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O conteúdo dos frascos tem de ser diluído e depois as ampolas não podem ser movidas de um local para o outro
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O conteúdo dos frascos tem de ser diluído e depois as ampolas não podem ser movidas de um local para o outro

Rui Oliveira/Observador

O conteúdo dos frascos tem de ser diluído e depois as ampolas não podem ser movidas de um local para o outro

Rui Oliveira/Observador

Vacinas que sobram. O que falha no controlo em Portugal e os exemplos de outros países

Sempre que sobram vacinas, diz o Ministério da Saúde, "deve-se proceder, em articulação com as ARS, à vacinação" noutra instituição de pessoas prioritárias. Mas nem sempre isso acontece. Porquê?

Em Portugal as doses que sobram após a vacinação numa qualquer instituição — quer seja por utilização da sexta dose ou por outro motivo — devem ser encaminhadas para pessoas pertencentes a grupos prioritários, mas nem sempre isso acontece. Nem cá nem em outros países: são exemplos disso EUA, Polónia e Israel.

O facto de por aqui algumas dessas doses terem acabado por ser administradas a quem não é prioritário dentro do INEM já levou, inclusivamente, à abertura de um inquérito. Mas não foi o único caso. O presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez justificou ter sido vacinado não por ser prioritário, mas porque havia sobras após a vacinação na Santa Casa da Misericórdia local.

Tanto no caso do INEM , como no de Arcos de Valdevez, quando se depararam com frascos preparados e doses por usar, os enfermeiros gastaram as poucas horas que tinham para distribuir as vacinas a quem queria. No caso do INEM, ainda se conseguiu ceder 12 frascos que não tinham sido abertos a dois Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) da região centro e sul.

Em Portugal os erros não só acontecem, como se repetem. Depois destes dois casos, esta sexta-feira o INEM voltou receber mais doses do que precisava para a segunda dose da vacinação dos profissionais. E, segundo a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, durante várias horas não se soube o que fazer aos frascos não utilizados — só depois de muitos contactos, rumaram a Gaia.

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O que diz a teoria e o que acontece na prática

As falhas, no entanto, não se ficam por aqui. Segundo o Ministério da Saúde, quando sobram doses, “deve-se proceder, em articulação com as ARS, à vacinação de uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, instituição similar e/ou unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados vizinha ou de um concelho limítrofe”. A resposta foi dada ao Observador, citando uma circular da Direção-Geral da Saúde, mas essa articulação nem sempre funciona: durante esta sexta-feira, por exemplo, a ARS Norte esteve incontactável, pelo que tiveram de ser os profissionais do INEM a resolver a situação, confirmou o Observador.

O Observador tentou ainda contactar o coordenador da task force para o plano de vacinação contra a Covid-19, para perceber como se localizam utentes que podem ser vacinados nesta fase, quem coordena este reencaminhamento das vacinas ou como é feito o transporte, mas até ao momento não obteve resposta.

Noutro momento, Francisco Ramos tinha dito que é importante não desperdiçar, salientando que vacinar não prioritários é inadequado. “A outra regra importante, quando sobram doses, é procurar outros candidatos dentro do primeiro grupo prioritário”, disse o coordenador da task force. “Nesta fase não deverá ser muito difícil encontrar pessoas prioritárias” a quem dar a vacina. Foi por isso que considerou inadequado vacinar o autarca.

“A outra regra importante, quando sobram doses, é procurar outros candidatos dentro do primeiro grupo prioritário.”
Francisco Ramos, coordenador da task force para o plano de vacinação contra a Covid-19

Segundo o Ministério da Saúde no processo de definição de redirecionamento das doses a mais, deve dar-se prioridade aos concelhos “com maior risco epidemiológico e/ou a estrutura ou unidade com maior número de pessoas”. Caso não seja possível, a alternativa é “proceder à vacinação de profissionais de saúde ainda não vacinados”. Na resposta, o ministério lembra que frascos diluídos não devem ser movimentados, “pelo que a sua administração deverá ser realizada no próprio local”.

Há mais um autarca que foi vacinado sem estar no grupo prioritário — “porque havia sobras”

Falhas na gestão e o caso do INEM

Antes da primeira fase da vacinação na delegação do Norte, ninguém sabia quantas pessoas poderiam ser vacinadas. “Foram feitas várias listas”, diz uma fonte ao Observador. À partida seriam apenas 90, os mais prioritários de todos. Depois, de um dia para o outro souberam que a vacinação ia começar e que tinham direito a 425 doses, o suficiente todos os operacionais no terreno podiam ser vacinados — já a partir do dia seguinte.

Quando começaram a tirar as doses dos frascos, no entanto, verificaram que, em alguns casos, podiam tirar seis em vez de cinco doses — na altura, essa possibilidade ainda não tinha sido oficializada. Assim, em vez de 425 tinham 469 à disposição (mais as sobras das pessoas que desistiram ou que adoeceram antes de serem vacinadas).

Tendo estes recursos à disposição, entenderam vacinar todos aqueles que estavam em risco por contactarem com os operacionais do INEM ou por com partilharem espaços comuns: profissionais de saúde em prestação de serviços que não seriam vacinados noutro local, funcionários da limpeza, seguranças e até foram chamados colegas que se encontravam de baixa ou com licenças prolongadas.

Mesmo vacinando todas as pessoas sobraram frascos, que em coordenação com a ARS foram enviados para Coimbra para serem distribuídos pelos ACES. No final da semana de vacinação, no entanto, havia cerca de 10 vacinas prontas a serem usadas e sem ninguém para as receber. Ou iam para o lixo ou eram dadas a quem se encontrava no local, no caso, as pessoas que fazem a entrega das refeições aos profissionais do INEM, confirmou fonte do INEM ao Observador.

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Esta semana, o INEM Norte recebeu menos frascos, mas mesmo assim sobraram vacinas — e isto depois de vacinar praticamente todas as pessoas que tinham sido vacinadas da primeira vez. Quatro frascos intactos foram para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, mas desta vez tiveram de ser os profissionais sozinhos a encontrar solução, incapazes de contactar a ARS Norte. Questionada pelo Observador, a ARS Norte remeteu para a task force.

O que sugere a fonte ouvida pelo Observador é que se contabilize muito bem as doses enviadas para cada um dos locais e até que se divida o envio em duas partes. Se na primeira tranche sobrarem doses, podem ser enviadas menos doses na segunda tranche. E depois que se agilize os mecanismos de reencaminhamento dos frascos que sobram.

Os frascos abertos não devem ser mexidos

A principal dificuldade do redirecionamento das doses que sobram é que, uma vez descongelado, o líquido não pode voltar a ser congelado. Os frascos abertos devem ser completamente usados no prazo de seis horas ou o conteúdo é desperdiçado. E os frascos com o conteúdo diluído não devem ser movimentados. Três requisitos que implicam uma preparação rigorosa da vacinação para não haver desperdício de vacinas.

A vacina da Moderna, que já está aprovada na União Europeia, aguenta 30 dias num frigorífico, depois de descongelada, mas a vacina da Pfizer/BioNTech, a primeira a ser distribuída em Portugal e na Europa, não: cinco dias no máximo ou terá de ser deitada fora. Menos ainda se estiver à temperatura ambiente (até 30 ºC): nesse caso, duas horas.

É fácil perceber que, uma vez descongeladas, há uma corrida contra o tempo para conseguir administrar as vacinas da Pfizer/BioNTech (que têm de ser mantidas entre os 60 ºC e os 90 ºC negativos) sem desperdícios. Os frascos precisam de três horas num frigorífico (2 ºC a 8 ºC) ou 30 minutos à temperatura ambiente para descongelar, referem as orientações da Agência Europeia do Medicamento.

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Cada frasco dá para cinco ou seis doses, depois de o conteúdo ser diluído, dependendo da agulha e seringa usada. O processo é moroso e deve ser feito em condições asséticas, por isso é que há quem prepare várias ampolas de uma vez — para rentabilizar depois o processo de vacinação sem estar constantemente a interrompê-lo. Mas, uma vez diluído, o conteúdo da ampola deve ser usado no prazo de seis horas, caso contrário terá de ser desperdiçada. Foi assim que autarca e INEM justificaram o uso das sobras em pessoas não prioritárias.

Reino Unido: “Todos os centros de vacinação devem ter uma lista de reserva”

Se uma pessoa não comparece à marcação para ser vacinada, se adoece e não pode receber a vacina ou, até, se engravidou entretanto, vão, necessariamente, sobrar vacinas daquelas que estavam programadas para o dia. Mais ainda quando, no início, se pensava que os frascos da Pfizer/BioNTech tinham cinco doses e, em alguns casos, se estavam a tirar seis.

A prioridade no Reino Unido, tal como em Portugal, são os grupos de risco, tanto para serem vacinados primeiro por marcação, como para receberem as sobras. “Todos os centros de vacinação devem ter uma lista de reserva para poderem chamar pessoas à última da hora”, diz Richard Vautrey, que coordena o comité de Medicina Geral da Associação de Médicos Britânica, à BBC. O princípio é o de não desperdiçar e os profissionais de saúde devem aproveitar para ser vacinados.

Mas também no Reino Unido houve casos que fugiram à regra, como o de Brendan Clarke-Smith, um deputado conservador britânico que passou uma tarde a fazer voluntariado num centro de vacinação e acabou por receber uma vacina que sobrava, conta o jornal The Guardian.

Seis mil doses de vacinas foram desperdiçadas e deitadas fora. Ministério da Saúde nega

“É melhor dar a vacina a qualquer um do que a ninguém”, diz Heather Draper, professora na Faculdade de Medicina de Warwick, à BBC. A académica referia-se à vacina da Pfizer/BioNTech, cuja decisão sobre o que fazer com a vacina tem de ser tomada em pouco tempo.

EUA: notícia sobre excedentes de vacinas de boca em boca

Na véspera de Natal corria a notícia de que havia vacina contra a Covid-19 de sobra no Kentucky e quem o ouviu decidiu aproveitar. A cadeia de farmácia Walgreens estava a fornecer vacinas para as estruturas de cuidados continuados, mas o número de doses encomendadas excedeu as necessidades. Segundo a farmácia, ou se distribuía as vacinas ou teriam de ir para o lixo, noticia o BusinessInsider.

O governador Andy Beshear, no entanto, não concordou. “Se acredito que tenha tido um fundo bom, sim, porque não queriam que nenhuma das doses fosse desperdiçada, mas se devia ter sido feito de outra forma, sim.”

"É melhor dar a vacina a qualquer um do que a ninguém."
Heather Draper, professora na Faculdade de Medicina de Warwick

O regulador norte-americano (FDA, Food and Drug Administration) permitiu que os locais onde estavam a ser administradas as vacinas pudessem usar as doses extra dos frascos da Pfizer/BioNTech e Moderna, mas não houve qualquer orientação federal sobre o que devia ser feito com as doses que sobram depois de terem sido vacinadas pessoas que o podiam ser naquele momento, refere o BusinessInsider.

Uma farmácia, por exemplo, tinha duas doses de sobra de dois médicos que faltaram à marcação. Ou as administravam naquele momento — iam fechar em 10 minutos — ou as deitavam no lixo. Houve dois estudantes que estavam no sítio certo, à hora certa.

Noutro caso, as vacinas e respetivos técnicos ficaram retidos num nevão e começaram a vacinar os ocupantes dos outros carros que estavam na mesma situação para evitar que as vacinas se estragassem.

Israel: jovens à caça de vacinas

Israel tem a maior taxa de vacinação do mundo — cerca de 50% da população. Ainda assim, os jovens fazem fila à porta dos centros de vacinação à espera das sobras do dia, conta a BBC. Os jovens chegam a partilhar no Facebook e WhatsApp quais os melhores sítios para esperar na fila de fim de dia.

Nos Estados Unidos, o fenómeno dos “caçadores de vacinas” é semelhante, mas chega a todas as idades. As filas intermináveis, com pessoas munidas de cadeiras e sacos-cama, fazem lembrar mais a entrada para um concerto do que para um centro de vacinação, descreve o jornal britânico.

A académica Heather Draper não critica. Primeiro é perceber o que motiva estes comportamentos: medo, vulnerabilidade, receio de perder o emprego ou não ter mais nada que fazer com o tempo. “Temos de perceber a motivação de cada pessoa antes de podermos dizer, simplesmente, que quem está disposto a esperar na fila cultiva a cultura do ‘eu primeiro’.”

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Polónia: vacinas de sobra usadas em campanha a favor da vacinação

O escândalo estalou quando se soube que as celebridades polacas estavam a “furar a fila” das vacinas e que tinham conseguido ser vacinadas na mesma altura que se começaram a vacinar os profissionais de saúde, no final do ano passado.

Como resposta, os polacos que estavam maioritariamente céticos em relação às vacinas acorreram em massa aos centros de vacinação. Se, em novembro, as sondagens mostravam que apenas 43% dos polacos queriam ser vacinados, esta percentagem subiu para 70% no início de junho, noticia a DW.

A actriz Krystyna Janda, uma das celebridades vacinadas, e outros como ela garantem que não ficaram com a vacina de ninguém que precisasse mais do que eles, o que lhes aconteceu foi ter direito às doses que sobravam enquanto participavam numa campanha de apelo à vacinação.

Uma auditoria ao Hospital da Universidade de Medicina de Varsóvia, no entanto, mostrou que 200 pessoas que não eram nem profissionais de saúde nem tinham ligação à clínica estavam entre as pessoas vacinadas com as 450 que o hospital recebeu.

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Alemanha: cada estado salve-se como puder

A Alemanha fica com as vacinas a que tinha direito e ainda comprou mais, em acordos bilaterais com as farmacêuticas, mas nem por isso tem uma taxa de vacinação melhor do que a de Portugal ou do que a da União Europeia. Dos 3,5 milhões de doses que terá recebido, apenas cerca de metade foram usadas, reporta a Associated Press.

O governo federal distancia-se dos problemas nas campanhas de vacinação, visto isso ser da competência de cada um dos estados, e também por isso não quis comentar a situação na Renânia do Norte-Vestfália, onde os centros de vacinação estão vazios, mas as pessoas com mais de 80 anos recebem mensagens a dizer que não há vagas para marcação.

Também o pessoal do Hospital da Renânia do Norte-Vestfália reclama a falta de vacinas. Na fronteira com a Bélgica e a Holanda, e apesar de estarem na linha da frente no combate à pandemia, não tiveram direito às vacinas que sobraram nos lares, referentes aos idosos que rejeitaram ser vacinados. Pior, algumas das vacinas de sobra foram entregues a autoridades locais e jornalistas, fazendo crescer as denúncias de corrupção e fura filas, segundo a AP.

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