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AFP/Getty Images

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Um "Chicago boy", ultra-liberal e defensor do Estado mínimo. Paulo Guedes será o super-ministro de Bolsonaro para fazer crescer a economia

Um "Chicago boy", ultra-liberal e defensor de um Estado mínimo, Paulo Guedes é o "super-ministro" em quem Bolsonaro confia para compensar o seu conhecimento "superficial" sobre economia.

Jair Bolsonaro, o presidente-eleito no Brasil, não tem, propriamente, fama de ser um reformista e alguém disposto a dar à economia brasileira a “sacudidela das ordenações joaninas” que Joaquim Levy disse em 2013 que o país há muito necessita. Joaquim Levy, então líder do banco de investimento do Bradesco, viria a tornar-se ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, em 2015, mas não se aguentou no cargo mais do que 11 meses porque não teve no governo de Dilma condições para fazer o tipo de política que a sua alcunha sugeria: “Joaquim, o Mãos de Tesoura“.

Três anos depois, porém, a eleição de Jair Bolsonaro deu um novo impulso de confiança aos investidores externos de que, desta vez, as coisas podem ser diferentes – não graças a Bolsonaro, que reconheceu não ter mais do que uma “compreensão superficial” sobre a ciência económica e seus derivados, mas à conta de outro doutorado pela Universidade de Chicago, nos EUA: Paulo Guedes, o provável ministro na administração Bolsonaro. Quem é e o que é que tem Paulo Guedes (e que faz subir a bolsa brasileira)?

Em poucas palavras, “Guedes é o garante da alegada conversão de Bolsonaro ao liberalismo económico”, comentou Ricardo Lacerda, presidente de uma pequena casa de investimento em São Paulo, a BR Partners, citado pela agência Bloomberg. Assumindo que Paulo Guedes passará, como tudo indica, de guru económico de Bolsonaro para seu ministro da Fazenda, o especialista acrescenta que “se, por alguma razão ele vier a sair do governo, haverá um terramoto nos mercados”.

A bolsa de São Paulo subiu mais de 20% desde junho, escalando à medida que Bolsonaro subia nas sondagens, e fixou novos máximos históricos na segunda-feira. No final da sessão de segunda-feira, a bolsa acabaria por fechar em queda, no que os analistas viram um claro exemplo de um dos principais adágios dos mercados financeiros: “Comprar com a expectativa e vender com a confirmação”. A confiança dos investidores internacionais é tal que, nos últimos dias, o suíço UBS admitiu que a vitória de Bolsonaro poderia fazer a bolsa brasileira subir quase 40% até ao final do ano, isto se o governo mostrar que está disposto a cumprir a agenda reformista que prometeu durante a campanha.

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Mas no centro de tudo não está o magro programa eleitoral de Bolsonaro para a área económica — o que está no centro de tudo é Paulo Guedes: um analista citado pela Bloomberg admite que, se o ultra-liberal Guedes fosse afastado, as perdas seriam, basicamente, simétricas: a bolsa poderia perder até 40%, quase metade do seu valor atual. Essa simetria ajuda a perceber porque é que Guedes é considerado, pelo próprio Jair Messias Bolsonaro, “uma aquisição que agradeço a Deus“.

Um ultra-liberal que será “super-ministro” de Bolsonaro

Segundo noticiou a Valor Econômico, citando pessoas que colaboraram com o provável ministro da Fazenda na elaboração do programa económico, Jair Bolsonaro deverá reunir-se esta terça-feira com Paulo Guedes para começar a definir a equipa económica e acertar os planos políticos para o governo. De acordo com essas fontes, uma das principais medidas macroeconómicas que Guedes tem na calha é reduzir o nível de reservas brasileiras de moeda internacional, no fundo vendendo-as no mercado para usar o encaixe para amortizar dívida pública e, assim, poupar na despesa com juros da dívida.

Já esta terça-feira, porém, o economista desmentiu a intenção de recorrer às reservas internacionais do país, a não ser no caso de um “ataque especulativo” que fizesse o dólar atingir o patamar de cinco reais [atualmente está em 3,71 reais].

O Globo também publicou, nesta terça-feira, informações sem fonte identificada que indicam que Paulo Guedes terá como prioridade garantir a independência do banco central, o que deverá passar por um convite a que Ilan Goldfajn continue no cargo pelo menos mais dois anos. Para os investidores internacionais, esse é um sinal crucial, dada a história do Brasil e o facto de ser um mercado emergente em estado de emergência — um banco central independente é garantia de que a política monetária não será feita às ordens do poder político, potencialmente gerando inflação e penalizando os investimentos de quem decidir fazê-los.

As mesmas fontes, citadas pelo Globo, indicaram que no governo de Bolsonaro deixará de haver um Ministério para a Indústria e Comércio, passando essa área a ser uma secretaria de Estado inserida no Ministério da Fazenda — ou seja, fazendo de Paulo Guedes um “super-ministro” no governo de Bolsonaro, encarregue de tirar o país da dolorosa recessão económica que se arrasta há dois anos e reduzir a dívida que passou de 58% do PIB para mais de 77% (e, segundo o Banco Mundial, chegará a uns catastróficos 140% do PIB em 2023 se nada for feito).

Paulo Guedes será o "super-ministro" no governo de Bolsonaro, encarregue de tirar o país da dolorosa recessão económica que se arrasta há dois anos e reduzir a dívida que passou de 58% do PIB para mais de 77% (e, segundo o Banco Mundial, chegará a uns catastróficos 140% do PIB em 2023 se nada for feito).

Outra prioridade de Guedes será a reforma da chamada Previdência, isto é, a Segurança Social, substituindo gradualmente o sistema de “caixa de previdência” por um regime de capitalização e planos privados. Controlar os gastos públicos é uma necessidade para o país, atirou o responsável. Uma economia aberta, impostos baixos e uma estrutura fiscal simples são as outras chaves de uma ortodoxia que, à primeira vista, parece chocar com o protecionismo professado por um Jair Bolsonaro que, a certa altura, defendeu — usando uma figura de estilo, presumivelmente — que quem privatizou a mineira Vale devia ser executado.

Bolsonaro percebeu, desde cedo, que o discurso de Guedes poderia ser um trunfo decisivo para atrair investimento estrangeiro que será crucial para tirar o país da recessão. Mas como se casa o aparente choque ideológico entre o liberalismo de Guedes e o protecionismo idealizado por Bolsonaro? “Ouça, na verdade, não entendo de economia”, disse Bolsonaro numa entrevista ao Globo complementada com uma outra declaração de Paulo Guedes: “a última que disse que entendia [de economia] foi Dilma [Rousseff], e afundou o país”.

Sobre a base da política económica, os dois parecem estar de acordo: “o programa económico tem um diagnóstico claro. O Brasil teve 30 anos de expansão de gastos públicos, descontrolados”, afirmou Paulo Guedes, entrevistado ainda no domingo das eleições. “Primeiro grande item (dos gastos públicos) é a Previdência. Precisamos de uma reforma da Previdência”, disse o economista. Para reduzir a despesa com juros, a estratégia é “acelerar as privatizações” e, para combater o terceiro “item” dos gastos públicos, os gastos com a máquina pública, a estratégia é fazer uma reforma do Estado.

“Vamos simplificar e reduzir impostos, vamos eliminar encargos e impostos trabalhistas sobre a folha de pagamentos, para gerar em dois ou três anos 10 milhões de empregos novos. Vamos regulamentar corretamente, fazer os marcos regulatórios para investimentos na área de infraestrutura”, afirmou Guedes, não excluindo a intenção de levar o Brasil para um défice “zero” nas contas públicas a breve trecho.

Um “Chicago boy” com vários negócios sob suspeita

Paulo Guedes será “super-ministro” mas, nas palavras do próprio, começou por ser “um menino de classe média baixa lutando para viver, subindo na base do estudo, ganhando bolsa de estudo”. Nascido em 1949, formou-se no início dos anos 1970 pela Faculdade de Ciências Económicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma frequência que não deixou grandes marcas nem memórias aos seus professores e colegas, ouvidos pela BBC News Brasil.

Em 1974 tinha 25 anos, já era casado e, depois de tirar um mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Guedes candidatou-se a doutoramento na Universidade de Chicago, nos EUA, a faculdade fundada por Rockefeller e onde se respirava liberalismo económico e onde as teorias de intervencionismo estatal de John Maynard Keynes encontravam terreno pouco fértil — era onde Milton Friedman, por exemplo, dava aulas.

Tornou-se um “Chicago boy” que, uma vez regressado ao Brasil, não teve uma adaptação fácil ao mundo académico num contexto bem diferente de onde tinha obtido o doutoramento. Acabou por ter uma experiência a dar aulas na Universidade do Chile, convivendo de perto com os economistas e académicos que ajudavam Augusto Pinochet a cumprir o seu programa económico. Paulo Guedes regressaria ao Brasil e ao Rio de Janeiro depois de a polícia militar ter feito buscas no seu apartamento.

Voltou ao Brasil mas virou-se mais para o mundo financeiro, numa primeira fase como principal responsável pela estratégia de investimento do Banco Pactual, do qual foi co-fundador. Mas manteve-se próximo da política, chegando a coordenar o plano económico do candidato presidencial Guilherme Afif Domingos, que acabaria esmagado na votação de 1989, entre Fernando Collor de Mello e Lula da Silva (na sua primeira candidatura à presidência).

Depois dessa experiência, concentrou-se na área financeira, fundando uma gestora de investimentos — o Bozano Investimentos — no Rio de Janeiro. Foi durante esses anos que a sua atuação foi investigada pelas autoridades: suspeitas de gestão fraudulenta, crimes de mercado e, mais recentemente, uma investigação por suspeita de desvio de fundos públicos em cooperação com políticos do PT — tudo suspeitas que Paulo Guedes nega categoricamente.

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Paulo Guedes nunca deixou de ser uma figura reconhecida nos círculos económicos, também pelo facto de ser colunista do Globo e por ter uma presença regular em debates e conferências. Numa delas, com Alan Greenspan, ex-presidente da Reserva Federal dos EUA, na plateia, Guedes acusou o banco central norte-americano de ser um “criador de bolhas em série” — e Greenspan, em especial, devido à sua política de juros baixos, era alguém que “colocava em risco toda a civilização ocidental”.

O seu confronto mais mediático, porém, foi com o economista francês Thomas Piketty, que em 2014 publicou uma obra — o Capital no Século XXI — que se tornou um dos livros de economia mais importantes da década e onde se sugeria que é necessário tributar mais os ricos e as heranças para deter o aprofundamento inexorável das desigualdades económicas. Segundo a história contada num perfil feito pela Piauí, Guedes criticou frontalmente as teorias de Piketty, lembrando que “os chineses antes trabalhavam 20 horas para ganhar 0,03 dólares por dia, agora trabalham as mesmas 20 horas para ganhar 1 dólar”, isto é, que foi o capitalismo chinês que elevou a riqueza daquela população. “Já os europeus, esses, não gostam de trabalhar tanto porque são pós-modernos”, atirou.

Este é o tipo de auto-confiança pouco dada a diplomacias que Guedes leva para o governo de outro homem que também não só não foge a polémicas como se alimenta delas: Bolsonaro. Tanto que o que gera alguma desconfiança entre os investidores é sobre a real capacidade de os dois trabalharem bem em conjunto, a prazo, duas personalidades fortes e com ideias fixas. No mês passado já se viu que a sintonia entre os dois está longe de ser perfeita: Guedes disse publicamente que no Brasil poderia ser introduzido um imposto sobre as transações financeiras (excluindo as bolsistas), substituindo outras cinco taxas.

Os empresários não gostaram de ouvir e o apoio a Bolsonaro tremeu, até que o capitão reformado deixou claro: “o presidente serei eu. Tratei desse assunto com ele. Ele falou que foi um engano, um ato falhado. O que ele quer é diminuir os impostos”. “Teremos um ministro, sim, mas, acima dele, tem um comandante e esse comandante chama-se Jair Bolsonaro”, afirmou o então candidato presidencial numa entrevista a uma rádio de Pernambuco.

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