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Sam Altman é o que se pode chamar de “empreendedor em série”. Já criou startups, algumas vendidas sem conseguir dar retorno aos investidores, mas que garantiram um pé de meia para fundar uma capital de risco. Estava próximo dos 30 anos quando chegou à liderança da Y Combinator (YC), uma das aceleradoras mais conhecidas do mundo, que acolheu companhias como a Stripe, a Dropbox ou a Airbnb.
Nas conferências e meios especializados ligados ao empreendedorismo já era um nome da casa, mas recentemente ganhou ainda mais atenção quando o mundo começou a “brincar” com o ChatGPT. Em dois meses ganhou 100 milhões de utilizadores e cimentou a influência da OpenAI, a sua criadora, e um dos vários projetos paralelos de Altman.
As supostas capacidades preditivas do norte-americano de 37 anos até já foram motivo de brincadeira no Twitter e valeram-lhe a referência “Yoda das startups”. Paul Graham, o conhecido programador e investidor que co-fundou a Y Combinator, tem uma máxima que segue à risca: “Nunca apostem contra o Sam” em temas de prever preços e avaliações, escreveu em 2020. “Acho que nem ele percebe quão bom é a investir (…). Ele realmente tem uma espécie de sexto sentido.”
Never bet against Sam about this kind of thing. I can (with some effort) treat his predictions about AI with at least some amount of skepticism, but when he gets precise about future prices, you ignore him at your peril.
— Paul Graham (@paulg) December 8, 2020
Não se sabe se o olhar a longo prazo de Altman conseguiu antecipar toda a atenção que a indústria tecnológica acabou por dar à OpenAI, fundada em 2015, com a ajuda de Elon Musk ou do conhecido investidor Peter Thiel. No espaço de meses, a empresa passou a estar nas bocas do mundo e garantiu pelo menos um investimento de 10 mil milhões de dólares pelas mãos da Microsoft, sua apoiante de longa data.
Microsoft confirma que vai investir “vários milhares de milhões” na criadora do ChatGPT
As capacidades do ChatGPT para gerar texto e responder a questões complexas tornou-se um tema de discussão na indústria. Há quem se mostre fascinado pelos textos do “chatbot” mas também quem não consiga esquecer os receios. E depois há Sam Altman, que é o primeiro a reconhecer as falhas do serviço conversacional baseado num large language model (LLM). Sem rodeios, disse no “Hard Fork”, o podcast do New York Times, que acha o ChatGPT “um produto horrível”. “As pessoas estão só a ir a um site que às vezes funciona e que noutras, com frequência, está inacessível”, referindo-se à indisponibilidade dos sistemas, muitas vezes devido ao excesso de tráfego.
Apesar dos contratempos, Altman não escondeu a satisfação com a aceitação do ChatGPT: “As pessoas realmente adoram-no, e isso deixa-nos contentes. Mas ninguém pode dizer que é um excelente produto e bem integrado… Mas há muito valor por as pessoas estarem dispostas a interagir com ele.” Não foi a primeira vez que este “arquiteto” desvalorizou os feitos do ChatGPT: na altura do lançamento, em novembro, pediu cautela aos utilizadores, pedindo para não confiarem nas informações apresentadas.
Um “dropout” que chegou à liderança de uma das aceleradoras mais conhecidas do mundo
Quando tinha oito anos, Sam Altman já sabia programar e desmontar um Macintosh como gente grande. Nascido em Chicago, em 1985, mas criado em St. Louis, a relação com a tecnologia intensificou-se ao ponto de Altman dizer que o computador se tornara a sua “ligação à vida”. Em 2016, quando a revista New Yorker fez um longo perfil do empreendedor, que estava então ao leme da Y Combinator e tinha acabado de fundar a OpenAI, assumiu que as salas de chat do AOL “foram transformadoras” na sua formação.
Altman pertence à mesma geração de Mark Zuckerberg – é apenas um ano mais novo que o fundador do Facebook – e têm em comum o terem desistido do curso numa prestigiada universidade norte-americana para se dedicarem a startups. Mas, enquanto Zuckerberg andou em Harvard (estado de Massachusetts), Altman estava no ponto oposto dos Estados Unidos, em Stanford (Califórnia). Completou dois anos do curso de ciência da computação, mas acabou por desistir para se dedicar à Loopt.
Nascida em 2005, era uma plataforma na qual os utilizadores podiam partilhar a localização com amigos. Chegou a ter cinco milhões de utilizadores registados e deixou os fundadores Altman, Nick Sivo e Alok Deshpande com um pé na primeira fornada de startups apoiada pela recém-criada Y Combinator (YC). Nesse ano, Paul Graham e a mulher, Jessica Livingston, tinham 200 mil dólares para investir em startups e começaram a aceitar candidaturas. Empresas como o Reddit e a TextPayMe integraram o primeiro grupo de startups da YC, na primavera de 2005. Altman trabalhou de forma tão afincada durante esse período que desenvolveu escorbuto, doença caracterizada por défice de vitamina C.
Mas assegurou o progresso da Loopt, adaptando-se à era dos smartphones. Os investimentos sucederam-se: cinco milhões de dólares em 2006 pela Sequoia Capital e pela New Enterprise Associates e mais 8,5 milhões em 2007 numa série B. A startup chegou a comprar a Graffit Geo, também incubada na Y Combinator, mas em 2012 a viagem da Loopt chega ao fim. Foi vendida à Green Dot Corporation por 43,4 milhões de dólares, sob o argumento de que não tinha utilizadores suficientes e não conseguindo dar retorno a alguns dos investidores.
Com os cinco milhões de dólares que encaixou com a venda da Loopt, Altman formou a sua própria capital de risco, virada para empresas numa fase inicial, a Hydrazine Capital. Conseguiu angariar 21 milhões de dólares para injetar em startups, com a ajuda de Peter Thiel, o conhecido investidor que tem um lugar no conselho de administração do Facebook e que mais tarde se tornou sócio da Y Combinator.
Quando o casal Paul Graham e Jessica Livingston começou a acusar o cansaço de aconselhar fundadores de startups da Y Combinator, que já fazia duas “turmas” por ano, ao mesmo tempo que tinham de gerir a vida familiar, viram em Sam Altman, que já era sócio da aceleradora, um sucessor para assumir essas responsabilidades. “Não havia uma lista de quem é que devia ficar à frente da YC e o Sam estava no auge. Era só o Sam”, contou Livingston à New Yorker, em 2016.
“Perguntei ao Sam na nossa cozinha: ‘Queres ficar com a YC?’, e ele sorriu. Nunca tinha visto um sorriso não controlado do Sam. Foi como quando se atira um papel e se acerta no balde do lixo na outra ponta da sala – esse tipo de sorriso”, disse Paul Graham. Em fevereiro de 2014 foi formalizado o anúncio. A justificação para a saída de Graham? “A YC precisa de crescer e eu não sou a melhor pessoa para isso.”
Pelo meio, Altman voltou a Stanford – não para terminar o curso, mas para dar aulas sobre como criar uma startup, ao lado de Dustin Moskovitz, um dos co-fundadores do Facebook e da companhia Asana. Todos os vídeos das lições estão disponíveis no YouTube – só o primeiro capítulo tem 1,7 milhões de visualizações.
A Y Combinator, que contribuiu para o crescimento de mil startups, incluindo nomes como a Dropbox ou o Airbnb, continuou a crescer nos anos em que Altman a liderou. Mas não foram tempos isentos de polémicas. Em 2016, quando Donald Trump chegou à Casa Branca, os Estados Unidos estavam fortemente polarizados. Na Y Combinator, o facto de o multimilionário Peter Thiel, um dos sócios da aceleradora, ter não só demonstrado apoio público a Trump mas também doado 1,25 milhões à campanha do republicano foi um incómodo. Altman, então com 31 anos, criticou duramente as políticas de Trump, classificando-as como “racistas e isolacionistas”. Numa publicação no seu blog, chegou mesmo a comparar o norte-americano a Adolf Hitler.
Altman participou em manifestações contra Trump em algumas ocasiões, mas o facto de não ter cortado ligações com Thiel, um dos principais financiadores da campanha do magnata, não foi bem recebido. “Sam Altman é um cobarde”, escreveu o Gizmodo em 2017.
Altman defendeu publicamente Thiel, alegadamente um amigo pessoal, reconhecendo que “discordava do seu apoio” a Trump, mas que a YC “não ia despedir ninguém por apoiar um candidato político”. Um ano depois, já no final de 2017, a corda rebentou: o perfil no site da aceleradora foi editado com o texto “Peter Thiel já não está ligado à YC”.
3) Thiel is a high profile supporter of Trump. I disagree with this. YC is not going to fire someone for supporting a major party nominee.
— Sam Altman (@sama) October 17, 2016
Durante cerca de cinco anos, Altman presidiu à YC, aconselhou fundadores de startups, integrou os conselhos de administração de várias companhias e participou em conferências, mas continuou a pensar no futuro e na inteligência artificial. A OpenAI já estava a mexer, com a missão de “avançar a IA da forma que mais conseguisse beneficiar a humanidade como um todo, sem restrições ligadas à necessidade de ter retorno financeiro”, segundo um anúncio da empresa.
Decidiu afastar-se da liderança da YC em 2019. “Trabalhar na OpenAI tem sido mais fascinantes (e mais complexo) do que alguma vez imaginei e estou entusiasmado por conseguir focar-me totalmente nela”, escreveu na publicação de despedida da presidência da Y Combinator, em maio. Dois meses depois, foi feito o anúncio do primeiro investimento da Microsoft na OpenAI, na altura de mil milhões de dólares.
Mas ainda teve tempo para fundar mais uma empresa — a WorldCoin, em 2020. Se a inteligência artificial já consegue assustar muita gente, a premissa desta companhia sobe de nível: quer digitalizar a íris dos utilizadores para poder aceder a uma carteira digital.
Os medos de Altman: da revolta da IA até aos vírus sintéticos
Em público, Sam Altman é conhecido pelos discursos em tom acelerado e por um intenso foco na eficiência. À New Yorker contou que tem gostos muito específicos na tecnologia e que não tem paciência para coisas que não lhe interessam, como “festas ou a maior parte das pessoas”. O CEO da OpenAI é definido como alguém com a clareza e a capacidade de compreender sistemas complexos de forma intuitiva, ao mesmo tempo que lhe identificam uma “ausência de interesse em pessoas pouco eficientes”.
Diz que tem um “circuito em falta no cérebro”, aquele que poderia fazer com que “se preocupasse com o que acham as pessoas”, mas vê nisso “um verdadeiro presente”. Estas características são equilibradas com uma pitada de humor. Quando o jornalista da revista New Yorker notou, ao fim de alguns dias com o CEO da OpenAI, que ele praticamente não ia à casa de banho, atirou que “passaria a treinar idas mais frequentes ao WC para que os humanos não se apercebam que é uma IA”. No Twitter, é frequente as picardias com um dos irmãos mais novos, Jack Altman, fundador da startup Lattice. “Talvez escreva um perfil sobre ti, tenho algumas ideias sobre as tuas competências em miúdo em jogos de vídeo que acho que o mundo precisa de conhecer”, comentou quando o irmão partilhou um perfil seu publicado pela Business Insider.
i might write a profile on you, i have some thoughts about your childhood video game skills i think the world needs to know
— Sam Altman (@sama) February 7, 2023
O fundador da OpenAI admite que tem uma paixão por motores – em 2016 tinha cinco carros, incluindo dois McLaren e um Tesla, e aprecia “alugar aviões para sobrevoar a Califórnia”, disse à New Yorker. Mas… prepara-se para um cenário em que seja preciso lutar pela sobrevivência. “A culpa é dos amigos”, explicou. “O meu problema é que quando os meus amigos se embebedam começam a falar das formas como o mundo pode acabar”, enumerando receios como um “vírus sintético letal” ou “um cenário em que a inteligência artificial nos ataca e as nações comecem a lutar com bombas nucleares por recursos escassos”.
E, por isso, para se precaver, diz ter uma reserva de armas, ouro, iodeto de potássio para possíveis acidentes nucleares, antibióticos, baterias, água, “máscaras de gás das Forças de Defesa de Israel e um grande pedaço de terra no Big Sur para onde pode voar”, referindo-se a uma zona da Califórnia.
Garante que quer destinar a maioria do dinheiro que tem a formas de melhorar a humanidade, mas que não abdica de uma “almofada de conforto”: os tais carros, os passeios de avião, a casa de quatro quartos em São Francisco, onde está sediada a OpenAI, a propriedade no Big Sur e dez milhões de dólares, usando os juros para cobrir as despesas diárias.
ChatGTP esteve quase a ficar na gaveta
Não é de agora que as principais empresas do setor da tecnologia querem alcançar mais na inteligência artificial – as big tech, por exemplo, já têm investigação na área há anos, tal como o mundo académico. A diferença é que a disponibilização do ChatGPT ao público, com uso simplificado e sem precisar de grandes conhecimentos, contribuiu para muita gente se familiarizar com esta tecnologia e ter exemplos práticos daquilo que pode fazer. A IA deixou de ser algo tão distante ou só ao alcance dos especialistas.
Mas se Sam Altman está associado à expansão da OpenAI, por vezes tem uma posição ambivalente em relação à IA. “Acho que um bom uso para a IA vai ser tão incrivelmente bom que até se soa louco quando se fala sobre isto. Mas acho que o pior uso será o de as luzes se apagarem para todos nós [sinónimo de morte dos humanos]”, disse num evento em São Francisco, citado pela Fortune. “Estou mais preocupado com um mau uso acidental a curto prazo… Portanto acho que é impossível exagerar a importância de ter segurança na inteligência artificial e um trabalho em linha com isso.”
Este oscilar de Altman entre o entusiasmo e o pessimismo em relação à IA estará a ser uma constante dentro da organização. Assim que começou o frenesim com o ChatGPT, Altman veio aconselhar que não se confiasse em todas as respostas, dizendo que o modelo era “limitado” e precisava de muito trabalho. Quando um dos responsáveis da empresa partilhou no Twitter que o ChatGPT já tinha dois milhões de utilizadores em poucos dias, Altman terá pedido para que a publicação fosse apagada, notou o New York Times. Até na origem a empresa é invulgar: começou como uma organização sem fins lucrativos com o apoio de multimilionários, passando, em 2019, a ter uma subsidiária a visar os lucros.
A empresa esteve, mesmo, para não lançar o ChatGPT ao público. A disponibilização foi quase um último recurso. Nenhum dos executivos “estava enamorado” pelo chatbot. À Forbes, Greg Brockman, um dos co-fundadores da empresa, contou que achava que a funcionalidade ia ser “inútil” para o público, ficando surpreendido com toda a atenção dada à ferramenta. O projeto que parecia entusiasmar poucos dentro da empresa, e que, por isso, esteve quase a ficar na gaveta, não só se transformou na aplicação de consumo de maior crescimento dos últimos anos como deu um contributo para uma nova guerra de titãs entre Microsoft e a Google.
Google é um “gorila” na pesquisa que a Microsoft quer “pôr a dançar” na inteligência artificial