Gabriel Mithá Ribeiro fica no Chega, por enquanto, mas não deixa de fora a possibilidade de se tornar deputado não-inscrito caso as “conversas e negociações” que pediu a André Ventura não surtam efeito. Nesta fase, o deputado considera que “não há condições” para o grupo parlamentar trabalhar em conjunto no início de um novo ano parlamentar.

“Vou manter o mandato até ao fim, dentro ou fora do partido”, assegurou o deputado Mithá Ribeiro, frisando que aguarda por “conversas e negociações o mais breve possível” e que a decisão será tomada com base na conclusão das mesmas.

Numa conferência de imprensa em que falou pela primeira vez do que se passou, o deputado do partido explicou que não teve qualquer conhecimento da decisão de afastamento do gabinete de estudos por parte de André Ventura, que soube da existência da mesma como os restantes militantes (através do portal do Chega) e sentiu que a decisão o “desautorizava” e lhe “retirava confiança”. Acredita que foi a “gota de água” (uma versão que Ventura recusa) e reitera: “Não vejo nada de censurável no texto.”

Pedro Arroja, mandatário nacional do Chega nas últimas eleições legislativas, esteve sentado ao lado de Mithá Ribeiro na conferência de imprensa marcada pelo deputado, em Leiria, distrito por onde foi eleito para a Assembleia da República. Arroja é o autor da publicação partilhada pelo vice-presidente demissionário do Chega precisamente um dia antes de a decisão do afastamento do gabinete de estudos ter sido tornada pública.

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Segundo o deputado Mithá Ribeiro — e à semelhança do que André Ventura já tinha dito — foi essa publicação que gerou “insatisfação” no grupo parlamentar, mas Mithá Ribeiro acusa agora o líder do partido de ter “tentado desviar a atenção do artigo”.

O deputado do Chega agora em rutura com o líder, deu a sua versão dos factos sobre o caso: “Agendámos uma reunião para a última terça-feira e fui surpreendido, antes da reunião, com o meu afastamento do gabinete de estudos. Considerei essa cedência de André Ventura ao pequeno grupo de deputados um precedente triplamente grave porque iria inviabilizar para sempre a qualidade e liberdade de pensamento no gabinete de estudos; quer porque estava em causa uma quebra de um princípio basilar do programa político do Chega: o direito à crítica social livre; quer porque a atitude representava uma manifesta falta de confiança do presidente em relação à minha pessoa.”

“A reestruturação [no partido] estava pensada, mas todos sabemos que o meu afastamento do gabinete de estudos não estava, de maneira nenhuma, pensado“, reiterou o deputado, frisando que recebeu a informação ao mesmo tempo do que os outros militantes e que as condições para reunir com Ventura deixaram de estar reunidas. Com esta afirmação, Mithá Ribeiro desmente completamente a versão de Ventura, que deu a entender que o afastamento já estava planeado e que até estava concertado com o deputado.

Questionado sobre a agressão de Bruno Nunes numa reunião do grupo parlamentar, noticiada pelo Diário de Notícias, e que terá sido fundamental no primeiro pedido de demissão de Mithá Ribeiro, o deputado realçou que “não teria relevância se não surgisse num conjunto de manifestações em que [mostrou] insatisfação”. O, até agora, vice-presidente do Chega remeteu ainda para Bruno Nunes: “Poderão esclarecer com o deputado.”

“Temos o direito de preservar a nossa intimidade, dignidade e espaço de privacidade. É a nível interno que a questão tem de ser resolvida”, acrescentou, sugerindo que esta situação deveria ter ficado na vida privada do partido.

A falta de liberdade de expressão e o “desgaste no que é estéril”

As críticas de Mithá Ribeiro foram muito além do caso do afastamento do gabinete de estudos. O deputado considera que o grupo parlamentar (do qual que faz parte) “ainda não fez o suficiente para funcionar como modelo moral e cívico” — um objetivo que, garante, o levou a tornar-se militante.

Na opinião de Mithá Ribeiro, falta uma “articulação” entre o partido e a sociedade portuguesa, que explica “parte da sua instabilidade”, nomeadamente a “falta de abertura a uma vertente intelectual ou académica, que saiba pensar e possa pensar com liberdade e qualidade e seja respeitada e valorizada dentro do partido”. “É preciso abrir o partido aos independentes, aos pensadores, às dinâmicas culturais, em especial associadas à identidade portuguesa.”

O responsável pelo programa acusa “um pequeno grupo de deputados” de ter “dificultado a concretização dessa ambição”, mas assegura que tem solicitado a André Ventura que “legitime esse caminho”.

“André Ventura é o principal responsável pelos sucessos do partido, mas também pelo adiamento de soluções internas que podem, a prazo, prejudicar-nos seriamente”, apontou Mithá Ribeiro, enumerando “desentendimentos internos, suspeições, expulsões e conflitos”. O deputado frisou ainda ser preciso implementar uma “estratégia sólida, virando o partido de dentro para fora, de questões internas para externas”.

Mithá Ribeiro disse ainda ser incómodo ouvir frases como: “Disseram-me que o professor está queimado no grupo parlamentar.” “Isto não é fácil de suportar, o partido desgasta-se em excesso no que é estéril e isso é um erro estratégico grave”, apontou o deputado.

A demissão e a (des)confiança em Mithá Ribeiro

A semana foi longa e ficou marcada por este caso.  Gabriel Mithá Ribeiro apresentou a demissão da vice-presidência do Chega depois de ter sido afastado do cargo de coordenador do gabinete de estudos por André Ventura, que ficou “provisoriamente” à frente do mesmo até à realização de um Conselho Nacional.

Mais tarde, em duas conferências de imprensa em dois dias consecutivos, o presidente do Chega assegurou que a saída de Mithá Ribeiro do gabinete de estudos se insere numa “profundíssima reestruturação do partido que vai afetar a base do partido” e que nada tem a ver com a partilha que o deputado fez de uma publicação de Pedro Arroja (que foi mandatário nacional do Chega, e que disse estar “dececionado” com os últimos meses de trabalho do partido no Parlamento).

Mais do que isso, André Ventura assegurou manter a confiança política em Gabriel Mithá Ribeiro e que — apesar de deixar a direção do partido — deverá “continuar como deputado”, mesmo depois de ter faltado à reunião presencial com o presidente do partido e com a liderança da bancada parlamentar.

A rutura entre Mithá Ribeiro e o partido (que André Ventura disse esperar que não venha a existir) é aparentemente difícil de recuperar, e — com os olhos postos em todas as possibilidades — o presidente do Chega deixou um recado que vem de longe, da altura em que ainda se discutiam listas de candidatos (todos eles escolhas pessoais de Ventura pela lealdade): um deputado do Chega que perca a confiança política ou que entre em rutura com o partido deve deixar o lugar na Assembleia da República vago para o nome seguinte da lista. Para já, Mithá deixou claro que fará o contrário: caso deixe o partido, mantém-se como deputado.

Chega mantém confiança política em deputado Mithá Ribeiro

Mithá partilhou texto de Arroja, que está “dececionado”

Um dia antes do despacho, Gabriel Mithá Ribeiro partilhou no Facebook um texto assinado por Pedro Arroja, que foi mandatário nacional do Chega, no blog Portugal Contemporâneo, em que criticava a ausência de propostas do partido na área da justiça.

“Estou bastante dececionado“, escrevia o mandatário, após a enumeração de várias exemplos de medidas que esperava ver apresentadas. Após recordar o texto “Por que vou votar no André Ventura (I)” e de o justificar com o facto de prometer “uma profundíssima reforma da justiça”, Pedro Arroja realçava que o “grupo parlamentar do Chega está em funções há seis meses” e que, na área da justiça, “a única coisa que fez foi apresentar propostas que aumentam as penas de prisão para certos crimes”.

“São propostas avulsas que nada representam em termos de ‘uma profundíssima reforma da justiça’ e que não me entusiasmam particularmente nem são prioritárias num país como Portugal, que é considerado um dos países mais pacíficos do mundo”, prosseguiu, admitindo que “a proclamação do André Ventura” tinha representado uma “esperança que o tempo tinha chegado para uma justiça democrática no país”.

“É claro que eu não esperava que o André Ventura, na altura deputado único do Chega, fizesse essa reforma sozinho. E, assim, eu próprio me empenhei, na medida das minhas possibilidades, para que o Chega pudesse eleger um número significativo de deputados nas eleições de janeiro passado, e isso veio a acontecer”, recorda, asssumindo que esperava ver mais do Chega nos últimos meses. Apesar de dizer estar “bastante dececionado”, Arroja realça que “talvez seja necessário dar mais tempo”.

deputado Mithá Ribeiro foi o principal responsável pelo programa eleitoral que o partido levou a votos nas últimas legislativas, em que o partido elegeu 12 deputados e se tornou a terceira força política a nível nacional. Além disso, depois de o nome de Diogo Pacheco Amorim ter sido chumbado, Mithá Ribeiro foi o escolhido pelo Chega para a vice-presidência da Assembleia da República, tendo sido também rejeitado pelo Parlamento.

Na sequência disso, o deputado, de origem moçambicana e defensor da ideia de que “o racismo deixou de existir”, surgiu em declarações à imprensa para se queixar que tinha sido alvo de uma “questão racial” ao ser rejeitado para o cargo. André Ventura, ao lado do candidato chumbado, estava aparentemente desconfortável e recusou responder, na altura, se comungava ou não da opinião de Mithá Ribeiro.