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Migrantes encaminhados na fronteira Bielorrússia com a Polónia
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Quatro mil migrantes à espera para entrar na Polónia

Leonid Shcheglov/BelTA/TASS

Quatro mil migrantes à espera para entrar na Polónia

Leonid Shcheglov/BelTA/TASS

Um drama humanitário "orquestrado por Lukashenko". A crise na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia em seis pontos

Cerca de quatro mil pessoas continuam acampadas junto à fronteira da Polónia e já há relatos de conflitos e violência. União Europeia avança com novas sanções. A crise migratória em seis pontos.

O ambiente na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia é cada vez mais tenso: sem conseguirem entrar na União Europeia, os migrantes atiraram pedras às forças polacas, que esta terça-feira responderam com gás lacrimogéneo e canhões de água.

Polónia e Bielorrússia acusam-se mutuamente de terem criado uma crise humanitária, com pelo menos dez mortes confirmadas, e a União Europeia aponta o dedo ao Presidente bielorrusso, Aleksandr G. Lukashenko, acusando-o de retaliação política.

Em plena crise humanitária na região, a Polónia já deu garantias firmes de que vai construir um extenso muro ao longo da fronteira com a Bielorrúsia para travar a entrada de mais migrantes no país. No terreno, já há forças militares de vários países, e uma quinta ronda de sanções foi anunciada pela União Europeia.

Como é que chegámos aqui

A atual crise na fronteira entre os dois países do leste europeu começou há cerca de meio ano. Em maio, a Bielorrússia forçou a aterragem de um avião da Ryanair que sobrevoava o país para poder prender um dissidente que seguia a bordo. Em resposta, a União Europeia impôs novas sanções económicas, que vieram agravar as que já tinham sido aplicadas na sequência das eleições presidenciais de 2020, consideradas fraudulentas, e que deram vitória a Aleksandr G. Lukashenko.

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“Esta crise foi totalmente orquestrada por Lukashenko, isso é claro. Acho que Lukashenko é um líder atípico porque está pronto para arriscar a vida das pessoas e também está interessado numa escalada na fronteira”
Piotr Buras, chefe do gabinete de Varsóvia do Conselho Europeu para Relações Internacionais.

Agora, o líder bielorrusso encontrou uma forma de responder, atingindo um dos pontos mais sensíveis da União Europeia: a entrada de refugiados no espaço europeu.

“Esta crise foi totalmente orquestrada por Lukashenko, isso é claro. Acho que Lukashenko é um líder atípico, porque está pronto para arriscar a vida das pessoas e também está interessado numa escalada na fronteira”, diz ao Observador Piotr Buras, chefe do gabinete de Varsóvia do Conselho Europeu para Relações Internacionais.

“As motivações dele não são novas. Esta escalada faz parte da estratégia dele, e a estratégia é muito simples: quer ser reconhecido pela União Europeia e ser visto como parceiro nas negociações, porque como sabemos a União Europeia não o reconheceu como Presidente da Bielorrússia depois das eleições no ano passado. Ele está isolado internacionalmente”, explica ao Observador.

Vistos, viagens de avião e alicates: o papel de Lukashenko

Quando migrantes do Médio Oriente procuram asilo na Europa, arriscam muitas vezes a vida em travessias de barco. Mas, agora, Lukashenko apresentou uma proposta mais aliciante: facilitou a atribuição de vistos e viagens para a Bielorrússia, com o apoio de agências de viagens e companhias aéreas.

A Bielorrússia passou a apresentar-se como uma alternativa mais segura e confortável para os que tentam escapar à pobreza ou fugir da guerra e pretendem entrar no espaço europeu.

Migrantes encaminhados na fronteira Bielorrússia com a Polónia

Leonid Shcheglov/BelTA/TASS

Mas o Governo de Lukashenko é claro na mensagem: a Bielorrússia é apenas um ponto de passagem. Os migrantes são encaminhados para as fronteiras com a Polónia e Lituânia, com instruções sobre o caminho e, muitas vezes, chegam a receber alicates e machados para cortarem vedações na fronteira com a Polónia e que deviam servir de barreira à entrada no país.

Migrantes e refugiados: de “vítimas” a “agressores”

É a partir daqui que as coisas começam realmente a correr mal. A Polónia não autoriza a entrada destes migrantes, e a Bielorrússia não aceita que regressem a Minsk. O cenário rapidamente resultou numa crise humanitária, com milhares de pessoas ‘entaladas’ entre os dois países, numa zona gelada de floresta, sem alimentos ou forma de se aquecerem.

“Infelizmente, na Polónia, o Estado de Emergência foi declarado pelo Governo e isso significa que Organizações Não-Governamentais (ONG) e jornalistas não têm acesso à zona”, explica ao Observador Magdalena Stefanska, da Cruz Vermelha da Polónia. A “zona” a que se refere estende-se por cerca de três quilómetros, em área florestal, já em território polaco, e é aí que milhares de migrantes esperam por uma oportunidade para entrar na Polónia.

Esta “zona de emergência” está agora altamente militarizada, com as forças polacas firmes na intenção de não deixar ninguém entrar.

"O inverno está aí, as condições atmosféricas estão a piorar, principalmente à noite. Estamos preocupados com o estado de saúde deles, com casos de hipotermia, as pessoas necessitam desesperadamente de roupa quente, cobertores, sacos-cama, kits de higiene"
Magdalena Stefanska, Cruz Vermelha da Polónia

Há, no entanto, exceções — pessoas que chegam a território polaco e que a Cruz Vermelha tem acompanhado. “Alguns migrantes conseguem atravessar e chegar a áreas fora da zona. A Cruz Vermelha decidiu estabelecer pontos de distribuição que estão localizados perto da zona de emergência. São pontos onde os migrantes podem receber comida e outros produtos”, descreve.

Uma das maiores preocupações é a de que os migrantes não resistam às temperaturas do inverno polaco — há registo de casos de hipotermia e de, pelo menos, dez mortos.

Depois de dias de tensão e relatos pontuais de violência, as forças polacas lançaram gás lacrimogéneo e usaram canhões de água sobre os migrantes. Foi a resposta das autoridades depois de terem sido alvo de arremesso de pedras e outros objetos.

“Há milhares de migrantes que estão a tentar atravessar a fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia, e temos de ter em conta que o inverno está aí, as condições atmosféricas estão a piorar, principalmente à noite. Estamos preocupados com o estado de saúde deles, com casos de hipotermia, as pessoas necessitam desesperadamente de roupa quente, cobertores, sacos-cama, kits de higiene. E, claro, tendo em conta que ainda há Covid-19, estamos preocupados que possam ser facilmente infetados. Por isso, também são precisos kits de segurança. Estas são coisas que estamos prontos para distribuir”, sublinha.

Magdalena Stefanska diz que a Cruz Vermelha não tem números exatos, mas garante que há crianças nesta situação dramática.

Migrantes encaminhados na fronteira Bielorrússia com a Polónia

Leonid Shcheglov/BelTA/TASS

Depois de dias de tensão e relatos pontuais de violência, as forças polacas lançaram gás lacrimogéneo e usaram canhões de água sobre os migrantes. Foi a resposta das autoridades polacas, depois de terem sido alvo de arremesso de pedras e outros objetos.

A Cruz Vermelha do país não quis comentar estes episódios, explicando que está em negociações com as autoridades para ter acesso direto aos migrantes na zona de emergência: “Estamos em diálogo com as autoridades fronteiriças polacas para que nos autorizem a entrar na zona. Se este diálogo funcionar, esperamos conseguir pelo menos apoiar os migrantes”.

Piotr Buras lamenta a posição difícil em que estes migrantes foram colocados. “Sem dúvida, estas pessoas são vítimas das políticas de Lukashenko e, ao mesmo tempo, são agressores. As pessoas estão tão desesperadas que não têm outra hipótese a não ser tornarem-se agressores. Atacam a fronteira polaca e tentam entrar na União Europeia porque já não têm dinheiro, foram roubados pelos agentes bielorrussos, ou gastaram tudo em viagens e hotéis na Bielorrússia. E em muitos casos não os deixam voltar. Estão presos na fronteira, não têm opção. Qualquer pessoa nesta situação se comportaria assim”, aponta.

Putin e Lukashenko, “cada um com o seu jogo”

Qual o papel da Rússia neste conflito? Apesar de o Kremlin se ter colocado ao lado da Bielorrússia, já veio também oferecer-se para mediar o conflito, e apressou-se a garantir o abastecimento de gás à Europa, depois de Lukashenko ter ameaçado com cortes.

Ao mesmo tempo, a Rússia realizou exercícios militares conjuntos com a Bielorrússia, junto à fronteira com a Polónia. Piotr Buras explica que os dois líderes estão envolvidos num “jogo complexo”, mas que partilham interesses comuns.

Migrantes encaminhados na fronteira Bielorrússia com a Polónia

Leonid Shcheglov/BelTA/TASS

“O principal é proteger a ditadura. É isto que têm em comum. Putin tem medo de tudo o que possa ser fazer avançar a democracia na Rússia, na Bielorrússia ou na Ucrânia. Lukashenko é igual, mas também quer preservar o máximo de autonomia possível. Internamente, quer ter espaço de manobra. Há muitas tensões entre Lukashenko e Putin. Está também a lutar pela sua sobrevivência política. Tudo isto deve ser tido em conta nesta crise”, explica o chefe do gabinete de Varsóvia do Conselho Europeu para Relações Internacionais.

O que é que a União Europeia deve fazer?

Na segunda-feira, a União Europeia anunciou que vai aplicar uma quinta ronda de sanções à Bielorrússia, depois de ter acusado o regime de Lukashenko de levar a cabo um “ataque híbrido” contra a Europa.

As sanções são destinadas a “toda a gente envolvida” no transporte de pessoas da fronteira da Bielorrússia para a Polónia, mas uma lista concreta de indivíduos e entidades só deve ser conhecida nas próximas semanas. Lukashenko já prometeu retaliar, mas não especificou como.

Piotr Buras acredita que as sanções não vão funcionar e que é preciso mão mais pesada: “Temos de ter um dissuasor muito maior, que pode nem vir a ser aplicado, mas temos de ameaçar com sanções em massa, em especial com o encerramento da fronteira para o transporte de bens para a Bielorrússia. A Polónia e a Alemanha são os principais mercados de abastecimento. Esse seria um sinal forte”.

"Acho que vai ser inevitável para a União Europeia deixar pelo menos algumas pessoas entrar. Porque a União Europeia não pode tolerar uma situação em que as pessoas estão a morrer de frio debaixo dos nossos olhos, na fronteira europeia”
Piotr Buras, chefe do gabinete de Varsóvia do Conselho Europeu para Relações Internacionais

Polónia vai construir um muro. A UE deixa migrantes às suas portas?

A Polónia mantém-se firme na intenção de não deixar migrantes entrar e já anunciou até a construção de um muro com 180 quilómetros. Vai custar 353 milhões de euros e deverá estar concluído no Verão. A posição da Polónia é particularmente delicada, já que o país tem, por sua vez, conflitos com a União Europeia, e tentou gerir esta crise migratória de forma isolada.

O especialista do Conselho Europeu para Relações Internacionais acredita que pode ser difícil conciliar as posições da UE e Polónia. “Isto é extremamente impopular na Polónia, mas acho que vai ser inevitável que a União Europeia deixe pelo menos algumas pessoas entrar. Porque a União Europeia não pode tolerar uma situação em que as pessoas estão a morrer de frio debaixo dos nossos olhos, na fronteira europeia”, prevê Piotr Buras.

“Os números são insignificantes para o que a UE pode gerir. E, mesmo para a Polónia, aceitar cerca de 20 mil migrantes…não é nada. O problema não é o número, mas o contexto político. Para o Governo polaco, vai ser terrivelmente difícil deixar as pessoas entrar, porque se colocaram numa posição muito difícil, com esta propaganda de guerra, retórica de guerra, depois de terem dito que se trata da soberania da Polónia. Levaram esta retórica a tal extremo que, agora, aceitar quatro mil migrantes seria uma enorme derrota”, sublinha.

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