Seria Messi? Seria Maradona? Seria Mascherano? As dezenas e dezenas de câmaras e jornalistas de televisões, rádios e jornais que se estavam a concentrar na zona das chegadas do Aeroporto Internacional de Ezeiza, em Buenos Aires, iam sugerindo o aparecimento de algum peso pesado do futebol argentino. De repente, a figura saiu. De calções, t-shirt preta dos Rolling Stones, chapéu cinzento com o mesmo símbolo da banda a condizer e um ar meio atordoado de quem não percebeu ainda muito bem o que se está passar. O nome, ou os nomes, também começam com “M” mas têm tudo menos de estrela idolatrada: era Maximiliano Mazzaro, o primeiro adepto a ser recambiado para o país de origem depois de 20 horas em Barajas onde não chegou a ver a rua. “Não ia ao jogo, há cinco anos que não vou. Só ia passar o Natal com a minha família a Barcelona”, disse.
A razão para este controlo apertado no aeroporto de Madrid? O “Superclásico”, o maior dérbi do mundo, o mais perigoso, o mais imprevisível, que acontece (será?) este domingo no Santiago Bernabéu, às 20h30 de Espanha (19h30 em Portugal, com transmissão em direto na SportTV). River Plate contra Boca Juniors, rivais de Buenos Aires, da Argentina, inimigos até ao fim do mundo, que estão para disputar a final da Taça dos Libertadores desde 10 de Novembro e que tiveram de atravessar o oceano para que tal acontecesse, depois de adiamentos provocados pelo mau tempo e pela violência.
O novo capítulo da novela Libertadores: vai haver River-Boca mas será em Madrid (e não em Doha)
Regressando a Maximiliano Mazzaro: até poderia ser mesmo assim, porque o antigo número dois da 12, ou La Doce, barra brava do Boca Juniors e uma das claques com maior reputação em termos mundiais, também pelos espetáculos e ambiente que criam na Bombonera, tem realmente parte da família em Espanha. No entanto, Maxi era visto pelas autoridades espanholas como um dos elementos “mais significativos e perigosos” entre os apoiantes dos xeneizes. Entre vários antecedentes criminais, andou seis meses fugido em 2013 antes de ser processado e acusado pela alegada participação no homicídio de Ernesto Cirino no bairro de Liniers, em agosto de 2011. Esteve ano e meio preso e saiu, tal como Mauro Martín, um dos líderes atuais da claque. E aproveitando as atenções mediáticas ainda desmentiu que se tivesse zangado com Rafael Di Zeo, o principal cabecilha de La Doce há duas décadas.
O apertado controlo feito pela polícia espanhola admitia que alguns hinchas mais radicais pudessem ter chegado a Madrid vindos de outros destinos mas a segurança em Barajas esteve sempre alerta e, logo no dia seguinte, voltou a barrar a entrada de mais um argentino: Christian Ghisletti, de 45 anos, adepto do River Plate. Razão? Além de estar proibido de entrar em recintos desportivos no seu país, é visto como participante em alguns dos episódios mais violentos da barra brava Los Borrachos del Tablón, onde se concentram os radicais do River Plate, nomeadamente aquela que ficou conhecida como a Batalla de los Quinchos – em 2007, num jogo entre os millonarios e o Lanús no Monumental em Núñez, as duas fações rivais da claque iniciaram uma disputa que levaria mais tarde ao assassinato de Gonzalo Acro (que pertencia ao lado de Adrián Rousseau) por parte da ala comandada pelos irmãos Alan e William Schlenker, condenados a prisão perpétua. Afastado há vários anos dos estádios de futebol, ainda tentou no ano passado ver um jogo com o Lanús, também em Buenos Aires, mas sem sucesso.
Também esta semana, foi detido e posteriormente libertado com pena suspensa de dois anos e quatro meses, além de multa de 180 horas de trabalho comunitário – por não ter antecedentes –, o sócio número 21545417 do River Plate (esteve associado entre 2009 e 2012, voltando depois em 2015), Matías Firpo, pelo ataque ao autocarro do Boca Juniors há duas semanas perto do Monumental, na esquina da rua Lidoro Quinteros com a Libertador, quando se devia ter realizado a segunda mão da Taça Libertadores que será apenas jogada este domingo e no Santiago Bernabéu, em Madrid. Mecânico de 31 anos, tem lugar no estádio dos millonarios na zona da Banda del Oeste, fação opositora à maior claque, Los Borrachos del Tablón. Por ter cortado o cabelo e feito a barba, assim como por não constar nas redes sociais, andou escondido. Se não tivesse sido apanhado, as autoridades acreditam que havia o perigo de fuga. A investigação tenta agora perceber o porquê do ataque.
“Fui com a minha família e amigos ao jogo, não sou de fazer estas coisas. Foi um momento em que não consegui controlar o meu impulso e estou arrependido pelo que fiz. Sei que estive mal e isso custa-me. Não sou um barra como os outros, estava a beber uma cerveja e atirei a garrafa. Arrependo-me por isso. As falhas foram de todos, incluindo do dispositivo policial. Sou humano e errei”, referiu. Já o advogado tentou sobretudo despistar qualquer suspeita de ação concertada. Além de não poder ir mais a recintos desportivos, o River Plate já anunciou também que o vai expulsar de associado do clube.
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O dispositivo de segurança preparado por uma série de entidades espanholas, argentinas e sul-americanas envolve pormenores como o controlo mais apertado dos Bukaneros, adeptos mais radicais do Rayo Vallecano que têm ligação ao River Plate, ou a apreensão provisória do passaporte de alguns dos elementos identificados na Argentina como violentos e que não podem entrar em recintos desportivos. Mas há mais cuidados, nomeadamente o despiste de membros de claques europeias que possam chegar a Madrid para se juntarem à La Doce ou aos Los Borrachos del Tablón. Nem um Real-Barcelona ou um Real-Atl. Madrid teve tantas preocupações – este vai ser o evento desportivo com mais dispositivos de sempre na cidade. Percebe-se porquê. Para alguns sociólogos, o advento dos barra brava radica de uma espécie de crise de identidade pelos problemas económicos e sociais que a Argentina tem vivido; todavia, essa parece ser uma visão certa mas redutora. Alan Schlenker, ex-líder dos Los Borrachos del Tablón que cumpre prisão perpétua, é exemplo paradigmático disso mesmo: casado, com filhos, licença de piloto de aviões comerciais e estudos na área da engenharia agrária, foi parar atrás das grades pelos excessos na luta pelo controlo da claque.
Eduardo Sacheri, escritor argentino licenciado em História que tem como principal obra “A pergunta dos seus olhos” (mais tarde seria adaptada para o cinema com o nome de “O segredo dos teus olhos”, que viria a ganhar o Óscar de melhor filme estrangeiro de 2009), abordou num artigo de opinião assinado no El País esta semana aquilo que não se pode resumir porque é inclusive difícil de explicar. “Nós, argentinos, somos demasiado frenéticos para corrigir erros, demasiado impacientes para começarmos do zero, demasiado egoístas para pensar que talvez fosse conveniente cumprir a lei”, destacou.
“Boca e River a definirem o mais importante torneio do continente sul-americano. Agendas em suspenso, tertúlias televisivas perpétuas, apostas ridículas, revenda de bilhetes a preços astronómicos, final que implica o fim do mundo tal como o conhecemos e depois não podemos jogar. Há vários anos que decidimos na Argentina que a única maneira de conviver com os que são de outro clube é não nos cruzarmos na rua. Ou seja, a única maneira de conviver é não conviver (…) As forças de segurança deviam organizar uma operação num estádio onde só podem estar adeptos dos visitados, em que nada pode falhar e falha (…) Não podermos disputar um simples jogo de futebol na Argentina é um fracasso no nosso mais básico pacto de convivência. Em vez de pararmos para pensar neste fracasso, dedicamo-nos a procurar culpados. Isso diz muito sobre nós próprios. Uma sociedade cada vez mais cómoda com o fanatismo mais estúpido, cada vez mais entregue à intolerância, cada vez mais convencida que a única voz que merece ser ouvida é a própria, que fez de tudo para arruinar este jogo”, reflete.
A relação entre os clubes, as barras bravas, os políticos e os lobbies
O La Vanguardia partiu de uma frase do juiz e político italiano Luciano Violante, que dizia que “toda a máfia é uma forma de crime organizado mas nem todo o crime organizado é uma máfia” para descrever o que está em causa e o que é este fenómeno de tal forma grande e expressivo para monopolizar atenções antes de um jogo que, no plano meramente futebolístico, tem tudo para ser um encontro com grande qualidade (como foi o da primeira mão, na Bombonera, com empate a dois). “Todas as barras bravas são uma forma de hooliganismo mas nem todos os hooligans são barras bravas. O crime organizado procura o enriquecimento ilícito; a máfia tenta, sobretudo, colar-se ao Estado, corromper, servir-se dos seus recursos. Os hooligans são adeptos violentos de futebol; os barras bravas, algo mais. São mafiosos do futebol, com ligações aos dirigentes desportivos e aos políticos”, aferiu, citando uma das teses do livro “Os Donos da Bola”, de Federico Yáñez.
Ninguém sabe ao certo quantos existem mas percebe-se que têm efeito de contágio pelo continente sul-americano, como se vai vendo em vídeos soltos que vão surgindo quase todos os meses. Entre esta incerteza, sobressai um número mais preciso: de acordo com os sociólogos Diego Murzi e Fernando Millán, morreram pelo menos 21o pessoas na Argentina desde 1984 em questões ligadas ao fenómeno do futebol e a este submundo que veio agora de novo à tona depois de todos os episódios de 24 de novembro – e não foi apenas o ataque ao autocarro do Boca Juniors, uma espécie de símbolo de um sábado negro que teve inúmeros focos de tensão e confronto entre adeptos e polícias, muitos assaltos nas imediações do Monumental (em muitos casos, apenas de… bilhetes) e um vídeo que se tornou viral de uma mulher a colocar tochas à cintura de uma criança. Mas o que querem estes barras bravas? De onde vêm? Para onde vão ou querem ir? “O mundo todo a ver a decadência de uma sociedade sem educação, moral e princípios. Não estamos preparados para um jogo destes, peço desculpa por tudo isto”, lamentou Andrés Nocioni, antigo jogador de basquetebol na NBA e uma das figuras mais consagradas do desporto nos últimos anos.
Apesar de já terem sido contactadas várias pessoas especialistas no tema, todos saem com certeza de que será sempre impossível aplicar uma “solução” europeia como aconteceu em Inglaterra com o hooliganismo porque o fenómeno das barras bravas é muito maior do que isso – por trás de cada episódio de violência estão nomes. Nomes ligados a nomes. Nomes que conhecem nomes. Nomes que foram lá colocados por outros nomes. Mas quando tudo é espremido, fica aquele nome mais pequenino entre tantos outros nomes. Todos sabem que é assim, ninguém arrisca contrariar. E se o fizer, tem problemas.
Esta semana, a revista argentina Notícias publicou uma extensa reportagem sobre o assunto e não teve dúvidas em chegar ao centro de todo o problema: não existem clubes na Primeira Liga do país que não tenham dirigentes ligados de alguma forma, mais ou menos direta, aos setores do poder. E detalha essa esfera – são políticos, são membros do poder judicial, são funcionários do Estado, são sindicalistas. Ou seja, são os mesmos que, por esses cargos, criam as relações com os adeptos mais radicais mas que, quando há problemas de violência, por exemplo, vêm exigir a extinção desses atos e o afastamento de quem os comete. “Fazer uma investigação aos barras era dar um tiro no pé. Os clubes já não são apenas equipas de futebol, têm espaço para se fazer política, negócios e lobbies. Para se crescer nos clubes é preciso ter a barra a favor. Pagam-lhes para tocar os bombos nos seus atos, conseguem-lhes cargos no Estado, contratam-nos como seguranças de edifícios públicos, metem-nos na empresa de algum dos dirigentes. São negociadores da violência”, comentou de forma anónima um dirigente.
O El País recorda também as palavras de um especialista holandês, Otto Adang, em 2009. “Na Europa os hooligans eram um grupo de marginais sem relação com o sistema; na Argentina, os barras estão vinculados ao negócio. Têm passes de jogadores, tomam conta do merchandising nas ruas e dos estacionamentos, vendem droga e conseguem uma ligação ao poder político que surpreende. Por isso, o problema na Argentina é muito mais grave e obriga a que se mude o sistema. Enquanto isso não ocorrer, é ingénuo pensar em reeducar esses adeptos ou gerar uma mudança desde a educação”, destacou numa ideia que, como se percebe, continua atual. Ou melhor, terá sofrido uma nuance – com tudo o que se passou nos últimos dez anos, é mais habitual encontrar episódios de maior violência entre elementos da mesma claque do que com os rivais. Explicação? Os tempos evoluem, há outros valores mais elevados em causa e todos querem ter direito ao seu bocado…
Como em todas as histórias, também existem Dom Quixotes. O Independiente tem (ou teve) um, que durou cerca de dois anos e meio: Javier Cantero. Aos 61 anos, Javi, como também é conhecido, desligou-se de tudo em relação ao futebol e mantém os seus negócios, neste caso no ramo da construção. Talvez seja isso que lhe confere alguma “segurança”, depois de ter entrado com uma política totalmente diferente no clube de Avellaneda – acabou com os 40 mil dólares por mês para a claque e tirou-lhe a sede que tinha no Estádio Libertadores da América: “Os barra brava fazem parte do sistema; lá em cima, estão os políticos. Não são todos mas muitos. Eles nomeiam ou abençoam juízes e políticas e os barra brava são a sua mão de obra. Ia ter com ministros que me diziam assim: ‘Quantas entradas pedem? 500? Dá 200 e está feito’. Ou vinha um polícia e dizia ‘Posso colocar cocaína no carro do líder da barra e tenho-o preso dois anos para escolhermos o próximo e podermos controlar esses'”.
É assim no Independiente, é assim no Boca Juniors, é assim no River Plate. Ao ponto de, ainda antes da primeira mão da final da Taça de Libertadores, haver alguma especulação sobre a possibilidade de um dos presidentes dos rivais de Buenos Aires poder aproveitar um triunfo na prova para se lançar na política. Afinal, basta olhar para o que se passa à volta: Mauricio Macri, atual presidente do país que não estará em Madrid este domingo, esteve 12 anos na liderança do Boca.
A ascensão de Di Zeo e Caverna, os líderes das barras bravas de Boca e River
Esta semana, o Olé fez uma capa “anormal” tratando-se de uma publicação desportiva que tem na sua versão online um teaser há mais de um mês que diz “Boca-River, Olé não dorme: 24 horas de informação Superclássica”: Rafael Di Zeo, líder carismático da La Doce, tinha sido autorizado a viajar para Madrid pela juíza Sabrina Namer, presidente do Tribunal Federal número 8 de Buenos Aires. Em Espanha, a notícia não demorou a espalhar-se mas, dois dias depois, o advogado do adepto do Boca Juniors, José Montoleone, veio esclarecer que o cliente tinha desistido da ideia com receio de ser deportado para a Argentina mal pisasse o chão do aeroporto de Barajas. Mas Di Zeo voltou à ribalta, com tudo o que isso pode trazer.
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Olhando para o caso nacional, há dois grandes focos de discussão quando se fala da violência no desporto. Um, relativamente recente, que diz respeito aos casuais, grupos de adeptos que tentam sempre andar fora do controlo policial para aparecerem de surpresa e espalharem o terror; outro, também motivado pela polémica das claques não legalizadas e, sobretudo, pelo ataque na Academia Sporting, em Alcochete, mais centrado no tipo de apoios e ligação que existe entre dirigentes e claques. Com apenas uma ideia deixada um dia por Di Zeo pode-se fazer a separação de realidades em relação à argentina. “Vocês acreditam que comigo preso a violência vai acabar? Acreditam que se nos juntarem todos numa praça e nos matarem, a violência vai acabar? Não, não vai acabar nunca. E sabes porquê? Porque isto é uma escola que seguirá sempre”, referiu, numa citação recuperada pelo El Periódico. O exemplo funciona como caso paradigmático da influência que um líder pode ter a vários níveis.
Aos 56 anos, com casos ainda em aberto na justiça onde está acusado de encobrimento de sequestro e instigação para dois homicídios, Di Zeo chegou a perder a liderança da La Doce quando Macri era presidente do clube por ter estado preso três anos no seguimento de uma rixa com radicais do Chacarita. Nesse período, foi visitado na sua cela VIP e com diversos privilégios por dirigentes e até jogadores. Entretanto, Maximiliano Mazzaro (o mesmo que foi esta semana deportado) e Mauro Martín ficaram como chefes da claque, papel que queriam manter mesmo com o regresso de Di Zeo. Seguiu-se um período de guerra aberta que todos conheciam mas nenhum achou que fosse recompensador em termos pessoais colocar travão. E uma emboscada numa ponte onde só por milagre Martín conseguiu sobreviver. Mais tarde, seria preso por causa da morte de Ernesto Cirino. Mazzaro ficou a mandar sozinho, antes de ser também preso; meses depois, Di Zeo juntou-se a Martín e voltou a mandar na La Doce, após mais uma cena de violência extrema entre vários barras brava, cada um com a sua preferência.
Di Zeo, que não disfarça os cabelos brancos normais da idade, surgiu à frente do autocarro do Boca Juniors (com Mauro Martín por perto) na fabulosa despedida de milhares e milhares de adeptos da equipa antes da viagem para Madrid. E o próprio Dario Benedetto, avançado que foi fundamental nos últimos jogos dos xeneixes na Taça Libertadores, respondeu com um “que seja bem-vindo” sobre a possibilidade de ter o adepto em Espanha. “É um líder histórico dos barra brava“, acrescentou. Questão? Em termos oficiais, não pode entrar dentro de um recinto desportivo desde o ano passado. Fora deles, continua a ser destacado pela capacidade de criar negócios, como os tours pela Bombonera. Já esteve envolvido em várias lutas com armas de fogo pelo meio, explora diversas fontes de receita e tornou-se um nome conhecido na sociedade, como explica o El Español.
Do outro lado da barricada no River Plate encontra-se Héctor Godoy, mais conhecido como Caverna pela forma primitiva como resolver qualquer conflito que tenha pela frente (e com tudo o que isso arrasta). Não tem propriamente o “pedigree” de Di Zeo, que aprendeu com José Barrita, ou El Abuelo – segundo líder da claque criada em 1973 por Quique, El Canicero – e ficou com o seu lugar após a sua morte, em 1994, tendo depois criado muito do que hoje se conhece. Houve dois pontos que contribuíram para a sua ascensão à liderança da Los Borrachos del Tablón, principal claque dos millonarios: a sagacidade para perceber onde cairia o poder nas alturas de divisão e o acesso ao mundo das entradas e revendas de bilhetes.
Alerta en Madrid con la posible llegada de 'Caverna' Godoy, líder de la barra brava de River https://t.co/TG9HlZKG5N pic.twitter.com/0snb8LtBIk
— Deportes Cuatro (@DeportesCuatro) December 7, 2018
Começou por fazer parte nos anos 90 de um grupo nas bancadas que tinha os então amigos Adrián Rousseau e Alan Schlenker, os mesmos que em 2002 assumiram o controlo da claque. Nesse ano, foi um dos sete escolhidos pelo presidente na altura do River, José Maria Aguillar, para se tornar funcionário do clube, com grandes salários sem que se percebesse muitas vezes em concreto o que faziam. No caso de Godoy, ficou com o pelouro dos bilhetes e foi criando também a partir daí a sua esfera de influência. Mais tarde, em 2006, o dinheiro que passava por ali tinha aumentado e continuava em crescimento, o que levou a uma guerra aberta entre Rousseau e Schlenker. A supracitada Batalla de los Quinchos eclodiu em 2007 e os irmãos Schenkler foram condenados a prisão perpétua pela morte de Gonzalo Acro. Rousseau ficou no comando mas estava proibido de entrar em recintos desportivos, Caverna aumentava o seu poder. Em 2014, foi esfaqueado no Monumental – por paradoxal que pareça, foi nesse momento que passou em definitivo para o comando dos Los Borrachos del Tablón, num episódio que lhe trouxe o protagonismo em falta.
Caverna chegou a estar preso com outros elementos da claque por venda ilegal de bilhetes e posse de arma branca. Na véspera da segunda mão da final, exatamente por se saber que seria o pico do tráfico de entradas, foi alvo de buscas em casa por parte da polícia, que lhe confiscou cerca de 300 cartões para revenda e mais de 150 mil euros. Foi detido e pouco depois libertado, com a impossibilidade de se aproximar do Monumental (está proibido de entrar em recintos desportivos mas já foi apanhado em algumas situações) e aguardando agora julgamento. Pela coincidência de datas, chegou a ser acusado de ter instigado o ataque ao autocarro do Boca Juniors mas negou essa ideia através de uma gravação pelo Whatsapp para um canal televisivo. A primeira detenção e as pistas a partir daí exploradas não fizeram ainda, e para já, qualquer ligação a Godoy.
Numa entrevista esta semana ao ABC, Pablo Carozza, jornalista especializado nestes assuntos, contou que vários grupos mais radicais de claques espanholas já teriam entrado em contacto com membros de River Plate e Boca Juniors para se juntarem nesta passagem por Espanha. “Madrid comprou um grande problema”, salientou. “A primeira linha, os líderes, aqueles que são as celebridades, não irão viajar; os outros mais conflituosos mas que a polícia não conhece, esses vão. Vai ser perigoso para as forças de segurança. Quem não combate [os barras bravas], deixa de ser refém e passa a ser cúmplice. Rodolfo D’Onofrio, presidente do River Plate, diz que não conhece o Caverna, que leva dez anos na liderança e tem as chaves de uma sala do estádio onde são feitas as entradas. Toda a gente sabe que são o cancro mas também a mão de obra barata de um sistema corrupto”, acrescentou, com uma garantia: “Se eles quiserem que o jogo seja suspenso também em Madrid, conseguem”.
Por mérito do dispositivo policial ou decoro pelo que se viveu a 24 de novembro, as coisas têm estado relativamente normais em Madrid, com os adeptos que nada têm a ver com barras bravas a fazerem questão de se juntarem a rivais em trabalhos para televisões, rádios ou jornais. E percebe-se o claro sentimento de revolta pelo ponto a que chegou o futebol argentino, que obriga a que se façam milhares e milhares de quilómetros para uma decisão que deveria ficar circunscrita a Buenos Aires. No entanto, o problema do futebol argentino e todos os tentáculos do seu submundo continuam lá. E sem solução aparente à vista.