“Bem-vindos à Batalha”, disse André Ventura à chegada do Conselho Nacional, que se reúne este fim de semana para discutir e votar uma moção de confiança ao atual líder. O presidente do Chega entrou na sala do Centro de Exposições da Batalha, em Leiria, sabendo bem ao que vem — há uma batalha, urgente, que precisa de travar: a dos críticos internos. A seguinte, que culmina nas eleições de 2026 e no objetivo de ser governo, pode (e tem de) esperar.
Na apresentação da moção de confiança a André Ventura, o líder nada deixou por dizer aos adversários internos. Desafiou-os a “vir à Batalha” e criticou-os por gerarem um sentimento de desunião no partido, quando as espingardas devem estar apontadas apenas numa direção: a da oposição ao PS e do sistema. Mas, nesta primeira etapa da batalha, André Ventura parece partir em vantagem. Não houve sinais dos críticos internos este sábado no Conselho Nacional. Aliás, Nuno Afonso, aquele que é tido como putativo candidato para fazer frente a Ventura, já tinha garantido ao Observador que não marcaria presença.
Apesar da aparente vida facilitada este fim de semana para o atual líder, e da ausência dos “traidores” (como assim lhes chamou o vice-presidente António Tânger Correa na sua intervenção no palanque), esse foi tema central no discurso de apresentação da moção de confiança a André Ventura, que se desdobra em promessas de que vai levar o Chega a governo em 2026 e de, quando e se sair, não será um obstáculo ao novo líder.
As críticas à oposição interna em três atos
Ato I da Batalha. O Conselho Nacional, que decorre este fim de semana, não deveria existir. Ou não por estes motivos e André Ventura foi rápido a abrir as hostilidades. “De alguma forma, não devíamos estar aqui hoje”, defendeu, para logo a seguir dizer que o partido devia estar focado e concentrado, sim, “na construção da oposição” que deve fazer. “Não a interna, mas ao PS e aos partidos do sistema”.
Ato II da Batalha. É impossível uma liderança não cometer erros, diz André Ventura. “Todos os cometemos e eu também os cometi”, assume, desde logo para atirar que todos falharam “quando o PS ganhou com maioria absoluta” nas últimas eleições legislativas. Logo a seguir, André Ventura volta à carga: “Difícil é ter de lidar com a oposição ao Governo de António Costa; com a oposição a Augusto Santos Silva no Parlamento; e, infelizmente, com a oposição de alguns dentro do Chega”. O líder do Chega vai até mais longe e diz que “todos os presidentes e direções devem ser julgados”, “mas não por tricas internas, por egos que não foram concretizados ou por lugares que queriam e não obtiveram”.
Oposição falha Conselho Nacional do Chega e demonstra que Ventura (ainda) vive estado de graça
Ato III da Batalha. Os militantes são a peça chave no novo discurso de André Ventura centrado nos opositores internos e nas acusações de que há falta de liberdade de expressão no seio do partido. O presidente fez questão de referir que, pela primeira vez, os militantes foram chamados a discutir e votar a moção de confiança. Uma espécie de novo exército que André Ventura recrutou para esta batalha e para, perante o que se espera que seja a aprovação da moção, poder argumentar que a sua liderança está mais legitimada do que nunca. “Apareçam, digam o que pensam e votem”, apelou André Ventura, garantindo que quer ouvir todos: “Os que acharem que estamos no bom e mau caminho. Os que entendam que há erros, os que dizem bem e os que dizem mal.”
Três atos que culminam numa ideia principal: André Ventura está de pedra e cal no desafio de fazer frente à oposição interna e, avaliando pelo nível de aplausos no Centro de Exposições da Batalha, há poucas dúvidas — apesar das vozes dissidentes, mantém-se a ode ao líder. As cadeiras vazias dos opositores internos são o grande elefante na sala, como sinal de quem, para já, não quer desafiar quem está no trono.
Rui Paulo Sousa: “Preferíamos que não houvesse toda esta briga interna”
Quanto às críticas sobre a falta de liberdade de expressão no partido, o líder do Chega esvazia assim o argumento, convocando todos os militantes a responder se querem ou não que a atual liderança continue. Há também uma curiosidade. Se as últimas reuniões do partido, entre Congressos e Conselhos Nacionais, tiveram sempre presentes fotografias do líder espalhadas algures pelas salas, desta vez, é nula a presença de André Ventura em qualquer cartaz — apenas bandeiras nacionais e bandeiras do partido.
Da moção de confiança às promessas de “corpo e sangue”
É mais um teste à vitalidade do líder, depois de ter visto a sua liderança beliscada com desentendimentos que envolveram um deputado do Chega no Parlamento. O diferendo entre André Ventura e Gabriel Mithá Ribeiro parece estar sanado (já lá vamos), mas foi o suficiente para que o líder voltasse a convocar um Conselho Nacional para medir pulso à sua legitimidade como presidente do partido — e conta agora, como já dissemos, com o apoio de uma base de votos alargada, a dos militantes.
E foi também com o foco na moção de confiança que André Ventura fez questão de apelar ao voto. “O desafio não é nosso, é de todo o partido”, explicou. “Eu sei que muitos têm disputas locais, regionais, distritais, europeias. Mas não é isso que está aqui em causa [este fim de semana]. É se querem que esta liderança continue”, se o caminho definido “em termos ideológicos e de estilo de oposição” é para prosseguir.
E se a resposta for negativa (e a moção de confiança chumbar este domingo no Conselho Nacional), André Ventura promete que não será um entrave no futuro da vida política do partido. Se entenderem que é preciso uma mudança, diz, “enquanto ex-presidente, nunca terão uma crítica, uma armadilha, uma ameaça”, garante, acrescentando: “Terão o apoio e lealdade totais a quem vier depois de mim”. E deixou até uma citação: “Sempre tive a máxima de Santo Agostinho, de que o lugar que temos não nos pertence, mas sim a Deus e àqueles que nos escolhem”.
Caso passe no teste, André Ventura promete levar o Chega a governar Portugal. “Qualquer que seja o resultado amanhã, gostava que marcasse o início de uma nova fase — de ambição, luta e esforço”, começou por dizer. “Prometo-vos, com o meu sangue e com o meu corpo, que se nos derem uma maioria qualificada amanhã, vamos cumprir o destino e levar o Chega ao Governo de Portugal em 2026″, afirmou em estilo dramático mas levando toda a sala do Centro de Exposições da Batalha a um apoteótico aplauso.
O conflito sanado e o “pai” Ventura que é “insubstituível”
Se um desentendimento entre Gabriel Mithá Ribeiro e André Ventura foi o que esteve na origem da apresentação da moção de confiança, o conflito nunca foi referido na sala do Centro de Exposições da Batalha até perto das 17h (os trabalhos arrancaram pouco depois das 11h). Foi pela voz do deputado Bruno Nunes que essa pequena batalha, que já estará sanada, voltou a ser tema.
“Nunca agredi Gabriel Mithá Ribeiro”, garantiu o também deputado à CM de Loures. “Olhos nos olhos, assumo que tivemos, sim, uma discussão política de dois colegas de trabalho”, afirmou, apontando para Mithá Ribeiro, que estava na plateia a ouvir. “Respeito-o, como sei que politicamente me respeitará também”, rematou Bruno Nunes.
Foi assim dado o mote para que, algumas intervenções a seguir, Gabriel Mithá Ribeiro subisse ao palco para falar num dia em que “não queria falar”. Sem nunca referir os desentendimentos com Ventura diretamente, o deputado e ex-vice-presidente do Chega garantiu que, dentro e fora do grupo parlamentar, “ninguém rompeu com a orientação ideológica do partido” ou com o “programa político ou eleitoral”. “Quando há respeito e contenção, todos os problemas são ultrapassados”, atirou Mithá Ribeiro, enquanto era aplaudido pela sala.
“As nossas diferenças fazem a nossa força”, completou, para, também ele, fazer a ode ao líder: “André Ventura é o pai fundador de uma força social que está aqui e está por Portugal inteiro. Um pai nunca é substituível”, concluiu.
Vozes ouvidas no palanque do Conselho Nacional alinhadas em torno do líder e com críticas aos “cobartes e arruaceiros”
A avaliar pelas intervenções ouvidas ao longo deste sábado no primeiro dia de Conselho Nacional, André Ventura não terá dificuldades em fazer passar a moção de confiança que é votada ao final da tarde deste domingo.
“Não há Chega sem André Ventura” foi uma das frases mais vezes ouvidas no Centro de Exposições da Batalha, dando claros sinais de que a atual liderança está forte e resiste até às críticas internas. Pode tremer, mas não cai. Pelo menos para já.
Prova disso é também a unidade sentida no Conselho Nacional em torno da resposta aos críticos internos. Pedro Pinto, secretário-geral do Chega, abanou a sala já ao final da tarde com um discurso centrado em “quatro tipos de oposição”. Começou pelos “cobardes”, que “não tiveram coragem de dar a cara” e de ir até à Batalha. “Onde é que eles estão? Nem um!”, gritou o secretário-geral do partido, muito aplaudido pela plateia.
Depois, “há aqueles que se auto-excluíram de um gabinete de estudos e começaram a minar, tal qual como fizeram no CDS”. Pedro Pinto acrescenta que “há ainda os arruaceiros, que diziam que traziam autocarros… Onde é que eles estão? Ficaram em casa, é lá o sítio deles”. Por fim, o dirigente do Chega aponta ainda os “ressabiados, das guerras internas das distritais”, que, diz, “têm de acabar”. Pedro Pinto concluiu, defendendo: “A oposição não é feita cá dentro, temos de fazer oposição à peste socialista que invade Portugal”.
Já António Tânger Correa, vice-presidente do Chega, classificou os adversários de Ventura como “traidores”, que “se pensam que vão ter benesses estão muito enganados, porque ninguém lhes vai dar a mão”. José Pacheco, também vice-presidente e deputado regional dos Açores, segue na mesma linha e aponta baterias aos críticos internos, mas prefere deixar um aviso: “A oposição aos malfeitores de Portugal é que tem de ser o nosso foco”. E o deputado Pedro Frazão vai mais longe e assegura que deixa à disposição o lugar de deputado, vereador na CM de Santarém e vice-presidente da direção nacional, caso a moção de confiança não seja este domingo aprovada.
Das 400 pessoas que marcaram presença neste primeiro dia de Conselho Nacional (números dados por fonte do partido e que incluem conselheiros e militantes), a resposta é unânime: o Chega é André Ventura e deve ser André Ventura a continuar no cargo de líder do partido, com a legitimidade reforçada. A moção de confiança apresentada pelo atual presidente pode mesmo vir a tratar-se de uma mera formalidade para reforçar a liderança daquele que é o terceiro maior partido com assento na Assembleia da República.