Sofia Miró é natural de S. Paulo, formada em fisioterapia e produção musical, há nove anos mudou-se para o Porto para completar os estudos. Começou por viver no Bairro Ingnéz, a um passo do rio Douro, e foi lá que conheceu os vizinhos Ramón Rodriguez, espanhol, e Mickael Pettit, francês, ambos sócios num projeto hoteleiro na cidade. Durante quatro anos desenvolveram juntos a ideia de abrir um certo de cultura no Porto que fosse capaz de albergar várias artes. “Sentíamos falta de uma sala de espetáculos na cidade mais acolhedora e informal, onde os artistas e o público tivessem mais proximidade e ambos se sentissem em casa”, começa por explicar Sofia ao Observador.
O projeto foi amadurecendo e rapidamente a música passou a ser o elemento comum entre os três amigos. “Eu toco trombone, o Ramón guitarra e o Mickael trompete, percebemos que todos tínhamos um pé para a música e que ela deveria ser a protagonista e o fio condutor deste espaço”, recorda a responsável, acrescentando que a premissa passava por reunir na mesma morada a música, a hotelaria e a restauração. “Não queríamos ser apenas mais um hotel, acreditamos num turismo menos exploratório e mais sustentável e pedagógico, porque acreditamos que as pessoas podem visitar-nos para aprender alguma coisa ou simplesmente para se inspirarem. Estamos numa zona da cidade genuína e em ascensão, gostaríamos de juntar locais e turistas num ponto de encontro diferente.”
Foi num antigo armazém industrial, com cinco mil metros quadrados na zona do Bonfim, que Sofia, Ramón e Mickael decidiram instalar o M.Ou.Co. – acrónimo de Música e Outras Coisas – inaugurado em setembro passado. “É engraçado porque esta palavra é sinónimo de surdo e pode ser uma contradição num projeto que tem a música como ponto de parida, mas quando tivemos esta ideia muita gente nos chamou loucos, tivemos mesmo que tapar os ouvidos e seguir o nosso caminho.”
Dois anos de obra permitiram fazer nascer um espaço luminoso, minimalista e recheado de mobiliário com inspiração nórdica, onde o betão, o aço, o micro cimento e a madeira são materiais que dão nas vistas. “Pretendemos criar um lugar aberto à comunidade e sustentável, aliás, desafio a descobrirem aqui plantas que não sejam verdadeiras”, atira Sofia Miró.
Há guitarras e gira discos nos quartos e uma clínica que trata a saúde dos músicos
Na fachada do edifício pode ler-se “Stay. Listen. Play”, mas não se vislumbra propriamente uma porta ou um portão, sinal de que o projeto “está mesmo aberto à cidade”. Ao longo de três pisos, o M.Ou.Co. divide-se entre zonas comuns, abertas a hóspedes e não hóspedes, e uma parte mais privada dedicada à hotelaria.
Aqui, os 62 quartos, distribuídos por 11 tipologias, foram batizados com o título de uma música inspirada em viagens. “Voyage, Voyage”, da francesa Desireless, “Vamos Fugir”, do brasileiro Gilberto Gil, ou “Porto Sentido”, do português Rui Veloso são apenas alguns exemplos que, além de identificarem os quartos do hotel, serviram também de mote de inspiração para ilustrações e serigrafias feitas à mão e que se encontram expostas e à venda.
Em cada quarto existe um gira discos e um móvel amplificador, desenhado à medida por Ramón Rodriguez, que permite levar literalmente a música para dentro de portas. No momento do check-in, o hóspede tem acesso a um catálogo com seis guitarras, das mais clássicas às de jazz, que pode requisitar e tocar sem correr o risco de incomodar os vizinhos.
Entre os espaços comuns, destaca-se a musicoteca, com uma coleção de 400 discos vinil, dois gira discos, headphones e uma coleção de livros sobre vários estilos musicais. “Este espaço teve a curadoria de dez artistas portugueses e é uma coisa muito orgânica que vai crescendo ao longo do tempo. A ideia é que qualquer pessoa possa ouvir música de uma forma livre e descontraída”, salienta Sofia Miró, apontando para o bar, com direito a uma esplanada, e para as zonas verdes que ocupam os pátios exteriores do edifício, onde a piscina salta à vista.
Toda a sinalética nos corredores é feita através de pautas musicais conjugadas com formas geométricas e só na piscina e no elevador é que não existe música ambiente, que pode ir do jazz ao samba. Quem descer até ao piso inferior encontrará uma sala de espetáculos, com capacidade para 300 pessoas de pé e 180 sentadas, três salas de ensaios, camarins e um bar de apoio a eventos.
“A ideia é termos uma programação musical permanente com concertos, masterclasses e workshops. Além de identificarmos artistas locais e internacionais emergentes, damos também a oportunidade a músicos que estejam em circuito ensaiarem no mesmo local onde estão hospedados”, afirma Sofia Miró, adiantando que em breve o M.Ou.Co. irá também organizar residências artísticas.
Outra das valências do projeto é a clínica especializada na saúde para práticas musicais. Neste espaço, uma fisioterapeuta faz o diagnóstico da performance do músico com e sem o seu instrumento, melhorando a sua postura, a sua voz e o seu desempenho. “Geralmente este assunto é apenas abordado nos cursos de música clássica e erudita, os músicos populares ou autodidatas estão um pouco abandonados e acabam por terem queixas comuns.”
Além destas consultas, o M.Ou.Co. pretende levar este tema a escolas, serviços de saúde e bairros sociais. “Estamos já a trabalhar com alunos do Conservatório de Música do Porto e com a Universidade de Aveiro, nomeadamente bateristas e violoncelistas, de forma a poder ensinar um modo mais saudável de tocarem os seus instrumentos.”
Cocktails de autor, café de especialidade e um restaurante sem formalismos
Misturar a música e a gastronomia foi também uma das intenções de Sofia, Ramón e Mickael, que começaram por abrir um bar no piso térreo com direito a uma esplanada e a uma carta recheada de pratos ligeiros e opções vegan e vegetarianas. Bife em bolo do caco, o hambúrguer de black angus nacional em pão brioche e molho mexicano, o choco frito em tempura de wasabi com batata rústica ou os raviolis recheados com tofu, molho de tomate e ratatuille de legumes são apenas alguns exemplos do que pode provar antes de rematar a refeição com uma destas sobremesas: tarte de feião com creme de ovo, vinho do Porto e sorvete de laranja bergamota ou parfait de chocolate com hortelã e gelado de banana assada.
Neste espaço há ainda uma carta generosa de cocktails de autor com várias combinações improváveis e uma coffee shop, onde é possível experimentar três espécies de grão de café e ainda um blend desenvolvido pela equipa do M.Ou.Co. O da Colômbia combina sabores de fruta e de nozes torradas, o da Etiópia tem notas florais e de citrinos e o do Brasil inclui aromas de chocolate e biscoito.
O restaurante mora no piso inferior e funcionava apenas para grupos – partilhando a oferta mais ligeira do bar – mas este mês ganhou uma vida própria e uma carta exclusiva. A cozinha é comandada pelo chef Guilherme Bizarro, que passou pelo clássico Hotel Infante Sagres, e no M.Ou.Co. desenhou um menu curto e sem formalismos, já a pensar no tempo quente. Os pratos, que se dividem em igual número entre peixe, carne e vegetariano, têm como base a cozinha mediterrânea e os produtos nacionais.
Nas entradas constam o carpaccio de bacalhau com tapenade de azeitona, misto de alfaces e vinagrete, a tosta de queijo chévre gratinado com agridoce de pimentos, agrião e molho de mostarda com mel ou a sopa fria de melão com juliana de presunto e hortelã. Se nos peixes destacam-se o polvo panado em broa de Avintes, arroz de tomate caldoso e ovo escalfado ou a caldeirada de peixe espada com mexilhões e puré de batata, já os mais carnívoros podem optar entre o peito de frango recheado com farinheira, molho de mostarda e puré de cenoura ou as bochechas de porco preto estufadas com cebolas assadas, pêra com baunilha e puré de batata.
No reino vegetariano saltam à vista o xerém de legumes e coentros e o risotto de espinafres com queijo parmesão. Para fechar o repasto, saiba que o leque de sobremesas inclui um cheesecake de Oreo com gelado de algodão doce, um duo de chocolate com sal e gelado de amendoim e uma tarte de maçã com gelado de torrão. Para já, o restaurante irá funcionar à carta apenas ao almoço ao domingo e ao jantar todas as quintas, sextas, sábado e domingos, sendo que durante a semana está disponível um menu executivo com duas modalidades, que variam entre os 12,50€ e os 16,50€.
Rua Frei Heitor Pinto, 65 (Porto). 22 766 7790. Consulte a programação cultural aqui.