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UNITA e MPLA. Dois comícios, duas multidões, dois discursos e um mar de diferenças

"Paciência, João Lourenço, não há batalha sem sofrer", cantam as mulheres ao líder do MPLA. "A mudança vai acontecer", cantam os jovens ao presidente da UNITA. Leitura cruzada dos 2 últimos comícios

Um pede a mudança e quer acabar com regime de partido único. Outro mostra o que fez e quer tempo para acabar o que começou. Os dois grandes adversários fizeram os seus comícios de encerramento em Luanda, com o intervalo de dois dias. Multidões, cores, gritos, música, discursos, apelos, números, slogans, pouco poderia ser mais distinto entre o partido dos “camaradas” e o dos “maninhos”.

Com duas ressalvas: os dois estão convencidíssimos de que vão ganhar as eleições angolanas no dia 24, e os dois fazem consecutivos apelos à tranquilidade durante e depois da votação. Já que, até aqui, a campanha decorreu sem incidentes.

People's Movement for the Liberation of Angola - Labour Party (MPLA) presidential candidate João Lourenço supporters shout slogans during a political rally in Luanda, Angola, 20 August 2022. Angola will hold general elections on August 24, which will define the composition of parliament and the names of the President and Vice President of the Republic. PAULO NOVAIS/LUSA

PAULO NOVAIS/LUSA

O MPLA fez o seu último “ato de grandes massas”, como lhe chama, no sábado, em Camama, identificado como zona de ensino, universitário e não só. Fica em Talatona, um dos subúrbios da capital, mais conhecido pelos seus condomínios privados e edifícios modernos de escritórios, empresas e entidades públicas.

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A  UNITA encerrou esta segunda-feira a sua campanha no Cazenga, bastião tradicional do seu opositor político, o terceiro maior município de Angola, igualmente subúrbio de Luanda. É conhecido por ter sido o berço do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de onde saíram nomes ilustres do partido. A única rua com prédios de bom aspeto é a que leva precisamente para um campo ocre cheio de pó, pontuado por embondeiros e piso irregular, o antigo recinto da Filda (Feira industrial de Luanda) que é palco da derradeira ação eleitoral da UNITA.

REUTERS

O local é apenas uma das diferenças entre os dois concorrentes às eleições de quarta-feira, dia 24, as duas maiores forças políticas em Angola. O Observador faz a leitura cruzada dos dois comícios

A multidão organizada e a multidão das três andorinhas

As imagens de Camama mostram-nos uma mancha gigante de vermelho, preto e amarelo, muitos cartazes com o rosto de João Lourenço e a palavra “confiança”. Mas também muitos outros a dizer quais distritos urbanos (uma espécie das juntas de freguesia portuguesas) é que estão presentes.

Há fios que cruzam o céu com flyers pendurados a ondular ao vento, uma infinidade de balões — tantos que, quando o presidente do MPLA chega ao palco, milhares são libertados, causando uma nuvem amarela, vermelha e preta, e não se nota a sua falta na multidão. Há postes com faixas enormes a dizer “vota MPLA” e a ensinar onde colocar o x no boletim de voto — e, claro, muitos 8 pelo ar: a posição que o MPLA ocupa nessa folha.

O rosto de João Lourenço não aparece só nos cartazes, nas t-shirts ou nos pans africanos que as mulheres enrolam à cintura. Está também nos grandes palcos principais (há outros de dimensão mais reduzida), por vezes ao lado da frase “MPLA A Força do Povo” que marcam o recinto com 600 mil pessoas, segundo a organização. E nem o púlpito moderno escapou à fotografia do presidente, que a preenche a todo o tamanho.

O cenário em Cazenga também tem milhares de pessoas por todo o lado — não há uma estimativa oficial do partido, mas um histórico da UNITA garante ao Observador que teve a maior presença de todas as eleições desde 2002 —, em cima de muros, empoleiradas em carrinhas, apinhadas contra as grades de proteção, mas a mancha de cor não é tão uniforme. Tirando o bloco da LIMA, a organização feminina na UNITA, com os seus panos vermelhos e t-shirts verdes ou brancas, o resto não se destaca. Claro que há muitas bandeiras, também há muitos balões verdes, brancos e vermelhos, e uma peça fundamental nesta massa humana: cornetas de plástico que fazem um barulho ensurdecedor a juntar aos apitos colados aos lábios.

"Ninguém podia procurar tirar do papel essa orientação do partido, que é antiga, de acabar com algo que nos envergonhava, que era a corrupção que estava bastante enraizada, não apenas nas lideranças políticas, mas enraizada na nossa sociedade"
João Lourenço

É uma multidão muito espontânea, tanto que, quando estavam a ser apresentadas as entidades oficiais, de repente se sentiu um alvoroço na assistência que dirigia o olhar, gestos e voz numa só direção. Vencidos os primeiros momentos de perplexidade, chegou a explicação: três andorinhas tinham cruzado o céu e muitos se deixaram levar pelo simbolismo do três.

Os cartazes são praticamente inexistentes, e os que surgem aqui e ali estão toscamente manuscritos em cartões de papelão. Um deles dizia: “Zédu leva mensagem no Savimbi: o povo sofre”.

Há apenas dois palcos pequenos, onde se lê “A Hora é Agora”, e um deles com uma faixa vertical a dizer vota no 3 (posição da UNITA no boletim de voto). O púlpito é de madeira simples. E a maior semelhança entre as tribunas do MPLA e da UNITA será mesmo só a cor das cadeiras, num vermelho escuro com dourado.

"No nosso país não basta votar. Vota num cabaça e vai aparecer noutro quintal. É legal controlar o voto para evitar batota eleitoral"
Filomeno Vieira Lopes

Os intervenientes: um homem só e uma “multiplicidade”

Nos dois comícios, a playlist que anima o período (muito mais longo na UNITA) que medeia a hora marcada e o arranque das atividades parece ter sido tomada de assalto pelo kuduro.

A grande diferença está noutro aspeto: enquanto, no comício do MPLA, os artistas convidados que atuam antes dos discursos são nomes famosos da praça, como Matias Damásio e Filho do Zua, no da UNITA são jovens rappers ou de hip-hop de menos fama: Pai Banana, por exemplo, que fez questão de dizer que tinha sido a UNITA a fazer dele outra pessoa. E no campo da Filda, antiga feira de exposições, o Bailado da Kazenga dançou com os seus trajes tradicionais, ao som do batuque, na terra batida, e outros grupos fizeram coreografias de hip-hop no pequeno palco lateral ao principal.

Grupo Bailado do Cazenga dança no início do comício

EPA

No Camama, depois de JLo discursar, houve um festival de cultura, com cantores jovens e outros mais velhos, rappers e baladeiros, mas também grupos de dança. Não faltou música nem ritmo nos dois comícios, mas num registo muito mais sofisticado do lado do MPLA.

Só João Lourenço discursa, e durante mais de hora e meia, enquanto do lado da UNITA são vários os oradores, naquilo a que Adalberto Costa Júnior (que fala uma hora) chamou de “multiplicidade”. É o resultado da Frente Patriótica Unida que integra o Bloco Democrático, o PRA-JÁ Servir Angola, ativistas da sociedade civil e outras individualidades na lista de candidatos a deputados da UNITA.

"Luanda muda ou não muda? Vai ou não vai? Os portugueses diziam: ‘Ou vai ou racha!’”
Abel Chivukuvuku

Um das que falaram foi Francisco Viana, um recente dissidente do MPLA, filho de um dos fundadores do partido, Gentil Viana. “Quem tentar roubar o povo angolano, vai falhar”, disse, focando o tema recorrente na mensagem da UNITA, o de que houve irregularidades na campanha e que o processo eleitoral não está a ser conduzido de forma transparente e que permita eleições livres, seguras e credíveis.

“No nosso país não basta votar”, avisou Filomeno Vieira Lopes, do Bloco Democrático. “Vota num cabaça e vai aparecer noutro quintal”, referiu, sublinhando que é “legal controlar o voto” para evitar “batota eleitoral”.

Carismático, Abel Chivukuvuku, líder do PRA-JA Servir Angola, candidato a vice-presidente, pega na imagem da “seleção nacional” já mencionada por Filomeno. “Somos nós a selecção nacional”, anunciou. “E na seleção nacional, quem é o nosso capitão? O nosso Lionel Messi?”, perguntou para ouvir a uma só voz: “ACJ”.

O antigo dissidente da UNITA carrega na tecla da mudança e interpela o público: “Luanda muda ou não muda? Vai ou não vai? Os portugueses diziam: ‘Ou vai ou racha!’”, gritou. Sublinha que não há motivos para ter receios da mudança, que “será tranquila”, tal como o momento em que se conhecerem os resultados das eleições não levará a confusões: “Somos pessoas de paz”.

O início dos discursos: de Agostinho Neto a Eduardo dos Santos

O último discurso de João Lourenço num comício foi moderado, calmo, sem farpas agudas aos seus principais adversários políticos, como acontecera nos anteriores.  Começou por agradecer a presença dos observadores e da imprensa internacional e o mesmo fez Adalberto dois dias depois. Com uma diferença: o líder da UNITA estendeu o “obrigado” à imprensa nacional que, “embora tardiamente”, passou a transmitir a campanha do partido do Galo Negro.

Outra coincidência no arranque das duas intervenções esteve na evocação dos pais da nação. ACJ, como lhe chama o povo, lembrou Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi (só este foi aplaudido) e também o ex-Presidente angolano. “José Eduardo dos Santos e Savimbi deram continuidade à necessidade de conciliar este grande país, mas o trabalho não foi acabado”. Já JLo (como as mulheres da OMA ainda esta segunda-feira gritavam) mencionou apenas o primeiro.

REUTERS

Os últimos cinco anos fizeram também parte do início dos dois discursos. Para Adalberto, “pouco acrescentaram aos aspetos formais da reconciliação nacional” e não trouxeram as reformas por que todos ansiavam para “a realização de Angola”.

Não foi isso que JLo disse em Camama. “Foi um mandato em que muito trabalhámos no sentido de fazer de Angola uma Nova Angola, uma Angola melhor aceite não só pelos angolanos, mas também pela comunidade internacional”, assegurou.

O “líder”, como o animador lhe chamou durante todo o comício, garantiu que “durante este mandato, o País teve avanços significativos em vários domínios (…) da defesa, das liberdades e dos direitos fundamentais dos angolanos”. E concretizou: “Hoje, passados cinco anos, há muito maior liberdade de expressão, muito maior liberdade de imprensa, liberdade de reunião, liberdade de manifestação, como consequência da grande abertura que fizemos em 2017.”

A corrupção e a fome

Outro dos feitos enumerados por João Lourenço foi  romper “com alguns tabus, começando pelo da luta contra a corrupção”. “Ninguém podia procurar tirar do papel essa orientação do partido, que é antiga, de acabar com algo que nos envergonhava, que era a corrupção que estava bastante enraizada, não apenas nas lideranças políticas, mas enraizada na nossa sociedade. E nós quebrámos este tabu e demos início, realmente, à luta contra a corrupção.”

O tema também esteve nas palavras de Adalberto, quando disse que, quando fosse eleito, iria entregar a sua declaração de rendimentos, “não como hoje que ficam dentro de um envelope, fechados numa gaveta”. “O combate à corrupção tem que ser muito sério, uma realidade, e isso passa pelos titulares dos órgãos públicos”. Ainda neste âmbito não deixou de criticar a contratação pública direta, prática que diz ser generalizada no país. “A corrupção promove-se sempre que um contrato simplificado é assinado no nosso país”, sem concurso público.

Nos tabus que foi eliminando, JLo referiu “a privatização dos ativos públicos, de que muito se falava, mas que não se fazia, porque apareciam pessoas a dizer que íamos entregar tudo aos estrangeiros, que os angolanos iam ficar pobres se avançassem nessa direção”.

Pois bem, continuou o atual Presidente da República que busca a reeleição na quarta-feira, avançou-se mesmo. “E os resultados deste passo corajoso (…) são muito bons”, congratulou-se. “Os ativos públicos, que estavam adormecidos, hoje estão a dar emprego aos nossos jovens e estão a produzir bens e serviços que servem às nossas populações”.

UNITA (National Union for the Total Independence of Angola) supporters during a political rally in Luanda, Angola, 22 August 2022. Angola will hold general elections on August 24, which will define the composition of parliament and the names of the President and Vice President of the Republic.  PAULO NOVAIS/LUSA

PAULO NOVAIS/LUSA

O desemprego é precisamente uma das pedras de toque da campanha da UNITA e na segunda-feira protagonizou um dos momentos fortes do seu discurso. A uma audiência formada por muitos, mas mesmo muitos jovens entusiasmados (cerca de 60% da população angolana tem menos de 30 anos) com a perspectiva de mudança e Adalberto lançou a pergunta: “A principal causa de morte em Angola é a malária. E a segunda?”

A resposta chegou em alto e bom som: “A fome”. “Oh meu Deus”, disse o líder da UNITA, mostrando-se surpreso pela reação e não perdeu tempo em relacioná-la com o desemprego (que afeta perto de 60% da camada jovem), passando depois para a educação, onde prometeu gratuitidade da escolaridade obrigatória até à universidade, as estradas, a saúde.

Só não falou do desporto, coisa que não escapou a João Lourenço: “Estamos a fazer investimento e vamos continuar a fazê-lo (…) na educação, na saúde, nas infraestruturas rodoviárias, na habitação, para os nossos cidadãos, e em infraestruturas desportivas”.

"Tenho a absoluta necessidade de tranquilizar os compatriotas que formataram a governação ao longo dos 47 anos: Não tenham medo da alternância. Não há democracia sem a alternância do poder”.
Adalberto Costa Júnior

Depois de enumerar uma série de empreendimentos e ações feitas ou iniciadas, o presidente do MPLA frisou que “o partido é sério, é um partido comprometido com o desenvolvimento de Angola, com o bem-estar dos angolanos no geral”. Por tudo isso, achou “justo apelar aos eleitores que, no dia 24 de Agosto, votem no 8”. Até porque o “M”, como gostam de chamar ao partido, significa o “Melhor”, concluiu.

Nem uma palavra aos adversários políticos saiu da boca do candidato do MPLA desta vez. O mesmo não se pode dizer de Adalberto Costa Júnior, que criticou a governação e insistiu na necessidade de mudança de um regime de partido único.

Disse sentir a “absoluta necessidade de tranquilizar os compatriotas que formataram a governação ao longo dos 47 anos”: “Não tenham medo da alternância. Não há democracia sem a alternância do poder”.  A continuidade do partido único no poder “corresponde ao adiamento do desenvolvimento de Angola”.

Sossegou receios de alguma convulsão social após os resultados eleitorais serem conhecidos. “Iludem-se aqueles todos que pensam que a alternância é atentar contra a segurança do Estado” ou que possam atuar contra os vencedores das eleições. “As forças de defesa e de segurança estão com maturidade e respeitam a lei”, salientou.

Dulce Neto/Observador

E se João Lourenço nada disse sobre as suspeições que reinam na oposição contra a lisura do processo eleitoral, Adalberto Costa Júnior recordou que “hoje [segunda-feira] mesmo entrou mais um processo no Tribunal Constitucional e outra chamada de atenção à CNE [Comissão Nacional Eleitoral]” para “apelar ao respeito à lei”.

De entre os problemas, referiu a ausência de uma auditoria ao sistema de escrutínio, a não publicação dos cadernos eleitorais e a não retirada dos mortos das listas de eleitores, por exemplo. “Fizemos todas as pressões”, mas “nada foi feito”, apontando para a existência de 2,5 milhões de mortos numa lista de 14 milhões de eleitores.

REUTERS

Por isso, insistiu na importância de controlar o voto. “Nós todos temos de duplicar o nosso poder de fiscalização. E não há nenhuma lei no nosso país que proíba o cidadão de ir votar e ficar cá fora. Não há nenhuma violação se todos votarem e depois todos defenderem a segurança do seu voto.”

Ao despedir-se, pediu que todos chegassem bem a casa “porque a mudança é agora”. “E ninguém tem de ter medo. Vamos realizar Angola para todos.”

A mudança é, aliás, uma das palavras da canção da campanha da UNITA, que se ouviu no comício, bem como os slogans “com fraude ou sem fraude, nós ganhamos”, “o nosso galo chegou”, “o nosso galo voou”, a par do “votou, sentou, porque o bumbum é meu”.

Em Camama, entre muitas palavras de ordem que louvavam o líder, ouviu-se uma canção da OMA, movimento feminino do MPLA, que procura encorajar o candidato do 8: “Paciência, João Lourenço, não há batalha sem sofrer”.

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