Ainda mal tinha terminado a conferência de imprensa que celebrou o encontro entre os líderes das duas Chinas, a continental e a taiwanesa, já a líder da oposição taiwanesa criticava a falta de resultados: “Esta manhã esperávamos que o presidente Ma conseguisse três coisas pelo povo taiwanês”, declarou Tsai. “Garantir o direito de escolha dos 23 milhões de habitantes taiwaneses, não estabelecer pré-condições políticas que influenciem as relações entre o estreito, e assegurar respeito mútuo. Nenhuma destas coisas foi conseguida.”
Às três da tarde desse sábado, em Taipei, o ambiente perto do edifício Presidencial estava calmo, mas tenso. Quase nem se notava que na manhã do mesmo dia um grupo de 100 protestantes tentara ocupar o edifício do Parlamento. Com os principais edifícios governamentais protegidos por segurança reforçada, os polícias aguardavam ao sol uma reação da população ao momento raro na história da região.
Era o primeiro encontro entre líderes dos dois lados do estreito em 70 anos, uma decisão que surpreendeu não só a comunidade internacional mas também a opinião pública taiwanesa.
Ainda há pouco, protestantes queimavam imagens dos dois líderes, agitando cartazes com Xi como “ditador” e Ma como “traidor”, motivado pela quebra da promessa do próprio de nunca se encontrar com um líder chinês durante os quatro anos do seu segundo mandato. O anúncio inesperado do encontro histórico com o presidente chinês, uma decisão que não contou com o acordo do Parlamento nem da opinião pública e que para muitos taiwaneses trata-se apenas da última jogada de um dos presidentes menos populares na jovem democracia de Taiwan.
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Após uma derrota pesada nas eleições legislativas deste ano, que deram ao Partido Democrático Progressista a vitória em 13 das 22 principais cidades da ilha, Ma viu-se obrigado a renunciar ao cargo de presidente do seu partido e aceitar uma posição secundária na cena política taiwanesa – mais de acordo com os 9% de apoio que recolhe nas sondagens nacionais.
Há um ano, uma proposta de Tratado Económico entre a China e a sua “província renegada”, como é costume ecoar dentro dos círculos do Partido Comunista Chinês, conduziu a uma ocupação do parlamento de Taiwan por estudantes durante 20 dias – que denunciavam este acordo como apenas favorável aos interesses económicos chineses. A maior demonstração pública de desagrado na região chegou a reunir 500 mil pessoas na rua em protesto.
Desta vez as autoridades parecem ter aprendido a lição, usando barreiras que impedem o acesso ao parlamento, agora fortemente vedados com arame farpado. A localização do encontro em território neutro também permitiu minimizar a contestação, que passou apenas para as redes sociais, num país com o maior número de utilizadores registados no Facebook em todo o mundo. Mas nada disso terá impedido o presidente chinês de cumprimentar o líder do “filho pródigo da China”.
De Igual Para Igual
Da última vez que os líderes dos dois lados do estreito se encontraram, em 1945, não correu bem. Chang Kai Chek e Mao Tse Tsung não se olharam nos olhos e não foram capazes de evitar uma guerra civil. Taiwan e a China nunca terminaram oficialmente a declaração de guerra civil desde 1949, e muito do complicado estatuto diplomático de Taiwan tem sido resultado das ações do Partido Comunista Chinês, que estabelece como critério inegociável a qualquer parceiro político e comercial o não-reconhecimento de Taiwan como estado independente.
Portanto tudo estava encaminhado para um encontro com alta probabilidade de momentos diplomáticos embaraçosos. Anunciada pelo governo taiwanês como um encontro de chefes de estado do mesmo estatuto, a verdade é que vários sinais apontam para uma disparidade de tratamento entre os dois líderes.
De forma a evitar embaraços diplomáticos, foi anunciado que os dois presidentes se iriam tratar não pelo seu título oficial mas por “Senhor”.
Em transmissões televisivas da estação de TV estatal chinesa CCTV, o pin de lapela com a bandeira taiwanesa ostentada pelo Presidente Ma foi pixelizada e, segundo jornalistas de Singapura, ao contrário de Xi, o presidente Ma entrou pelas traseiras do hotel Shangri-la onde o encontro teve lugar, não se encontrando com qualquer oficial de estado singapurense. Quando se encontraram, foi apenas para um aperto de mão de 80 segundos que aconteceu perante 800 jornalistas.
No entanto, as diferentes conferências de imprensa tiveram como efeito apenas vincar ainda mais os diferentes modos de atuar dos dois governos. Quando confrontados com a recusa por parte do Presidente Ma em admitir que o governo chinês possui neste momento vários mísseis balísticos apontados a Taiwan, os jornalistas taiwaneses presentes continuaram a pressionar o assunto.
Já o presidente chinês recusou-se a responder a qualquer pergunta delegando o seu ministro de Assuntos do Exterior, que após um longo discurso num pódio aceitou apenas responder a três perguntas – por parte das agências de noticias governamentais chinesas.
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Longe do que se poderia descrever como tratamento diplomático equilibrado, o encontro entre os dois líderes tem sido apelidado de “farsa” por comentadores taiwaneses e “humilhante” para Ma, ao aceitar um encontro em tais termos numa óbvia jogada planeada pela China para influenciar as eleições do próximo ano.
Afinal, qualquer assunto prioritário que Ma tenha referido foi prontamente recusado por Xi. Não houve compromisso para um relaxar das restrições à participação de Taiwan em organismos internacionais e, quando confrontado com a questão dos mísseis balísticos, Xi limitou-se a negar que estes estivessem sequer apontados à ilha.
“O encontro foi simbólico por ser a primeira vez que os líderes de Taiwan e da China se encontraram,” afirmou ao Observador J. Michael Cole, jornalista e académico canadiano com vasta experiência na cena política taiwanesa.
“Isto não muda nada e, apesar de Pequim ter mostrado de modo ostensivo a sua vontade de falar, continuou a usar um tipo de linguagem completamente desligado dos desejos do povo taiwanês”.
Após o encontro à porta fechada entre as duas comitivas, Xi declarou querer reforçar os laços entre a “terra mãe” e manter a paz, enquanto Ma sublinhou querer manter o atual “consenso de 1992” entre os dois lados,
Este consenso admite que existe apenas “uma China”, ficando entendido que ambos possuem ideias bem diferentes de qual das Chinas é a “verdadeira”.
A Política do Yuan
Apenas 180 km separam Taiwan da China, mas anos de divergências fazem esta distância parecer bem maior. Apesar de possuírem língua, cultura e interesses económicos comuns, os quase 25 anos de democracia taiwanesa criaram o que se pode chamar de diferenças irreconciliáveis. Com a reeleição do Presidente Ma em 2008, as portas que se mantinham fechadas entre as duas regiões foram-se abrindo lentamente, numa tentativa de reaproximação.
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Voos diretos da China para Taiwan passaram a ser permitidos em 2008 e atualmente um máximo de 5000 turistas do continente podem passar pelo aeroporto internacional de Taoyuan por dia, com 4 milhões de visitas apenas em 2015.
É agora possível ouvir o distinto sotaque ‘arranhado’ chinês continental entre grupos barulhentos, seguindo guias com bandeiras até ao topo do arranha-céus Taipei 101 ou visitando a maior coleção de arte centenária chinesa no Museu Nacional e o Memorial ao maior inimigo da revolução chinesa, Chang Kai Chek.
“Não gostamos deles, são barulhentos e mal-educados, mas trazem dinheiro,” afirma um vendedor de pins decorativos do generalíssimo Chang, uma atitude que espelha bem o sentimento agridoce que a vinda do poderoso yuan ou RMB chinês provoca nos habitantes taiwaneses. O milagre económico que elevou Taiwan ao estatuto de um dos países mais desenvolvidos do Este Asiático tem vindo a desacelerar consideravelmente na ultima década, fruto da dependência da produção de hardware e materiais eletrónicos.
Com mais de metade das exportações taiwaneses a irem na direção do seu ‘irmão mais velho’, só nos últimos 5 anos o investimento chinês na ilha totalizou 1,3 biliões de euros em campos tão distintos como mega projetos de construção, indústria ‘high-tech’, imobiliária e transportes. O governo chinês viu isso como uma oportunidade para tentar uma “unificação pacifica” por meios económicos, em oposição a uma atitude militarista. No entanto, o Partido Comunista Chinês não previu que a suas políticas tivessem um efeito oposto nas gerações taiwanesas mais novas.
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Desde 1992, a percentagem de pessoas que se identificam somente como taiwanesas aumentou de 17,6% para 59%, enquanto a identificação como cidadãos chineses caiu de 25.5% para 3%.
Chiu Cheng Zheng, 26 anos, correntemente a tirar um mestrado de Ciências Políticas na Universidade Nacional de Taipei faz parte da nova geração que se identifica apenas como Taiwanesa.
“Existem muitas diferenças entre as gerações mais velhas e as mais novas em Taiwan. Primeiro, a maior parte dos taiwaneses nascidos depois dos anos 80 não tiveram de viver sob lei marcial e “educação” da China única, e por isso veem-se mais como taiwaneses e nao chineses, enquanto os seus pais se veem como ‘taiwaneses em parte chineses’”.
São jovens, mais habituados à democracia e à liberdade, que viveram os anos dourados do milagre económico nos anos 70 e 80. Eu diria que menos de 30% dos apoiantes do KMT têm menos de 40 anos”, afirma Chiu Cheng Zheng
Numa sociedade em que a cultura exige fidelidade absoluta dos filhos aos desejos paternos, uma nova geração taiwanesa tem vindo a desafiar a autoridade e as crenças dos seus progenitores através de ativismo político e participação em protestos em massa. Ao contrário dos seus pais e avós, os novos eleitores taiwaneses não veem o protesto como um inútil agitar das águas, mas como um método de travar os avanços da China e de um governo KMT cooperante. Para eles, o o novo investimento económico vindo da China não é um modo de melhorar o desemprego crescente em pós-graduados taiwaneses, mas como uma tentativa por parte do Partido Comunista Chinês de criar testa de ferro na ilha para uma possível assimilação.
Um jovem licenciado taiwanês de 21 anos vive agora numa sociedade em que comprar uma casa em Taipei é cada vez mais difícil, devido à especulação financeira por parte de empresários taiwaneses com negócios no continente, apelidados de Tai Shang, que regularmente compram grandes propriedades no centro da cidade com capital chinês.
“Depois de anos de estagnação económica, os jovens estão fartos de paternalismo e burocracia conservadora típica da retórica de Pequim e do governo KMT,” diz Chiu. Um paternalismo que muitas vezes associam aos pais e avós que aos seus olhos, estão em negação e evitam as questões que estes levantam sobre o futuro de Taiwan descrevendo estas dúvidas como fraquezas de caráter.
A Geração Morango
De início usado como um termo de crítica a uma geração que viam como mimada e com dificuldades em trabalhar arduamente, rapidamente passou a um insulto de que os jovens taiwaneses seriam apáticos, apenas interessados em gastar dinheiro e sem interesse em política.
“No ano passado o governo queria mudar o serviço militar obrigatório de um ano para quatro meses. Para mim um ano já é pouco mas os jovens hoje em dia não querem passar por dificuldades,” afirma Zou Shuang Xi, um coronel reformado de 55 anos e que começou a sua carreira militar aos 16.
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Zou vive em Wanhua, um dos distritos históricos de Taiwan com maior percentagem de habitantes nascidos na China. Longe do centro cosmopolita do este de Taipei, um passeio pela área perto do rio Tamsui permite observar um número elevado de reformados, principalmente militares, e as suas enfermeiras filipinas e vietnamitas encarregues de cuidar deles 24 horas por dia.
Quando o general Chang Kai Check iniciou o exílio em Taiwan, levou consigo um exército de 2 milhões de soldados, quase um quinto da população taiwanesa da altura, e que controlou a ilha numa divisão entre os apoiantes do KMT (azuis) sempre virados para um retorno à ‘terra mãe’, e entre os verdes, nativos de Taiwan que originaram o partido independentista, PPD. Muitos desses soldados vieram parar a pequenas comunidades como Wanhua, em que o sotaque continental ainda predomina, assim como as clínicas de terapia tradicional chinesa, e na qual a ideia da China está tão presente como as províncias que abandonaram na sua juventude.
“O presidente Ma é um reformador moderado que pretende trazer um futuro próspero para Taiwan de maneira pacífica, ao criar uma aliança com a China em termos económicos e culturais. A insistência agressiva por parte do PPD de que Taiwan é um país independente apenas pode ter como resultado irritar o governo chinês e trazer sérias consequências”. Zou vê-se como um taiwanês de cultura chinesa e não consegue ver um futuro taiwanês separado da China, algo por que as novas gerações taiwanesas anseiam. Com o passar do tempo e de gerações, a população de origem continental foi-se reduzindo e com ela a ligação a uma China vista como a terra natal.
No próximo ano afirma querer votar KMT mas as sondagens mais recentes indicam que a a maré esta a virar – graças a uma nova geração taiwanesa com maior consciência política.
Heavy Metal Como Terceira Força Politica
Habituados a ver as gerações mais novas como apáticas e pouco interessadas em política, os protestos estudantis do Movimento Girassol do ano passado contra o Acordo Comercial entre os dois países surpreenderam não só os governos chinês e taiwanês, mas também os pais dos próprios protestantes. “Desde que o KMT se mudou para Taiwan em 1949 que o país tem sido uma casa dividida, facilitando a tarefa de Pequim de jogar um partido contra o outro, uma secção da sociedade contra a outra,” diz Michael Cole.
“Com a emergência dos movimentos jovens que não se identificam mais nas linhas de continentais ou taiwaneses estamos a ver o crescer de uma sociedade civil nacionalista que só se importa se cada pessoa que vive cá participar na sociedade e que queira construir esta nação não se identifica como de etnia chinesa.”
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Um exemplo do choque das novas gerações com as velhas forças políticas transparece com a recusa por parte de novos votantes de se definirem como verdes (PPD) ou azuis (KMT), como pró-China ou anti-China.
As eleições legislativas deste ano viram pela primeira vez um candidato independente ganhar a Câmara de Taipei: Ko Wen Jie, um cirurgião, venceu o filho de uma das maiores famílias políticas locais. Algo conseguido graças ao apoio de uma base eleitoral jovem.
Neste momento, este partido ocupa o terceiro lugar nas sondagens partidárias, algo impensável há poucos anos.
Mas quem lidera as sondagens é a candidata do PPD, Tsai Ying Wen, uma advogada formada no Reino Unido. Tem 46% de aprovação, mais do que os candidatos da linha política pró-China juntos: Eric Chu, candidato do KMT, e o candidato independente James Soong, do Partido Povo Primeiro. Pouca gente duvida agora que Taiwan terá a sua primeira presidente mulher para o ano. No entanto, qualquer presidente taiwanês terá sempre de conseguir um traiçoeiro número de malabarismo: traçar a linha entre a respeitável distância com o seu vizinho beligerante e relações diplomáticas e económicas saudáveis. E Tsai Ying Wen fez questão de criticar a recente aproximação à China.
Os Estados Unidos, como principal aliado de Taiwan e principal fornecedor de material militar, irão favorecer sempre um candidato da estabilidade.
Por isso é pouco provável que Tsai lance um caminho temerário em direção à independência formal ou à reunificação. A cada ano que passa, a distância cultural entre a China e Taiwan aumenta à velocidade a que a população continental morre e as novas gerações tomam posição de liderança na sociedade taiwanesa.