“Professor, agora a escola é o sítio mais seguro para estar”. Foi este um dos comentários que o diretor da Escola Superior de Enfermagem do Porto ouviu de um dos seus alunos esta semana, no arranque das atividades letivas presenciais perante as novas regras impostas nas instalações. Luís Carvalho fez questão de estar à porta todas as manhãs a receber os cerca de 400 alunos que estarão semanalmente na escola, entre as 8h e as 20h00, para impedir cruzamentos entre grupos e turmas de alunos.
O regresso “muito trabalhoso”, palavras suas, foi preparado nas últimas semanas e implicou várias mudanças — mesmo que aconteça ainda de forma parcial, para a componente prática. Há circuitos para os alunos circularem e, em média, cada um terá de ir à escola duas vezes por semana, para as aulas laboratoriais. Há regras para usar a casa de banho, novos procedimentos na cantinas e na utilização dos materiais — que agora proíbe, por exemplo, o uso dos cacifos e obriga à lavagem diária das batas usadas nos laboratórios.
O retrato é, ainda assim, muito diferente do que está acontecer — ou não está a acontecer — na esmagadora maioria das universidades e politécnicos do país, onde as aulas presenciais não foram ainda retomadas ou nem serão até ao final do ano letivo.
Vitória Martins, 19 anos, é estudante do primeiro ano do curso de Educação Básica e terá que regressar à Escola Superior de Educação do Politécnico de Coimbra para, pelo menos, a aula prática de Educação Física e o exame. Sabe que terá que usar máscara e manter a distância de dois metros dos colegas e que o regresso será em junho. Não sabe muito mais. Muito menos como será feito em relação aos materiais que normalmente costumam usar. O mesmo se aplica a Diogo Simões, 20 anos, e estudante de Teatro e Educação, que tem pensado como será o regresso às aulas de Interpretação com máscara e com a devida distância, quando as expressões faciais e o toque são essenciais.
Perto do Politécnico da cidade de Coimbra, na Universidade, será diferente. Ninguém volta ao ensino presencial este ano letivo e serão todos avaliados à distância. Tal como na Universidade de Lisboa, onde José Rodrigues, 23 anos, estuda Medicina, e que até ao final do ano mantém todas as aulas à distância — com as aulas práticas a serem transformadas na análise de casos clínicos em substituição das habituais lições junto dos doentes.
Vitória, Diogo, José e, também, Catarina Dourado, 22 anos, são apenas quatro dos cerca de 385 mil estudantes cujo destino no ensino superior diverge nos próximos dois meses e meio. E essa diferença não está apenas no curso que escolheram, nem na cidade onde estudam, está sobretudo entre Universidades e Politécnicos, que, juntos, encerraram quase todos as portas ainda antes da declaração do estado de emergência declarado por Marcelo Rebelo de Sousa, a 18 de março, e que foram também os primeiros estabelecimentos de ensino a ter luz verde para voltar, logo a 4 de maio, na primeira fase do desconfinamento.
Essa segunda-feira era a data prevista pelo Governo de António Costa para que os estudantes do ensino superior começassem a regressar gradualmente aos corredores das universidades e politécnicos, mas poucos seguiram essa indicação: quase nenhuma das universidades prevê o regresso dos seus alunos e só nos politécnicos parece haver um regresso à vista — embora, na grande maioria, só a partir de junho. As duas realidades distintas podem prender-se com a diferença no ensino, que nos politécnicos é mais prática, e no número de estudantes. Para o Conselho das Escolas Médicas, que se tem desdobrado em estudos sobre o tema, nenhum dos alunos devia regressar. Já o Sindicato do Ensino Superior defende que, se uns voltam e outros não, é pura “descoordenação”.
Governo deu duas semanas para reabrir instituições do ensino superior. Escolas médicas discordaram
A decisão foi anunciada duas semanas antes, com um despacho do Ministério do Ensino Superior a recomendar que as instituições de ensino superior fizessem um plano e levantamento progressivo das suas medidas de contenção, de modo a retomar gradualmente as aulas com alunos, a par das aulas à distância, a partir de 4 de maio. O mesmo documento impunha o distanciamento social e o uso de proteção individual, dando prioridade às unidades de investigação, aos laboratórios, às infraestruturas físicas, culturais e de artes performativas, médicas, veterinárias e biológicas, bem como aos serviços de alimentação, alojamento, bibliotecas e instalações desportivas.
Da parte da Direção-Geral da Saúde, as recomendações vão mais além. Além da proteção pessoal, recomenda-se o arejamento frequente das salas, a desinfeção de corrimãos, espaços de trabalho, computadores e puxadores das portas. Normas que cada instituição deve concretizar nos seus planos.
O despacho do Governo, no entanto, viria a ser contrariado três dias depois pelo parecer do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas, que concluía que a situação epidemiológica do país não comportava essa abertura e que, por isso, todas as escolas médicas se manteriam com o ensino à distância. Segundo o presidente do conselho, Fausto Pinto, em declarações ao Observador, essa posição seria reavaliada a 18 de maio.
Também à frente da Faculdade de Medicina de Universidade de Lisboa, Fausto Pinto aplicou o parecer na faculdade. Em Coimbra e no Minho, garante, também não vão abrir as atividades letivas presenciais. “No caso das Faculdades de Medicina, considerámos que não havia condições para a parte letiva presencial, mas foi definido que havia uma abertura progressiva de alguns serviços administrativos”, explicou. Mais, os laboratórios estão abertos, para apenas 1/3 da lotação prevista e com o uso de máscara e desinfeção frequente. Progressivamente serão reabertos os laboratórios de investigação.
Isso mesmo explicou ao Observador o reitor Universidade de Lisboa, António Cruz Serra. A par da reabertura dos serviços administrativos, há ainda funcionários em teletrabalho. “Relativamente às aulas, vamos manter o ensino e a avaliação à distancia em quase todas as situações. Até porque temos 9 mil alunos internacionais que voltaram às suas casas. Antes do final deste mês devemos ter aulas presenciais dos alunos de Medicina Dentária, nas disciplinas em que se considerar essencial e nos anos clínicos. Alunos em mestrado ou doutoramento que precisem de usar laboratórios também podem regressar, assim como alunos que não tenham condições em casa”, explicou.
A Universidade está a oferecer equipamentos de proteção, como máscaras, mas neste momento ainda são “muito poucos” os alunos. “Começámos a fazer 100 testes por dia à comunidade académica. Nestas primeiras semanas, achamos que não teremos mais que mil pessoas” afirma.
José Rodrigues, aluno de Medicina e presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, sabe que “a universidade vive das pessoas e dos estudantes”. No entanto, acrescenta ao Observador, foram “confrontados com uma situação imprevisível”. “Temos tecnologia que o permite e adaptámos o curso. Haverá coisas que foram muito boas e permanecerão no futuro”, diz, lembrando que os estágios presenciais foram todos suspensos e que os alunos do 6.º ano, que farão a prova das suas vidas, a Prova Nacional de Acesso, em novembro, estão a ter ouro tipo de aulas.
O mesmo está a acontecer na Universidade de Coimbra, onde Catarina Dourado, 22 anos, frequenta o 4.º ano de Medicina e está também à frente da associação de estudantes. “Estamos a ter todas as aulas teóricas e práticas, mas muito à base de casos clínicos. Porque é impossível ver um doente à distância. Ao início houve a adaptação, mas há três semanas que já temos todas as unidades curriculares em funcionamento”, explica por telefone. “É a melhor opção de momento”, considera.
Universidade de Coimbra: seria contraproducente voltar ao ensino presencial nesta altura
Amílcar Falcão, o reitor da Universidade de Coimbra, lembra porquê: há cursos “com mais de 100, 200 ou 300 alunos por turma”. Para respeitar a norma do distanciamento social, nem nos anfiteatros seria possível. “Teríamos de refazer horários, locais, e os professores têm cargas horárias alocadas. Estar a pedir-lhes em vez de duas a seis aulas, por dividir turmas, e demorar agora outras duas semanas para adaptar os cursos ao digital, seria um retrocesso”, diz. Se assim fosse, acrescenta, a vontade do Governo em terminar o ano letivo a 31 de julho seria impossível.
O responsável, que agora nota uma diferença abismal no número de carros estacionados no parque da Universidade, lembra, no entanto, que há exceções para os estágios curriculares, que, em alguns casos, passam a ser presenciais. Como é o caso dos farmacêuticos, algumas engenharias e psicólogos. A Universidade está também aberta à investigação, com laboratórios e bibliotecas abertos aos estudantes de mestrado e de doutoramento, mas com regras muito restritas: ocupação de apenas 1/3 da sua capacidade, distanciamento, uso de máscaras e desinfeção do espaço. Feitas as contas, são três ou quatro pessoas em cada espaço.
Também as residências e as cantinas estão a reabrir portas. “Estávamos em take-away, vai passar a ser aberto. No caso das residências, há pessoas a sair e outras a entrar. Em relação ao Desporto, no estádio universitário, fizemos abertura para as modalidades, que é só o atletismo e o ténis”, esclarece Amílcar Falcão.
Paralelamente, prepara-se já o próximo ano letivo e em cima da mesa está a hipótese de se prosseguirem com algumas aulas online. “Tem sido uma boa experiência, embora não seja excelente. Mas há muitos professores que gostam das aulas online, muitos estudantes também o preferem. Há mais adesão das aulas online do que nas aulas ao vivo”, afirma. “Há uma parte negativa pela socialização, não se substitui uma pela outra. Mas temos a hipótese de sistemas híbridos”, diz.
António Fontainhas Fernandes é reitor da Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro (UTAD) e também preside ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). Ainda assim, a 4 de maio — data que o governo queria reabrir as universidades — ainda não tinha o ponto de situação de cada instituição para essa retoma. “As instituições têm vindo a publicar o plano de retoma, mas precisam agora de o pôr em prática e de o comunicar internamente”, disse ao Observador, tendo uma reunião agendada para esse ponto de situação.
Plano impossível de ser feito de um dia para o outro
No caso da Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro (UTAD), António Fontainhas Fernandes, reitor e também presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), explica que uma das dificuldades em implementar um plano de regresso é que 70% dos alunos são deslocados. Por outro lado, 35% são bolseiros que se perderem o ano, não voltam a ter bolsa e enfrentarão dificuldades em regressar à universidade. Assim, explica, a Universidade fez uma “adequação do calendário académico”. As aulas deviam terminar em finais de maio, início e junho, poderão estender-se por mais duas semanas para compensar o período de adaptação ao online mal foi decretado o estado de emergência.
Os estágios, no entanto, “têm de ser presenciais”. Isto porque, exemplifica, na Escola de Saúde há já pedidos de estágio para licenciados em enfermagem. Também as disciplinas em contexto laboratorial e ensino clínico deverão retomar. No entanto, explica, isso será tudo definido por cada escola. “A questão mais operacional é que ainda está a ser feita”, diz.
Para já serviços académicos, financeiros, unidades de investigação que prestam serviços especializados ao exterior reabrem. Por outro lado, há sectores que se vão manter encerrados: tudo o que exija balneários e banhos (como o ginásio que tinha 3 mil inscritos). Depois há também “a higienizarão das salas de aulas com frequência, depois do intervalo das aulas abrir as janelas, mas também os funcionamentos nos refeitórios, os comportamentos nos snacks, na área social e a forma de funcionamento dos edifícios, a porta de entrada poderá ser distinta da saída e mesmo a circulação dentro do Campus [que tem 120 hectares] será revista”. Logo após a data que seria de arranque para o Governo, a 4 de maio, nada disto estava definido.
Politécnicos a reabrir, mas aulas só em junho
Já Vitória e Diogo terão que regressar às aulas em junho. Diogo até vive relativamente perto da cidade de Coimbra, mas Vitória, que vive nos Açores, dada a incógnita da pandemia, assim que a escola fechou portas, decidiu ir viver para casa da família do namorado e não regressar logo para a sua casa na região autónoma. Tinha também medo de poder contagiar alguém e não sabia como iriam ser as aulas. Depois de regressar, no entanto, e terminar o ano letivo, quer voltar para junto da família.
Antes terá de frequentar pelos menos as últimas 20 horas e Educação Física que lhe faltam, a uma média de quatro horas diárias ao longo de uma semana. “Assusta-me! Quatro horas por dia em Educação Física. Na minha turma são 40 alunos num espaço fechado, com máscaras, a fazer exercício. E a avaliação terá de ser com materiais estão no ginásio”, diz.
Pedro Dominguinhos, à frente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, garante que a realidade no ensino politécnico é bem diferente da das universidades. Um par de dias após a data prevista pelo Governo para a reabertura, embora sem uma lista nas mãos de quem abriu ou não, garantiu ao Observador que os alunos estavam a regressar. Castelo Branco e Viseu, segundo exemplificou, já tinham alunos. Enquanto as escolas de enfermagem do Porto e de Coimbra estavam prontas para receber alunos nos próximos dias. “Em junho voltará a maioria, em termos de aulas práticas e laboratoriais. E, nalguns casos em julho, porque o ensino clínico obriga a um maior prolongamento”, explica. As aulas teóricas mantêm-se, no entanto, à distância. Nalguns sítios, por outro lado, estão agora a dar todas as aulas teóricas, para depois passarem às prática.
O responsável garante que há circuitos de circulação, garantia de fornecimento de equipamentos de proteção individual, como as máscaras obrigatórias, higienização das salas e dos espaços. Já nos laboratórios, os espaços foram também adaptados às regras de distanciamento físico. Dominguinhos dá o exemplo do Instituto Politécnico de Setúbal: “Na parte da química, onde estavam 15 passaram a estar 5”.
Um trabalho de planeamento que, segundo reforça, não pode ser feito “de um dia para o outro”, nem nas duas semanas previstas pelo Governo. “As instituições estão a preparar as condições. Estão a definir os espaços e teremos que adequá-los. Uma sala onde cabiam 100 pessoas, passam a caber 35, o que obriga a um planeamento muito rigoroso. É um trabalho que não se faz de um dia para o outro”, explica.
Escola Superior de Enfermagem do Porto reabre para aulas laboratoriais e com muitas regras
Com as aulas teóricas e teórico-práticas ainda a serem lecionadas à distância, na Escola Superior de Enfermagem do Porto as aulas laboratoriais entraram rapidamente em velocidade de cruzeiro. Há cerca de 12 a 18 aulas por dia, que decorrem em três pisos diferentes. Estão a ser usados 14 laboratórios e foram criados cinco novos, para permitir a divisão das turmas. “Neste momento temos cinco áreas diferentes de laboratórios”, explica o responsável. A própria escola fornece máscaras aos alunos que não as tragam e há dispensadores de gel desinfetante em todo o lado.
Logo à entrada, revela o professor, foi instalada de pulverização para o tapete, que permite desinfetar o calçado dos alunos. Depois, à chegada aos laboratórios, os alunos já não têm acesso aos cacifos e aos vestiários, por questões de segurança. É-lhes fornecido um saco preto, onde devem colocar os seus pertences que não sirvam para a aula, de forma a levar o mínimo de material do exterior para dentro do laboratório. No final da aula, esse saco serve para guardar a bata que cada aluno usa, que deve ser levada para casa para lavar. Antes era colocada no cacifo e os alunos só a levavam para lavar quando queriam.
No momento da entrega do saco é -lhes dado também o material necessário, como luvas. Todos os materiais usados no laboratório são depois substituídos. O plano de contingência manda arejar as salas uma vez por hora, mas os alunos têm tido sempre as janelas entreabertas, assim como a porta. No final de cada aula, a sala é desinfetada e pulverizada. A empresa de limpeza contratada está permanentemente a limpar corrimãos, mesas, puxadores e casas de banho — que, neste caso, existem em número suficiente para cada laboratório, podendo ser usada apenas por aquele grupo.
Nas casas de banho há indicações de que as descargas das sanitas devem ser feitas com o tampo fechado e há em toda a escola sinalética da distância de segurança que deve ser mantida entre todos. É assim também na cantina/bar, gerida por uma empresa contratada, que também está a adotar todos os cuidados. Além da lotação do espaço, de acordo com o distanciamento social, os tabuleiros e talheres que antes deviam ser os alunos a ir buscar passaram a ser entregues pelos funcionários. A ideia é que os objetos sejam tocados pelo mínimo de pessoas possível.
Antes de recomeçarem as aulas, todos os alunos tiveram formação online sobre controlo de infeção e sobre as novas regras a cumprir. E a direção garante que 97% dos alunos compareceram às aulas, sem medo.
Já os estágios permanecem encerrados, por ordem das instituições que os recebem. “Estamos à espera que autorizem a retoma”, diz, até porque há 600 alunos que estão dependentes do ensino clínico para conseguirem terminar o ano letivo.
Sindicato diz que não existem condições sanitárias e que professores sentem medo
Para já, o Ensino Superior, perante o gradual regresso à normalidade, parece correr em velocidades distintas. Para o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, Gonçalo Leite Velho, esta discrepância não se prende apenas com o subsistema de ensino superior, “mas com decisões diferentes do Conselho de Reitores e dos Politécnicos”. “Nos Politécnicos há uma visão mais abrangente, da parte do Conselho de Reitores — que não se reuniu connosco — não. Coimbra não retoma, Minho começa… Não tem a ver com o ensino, mas com a coordenação ou falta dela”, diz ao Observador.
“Reunimos com os alunos, que acham que o ensino presencial é melhor, quando houver condições de higiene e segurança, coisa que não existe. O mesmo em relação aos professores, que sentem que as condições de higiene e segurança não estão asseguradas”, diz o dirigente sindical, que sublinha que os próprios professores olham para os números dos infetados e eles próprios “não sentem confiança do ponto de vista sanitário para o regresso às universidades”.
E segundo o sindicato, tal não acontece por falta de orientações e recomendações das autoridades de saúde. “Nos diversos planos de contingência vemos que não estão adaptados. Já há varias universidades que fizeram documentos e que já fizeram adendas. Nada foi discutido connosco. Está tudo a funcionar de improviso, vai-se andando e vai-se vendo”, denuncia.
O responsável garante que, por ora, o regresso é residual. “Há instituições que determinaram que só há avaliações presenciais e aí vamos ter um desafio: com restrições nos transportes públicos, a falta de confiança dos docentes dos alunos e das famílias…”, enumera. “Não sei como vai ser.”