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Wim Thiery, climatologista belga, liderou o estudo que permitiu medir como as alterações climáticas vão impactar concretamente a vida das gerações que estão hoje a nascer
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Wim Thiery, climatologista belga, liderou o estudo que permitiu medir como as alterações climáticas vão impactar concretamente a vida das gerações que estão hoje a nascer

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Wim Thiery, climatologista belga, liderou o estudo que permitiu medir como as alterações climáticas vão impactar concretamente a vida das gerações que estão hoje a nascer

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Um recém-nascido vai viver sete vezes mais ondas de calor do que os avós. O cientista que vê o clima como "conflito intergeracional"

O climatologista Wim Thiery, pai de três filhos, liderou um estudo inovador para medir o impacto real das alterações climáticas nas gerações que nascem hoje — e diz que os resultados são alarmantes.

Durante a sua vida, uma criança nascida em 2020 vai testemunhar, em média, o dobro dos ciclones tropicais, o dobro dos incêndios, o triplo da escassez agrícola, o triplo das secas, o triplo das inundações em rios e sete vezes mais ondas de calor do que os seus avós nascidos em 1960. Os números são o resultado de um estudo científico inédito publicado no final de setembro na revista Science. Pela primeira vez, um grupo de cientistas internacionais fugiu ao paradigma tradicional da climatologia — o de comparar intervalos de tempo — e deu números concretos a uma pergunta fundamental: quão mais expostas aos desastres climáticos estarão as crianças ao longo da sua vida do que as gerações anteriores?

Numa entrevista ao Observador, o climatologista belga Wim Thiery, de 34 anos, que liderou este estudo internacional, explica que teve a ideia durante uma conferência em que alguém lhe fez uma pergunta concreta sobre o impacto das alterações climáticas nas crianças. Mas não esconde que o facto de ser pai de Loic (7 anos), Leon (6 anos) e Gaspard (2 anos) o motivou especialmente a levar por diante os esforços para quantificar quão mais expostos ao clima os seus filhos vão estar.

Thiery explica ainda que, numa altura em que jovens ativistas pelo clima como Greta Thunberg dominaram a narrativa do combate às alterações climáticas e a recentraram como um problema de justiça entre gerações, era fundamental quantificar o problema e explorar “o clima enquanto conflito intergeracional”. Um conflito entre “os jovens, que vão enfrentar as consequências mas não estão em cargos de poder, e os mais velhos, que estão em cargos de poder mas poderão não enfrentar as consequências das decisões que estão a tomar”.

O estudo, que serviu de base a um relatório recente da Organização Não Governamental (ONG) global Save The Children sobre os impactos das alterações climáticas nos mais novos, deverá ser um dos grandes tópicos de discussão em cima da mesa no próximo mês, durante a COP 26 — a reunião de Glasgow em que os países signatários do Acordo de Paris deverão formalizar um aumento de ambição nas suas políticas climáticas. “Espero que este estudo que fizemos ajude os decisores políticos a entender melhor os verdadeiros riscos que neste momento existem para as atuais gerações mais jovens, bem como os benefícios de limitar o aquecimento global”, sustenta Thiery.

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Wim Thiery é climatologista na VUB - Universidade Livre de Bruxelas

Luc Gordts

Qual é a grande inovação deste estudo?
A grande inovação é que fizemos uma ponte entre a demografia e a climatologia, para quantificar a exposição a fenómenos climáticos extremos ao longo de uma vida. O que tradicionalmente se faz na climatologia é que, quando estudamos as alterações climáticas ou as suas consequências e implicações, comparamos dois intervalos de tempo. Por exemplo, em 2100 vai haver x vezes mais ondas de calor do que hoje. Ou então: num mundo 3ºC mais quente, vai haver x vezes mais inundações de rios do que num mundo 1ºC mais quente. Esta comparação entre intervalos de tempo é o paradigma no qual temos trabalhado nesta disciplina. É a forma que usamos para compreender o sistema climático e o modo como as alterações climáticas estão afetar o mundo. O problema é que este modelo não nos permite quantificar o impacto das alterações climáticas que uma pessoa nascida num ano concreto e numa localização concreta vai sofrer durante todo o tempo da sua vida. Foi isso que fizemos neste estudo. Quantificámos a exposição ao longo de uma vida inteira a seis fenómenos extremos — ondas de calor, secas, inundações de rios, falhas na colheita em terrenos agrícolas, incêndios rurais e ciclones tropicais — para todas as pessoas nascidas entre 1960 e 2020, em todos os países do mundo, para cada um dos cenários de aquecimento global futuro, desde o atual 1ºC até aos 3,5ºC acima do nível pré-industrial. Temos um grande conjunto de dados: ano (1960-2020), país, cenário de aquecimento e categoria de fenómeno extremo. Para cada ponto, quantificámos a exposição a fenómenos extremos ao longo da vida.

Na prática, cobrem três gerações: as crianças nascidas hoje, os seus pais e os seus avós.
Precisamente. De 2020 até 1960. São as pessoas que em 2020 tinham entre zero e 60 anos de idade.

O Wim tem três filhos. Já tem vindo a estudar o clima há vários anos, mas este estudo também é uma novidade para si. Os seus filhos influenciaram a sua vontade de estudar estas desigualdades geracionais?
Seguramente, quando se tem filhos, fica-se mais consciente disto. Eu já era climatologista antes de ter filhos, mas foi só quando tive o meu primeiro filho que me apercebi verdadeiramente de que eles vão estar vivos quando o clima futuro que eu estudo se tornar uma realidade. No meu doutoramento, estudei a precipitação extrema, com projeções para a África oriental. Usei modelos climáticos de alta resolução para a região dos Grandes Lagos Africanos. Na verdade, olhei para aqueles diferentes cenários possíveis de futuro, mas ter um filho faz-nos perceber que tudo se torna mais tangível. Eles vão estar vivos nesse momento. Eles vão saber qual dos cenários se terá tornado realidade nessa altura. É uma inspiração. Mas, de modo mais geral, penso que há várias fontes de inspiração para este estudo.

"Eu já era climatologista antes de ter filhos, mas foi só quando tive o meu primeiro filho que me apercebi verdadeiramente de que eles vão estar vivos quando o clima futuro que eu estudo se tornar uma realidade."

Como por exemplo?
Há esta questão: irá um recém-nascido viver mais fenómenos extremos do que uma pessoa de 60 anos? Toda a gente diz que sim, mas nunca o quantificámos até hoje. E acho que isso é importante por três razões. Em primeiro lugar, nos últimos anos tem havido um grande número de protestos organizados por jovens em todo o mundo. O movimento Fridays for Future, o Youth4Climate… Os jovens têm saído à rua, organizado protestos, arruadas e greves escolares exigindo aos seus governos que sejam mais ambiciosos na sua ação climática. E há muitas críticas contra estes movimentos — críticas habitualmente oriundas das gerações mais velhas. É aqui que percebemos que há potencial para um conflito intergeracional. O clima enquanto conflito intergeracional. Entre os jovens, que vão enfrentar as consequências, mas não estão em cargos de poder, e os mais velhos, que estão em cargos de poder, mas poderão não enfrentar as consequências das decisões que estão a tomar. Gostava de usar uma citação de Michael Mann, um climatologista muito famoso. Ele diz que, durante muito tempo, a ciência climática foi uma narrativa sobre políticas, sobre como organizar a economia e a sociedade. Mas o que os ativistas climáticos mais jovens — como a Greta Thunberg e muitos outros — fizeram foi recentrar a narrativa das alterações climáticas em torno da justiça intergeracional. É a isso que se resume: justiça intergeracional.

O mundo que deixaremos aos nossos filhos.
Exatamente. Esta é a primeira razão, e a segunda razão está relacionada com ela. Nos últimos anos, vimos um grande aumento dos litígios climáticos. Há processos movidos em tribunal, por pessoas que processam os seus governos, empresas de combustíveis fósseis ou organizações internacionais como a União Europeia, por não agirem suficientemente em defesa do clima. Em muitos destes casos, há crianças envolvidas. Crianças que processam os seus governos. Há até um caso muito famoso com crianças portuguesas. Deste ponto de vista, há uma questão jurídica importante: será que uma criança de 15 anos tem mais direito a mover um processo internacional contra um governo do que, por exemplo, uma pessoa de 30 ou de 50 anos? Porque, novamente, aquela pessoa de 15 anos vai enfrentar mais consequências. Na verdade, a ONG Save The Children, que está envolvida no apoio especializado nestes casos, pediu-me se podia usar o estudo para informações. Na altura, o estudo não estava publicado e decidiu não se usar. Mas há esta necessidade, de uma perspetiva jurídica, de recorrer à ciência relevante para usar naquele contexto. E a terceira razão é aquela que já discutimos, a razão científica. Temos este paradigma entre uma perspetiva lagrangiana e uma perspetiva euleriana. A perspetiva euleriana é a comparação entre dois períodos temporais, que em demografia é chamada a perspetiva de período; e temos essa perspetiva lagrangiana, em que seguimos a evolução ao longo do tempo de vida de uma pessoa, que em demografia é chamada uma perspetiva de geração. Esta diferença entre perspetivas, que é muito comum em demografia, é também muito comum na ciência atmosférica — porque eles seguem fluxos atmosféricos —, mas na ciência climática não estava, de todo, presente. São estas as razões.

Alterações climáticas: Tribunal dos Direitos Humanos dá luz verde a processo movido por jovens portugueses

É mais impactante. “Os meus filhos vão sofrer isto.” É mais humano, mais próximo de quem lê.
Absolutamente. Os resultados são mais intuitivos. Tentamos apresentar os resultados de um modo mais intuitivo. E devo dizer: nós desenvolvemos estas simulações de impacto, que são topo de gama e incluem os dados mais recentes possíveis. Mas não estamos a fazer nenhum processo novo. O que estamos a fazer é a reunir dados que existem, bases de dados que já existem, e é a primeira vez que alguém faz isto. Pegámos em duas bases de dados do clima. Por um lado, temos as simulações à escala global de fenómenos climáticos extremos. Simulações de modelos agrícolas, hidrológicos, de incêndios, ciclones tropicais, etc. Usamos informação de modelos climáticos globais para alimentar modelos de impacto — e obtemos simulações harmonizadas em todas estas categorias. E aí está o nosso conjunto de dados climáticos.

"Há uma questão jurídica importante: será que uma criança de 15 anos tem mais direito a mover um processo internacional contra um governo do que, por exemplo, uma pessoa de 30 ou de 50 anos?"

Usam modelos que já existem. Simulações desenvolvidas anteriormente por outros cientistas?
Estes modelos são desenvolvidos por instituições de investigação de todo o mundo. Usamos 15 modelos diferentes. Em alguns casos, são modelos abertos, open-source, por exemplo um que usamos que é desenvolvido por uma instituição norte-americana, desenvolvido por uma comunidade de milhares de cientistas que o usam e o desenvolvem. Também estamos a ajudar a desenvolver esse modelo — ou seja, é um modelo verdadeiramente comunitário. Mas também há outros modelos desenvolvidos por determinada instituição, e depois essa instituição realiza a simulação. O que é importante é que temos 15 modelos de impacto diferentes e quatro modelos climáticos, e fazemos as nossas simulações todas com um protocolo único. Temos um protocolo de simulação. Os modelos hidrológicos têm o mesmo protocolo que os modelos agrícolas, o que significa que usamos os mesmos cenários, os mesmos períodos temporais, a mesma resolução, etc. Isto significa que podemos comparar os resultados destes modelos uns com os outros e harmonizá-los. Isto acontece no contexto de uma grande colaboração internacional chamada ISIMIP — Inter-Sectoral Impact Model Intercomparison Project. É coordenada por uma instituição alemã chamada PIK — Potsdam Institute for Climate Impact Research. Estamos, na verdade, a combinar cinco conjuntos de dados neste estudo: a simulação de impacto, as trajetórias da temperatura do relatório do IPCC, e três conjuntos de dados demográficos — densidade populacional, esperança média de vida e tamanho das populações. O facto de juntarmos toda esta informação é que é verdadeiramente inovador.

Temos estado a falar do processo, mas gostava agora de falar dos resultados. Quais foram as principais conclusões do estudo?
Temos resultados para os vários países do mundo, mas se os agregarmos à escala global percebemos que uma criança nascida em 2020 irá enfrentar duas vezes mais ciclones tropicais, duas vezes mais incêndios, três vezes mais falhas nas colheitas agrícolas, três vezes mais secas, três vezes mais inundações de rios e sete vezes mais ondas de calor quando comparado com uma pessoa nascida em 1960. Também temos esses resultados em relação a uma pessoa hipotética que vivesse num mundo sem aquecimento global — e aí esses números seriam ainda maiores.

Num mundo em que não se combatesse o aquecimento global?
Não. Basicamente, nós temos duas referências. Uma referência que é, na prática, a comparação entre o neto e o avô. Esses são os resultados que estão incluídos no relatório da Save The Children. Estamos a comparar estas gerações com a geração nascida em 1960. Mas, no estudo científico, percebemos que as pessoas nascidas em 1960 também enfrentam as alterações climáticas, que já cá estão hoje. Também queríamos quantificar o quanto cada geração é afetada pelas alterações climáticas. Também fizemos os cálculos relativamente a uma pessoa hipotética que vivesse num clima pré-industrial. Aí, esses fatores de multiplicação são ainda maiores. Mas estes números que lhe dei são aqueles que temos divulgado — são entre as pessoas nascidas em 2020 e as pessoas nascidas em 1960.

Wim Thiery estudou o impacto das alterações climáticas no período de vida de cada geração entre 1960 e 2020

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E isto é se não mudarmos nada? Ou seja, se o planeta continuar a aquecer ao ritmo atual?
Isto é sob aquilo a que chamamos o cenário dos compromissos atuais. Depois do Acordo de Paris, em 2015, os países desenvolveram os seus planos climáticos e submeteram-nos à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC). No jargão, são conhecidos como “NDC” [sigla inglesa para “Contribuições Determinadas Nacionalmente”]. São, na prática, os planos climáticos de todos os países do mundo, submetidos às Nações Unidas. O que os cientistas fizeram foi pegar em todos estes planos e calcular o que significam em termos de emissões e de aquecimento. Os investigadores descobriram — isto foi um estudo de Joeri Rogelj, em 2016, na Nature — que isto significaria um aquecimento de 2,6ºC a 3,1ºC. É por isso que falamos de “cerca de 3ºC” de aquecimento.

Não o suficiente.
Não o suficiente para o Acordo de Paris. O que fizemos foi pegar num cenário que nos dá um aumento de temperatura de 2,4ºC — estamos no extremo mais conservador, mais otimista daquele intervalo — e chamámos-lhe o cenário dos compromissos atuais. Isto são, basicamente, as promessas que os países puseram em cima da mesa. Se eles cumprirem essas promessas, então vai ser esse o aumento. Devo dizer que as políticas atuais, ou seja, o que os países estão realmente a fazer, são insuficientes para alcançar esses compromissos; e esses compromissos são insuficientes para alcançar o Acordo de Paris. Só para colocar isto em perspetiva. Falei deste artigo, que nos deu o intervalo de 2,6ºC-3,1ºC. Recentemente, houve países que atualizaram os seus planos climáticos, em muitos casos aumentando a ambição. Por isso, agora, este intervalo foi atualizado e está mais próximo dos 2,4ºC. Se olharmos para todas as promessas dos países, estamos mais a caminho dos 2,4ºC — precisamente o cenário que usamos aqui. Genericamente, podemos dizer que os números que lhe dei estão ao abrigo das promessas atuais.

Ficou surpreendido com algumas das conclusões? Ou já estava à espera destes números?
Enquanto climatologista cujo trabalho versa sobre os fenómenos climáticos extremos há dez anos, não estou surpreendido pelo facto de a exposição aumentar fortemente com o aumento do nível de aquecimento global — nem pelo facto de os mais jovens terem de enfrentar o fardo mais pesado. Outra descoberta importante do nosso estudo é que, quanto mais jovem se é, mais importa qual dos cenários vamos ter. Também não estou surpreendido com o facto de as ondas de calor serem os fenómenos que mais aumentam, porque já o temos vindo a ver noutros estudos anteriores. Porém, enquanto pessoa, enquanto pai, quando vejo os números à minha frente… Só para lhe dar um número, num cenário em que o planeta aqueça 3,5ºC, os recém-nascidos vão enfrentar 44 vezes mais ondas de calor em comparação com a tal pessoa de referência que viva num mundo sem alterações climáticas. Uma criança de 6 anos, nesse cenário, vai enfrentar duas vezes mais incêndios, duas vezes mais ciclones tropicais, três vezes mais inundações, três vezes mais falhas nas colheitas agrícolas, cinco vezes mais secas e 36 vezes mais ondas de calor — em comparação com uma pessoa que vivesse num clima pré-industrial.

"Num cenário em que o planeta aqueça 3,5ºC, os recém-nascidos vão enfrentar 44 vezes mais ondas de calor em comparação com a tal pessoa de referência que viva num mundo sem alterações climáticas."

Quando deixa de falar de pessoas hipotéticas e começa a falar dos seus próprios filhos, fica mais pessimista?
Sim. Na verdade, isto não é uma pessoa hipotética. Eu tenho um filho que tinha 6 anos em 2020. Este é o aumento comparado em comparação com a mesma pessoa, se vivesse num mundo que não atravessasse o aquecimento global. Ou seja, uma pessoa a viver há 200 anos, na prática. Os números são mesmo grandes. Mesmo que não fiquemos surpreendidos pelas tendências gerais, quando vemos estes números, é mesmo muito preocupante. Quando falei com uma jornalista do The Washington Post, ela disse que era um “murro no estômago” e que chorou quando viu os números. Se começarmos a perceber as implicações, o que significa para as pessoas, é verdadeiramente preocupante.

Menciona no estudo o conceito de “solidariedade e justiça entre gerações”. Este pode ser um problema difícil de resolver, porque obviamente as crianças não têm acesso aos processos de tomada de decisão — porque são crianças —, mas serão os mais afetados por estes processos, como dizia antes. Como podemos resolver isto? Por exemplo, pensa que estes novos movimentos de jovens ativistas pelo clima estão a contribuir positivamente para dar às crianças uma voz nos processos de tomada de decisão ou, pelo contrário, estão a ser excessivamente alarmistas e podem prejudicar mais do que ajudar?
Considero, absolutamente, que estes jovens ativistas pelo clima têm vindo a colocar a crise climática na agenda política ao mais alto nível. Penso que é graças às ações deles… Eles estão a erguer-se pelos seus direitos numa altura em que quem está no poder não está a fazer o suficiente pelos seus filhos. Eles estão a colocar o assunto na agenda. Eu estava presente quando ouvi o ministro belga do Ambiente dizer a um jovem ativista pelo clima: “As tuas ações estão a pôr o clima na agenda política e estão a levar os governos a agir de modo mais ambicioso.” Isto está a acontecer na realidade. Estas ações estão a fazer a diferença. Há vários aspetos do meu estudo que acho relevantes neste contexto. Em primeiro lugar, descobrimos que todas as gerações são afetadas pelas alterações climáticas. Durante muito tempo, houve uma narrativa em que se dizia: “Temos de lidar com as alterações climáticas por causa das gerações futuras. Os nossos netos, os nossos bisnetos.” Aquelas crianças que vão nascer nas nossas famílias em algum momento do futuro, mas que ainda não conhecemos. São crianças futuras anónimas. O que mostramos é que já não é isto que se passa. As alterações climáticas chegaram, estão aqui agora. Em todos os lugares do mundo. Houve os incêndios em Portugal, as inundações na Bélgica e Alemanha, a onda de calor no Canadá. Temos estes impactos, estes fenómenos extremos, a acontecer em todos os pontos do planeta.

O que fizemos foi quantificar isto no nosso estudo e mostrar que todas as pessoas entre os zero e os 60 anos já vão viver uma vida sem precedentes no que respeita à exposição a falhas nas colheitas agrícolas e a ondas de calor. Sob qualquer cenário futuro. Se olharmos para as pessoas abaixo de 40 anos, vão viver uma vida sem precedentes no que respeita às ondas de calor, às falhas nas colheitas agrícolas, inundações em rios e secas. Em qualquer cenário de aquecimento de 1,5ºC ou mais. Isto significa que, na prática, todas as gerações atualmente vivas vão ser afetadas pelas alterações climáticas. Temos de lidar com as alterações climáticas, não apenas por essas gerações futuras que ainda não nasceram — claro que também por elas —, mas por todas as gerações que estão vivas. Se olharmos para as gerações mais novas, elas enfrentam as maiores diferenças entre os vários cenários. Quanto mais jovem se é, mais interessa qual dos cenários vamos acabar por viver. Se olharmos para os cenários mais pessimistas, há um aumento muito grande do fardo climático sobre as gerações mais jovens. Mas também podemos inverter isto e dizer que, se aumentarmos a nossa ambição e limitarmos o aquecimento global a 1,5ºC, essas gerações mais jovens são quem mais vai beneficiar. Só para dar um número, que está nos últimos parágrafos do estudo, se aumentarmos a ambição das promessas atuais e limitarmos o aquecimento global a 1,5ºC, o fardo intergeracional em termos de exposição a ondas de calor reduz-se em 40%. Em vez de sete vezes mais ondas de calor, um recém-nascido vai enfrentar apenas quatro vezes mais ondas de calor do que os seus avós. Ainda é um aumento substancial — e vai ser, na mesma, uma vida sem precedentes —, mas quatro vezes mais em vez de sete vezes mais é uma grande diferença. É uma redução de 40%. Há um claro apelo à ação neste estudo: nós podemos evitar as piores consequências aumentando a ambição.

Mesmo nos cenários mais otimistas que coloca, há sempre algum tipo de aquecimento e de aumento da exposição das pessoas a fenómenos extremos. Ou seja, algum nível de alterações climáticas já é inevitável. É aqui que entra a necessidade da mitigação?
Sim. Mesmo no cenário de 1,5ºC, que é atualmente o mais otimista, essas crianças vão viver num mundo 1,5ºC mais quente durante grande parte da sua vida. Vão enfrentar os fenómenos extremos cada vez mais frequentes que lhes estão associados. É por isto que mesmo num cenário de 1,5ºC haverá quatro vezes mais ondas de calor para um recém-nascido do que para uma pessoa de 60 anos. De facto, há um apelo claro para a mitigação, aumentando a ambição e limitando o aquecimento global a 1,5ºC. E nós sabemos o que temos de fazer para lá chegar. Temos de reduzir em 50% as emissões globais até 2030, temos de atingir a neutralidade carbónica em 2050 e temos de estar abaixo de zero depois disso. Sabemos muito bem, do ponto de vista científico, o que tem de ser feito. E também temos todas as tecnologias disponíveis para o fazer. Temos de começar hoje. Temos as tecnologias todas: parques eólicos, painéis solares, carros elétricos, bombas de calor, isolamento… Temos tudo isto disponível para fazer estas mudanças, também na indústria. Só precisamos de políticas climáticas ambiciosas implementadas pelos governos.

"Mesmo no cenário de 1,5ºC, que é atualmente o mais otimista, essas crianças vão viver num mundo 1,5ºC mais quente durante grande parte da sua vida. Vão enfrentar os fenómenos extremos cada vez mais frequentes que lhe estão associados."

E os governos têm de aceitar algumas perdas económicas, pelo menos nos primeiros anos? Se fosse fácil no que respeita à dimensão económica, provavelmente já estava feito. Porque é que não estamos já a caminhar rapidamente rumo a esses objetivos ambiciosos?
O ponto é que vamos pagar de qualquer modo. Estamos a pagar. Pode vir à Bélgica. Viu, este verão, as notícias das inundações? Quarenta pessoas morreram, estamos a pagar um preço humano. Milhares de milhões de euros em danos de um único fenómeno extremo que aconteceu. No ano passado, uma onda de calor na Bélgica matou 1.400 pessoas. Sabemos que todos estes acontecimentos estão ligados às alterações climáticas. O custo humano e económico, já num mundo 1ºC mais quente, é enorme. Já estamos a pagar. Se continuamos a aquecer, esse custo económico e humano só vai aumentar. Se, em vez disso, investirmos na transformação da economia, vamos ter um planeta mais seguro, mais saudável, vamos criar empregos, vamos ter cidades mais seguras, mais silenciosas e mais saudáveis. Vamos obter todos estes benefícios. A pergunta é, de facto, porque é que não o estamos a fazer? Dado que, racionalmente, é tão claro…

Uma das explicações poderá ser a de que o tal conceito de solidariedade e justiça entre as gerações não está a ser um motivo para agir. Talvez por egoísmo? Uma geração que não se importa com os que vêm depois de nós?
Para ser honesto, não sei. Vejo muitos sinais que mostram que as coisas estão a andar na direção certa, obviamente. Mas é definitivamente insuficiente, neste momento. No fim, o sistema climático não ouve tweets nem promessas de neutralidade carbónica daqui a 30 anos ou as palavras bonitas de políticos. A única coisa que o sistema climático ouve é a concentração de gases com efeitos de estufa na atmosfera. E essa continua a aumentar todos os anos, porque continuamos a emitir gases com efeito de estufa. O sistema climático é física. São as rígidas leis da física. Não podemos negociar com isso. Não podemos negociar com o sistema climático. É algo que temos de entender: temos de fazer alguma coisa, mas podemos fazê-lo. Temos tudo para fazê-lo. Os decisores políticos têm a chave. As soluções estão lá, só temos de as implementar. É por isso que é crucial que as políticas sejam implementadas, para que a transição seja feita e que a crise climática seja tratada como uma crise. É isso que os ativistas têm dito. O que eles dizem é: “Oiçam a ciência.” E a ciência é alarmante. Eu não sou um alarmista, mas os meus resultados são alarmantes. É isso que os climatologistas dizem.

Portugueses querem defender gerações futuras — desde que isso não os afete hoje

Disse que trabalhou com a ONG Save The Children neste tema. Como aconteceu? Espera que o seu estudo tenha algum impacto político nas decisões tomadas nos próximos anos?
Começámos com a investigação há dois anos e meio. Eu tive a ideia quando estava a dar uma conferência e alguém fez uma pergunta sobre as crianças. Percebi que nunca o tínhamos quantificado e comecei a fazer essa investigação. Durante um ano e meio trabalhei nisso com os meus colegas. Há um ano, submetemos o artigo. Depois, na última primavera, há seis meses, fui contactado pela Save The Children. Eles tinham ouvido dizer, através de um colega climatologista, que eu estava a trabalhar neste assunto — e eles queriam fazer um relatório sobre como as alterações climáticas afetam as crianças. Contactaram-me e, quando lhes apresentei os meus resultados, ficou claro que este era exatamente o tipo de informação que eles procuravam. Eles queriam pedir a um climatologista que fizesse estes cálculos — e eu já os tinha feito. Fiz alguns cálculos adicionais para eles, mas praticamente tudo já estava feito. Eles receberam os dados e escreveram esse relatório. No nosso estudo, nós limitámo-nos a analisar a exposição aos fenómenos extremos, mas eles também queriam informação sobre a vulnerabilidade. Foi isso que eles adicionaram, através de conhecimento científico já existente sobre a vulnerabilidade e de testemunhos (eles entrevistaram crianças de vários países que nós investigámos). E adicionaram também conselhos para decisores políticos. Isso é algo que eles, enquanto ONG, conseguem fazer: dar conselhos sobre quais devem ser as medidas concretas que podem ser tomadas. Talvez nesse contexto seja importante falar também das diferenças regionais. Estamos a falar da média global, mas há diferenças geográficas muito importantes. Olhámos para diferentes regiões do mundo e descobrimos que os jovens no Médio Oriente e no Norte de África vão enfrentar o maior aumento de todas as regiões.

E são os que contribuíram menos para o aquecimento global. É outro tipo de desigualdade.
Era aí que ia chegar. As pessoas que têm menos de 25 anos de idade no Médio Oriente e no Norte de África vão enfrentar sete vezes mais fenómenos extremos e os recém-nascidos naquela região vão enfrentar nove vezes mais fenómenos extremos, quando comparados com uma pessoa que vivesse naquela mesma região sem alterações climáticas. A segunda região mais atingida é a África subsaariana. Também podemos agrupar os países, não por região geográfica, mas por rendimento — o Banco Mundial tem as categorias: baixo, médio-baixo, médio-alto e alto rendimento. Se o fizermos, vamos descobrir que as gerações mais jovens nos países de baixos rendimentos são aquelas que vão enfrentar o maior aumento. Há várias razões pelas quais isto é problemático. Eles contribuíram menos para o problema, isso é claro. Em segundo lugar, estas são as crianças mais vulneráveis. Muitas vezes vivem em Estados frágeis, que não têm modos de adaptação às alterações climáticas, planos para enfrentar o risco de catástrofe, brigadas de bombeiros, acesso a ar-condicionado e a casas isoladas, e por aí fora. Mas há uma terceira razão pela qual isto é problemático, e que calculámos no estudo: há tantas crianças nessa situação. Se olhar para a Europa e para a Ásia Central, houve 64 milhões de crianças nascidas entre 2015 e 2020. Elas vão enfrentar quatro vezes mais fenómenos extremos. Mas, no mesmo período, 205 milhões de crianças nasceram na África subsaariana — três vezes mais crianças que na Europa. E elas vão enfrentar seis vezes mais fenómenos extremos. Portanto, não só a criança média naquela região vai enfrentar mais fenómenos extremos como há muito mais crianças nessa situação. Cerca de dois terços de todos os recém-nascidos hoje em dia nascem em países de baixo e médio-baixo rendimento, as duas categorias que enfrentam o maior aumento. Ou seja, muito mais crianças estão hoje a nascer em países onde vão enfrentar mais consequências das alterações climáticas.

Por isso lhe perguntava há pouco: espera que este estudo, e a parceria com a Save The Children, tenha algum impacto político? Por exemplo, espera que seja discutido na COP 26, em Glasgow, no próximo mês?
Sei que vai ser discutido lá pela Save The Children e por outros climatologistas que vão participar no evento. Espero que este estudo que fizemos ajude os decisores políticos a entender melhor os verdadeiros riscos que neste momento existem para as atuais gerações mais jovens, bem como os benefícios de limitar o aquecimento global — e que os ajude a ser mais ambiciosos na ação climática. Por isso, sim, espero que tenha um impacto. Se vai ser o caso ou não, teremos de ver. Também temos o relatório do IPCC que saiu no mês passado e, claro, há lá muita informação para os decisores políticos. Enquanto climatologista e enquanto ser humano, espero que os políticos recolham toda a informação que nós, cientistas, lhes fornecemos, e que a usem para construir um futuro melhor para as gerações que estão vivas hoje.

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