A promessa estava inscrita no Programa de Governo, documento que se estende até 2023, sem precisar datas. Mas António Costa mudou tudo quando se comprometeu a entregar computadores a todos os alunos das escolas portuguesas no início do próximo ano letivo. Em vez de ser uma promessa a cumprir até ao final da legislatura, o Governo tem agora até meados de setembro para fazer valer a palavra do primeiro-ministro.
Com muitas perguntas ainda sem resposta sobre como todo o processo será conduzido, a resposta oficial quer do Ministério da Economia e Transição Digital, quer do Ministério da Educação, é vaga: o Executivo está a trabalhar no assunto e a seu tempo dará conta do andamento do processo.
“O Governo está a trabalhar no Programa de Digitalização para as Escolas com vista a começar a sua implementação no próximo ano letivo. O anúncio oficial, com todos os detalhes do programa, será feito no momento oportuno”, respondem os gabinetes de Pedro Siza Vieira e de Tiago Brandão Rodrigues. A medida faz parte do Plano de Ação para a Transição Digital, publicado em Diário da República a 21 de abril.
Mas basta fazer contas, ou relembrar declarações recentes do ministro da Educação, para perceber que o tempo é curto para o tamanho da empreitada.
Só no ensino público estavam inscritos cerca de 1,2 milhões de alunos (no ano letivo de 2018) entre ensino básico e secundário, a que se somam mais 200 mil estudantes da rede privada e cooperativa. O arranque do ano letivo, que deverá acontecer o mais tardar a 15 de setembro, está a menos de 140 dias de distância. Contas feitas, o Governo teria de encontrar um parceiro capaz de produzir à volta de 8.500 computadores por dia, se a produção arrancasse já.
O que se sabe e o que falta saber
Computadores são para todos, mas quem são esses todos?
“Estou em condições de assumir o compromisso de que no início do próximo ano letivo, aconteça o que acontecer, teremos assegurado a universalidade do acesso em plataforma digital, rede e equipamento, para todos os alunos do básico e do secundário.” Foi com estas palavras que, a 9 de abril, António Costa prometeu o que parece ser impossível: ter disponíveis mais de um milhão de computadores em quatro meses.
Na conferência de imprensa em que apresentou o Estudo em Casa, a telescola do século XXI, o primeiro-ministro falou na universalidade do programa. Será então de esperar que a medida abranja todos os alunos das escolas portuguesas, rede pública e privada? Dificilmente assim será, se o exemplo for o de medidas anteriores na área da educação, como a da gratuitidade dos manuais escolares. Nessa altura, a opção do Governo foi abranger apenas a rede de ensino público e alguns alunos de escolas privadas com contratos de associação.
No Programa de digitalização para as Escolas não se faz essa distinção. O que se lê no documento é que uma das dimensões da medida é “a disponibilização de equipamento individual ajustado às necessidades de cada nível educativo para utilização em contexto de aprendizagem”.
Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, enviou uma carta a 17 de abril ao primeiro-ministro a pedir esclarecimentos sobre esta questão. É que, lembra o autarca, em março a câmara autorizou os agrupamentos da cidade a adquirir equipamentos para alunos carenciados.
“Trata-se de uma medida que, no atual contexto e contingência, faz especial sentido, se aplicada de forma eficaz e equitativa, não fornecendo a quem já tem e não precisa, e se for acompanhada das ferramentas adequadas ao nível do software que o Ministério da Educação deve escolher, licenciar e impor”, escreve. Rui Moreira defende que todos estes equipamentos devem ter bloqueios para que apenas os alunos os possam utilizar.
Fechando o universo na escola pública, outra pergunta se impõe, semelhante à que é feita pelo autarca do Porto: haverá computadores para todos os alunos, apenas para os que têm ação social escolar (o apoio estatal dado aos alunos mais carenciados) ou para aqueles que comprovadamente não têm equipamento? E que provas serão essas, se for esse o caso? Essa foi uma das perguntas enviadas pelo Observador ao Governo e que ficou sem resposta.
No entanto, a 9 de abril, António Costa acabaria por dizer que a medida talvez não fosse imediatamente universal para o secundário, não entrando em mais detalhes, mas deixando essa porta entreaberta. Mas não será por deixar o secundário de fora que será mais fácil de reunir equipamento: só no básico há 813.052 estudantes que poderão precisar de igual número de computadores.
Computadores são dados ou emprestados?
Tudo leva a crer que os computadores estarão sempre na posse dos alunos, embora a Resolução de Conselho de Ministros, onde se detalha o Programa de Digitalização para as Escolas, não entre nesse pormenor. É, por isso, possível que o equipamento venha a ser propriedade da escola e cedido aos estudantes durante o ano letivo. O Observador questionou o Governo sobre a modalidade escolhida, mas não obteve resposta.
No entanto, para além de esclarecer que serão disponibilizados “equipamentos individuais”, ou seja um por aluno, o programa para as escolas prevê “a garantia de conectividade móvel gratuita para alunos” e acesso de qualidade à internet na escola e “em qualquer lugar”.
Acrescenta-se que os estudantes terão acesso “a recursos educativos digitais de qualidade” — manuais escolares, cadernos de atividades, aulas e testes interativos —, a “ferramentas de colaboração em ambientes digitais” que “permitam o acompanhamento à distância da sala de aula (sobretudo nos casos de doença ou de necessidades especiais)”.
Questionado sobre a possibilidade de o Estado apoiar os alunos para a compra deste equipamento, o ministro da Educação afastou essa possibilidade. A justificação, dada em entrevista à Antena 1, é clara: “Haverá disponibilização de equipamento para todos os alunos do ensino obrigatório, não precisando eles de apoio financeiro.”
Costa diz estar a trabalhar com a indústria. Mas como e com quem?
Mais perguntas enviadas pelo Observador ao Governo ficaram sem resposta: de que forma vão ser adquiridos os computadores — concurso público, ajuste direto ou parcerias — e até que ponto já começaram a ser feitos contactos com empresas do setor?
No entanto, em entrevista ao Observador, a 14 de abril, António Costa avançava que esses primeiros contactos já tinham sido feitos. Questionado sobre se há garantias de que os equipamentos serão todos entregues no arranque do ano letivo, o primeiro-ministro respondeu: “Temos de trabalhar para isso, é esse o objetivo a que nos propusemos.”
António Costa. “Não deixem de planear as férias de verão… cá dentro”
“E é com base nisso que estamos a trabalhar com a indústria, com os editores e produtores de conteúdos pedagógicos, com os agentes comerciais de forma a garantir o número de equipamentos suficiente”, precisou, dizendo ainda que o Executivo está também em conversações com as operadoras de forma a assegurar um reforço da cobertura de internet do espaço escolar.
Já o ministro da Educação, nas suas declarações públicas, tem sido mais contido, lembrando que “não há soluções imediatas”. A 13 de abril, no Fórum TSF, deixava claro que a medida demorará o seu tempo a concretizar-se: “Mesmo que quiséssemos dotar agora [as famílias e as escolas de equipamentos] há limites de máquinas no mercado, de capacidade de instalação, de literacia na utilização.”
A primeira meta, admitiu o ministro, foi arrancar com o processo e isso “implicava romper com uma inércia enorme”.
Uns dias mais tarde, a 20 de abril, aos microfones da Antena 1, Tiago Brandão Rodrigues lembrava que a produção de equipamentos informáticos está a meio gás um pouco por todo o mundo na sequência da pandemia de Covid-19. E sendo uma “empreitada de grande magnitude”, todos os passos são dados “com a cautela necessária para chegarmos a bom porto”.
“É preciso entender que a produção deste tipo de maquinaria um pouco por todo o mundo está comprometida. É preciso dar passos firmes para podermos assegurar aquilo que queremos assegurar no próximo ano letivo”, sublinhou o ministro da Educação.
Esta poderá mesmo ser a maior dificuldade de todo o processo: encontrar, em tempo útil, equipamento informático suficiente para honrar a promessa do primeiro-ministro.
Vem aí o Magalhães 4.0? Costa quer ir mais longe e acabar a viagem
A pergunta foi direta. Vem aí o programa Magalhães 2? “Para sermos generosos com os nossos vizinhos espanhóis até podemos dizer que é um programa Elcano, porque completa a viagem iniciada”, respondeu António Costa durante uma entrevista à agência Lusa. Juan Sebastián Elcano foi o navegador espanhol que completou a primeira circunavegação ao mundo iniciada pelo português.
Mas sobre uma espécie de Magalhães 4.0, o primeiro-ministro deixou claro que quer ir muito mais longe do que o programa do Governo de José Sócrates.
“É muito mais do que ter um computador ou um tablet. É ter isso e possuir acesso garantido à rede em condições de igualdade em todo o território nacional e em todos os contextos familiares, assim como as ferramentas pedagógicas adequadas para se poder trabalhar plenamente em qualquer circunstância com essas ferramentas digitais”, adiantou.
Por enquanto, também não é claro se os equipamentos informáticos a distribuir serão computadores portáteis ou tablets e que tipo de características precisarão de ter.
E os custos? Avultados, mas ainda por definir
“Neste momento ainda não temos [ideia de custos]. Estamos a fazer esse levantamento. Mas este era um programa que tínhamos para desenvolver ao longo da legislatura, temos obviamente de o acelerar”, explicou Costa durante a entrevista ao Observador.
Apesar disso, em declarações à Lusa, o primeiro-ministro assumiu que o investimento é avultado, mas essencial. “É preciso garantir a necessidade de que, aconteça o que aconteça do ponto de vista sanitário durante o próximo ano letivo, não se assistirá a situações de disrupção, porque houve outra face da moeda que esta crise demonstrou”.