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João Vieira Lopes, presidente da CCP, rejeita divergências com CIP
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João Vieira Lopes, presidente da CCP, rejeita divergências com CIP

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

João Vieira Lopes, presidente da CCP, rejeita divergências com CIP

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Vieira Lopes: "Último governo de António Costa foi o mais à esquerda na legislação do trabalho"

Líder da Confederação do Comércio e Serviços rejeita divergências entre patrões (e com a CIP em particular), mas admite que prefere um "funcionamento conjunto". Em relação a 2024 está mais pessimista.

Com as eleições à porta, João Vieira Lopes traça a linha entre o desejável e o realista. Para o líder da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), no cargo desde 2010 e com mandato até 2025, o ideal era encontrar na concertação social um “contrato social” com os partidos do “arco governativo”. Mas perante a crispação pública entre PS e PSD reconhece que será “muito difícil” que isso venha a acontecer.

Em entrevista ao Observador, Vieira Lopes mostra ainda preocupação com a instabilidade que poderá advir das eleições de 10 de março, acirrada pela conjuntura internacional que se faz notar. Olhando para trás, preferia ter visto Marcelo Rebelo de Sousa a evitar eleições antecipadas e a manter “um governo por mais algum tempo”, em prol da estabilidade. Não com António Costa — que “não tinha condições” para continuar — e também não tem a certeza de que Mário Centeno seria a resposta certa. De qualquer forma, a “continuidade” que gostava de ter visto não aconteceu e, por isso, teme que o PRR — que já está “atrasadíssimo” — fique ainda mais para trás.

Quanto à relação com a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) — que tentou avançar sozinha com a UGT para um “pacto social”, que a central sindical acabaria por não subscrever —, Vieira Lopes recusa divergências entre patrões, mas assume que seria preferível “um funcionamento conjunto das confederações empresariais”.

Já sobre a legislação laboral, reconhece que houve medidas anteriores à chamada “agenda do trabalho digno” — uma expressão de “spin doctor“, atira — que, embora tenha criticado na altura, não trouxeram grandes inconvenientes às empresas. Já a agenda em si “foi uma desilusão completa”, a maior dos governos de António Costa, avalia. Por isso não tem dúvidas: o último Executivo foi “o mais à esquerda” da governação de Costa, mais ainda do que os suportados pela geringonça.

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Com o país perto de entrar em campanha eleitoral, com um Governo em gestão e uma Assembleia da República prestes a ser dissolvida, fez bem o Presidente da República em convocar eleições e para março?
Da parte das empresas, há sempre um sentimento duplo nestas situações. Por um lado, é sempre favorável haver alguma estabilidade e alguma previsibilidade. E, sob esse ponto de vista, muita gente preferia claramente que, apesar de tudo, o Governo se mantivesse independentemente das críticas bastante profundas que nós fizemos.

Não estavam de acordo com essa solução?
Para nós, muito provavelmente, teria sido preferível, em termos de estabilidade, a continuação de um governo por mais algum tempo.

O primeiro-ministro tinha condições para continuar?
O primeiro-ministro em si não tinha condições. Eu penso que só por o que se passou com o chefe de gabinete, era mais que motivo para assumir a responsabilidade política.

E Mário Centeno seria um bom primeiro-ministro?
Um bom primeiro-ministro não sei se seria. A nossa expectativa era a de alguma continuidade. Naturalmente que é uma pessoa que conhece o governo, conhece os problemas da área financeira, mas nós, por norma, também não nos pronunciamos nunca sobre pessoas ou evitamos pronunciar-nos sobre pessoas. Agora, uma solução de alguma continuidade, pelo menos até 2025, era algo que estava nas nossas expectativas, até porque temos bastante receio que estas mudanças de governo ainda venham a introduzir mais atrasos na aplicação dos fundos europeus. O PRR está atrasadíssimo, as taxas de execução que o governo apresenta algumas são altas, mas têm mais que ver com aquilo que o Estado gasta. Em relação a toda a temática que envolve as empresas, os atrasos são muito grandes.

E sente-se isso no terreno? Têm queixas de associados?
Sim, temos bastantes queixas, nomeadamente sobre o atraso com que as verbas chegam à parte que é das empresas. O PRR tem o aspeto grave de não ter aquilo que existe como tradição na União Europeia nos fundos de coesão, que é o chamado N+3, ou seja, a execução poder ir além em três anos do prazo.

"[No pré-eleições], os líderes aparecem todos de uma forma simpática. Dizem que nós temos razão, tomam notas, dizem que vão estudar o assunto (...). Ouvem-nos, são simpáticos, mas chegamos ao fim das campanhas sempre sem perceber o que é que daquilo poderá ser utilizado na prática."
João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP)

O Governo continua a dizer que ainda tem esperança que seja prolongado no tempo.
Esse prolongamento tem uma dificuldade estrutural que pode obrigar à aprovação por todos os países e, aí, sabemos que a situação que se vive em termos da União Europeia não é muito favorável a isso. É evidente que se houver bastantes países atrasados, já sabemos que à última hora pode ser arranjada uma solução. Mas não é positivo que estejamos nessa interrogação e correm-se riscos, inclusivamente de não ter verbas. Mas, além disso, o chamado Portugal 2030, do ponto de vista do arranque, é um desastre completo. Já estamos no terceiro ano e estamos muito longe em várias áreas, por exemplo, uma área que interessa bastante às empresas e onde o movimento associativo empresarial participa de uma forma também bastante intensa, que é a área de formação, praticamente estamos a zero.

Ainda não há avisos lançados?
Há pouquíssimas questões avançadas. E ainda por cima, historicamente, há uma série de entidades associativas como CCP, CAP, Associação Empresarial do Norte, AIP, Confederação do Turismo que são organismos intermédios, ou seja, que acompanham os concursos e inclusivamente fazem a própria fiscalização, etc. e esse tipo de organismos nem sequer estão ainda aprovados. Portanto, corremos sérios riscos de perder grande parte do ano 2024, porque só teremos um governo em funções no segundo semestre.

Marcelo Rebelo de Sousa manteve o Governo mais tempo a trabalhar, e o Parlamento também, para que o Orçamento do Estado para 2024 fosse aprovado precisamente por causa do risco que era para o PRR. O que nos está a dizer é que, mesmo com um orçamento aprovado, o PRR continua muito atrasado. Portanto, este orçamento não vai resolver essa questão?
Não vai resolver. Mas nós, nos contactos que tivemos com a Presidência da República, fomos claros em dizer que preferíamos ter orçamento do que não ter, porque se fossemos funcionar em duodécimos, uma série de projetos não tinha arrancado. Um doze avos de zero é zero. Assim, como alguns quadros legais foram aprovados, temos a expectativa de que alguma coisa arranque. Por exemplo, no caso do setor do comércio de serviços, no acordo de concertação social de 2022 e no seu ajustamento de 2023, está previsto um plano de competitividade para o comércio e serviços, com investimentos diversos, desde o digital e outras áreas do urbanismo comercial, e alguma atividade na área de como se garante a qualidade do apoio às idades mais avançadas nos centros urbanos, etc. Esse tipo de projetos tem algumas coisas aprovadas que ainda poderemos tentar fazer avançar com este governo, na medida em que, depois de bastantes atrasos, nas últimas semanas, o governo aprovou em Conselho de Ministros esses projetos. Sem orçamento não teríamos nada. Assim, algumas destas medidas estamos a ver com o Governo, porque como estão enquadradas legalmente podem começar a fazê-las.

Mas as matérias como as relacionadas com simplificação, por exemplo, ficaram pelo caminho.
Esse tipo de medidas dificilmente neste período de transição alguém pegará nisso. Mas por exemplo, o que tinha a ver com o apoio aos combustíveis aos transportes de mercadorias, se o Orçamento não tivesse sido aprovado tínhamos fortes hipóteses de ter paralisações de transportes no dia 2 de Janeiro, porque não havia capacidade financeira de pô-los a funcionar.

Depois das eleições de 10 de março, qual é que para si é a solução política mais desejável para o país?
Por princípio a CCP não entra muito nesses campos. Agora temos previstos vários cenários e coloca-se uma grande probabilidade de haver dificuldade em conseguir formar um governo estável e que tenha uma duração significativa. Isso é, de facto, a nossa grande preocupação. Para já, gostaríamos que, se houvesse um orçamento retificativo, um conjunto de situações que este orçamento [2024] inclui, que foram negociadas na concertação social, se mantivesse, mas que fossem adicionadas mais medidas viradas para o tecido empresarial, que foi uma das grandes críticas que nós fizemos a este orçamento.

O presidente da CIP defendeu que PS e PSD deviam assinar, mesmo antes das eleições de 10 de março, um acordo com visibilidade em torno de objetivos políticos estratégicos. Concorda com isso e em que áreas?
A CCP, já desde há bastante tempo, tem proposto que, a partir da concertação social, se tente construir aquilo que nós chamamos um contrato social que envolva não só os parceiros sociais, mas também os principais partidos políticos a que costuma chamar-se do arco governativo.

"Os setores que represento, regra geral, têm condições" para garantir, em 2024, aumentos salariais de 5% em linha com o referencial do acordo de rendimentos.
João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP)

Não acha que a situação neste momento está tão crispada entre os dois partidos principais que isso é quase impossível?
Infelizmente acho que é muito difícil, mas acho que haver uma espécie de contrato social com alguns parâmetros em que houvesse acordo entre os partidos e, em relação a esses parâmetros, pudessem abranger várias legislaturas, seria fundamental. Aliás, nós tivemos um caso histórico, o do IRC. Houve uma legislatura em que houve um acordo para baixar progressivamente o IRC. Nós, como CCP, participámos ativamente nessas negociações com os partidos para isso ser concretizado e depois a seguir veio um governo e desfez.

Mas em que áreas em concreto devia haver esse acordo? IRC novamente?
Nalgumas áreas da fiscalidade, nomeadamente IRC. Independentemente do IRC ser alto em Portugal, em termos reais, porque o IRC não pode ser visto só pela taxa nominal, tem que ser visto no seu conjunto, pelas alcavalas todas que tem, quer municipais, quer estatais, quer tributações autónomas, etc. Além de ser alto em termos da média europeia, pensamos que é um sinal que se dá quer para o investimento estrangeiro, quer para o investimento português mesmo, e nós temos dito isso a vários governos, que se faça uma baixa progressiva e essa baixa progressiva seja faseada anualmente. Essa seria uma das áreas onde nos parecia que seria importante. Agora as áreas fundamentais, e há uma, de facto, que nos preocupa muito em termos de país é a temática do investimento e da capitalização. Sem investimento não há crescimento.

Mas há verbas para a capitalização das empresas disponíveis no Banco de Fomento e a sua execução também está muito baixa, significa que as empresas não estão a recorrer a elas?
A capitalização tem que ser vista no seu conjunto. Essas regras são pontuais. Grande parte delas são positivas — é melhor do que se não existissem — mas são regras que muitas vezes exigem um conjunto de burocracias, um conjunto de condições das empresas, etc, que não é a mesma coisa do que haver uma política geral em termos de investimento e capitalização. Enquanto for mais favorável para as empresas financiarem-se na banca do que os empresários colocarem capitais próprios, o problema da capitalização nunca será resolvido. Reconhecemos que os governos do dr. António Costa fizeram um esforço. Inicialmente houve uma comissão para a capitalização presidida por um empresário do Norte onde, aliás, esteva também o dr. Siza Vieira, que teve algumas medidas positivas. Agora, tudo isso é sempre tão complexo, tão condicional, condições retroativas de não sei quantos anos, mais condições para não sei quantos anos. É tudo bastante complexo para poder ser eficaz. Vou dar outro exemplo: Portugal tem um problema estrutural de produtividade, que é um problema que exige qualificação de mão de obra. E aí reconhecemos que tem sido feito algum esforço na qualificação de mão de obra com os fundos europeus. Mas não é orientada para os setores que precisam mais. Em qualificação da gestão do nosso tecido empresarial de micro, pequenas e médias empresas praticamente não se tem investido nada. Há agora alguma abertura para criar uma área de formação na qual a CCP está interessada em participar.

Mas porque é que tem que ser o Estado a implementar esse tipo de medidas? Porque não são as confederações, as associações?
Na maior parte dos países europeus, os fundos europeus, mesmo para a formação, são geridos pela sociedade civil. Aqui em Portugal, o Estado concentra o grosso das verbas num paquiderme chamado Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que é uma estrutura pesadíssima e que, inclusivamente, faz concorrência à sociedade civil. No comércio, em Espanha, por exemplo, existe uma entidade privada, uma associação — que se estivéssemos em Portugal reuniria a CCP, a APED e as cooperativas — que gere as verbas e distribui pelas empresas. Em França, é o próprio governo que faz uma distribuição de verbas diretamente às empresas para fazerem a formação. Em Portugal, isso exige verbas bastante grandes de financiamento para poder ter impacto.

Das reuniões que já teve com os líderes políticos foi-lhe deixada alguma garantia de avançar nalguma das matérias que a CCP considera prioritárias?
As reuniões nos períodos eleitorais são sempre um bocadinho de chá e simpatia.

Isso quer dizer o quê?
Quer dizer que os líderes aparecem todos de uma forma simpática. Dizem todos que nós temos razão, tomam notas, dizem que vão estudar o assunto. São sempre reuniões que eu acho obrigatório fazer. Nós, em termos de CCP, fazemos sempre; o Conselho Nacional das Confederações também tem preparados documentos, como fez para as últimas eleições, e está, neste momento, a discutir o que é que vai fazer para estas eleições. Mas nestas alturas o tema empresas nunca é muito valorizado no discurso dos políticos.

Não dá votos? É isso?
Estão concentrados nas promessas aos eleitores. Uma das coisas que nos preocupa neste momento é que ouvimos os discursos e é aumentos salariais… toda a gente gostaria de ter aumentos salariais… em particular para a função pública e para os setores do Estado. São os problemas dos serviços públicos que estão neste momento com uma prestação de serviço de baixíssima qualidade na educação, na saúde, etc. São tudo problemas a que são necessárias respostas. Mas na nossa interlocução sobre as temáticas das empresas ouvem-nos, são simpáticos, mas chegamos ao fim das campanhas sempre sem perceber o que é que daquilo poderá ser utilizado na prática.

"A CIP opta por desenvolver a sua estratégia própria. Nós avançamos dentro da estratégia comum, que inclui a CIP, para a construção de um projeto de acordo de concertação social."
João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP)

Nessas reuniões com líderes políticos — teve uma, pelo menos com o Pedro Nuno Santos, que foi público — deram-lhe alguma garantia?
Aí foi mais para ouvir o que nós pensávamos. Garantias, nunca ninguém nos dá. Este pequeno almoço que eu tive com um dos candidatos a líder do PS a convite dele, foi mais para nos ouvir.

Já reuniu também com o Luís Montenegro?
Neste momento não, mas, como habitualmente, ironicamente costumamos dizer que nas campanhas eleitorais fazemos sempre o nosso circuito da carne assada. Pedimos hoje audiências para organizarmos, como costumamos organizar, uma sessão com pelo menos cada um dos mais prováveis candidatos a primeiro-ministro para discutir de uma forma mais aberta e mais mais privada. Nas últimas eleições fizemos uma sessão com o dr. Rui Rio e outra com o dr. António Costa. Além disso, aconselhamos as nossas associações, quer as setoriais, quer as locais, para tentarem discutir algumas dessas coisas com os deputados dos respetivos distritos.

A resistência de se trabalhar em conjunto em Portugal. “CIP opta por desenvolver a sua estratégia própria. Nós avançamos dentro da estratégia comum”

Compreendeu a decisão da CIP de ficar de fora da revisão do acordo de rendimentos?
É evidente que foi uma decisão própria, e que teremos de respeitar, como qualquer decisão. Sempre pensámos que, estrategicamente, a construção de uma entidade, ou pelo menos de um funcionamento conjunto das confederações empresariais, é uma valência positiva e estamos convencidos que se tivesse havido maior convergência… nós conseguimos introduzir uma série de questões no Orçamento. Praticamente, as únicas novidades que o Orçamento trouxe foram as que resultaram do acordo de concertação social. E, se calhar, em conjunto, teríamos conseguido colocar mais algumas. A CCP sempre defendeu que se deve trabalhar para o futuro no movimento associativo empresarial para construir uma solidez cada vez mais próxima, mas que isso deve ser feito de baixo para cima, ou seja, deve ser feito melhorando e aumentando as experiências em comum.

Da reforma a tempo parcial ao IVA dos sumos e néctares. O que prevê o novo acordo de rendimentos (em que CIP e CGTP ficaram de fora)

O primeiro anúncio de Armindo Monteiro enquanto presidente da CIP foi o desejo de firmar um pacto social que implicava as centrais sindicais. A CCP foi convidada?
Foi um projeto próprio da CIP. A CCP não foi nem tinha que ser convidada. A CIP tomou essa opção.

Acha que as confederações patronais, neste momento, não estão a falar a uma só voz?
A nossa grande aposta sempre foi a constituição do Conselho Nacional das Confederações Patronais, que nós propusemos em 2010 e conseguimos constituir em 2020, o que mostra a resistência que existe em Portugal a trabalhar em conjunto. É por aí que vamos desenvolver os nossos esforços de convergência entre as confederações.

Ficou ou não surpreendido de ver o presidente da CIP reunido com a UGT e com o Governo antes de fecharem o Orçamento do Estado para 2024?
A CIP opta por desenvolver a sua estratégia própria. Nós avançamos dentro da estratégia comum, que inclui a CIP, para a construção de um projeto de acordo de concertação social. Nos anos anteriores, levámos esse documento diretamente ao Governo. Este ano, mesmo apesar de o Conselho das Confederações não estar na concertação social, achámos que essa era a plataforma para o colocar e pensámos que tirámos alguns resultados disso. Ficámos, naturalmente, aquém daquilo que gostaríamos e acho que foi a demonstração clara de que a concertação social é o elemento estruturante do quadro relacional das confederações sindicais e patronais com o Governo.

Isso significa que a CCP não teria feito aquilo que a CIP fez de reunir com o Governo e com a UGT sem convidar as outras confederações patronais?
Nós somos muito institucionais e pensamos que, em conjunto, a esses níveis, funciona-se melhor. Essa é a nossa opção.

Mas sente que a CCP e a CIP estão mais afastadas agora que Armando Monteiro assumiu a presidência da CIP?
Quer dizer, vamos lá ver, afastadas… Eu acho que os pontos que nós temos em comum… Historicamente, na concertação social, as confederações sempre trabalharam de uma forma bastante coordenada. Há um ou outro ponto de divergência ou uma outra situação de conjuntura, mas globalmente nunca houve assim grandes problemas. Há uma divisão muito nítida entre as duas centrais sindicais. Entre as patronais, enfim, são entidades diferentes, têm histórias diferentes. Os setores têm interesses por vezes diferenciados. A CCP tem uma grande preocupação que faz parte do seu código genético, que é a valorização do comércio e dos serviços, que pensamos que junto de muitas entidades governamentais, muitos opinion makers na área da economia, nem sempre é suficientemente valorizada.

Com estas reuniões paralelas da CIP com o Governo e sem as outras confederações patronais, dá a ideia que as confederações estão desalinhadas. Sentia que com a antiga liderança da CIP, com António Saraiva, a dinâmica era diferente? Havia maior convergência entre as confederações patronais?
Em relação àquilo que nós discutimos em conjunto, temos chegado praticamente sempre a acordo.

A CIP não assinou a última revisão do acordo de rendimentos.
É uma opção da CIP. A CCP não assinou o acordo de 2003, por exemplo, porque estava em desacordo que o período de férias passasse automaticamente de 22 para 25 dias. A CAP não assinou o último acordo com o governo de Sócrates. Essas questões pontualmente surgem ao longo da história, mas penso que há uma questão comum: todos nós defendemos as empresas privadas e as empresas privadas é que são o motor da economia, o crescimento tem de ser feito a partir das empresas privadas e tem de haver condições para elas trabalharem e criarem emprego e inovação. Eu penso que há uma plataforma de pensamento comum que, pode levar, em certas circunstâncias, a posturas diferentes. Agora, há uma coisa clara para a CCP. Cada uma [das confederações] representa o que representa, mas não há de primeira nem de segunda. Nós temos uma relação equiparada com todas as confederações.

Portanto, a convivência é pacífica com a CIP neste momento?
A CIP continua a participar no Conselho Nacional das Confederações.

E o Conselho Nacional das Confederações deve continuar a existir no seu entendimento?
No meu entendimento, é a chave da constituição estratégica de um grande bloco cada vez mais coeso do tecido empresarial e construído de baixo para cima.

Armindo Monteiro disse recentemente que deveria ser um conselho mais ambicioso. Concorda? Percebe esta expressão?
Não vou comentar publicamente as posições de outros dirigentes sobre os problemas do movimento associativo. Sobre se tem de ser mais ambicioso… é o que nós estamos a discutir no Conselho das Confederações. Portanto, da nossa parte, achamos que todas as pessoas são respeitadas. Por norma, nós, como digo, apresentamos as nossas posições e dentro do Conselho às vezes há discussões um bocado mais fortes ou menos fortes. Agora, o que para nós é claro, todas as confederações do Conselho são iguais e representam setores. Nós somos claramente vocacionados, por razões históricas, e pelos anos de experiência para o comércio e serviços, não queremos ser mais do que isso, mas achamos que estes setores estão a ser estrategicamente menorizados. Basta ver, por exemplo, que quando o Governo constituiu aquela comissão para fazer o PRR, só ouviu a agricultura e a indústria. Não ouviu nem o turismo nem a CCP.

Sobre o acordo de rendimentos, muitas das medidas que constavam no acordo caíram por terra com as eleições antecipadas. O que é que espera que aconteça ao acordo de rendimentos após 10 de março. Mesmo se for o PS a ganhar as eleições, acha que o acordo tem condições para se manter sem alterações?
Há medidas como, por exemplo, as reformas parciais, etc, essas caíram. Mas o grosso das medidas de caráter económico e financeiro estão no Orçamento de Estado.

IRS, IVA, IUC. Várias alterações nos impostos no próximo ano. Como fica, afinal, o Orçamento para 2024?

Portanto, as empresas têm condições para garantir o referencial de aumentos salariais de 5%?
Nós nunca gostámos muito deste tipo de referenciais.

Mas aceitaram-no.
Aceitámos. As confederações não fazem acordos com sindicatos diretamente — só há uma confederação que o faz, por razões históricas, a CAP. Quem faz são as associações. Discutimos com as associações que tentem ajustar-se o mais possível, mas nós não podemos impor a uma associação que faça um acordo abaixo ou acima disso. Com isso, cria-se uma base negocial e penso que está a haver um esforço. Agora, se me disser todos os setores vão subir 5%? Eu acho que há setores que provavelmente não têm condições.

Mas os setores que representa, têm condições?
Os setores que represento, regra geral, têm condições. Nós tentámos garantir uma coisa, que é uma das situações mais complexas, que é as empresas que têm contratos com o Estado, o que acontece é que muitas dessas empresas de serviços têm contratos bastante grandes com o Estado, mais de 50% da sua atividade é com organismos públicos, e quando vão a concurso vão com o salário mínimo que está em vigor…

Isso tem a ver com o salário mínimo, mas isso ficou previsto no acordo de rendimentos.
Isso já tem sido previsto em vários anos e o Governo nem sempre tem cumprido isso.

Mesmo quando se estabelece um acordo não cumpre?
Houve algumas vezes que não cumpriu. Eu fiz um ministro — não interessa agora quem — passar pela vergonha quando lhe disse que no seu próprio ministério não cumpriu.

Quem foi esse ministro?
Não interessa agora.

Mas foi deste governo?
De um destes governos, não foi deste último, não. Mas porque depois existe um serviço no Estado que teoricamente tem que fazer os contratos. E depois há uma portaria do Ministério das Finanças que só sai no fim do ano e as empresas, algumas, não têm estrutura financeira para aguentar. Neste acordo, o Governo comprometeu-se a fazer sair a portaria dez dias depois da entrada em vigor do Orçamento, até ao dia 10 de janeiro. Escreveu [no acordo] e acho que em princípio irá fazê-lo. Até porque há eleições, os governos vão ter mais cuidado nos períodos eleitorais. Mas, globalmente, o acordo é um acordo limitado. O orçamento não é um orçamento focado nas empresas, claramente, mas nós somos muito pragmáticos nesse aspeto.

Para si as medidas essenciais já foram concretizadas?
Acima de tudo, queremos, com o novo governo, melhorar o acordo.

Quer seja PSD, quer seja PS.
Isso aí, a nossa estratégia é sempre essa. Por exemplo, na capitalização ficámos aquém daquilo que nós queríamos. Nos aspetos fiscais, ficámos bastante aquém daquilo que necessitávamos. Mas preferimos partir de uma base mais alta para negociar. A Agenda para a Modernização do Comércio e Serviços, que o Governo aprovou agora à última hora, ficou aquém do que queríamos, mas preferimos negociar com base num conjunto de coisas já aceites do que adotar uma opção maximalista.

Um retificativo a pensar nas empresas, pede CCP

A descida da Taxa Social Única seria preferível a uma descida do IRC? Ou neste país já não se pode falar de mexidas na TSU?
A proposta que o Conselho das Confederações fez parece-me bastante lógica.

Patrões querem redução da TSU a cargo do empregador e baixa do IRC: as propostas para o OE 2024

Que o Governo na altura descartou logo.
Exatamente. O ministro das Finanças descartou. Nós este ano propusemos [uma redução de] 1 ponto. Mas temos a preocupação da sustentabilidade da Segurança Social — aliás a CCP  também é uma área onde tem trabalhado bastante e a pessoa da CCP que trabalha nessa área até foi uma das que o Governo escolheu para aquela comissão [sobre a sustentabilidade das pensões] que está a trabalhar. Nós propusemos essa baixa, mas compensada por receitas do IVA, o chamado IVA social, que existe em vários países europeus. Penso que a questão que o Governo colocou foi uma opção política e ideológica, porque nós garantíamos perfeitamente em termos de sustentabilidade da Segurança Social. E isso é uma questão que nos preocupa já há bastantes anos. Não temos quaisquer ilusões. Nos últimos anos, a Segurança Social tem crescido bastante em termos até de sustentabilidade porque aumentou o emprego. Agora, o emprego não vai aumentar até ao infinito e o envelhecimento da população vai continuar. Por isso, um dia vai-se colocar o problema da chamada taxa de substituição, que é a reforma versus o último salário. E aqui não há milagres porque se o aumento do número de reformados continuar a crescer ou sobem a TSU ou a taxa de substituição baixa. As pessoas, em vez de terem reforma de 80%, têm 60% ou 70%. 

"O Ministério do Trabalho e a gestão da concertação teve pontos fracos e pontos fortes. Um ponto forte foi que manteve um diálogo bastante intenso e aberto. Isso é uma coisa que valorizamos como positivo. Mas os dois acordos que foram feitos ficaram muito aquém das necessidades das empresas."
João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP)

Portanto, a prioridade do próximo governo para as empresas devia ser o IRC?
A prioridade do Governo para as empresas devia ser o IRC e incentivos ao investimento.

E é isso que espera do Orçamento retificativo, se chegar a haver?
Vai depender muito das opções políticas. Para nós vai haver um grau de incerteza bastante grande em relação às próximas eleições. Há muita especulação. Neste momento é muito cedo para haver qualquer certeza. E, francamente, as sondagens que aparecem, neste momento, parecem-me bastante prematuras para poder tirar conclusões.

Numa entrevista que deu ao Jornal de Negócios, em outubro, referiu estar bastante preocupado com 2024. Ainda não se sabia, nessa altura, que iríamos entrar num período de eleições, nomeadamente por causa da retração no consumo. Agravou esse sentimento?
Sim, sim, claramente porque o desemprego continua baixo, mas está a começar a resvalar lentamente. Não sabemos até onde.

E o número de trabalhadores abrangidos pelo layoff está a aumentar muito.
E as insolvências também.

Estes números do layoff que bateram recorde foram nas vossas áreas?
Não, não. Aí há bastante da indústria neste momento. Nós não pensamos que o desemprego vá derrapar ao nível da crise financeira. Isso aí pensamos que não, mas que lentamente a situação está a derrapar é um facto. Por outro lado, há fatores externos que não são animadores. A Europa está a baixar cada vez mais as expectativas quanto ao nível de crescimento. A guerra da Ucrânia, em princípio, vai prolongar-se, pelo menos durante 2024.

Número de trabalhadores em layoff mais do que duplica em novembro

Portanto está bastante mais pessimista agora em relação a 2024.
Estou. Este fator agora de instabilidade no Médio Oriente, ainda não teve grandes impactos em termos dos combustíveis, mas historicamente todos as crises do Médio Oriente acabaram por provocar subidas do petróleo. E apesar de hoje em dia estarmos um pouco menos dependentes do petróleo, quer queiramos quer não, seja nos combustíveis, seja nos materiais de embalagem, plásticos e outros, seja numa série de áreas, o petróleo tem um peso brutal. E, por outro lado, em Portugal nós já vínhamos, independentemente de poder haver ou não agora um boom conjuntural no Natal, a assistir progressivamente a uma retração do consumo.

Mesmo no alimentar, que é um bem essencial?
No alimentar, o peso das marcas da distribuição, que andava na casa dos 30%, 30 e poucos, anda já nos 40 e poucos por cento. Porquê? Uma razão positiva. Hoje em dia, as chamadas marcas próprias da distribuição têm uma qualidade média bastante aceitável pelo consumidor. E tem havido um desvio dos consumos das marcas dos fabricantes para as marcas de distribuição. E, parecendo que não, se nós pensarmos que as marcas de distribuição valiam 32, 33, 34% em valor e agora valem 42, 43%, se pensarmos que o preço unitário médio é mais baixo, está a haver um desvio do consumo em quantidades. Por outro lado, há setores onde também a ressaca da pandemia não foi totalmente ultrapassada. Tudo o que seja vestuário e calçado está neste momento com problemas bastante grandes. A restauração nas zonas de escritórios também está a ter problemas porque há um efeito conjugado de as pessoas trazerem a marmita de casa — há 20 anos só o pessoal de baixa qualificação e baixa remuneração é que trazia comida de casa; hoje em dia isso já atingiu até quadros superiores. Por outro lado, também, apesar do teletrabalho não ser o mesmo que havia durante a pandemia, continua a haver um certo nível. Isso afetou muito a restauração pequena e média das zonas de escritórios. Por outro lado, quer queiramos quer não, mesmo que venha a haver baixa das taxas de juro, o BCE é tão cauteloso, tão cauteloso, tão cauteloso que o impacto que isso vai ter nos empréstimos da habitação, onde também já começou a haver retração, e no financiamento das empresas…. Além disso, há outro fator que é também negativo. Neste período de instabilidade política, a experiência tem-nos demonstrado que há empresas que atrasam investimentos e outras que atrasam contratações.

Isso está a acontecer?
Está.

Mas em relação a 2024 e perante essa incerteza, defenderia, por exemplo, um regresso do layoff simplificado para dar ali uma almofada de segurança às empresas?
Acho que neste momento, esse tipo de medidas ainda não são imprescindíveis, mas podem vir a tornar-se.

O layoff do Código do Trabalho, para já, dá resposta às empresas?
Tem sido suficiente. Não digo para todas, porque o mercado é muito heterogéneo. Nem todas as empresas têm as mesmas condições, mas eu diria que, neste momento, tendo em conta os custos, percebo que os governos estejam com alguma expectativa antes de entrar por aí. Mas se a situação se agravar, penso que poder-se-á ter que entrar por aí.

E o IVA Zero devia ter sido mantido nos 46 produtos?
A associada da CCP, que é o setor grossista e do retalho das PME, propôs que se mantivesse no primeiro semestre e nós apoiámos essa posição. A área dos combustíveis é muito sensível e a área de embalagem, e a subida dos preços tem sido bastante grande.

"Agenda do Trabalho Digno é nome de spin doctor, porque ninguém pode dizer que é contra o trabalho digno."
João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP)

Esta sexta-feira ficámos a saber que no terceiro trimestre, que o excedente orçamental foi de 7,7% no terceiro trimestre; no conjunto do ano, está em 3,3%. Isto significa que o Governo poderia fazer mais em algum tipo de apoio?
O Governo pode sempre, nesse aspeto, fazer mais até porque nós nunca fomos tão fundamentalistas como o Governo na questão do ritmo de baixa da dívida porque todos nós estamos de acordo que é bom estarmos a baixar a dívida, é bom estarmos a subir no rating das agências de notação, mas há aqui uma questão que temos discutido que é o Governo acaba sempre por conseguir parte desses défices cortando no investimento. Mesmo o crescimento do investimento público é insignificante e depois, ainda por cima, não é executado a 100%. Como é que o país pode crescer e pagar por salários sem investimento? É uma questão que nos perturba. Inclusivamente, utilizar de uma forma maciça esse tipo de apoios também na capitalização.

No contexto atual, parece-lhe que as empresas têm capacidade para distribuir lucros? Está prevista a isenção de IRS da distribuição de lucros, vão fazê-la?
Sim mas aquilo que o Governo fez foi dar uma melhoria numa medida que já muitas empresas praticavam que é a chamada gratificação de balanço. Tinha uma isenção e passou a ter duas.

Mas mais empresas vão passar a fazê-lo com esta alteração?
Acho que haverá mais empresas a fazer, claramente. Agora não sou capaz de medir o impacto. Mas esta é mais uma daquelas medidas que é positiva, mas continua a ser uma medida muito segmentada.

Só as empresas que têm lucros é que conseguem distribuí-los.
Há muitas empresas que depois têm a opção que é, ao distribuir, melhorar a remuneração dos trabalhadores. Agora, a questão de fundo continua a ser: nós precisamos de crescer 3 ou 4% ao ano. Essa história de que estamos a crescer em convergência é ilusória porque as médias europeias estão influenciadas pela Alemanha e pela França e por países que são grandes e que crescem pouco. Os nossos concorrentes, que são os países da Europa de Leste, as médias potências, estão todos a crescer mais do que nós, praticamente quase todos. Pode haver uma ou outra exceção. Por isso, não vale a pena termos ilusões que podemos subir o salários permanentemente por via administrativa.

As críticas à Agenda do Trabalho Digno e à junção numa secretaria de Estado do comércio, turismo e serviços

Que avaliação é que faz do trabalho da ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, e do ministro da Economia, António Costa Silva, com quem reuniu várias vezes na concertação social?
Como eu digo, nós não gostamos muito de fazer avaliações individuais, mas avalio a política do governo, e são responsáveis. O Ministério do Trabalho e a gestão da concertação teve pontos fracos e pontos fortes. Um ponto forte foi que manteve um diálogo bastante intenso e aberto. Isso é uma coisa que valorizamos como positivo. Os dois acordos que foram feitos ficaram muito aquém das necessidades das empresas. Mas, pela parte da CCP, pragmaticamente, cada um deles tinha um conjunto de pontos que nos interessavam e que dificilmente poderíamos explicar às empresas que iriam perder essas questões no Orçamento de Estado, se não assinássemos. No entanto, em termos de legislação laboral,  houve, apesar de tudo e até dos receios iniciais com o primeiro governo do PS, alguma estabilidade. As medidas que foram tomadas, as alterações que foram feitas, como nos contratos a termo e outras áreas em geral, não foram medidas que vieram facilitar a vida às empresas, as restrições ao trabalho temporário são medidas um bocado conservadoras na lógica da flexibilidade que hoje em dia se impõe para o mercado de trabalho. Mas não atingiram níveis de perturbação que se pudesse dizer que seja um retrocesso grande. Já mais negativo foi o que o Governo fez na chamada Agenda do trabalho digno — aliás, o nome Agenda do Trabalho Digno é nome de spin doctor, porque ninguém pode dizer que é contra o trabalho digno. Por isso nós na CCP dizemos as alterações à legislação do trabalho, que é o que aquilo significa. Aí, por razões diferentes, nem as confederações sindicais nem as patronais subscreveram essas medidas na concertação. O Governo impô-las mesma assim, este último Governo, e inclusivamente nalguns aspetos que até colocámos em dúvida a constitucionalidade deles. Até foi mais além. Isso foi claramente negativo.

Das baixas médicas às compensações por despedimento e contratos temporários: as alterações ao Código do Trabalho a partir de abril

E era um governo de maioria sem o apoio já dos partidos esquerda…
Exatamente.

A agenda do trabalho digno foi o pior período dos governos de António Costa?
Em relação à concertação social foi. Levou até as próprias confederações a suspender a participação. Não cumpriu as regras mínimas que é levar à discussão, independentemente do governo ter a legitimidade para fazer o que quiser.

Portanto, o último governo de António Costa foi o mais à esquerda no seu entender?
Sobre os aspetos da legislação do trabalho foi. Claramente isso foi. Em relação à economia, o Ministério da Economia teve vários ciclos durante estes governos do António Costa. Durante a pandemia, no caso da CCP, trabalhámos bastante bem com ele na estruturação das medidas, etc. Foi um período de aprendizagem para toda a gente. Depois disso, o ministro da Economia concentrou-se um bocado na indústria e no turismo. Aliás, o facto de terem juntado as secretarias de Estado todas — Comércio, Serviços e Turismo — numa altura em que quem está a contribuir para o equilíbrio das contas é o turismo, haver uma excessiva concentração de turismo e uma menorização dos outros setores, que é negativo, em nossa opinião, em termos de estratégia económica.

Mais uma vez isso no último governo de António Costa. Portanto, dá uma nota bastante negativa a este último governo de António Costa?
A nota negativa que damos é outra. Este Governo foi uma desilusão completa porque, sendo um governo de maioria, teve uma série de incidentes que perturbaram o seu funcionamento e os quais foram, digamos, na prática, provocados internamente, nem sequer teve a ver com o exterior. Todos aqueles incidentes, desde as saídas dos secretário de Estado, Alexandra Reis, houve uma série de problemas que foram internamente colocados. O PRR arrancou coxo, tem melhorado um bocado no seu funcionamento, mas está longe de garantir que se possa atingir os objetivos; o Portugal 2030 em termos de timings está um desastre. Portanto, sob este ponto de vista, fazemos uma apreciação negativa e acima de tudo, há uma coisa que nos preocupa neste conjunto de governos. É que viveram muito do dia a dia, mas aquilo que para nós é fundamental: ‘Qual é a estratégia do crescimento económico para Portugal?’ E é precisamente esse o estudo que pedimos ao professor Augusto Mateus.

Não se pensa o país?
Toda a gente fica muito eufórica com o aumento das exportações. Ainda bem, ninguém é contra. Agora o valor acrescentado, houve fases em que decresceu e outras em que cresceu baixíssimo. Ou seja, no fundo estamos a exportar produtos importados. Por isso, a estratégia que é colocar Portugal a subir na cadeia de valor não transparece das políticas económicas. Por exemplo, o turismo… Ainda bem que é turismo. O turismo tem servido, pelo menos, para equilibrar os fluxos financeiros, mas uma das coisas que o prof. Mateus propõe é se nós queremos ter salários altos, se queremos fazer crescer economia, temos que aproveitar o turismo, mas temos que nos concentrar no turismo de qualidade. Em diversas áreas, o que acontece é que, de facto, nós não vemos uma estratégia. Depois temos sempre um unicórnio ali, uma startup, acoli, que dá para encher a comunicação social. Ainda bem que são casos positivos, mas o vento não vai nesse sentido.

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