris a 100%.

Jan e Dale Hamby passaram toda a vida a saltar de cidade em cidade e até de país em país. Militares de carreira, fizeram comissões em locais tão distantes como o Médio Oriente e o Japão. Em 2009, quando se reformaram, decidiram assentar num local pacífico. Compraram uma propriedade com mais de 20 hectares em Lancaster, um condado rural da Pensilvânia conhecido por ser uma das zonas do país com mais membros da comunidade Amish, que ainda por aqui circulam de carroça nas estradas.

Lentamente, os Hamby foram construindo uma grande vivenda azul de dois andares e montando uma pequena quinta, a que chamaram Fair Winds Farm. Começaram a criar ovelhas, para vender a lã. Depois tentaram juntar a isso alpacas, mas não se habituaram aos animais. “Só mantivemos o Dorito porque ele é adorável. Não é um alpaca normal, não é tímido e gosta de pessoas”, explica Jan, debruçada sobre a cerca a dar festas ao alpaca branco, que esfrega o focinho carinhosamente contra o rosto dela. Neta de um luso-descendente, esta antiga oficial que deu aulas em West Point, a mais prestigiada academia militar do país, não sabe dizer nenhuma palavra em português, mas manteve o apelido Silva até se casar com Dale.

"Não é uma alpaca normal, gosta muito de pessoas", diz Jan enquanto dá festa em Dorito.

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No condado agrícola de Lancaster, onde sempre se votou à direita, os cartazes pró-Harris dos Hamby são roubados

Quinze anos depois, as ovelhas ainda se mantêm na quinta dos Hamby, mas muito mudou entretanto. No pasto ao lado estão a iaque Nora — que come um donut como guloseima pontual — e, mais à frente, a burra Sophie, que consegue ser feroz como “um cão de guarda” a proteger as ovelhas, assegura Dale. No curral, onde paira no ar o cheiro a feno, há também uma velha galinha, a única sobrevivente do galinheiro a um ataque de raposa, que ainda põe ovos e que caminha tranquilamente por entre as pernas dos donos, enquanto pica o chão.

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Quando os Hamby aqui chegaram, em 2009, Lancaster era uma região agrícola alinhada à direita num estado (Pensilvânia) que à altura votava tendencialmente à esquerda. Mas em 2016 surgiu um furacão chamado Donald Trump que alterou todas as tendências da política norte-americana. E não só a Pensilvânia virou à direita nessas eleições, como o condado de Lancaster deu uma votação ainda mais expressiva do que o habitual ao Partido Republicano. Em 2020, com Joe Biden a conseguir recuperar o estado pela margem mínima, Lancaster manteve-se fiel a Trump, com 57% dos votos da região a irem para o candidato republicano.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Pela quantidade de cartazes e bandeiras com as palavras “Trump-Vance” em grande destaque em várias casas, tudo indica que desta vez não será diferente. Os Hamby, porém, destoam da paisagem, como se vê pela camisola azul escura que Jan traz vestida, com as palavras “Harris for President”. Não se atrevem, contudo, a colocar cartazes na entrada da quinta, à beira da estrada. Só há um discreto à porta de casa, até à qual é preciso fazer um caminho considerável de terra batida. “Chegámos a pôr lá à frente. Mas foram roubados”, admite Jan com um encolher de ombros.

O facto de serem a exceção em Lancaster é, por vezes, “stressante”, admite a antiga oficial. “Por exemplo, há pouco, antes de vocês chegarem, fui às compras com esta camisola vestida. E eu tenho experiência militar, estou disposta a correr alguns riscos. Mas entrei na loja e senti-me algo intimidada. Houve uma jovem que sorriu, mas muitos semicerraram os olhos quando me viram. Um homem até bufou e saiu de perto de mim”, conta, sentada no sofá da sua sala, acompanhada de uma grande chávena cheia de café — que consome em quantidades generosas. No cadeirão ao lado, o marido Dale acena lentamente com a cabeça, em sinal de concordância.

[Já saiu o quinto e último episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio, aqui o segundo, aqui o terceiro e aqui o quarto episódio .]

“Mas há algumas exceções”, nota o agricultor. O centro da cidade de Lancaster, onde vai semanalmente para participar no grupo de teatro local, é fortemente democrata. Dale, que em 2016 chegou a concorrer ao congresso da Pensilvânia pelo Partido Democrata — “e todas as semanas me encontrava cordialmente com o meu adversário, Bryan Cutler, para beber um café” —, bateu a todas as portas do condado e ficou a saber onde estavam alguns votos democratas escondidos. “Às vezes sentimos que somos os únicos, mas não somos. As pessoas têm sobretudo medo de dar a cara”, resume Jan.

Um casal de militares que votou nos Bush e em McCain e que agora apoia Harris: “O Partido afastou-se de nós, não fomos nós que nos afastámos do partido”

Mas desengane-se quem achar que os Hamby são de famílias democratas e que sempre votaram à esquerda toda a vida. Criados na cidade de Medina, no Ohio, cresceram a admirar e a apoiar convictamente vários candidatos republicanos a Presidente: Reagan, Bush pai, Bob Dole, Bush filho, John McCain. “Lembro-me de a minha mãe dizer que não podia votar no Partido Democrata porque o meu avô iria dar voltas no túmulo. As pessoas sentem que têm de se manter no mesmo partido toda a vida, mesmo quando este se afasta dos seus valores”, resume Jan.

Mas isso, assegura, não aconteceu consigo: “Nos velhos tempos, os militares sempre foram mais pró-republicanos, porque defendiam mais aquele tipo de políticas, mas não eram matérias em que os valores estivessem em causa. Agora o Partido Republicano tornou-se anti-democrático”.

Os Hamby e os seus cães pousam para uma fotografia na sua sala.

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Quando os Hamby chegaram a Lancaster, em 2009, tiveram de voltar a registar-se como eleitores. À altura, depois da primeira vitória de Barack Obama, a fação mais radical do Partido Republicano, o Tea Party, começava a ganhar influência. Foi nesse momento que Jan decidiu que não se iria registar mais como eleitora republicana. “Teria sido mais alinhado com o meu pensamento à altura ter-me registado como independente, mas aí não poderia participar nas primárias, por exemplo. Portanto, registei-me como democrata.” Ao longo do tempo, o casal foi-se aproximando mais e mais do partido.

Com a chegada daquilo que definem como “o tribalismo” de Donald Trump, passaram a apoiar totalmente o Partido Democrata. “As pessoas ficam confusas quando veem os autocolantes no meu carro, que dizem ‘Veterana’ e ‘Harris’”, confessa Jan, com um sorriso de quem retira algum prazer de baralhar assim os outros. Mas os Hamby não consideram que tenham mudado os seus valores e posições. “O Partido Republicano afastou-se de nós, não fomos nós que nos afastámos do partido”, resume Dale. A mulher reforça: “Os meus valores não mudaram. Os deles é que mudaram.”

Um voto pró-Harris, mas sobretudo anti-Trump. Os Hamby destacam a importância do “caráter” e “decência” de um Presidente

Os Hamby passam os dias a cuidar da quinta, secando alfazema que vendem para fazer óleos perfumados e criando as ovelhas cujo pêlo serve para forrar casacos quentes. Estão, contudo, a reduzir o ritmo de trabalho e o tamanho da operação. Querem aproveitar a reforma para viajar ainda mais, talvez até passar uma temporada no sul de Itália. É visível que parte desse desejo também é influenciado pelo facto de se sentirem deslocados do sítio onde escolheram viver — e até, em certa medida, do seu próprio país.

Mas ambos continuam a querer participar ativamente na política do país. Em agosto, por exemplo, Jan Hamby foi uma dos mais de mil militares reformados que assinaram uma carta a criticar declarações recentes de Donald Trump e JD Vance. Diz-se profundamente assustada com ambos os candidatos. “Trump está a seguir a cartilha de Milosevic: ‘Vocês devem odiar estes: os imigrantes, os LGBT, os outros’. Não interessa para nada se houve uma pandemia que afetou a economia, se há países inimigos dos EUA, nada, nada! E depois justifica ações dramáticas como o 6 de janeiro”, justifica.

Dale assina por baixo. “Deportar milhões de pessoas? Isso é só errado, é desumano. Assusta-me”, afirma, relativamente às propostas para a imigração do candidato. E quanto à economia, uma das suas grandes bandeiras nesta campanha? Dale abana a cabeça, descrente. “Ele é irresponsável com o que diz e ignora os factos. Promete baixar os preços dos combustíveis — como é que o consegue fazer sem nacionalizar as empresas?”, questiona. “Isso a mim não me parece muito capitalista…”

O antigo militar define o candidato como “um vendedor” e alguém “sem caráter”, que é o que mais o preocupa. “Quero um Presidente que seja capaz de se olhar ao espelho, que tenha decência e compaixão. O Presidente tem de ser alguém que, quando as coisas apertam, é capaz de tomar a melhor decisão possível e decente dentro das suas capacidades. E que tome a melhor decisão para o país, não para si próprio.”

Por tudo isto, o voto dos Hamby é sobretudo um voto anti-Trump. Mas não escolhem Kamala contrariados. “Gostaria que tivesse havido primárias abertas e pudéssemos ter um candidato mais competitivo, mais ao centro. Mas, dito isto, apoio-a totalmente”, afirma Jan. “Tenho fé na sua competência, no caráter e nas suas motivações. Para além disso, adoramos o Doug”, diz, referindo-se ao marido da candidata, enquanto o seu rosto se ilumina com um grande sorriso.

Dale acabará por explicar melhor porquê mais tarde. Numa última volta pela Fair Winds Farm, enquanto a neta do casal brinca com as folhas de outono, o veterano pega no telemóvel para mostrar uma placa de madeira que ofereceu a Doug Emhoff quando este esteve de visita a Lancaster no início do mandato de Biden, com as palavras “Segundo-Cavalheiro”

“Não esperava grande coisa daquilo, entreguei à equipa dele mais por graça e pronto. Meses depois, vejo isto!”. Mostra de seguida uma fotografia das redes sociais do marido de Harris onde se vê a placa discretamente afixada na parede do seu gabinete. “É algo que revela decência”, diz Dale, com um sorriso tímido e um encolher de ombros, antes de mostrar a nova placa que fez e que espera vir a entregar-lhe em breve. Mais trabalhada do que a anterior, tem agora gravadas em dourado as palavras “Primeiro-Cavalheiro”.

Jan e Dale têm apenas um cartaz à porta de casa. Já tiveram alguns à beira da estrada, perto da entrada da quinta, mas foram todos roubados.

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O passado dos Hamby como republicanos não parece toldar a decisão que já tomaram sobre em quem vão votar no dia 5. O facto de serem pequenos agricultores, que só conseguem sustentar a quinta por receberem pensões do Estado, também não. Dale Hamby é perentório para explicar porque vota de forma diferente da maioria dos seus vizinhos: “Não tem de se concordar com ela a 100%. Mas então vão votar no Trump? Ou não vão votar? A sério?”, pergunta, com incredulidade.

Entre dois goles de café, seguindo a dinâmica do casal oleada ao longo de anos, Jan completa e elabora a ideia do marido, recorrendo a uma imagem gráfica: “É como oferecerem-te uma pizza com dejetos de rato e vermes e outra com frango e tu perguntares: ‘Mas o frango está bem cozinhado?’”. Na Fair Winds Farm, os dois veteranos estão completamente alinhados com a visão de outros republicanos, alguns deles históricos como o antigo vice-presidente Dick Cheney, que anunciaram o apoio à candidata democrata. “Percebo quem não está totalmente confortável com ela”, reconhece Jan Hamby. “Mas olhem para a alternativa.”

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