A segunda mão da final da Taça Libertadores entre River Plate e Boca Juniors está marcada oficialmente para este domingo às 17 horas locais (mais três em Portugal Continental) mas por cada certeza que se tenta encontrar saltam mais duas questões para as quais ninguém tem uma resposta definitiva. Vai mesmo haver jogo? Pode haver mas os jogadores xeneizes continuam apostados em não marcar presença em campo. Tudo pode ficar resolvido hoje? Claramente não porque, mesmo jogando, o Boca vai fazer um protesto por tudo o que aconteceu este sábado, podendo ganhar na secretaria tal como aconteceu em 2015 quando a comitiva do River foi atacada com gás na Bombonera. Será o Monumental a receber essa decisão? Sim mas apenas se o clube visitado, neste caso os millonarios, pagarem uma multa para levantar a atual suspensão do seu recinto.

Ataque ao autocarro do Boca, jogadores no hospital, confrontos com polícia: Superclássico adiado para domingo

Sobram sobretudo dúvidas no rescaldo de um dia negro para o futebol argentino. Verguenza é a palavra mais vezes lida em toda a imprensa argentina mas é sobretudo na expressão papelón (expressão que significa “ação ridícula realizada por uma pessoa pela qual ela e outras pessoas implicadas se sentem incomodadas e envergonhadas) que assenta o resumo do que se passou. “Que vergonha! O mundo está a ver a decadência de uma sociedade sem educação, moral ou valores! Suspendam este jogo já, não estamos preparados para um evento assim! Peço desculpa a todos os que estão a ver este papelón!”, escreveu na sua conta oficial do Twitter Andrés Nocioni, basquetebolista que terminou a carreira em 2017 após muitos anos na NBA.

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Mais do que uma questão desportiva, os graves incidentes estão a ser colocados num patamar social e económico que destapa a crise em que a Argentina está mergulhada nos últimos anos e foi Diego Armando Maradona (que conseguiu apurar a sua nova equipa, o Dorados, para a final do Torneio Apertura da 2.ª Divisão do México) a dar o pontapé de saída nessa perspetiva que será certamente muito debatida nos próximos tempos. “Não há segurança na Argentina, é um terror sair para o relvado. É uma lástima ter que dizer isso mas com Macri tem sido um desastre. Há roubos por todo o lado, as pessoas não comem… Esta é a mudança que o povo votou. Nas eleições, o presidente enganou as pessoas com mentiras, mas a mim não, porque nunca votaria nele. Estamos pior agora do que há muito tempo. A presidência de Macri é a pior de todos os tempos na Argentina, sem dúvida”, comentou. Curiosidade: El Pibe acabou a carreira no Boca… quando Macri era o presidente do clube.

Pelo menos 29 detidos nos incidentes em torno da final da Taça Libertadores

Enquanto nos aproximamos das 17 horas locais, altura em que se saberá realmente como irá acabar este capítulo negro do futebol argentino, vão sendo conhecidas algumas histórias sobre o que se passou este sábado. Algumas podem ajudar a explicar (dentro do irracional, claro) o porquê do ataque, outras mostram o ponto de loucura a que se chegou e há uma em particular que se tornou viral por demonstrar que um River-Boca pode não ser apenas uma guerra fora das quatro linhas.

Monumental estava cheio quando jogo foi adiado; cá fora, houve depois vários assaltos… pelos bilhetes (Marcelo Endelli/Getty Images)

A operação policial feita na véspera aos radicais “Los Borrachos del Tablón”

O secretário da Segurança da cidade de Buenos Aires, Marcelo D’Alessandro, não teve dúvidas em fazer uma espécie de mea culpa em relação ao ataque ao autocarro do Boca Juniors – “a operação policial falhou”. No entanto, há uma outra razão que pode explicar o porquê de tudo o que se passou: terá sido uma ação orquestrada por alguns elementos radicais da claque “Los Borrachos del Tablón” em resposta ao que se passara na véspera. Na sexta-feira, como explica a Marca, foi feita uma operação que tirou 300 bilhetes para revenda, dinheiro (mais de 150 mil euros) e outros artefactos ao grupo, além de deter o seu líder, “Caverna” Godoy. Faltando provas para permanecer detido, foi apenas proibido de ir ao Monumental (algo que seria facilmente ludibriado) e terá estado envolvido do ataque à comitiva xeneize a cerca de 600 metros do estádio.

As pressões de Gianni Infantino, líder da FIFA, para a realização do jogo

Os intervenientes do encontro foram tentando recusar a ideia de pressões externas para a realização do jogo apesar de todos os incidentes mas uma reportagem do Clarín sobre o que se passou nos bastidores do Monumental não tem dúvidas: Gianni Infantino, presidente da FIFA que estava presente em Buenos Aires para assistir à final, foi um dos elementos que tentou forçar o início da partida, tentando evitar aquilo que para si seria uma vergonha melhor e que chegou mesmo a acontecer, que era o adiamento ou a suspensão do jogo. E um relatório dos médicos da CONMEBOL que circulou nas redes sociais defendia também que os jogadores do Boca Juniors tinham apenas lesões superficiais, quando eram mais do que evidentes as sequelas mais graves em alguns elementos, nomeadamente o capitão Pablo Pérez (que, havendo hoje jogo, deverá ficar de fora). Perante a posição do presidente do River Plate, que se mostrou solidário com o homólogo xeneize, Alejandro Domínguez, líder da CONMEBOL, não teve alternativa a não ser adiar o encontro por 24 horas.

A razão para os confrontos cá fora e um vídeo que chocou a Argentina

Antes do ataque ao autocarro do Boca Juniors já se tinham registado alguns tumultos nos arredores do Monumental, que se forma multiplicando mesmo depois de ter sido anunciado o adiamento da segunda mão da final da Taça Libertadores e chegaram ao cúmulo de ter interrompido uma entrevista do próprio presidente do River Plate, Rodolfo D’Onofrio, que não teve outra solução a não ser fugir à pressa perante os tumultos que se registavam no interior do recinto. Pensou-se que poderia ser uma resposta à carga policial ao ataque mas não teve nada a ver com isso: como explica o Olé, os desacatos antes do jogo surgiram porque centenas e centenas de pessoas sem bilhete forçaram a entrada no recinto; os desacatos depois do adiamento surgiram porque houve muitas tentativas de roubo de adeptos que saíam do Monumental com o bilhete que daria entrada este domingo. No meio desta loucura, houve um vídeo que chocou o país: uma adepta do River foi apanhada a colocar vários engenhos pirotécnicos na cintura de uma criança para poder entrar com maior facilidade no estádio.

Motorista do Boca desmaiou e foi um vice a segurar o volante do autocarro

As imagens dos vidros partidos e o vídeo partilhado pelo próprio Boca Juniors dos instantes de terror que se viveram aquando do ataque à chegada ao Monumental foram sendo conhecidos ao longo do dia mas houve uma outra história paralela menos relatada e que podia ter piorado ainda mais o cenário negro que se viveu na antecâmara da partida: o motorista do autocarro dos xeneizes, conhecido por Gringo, desmaiou após uma das pedradas que atingiram o autocarro e acabou por ser Horacio Paolini, vice do clube, a segurar no volante evitando outro tipo de problemas. “Agarrou no volante até conseguir reagir e depois tratei de fazer o melhor para levar os rapazes para o estádio mas podia ter sido uma tragádia. Lembro-me de ter visto as pedras e depois não me recordo de mais nada. Quando me recuperei, agarrei de novo no volante. Para mim a zona estava liberta, estávamos a ir para um jogo e não para a guerra”, explicou o motorista no Monumental, citado pelo Globoesporte.

O vídeo que se tornou viral e uma cara conhecida em Buenos Aires

O vídeo mais partilhado e difundido na Argentina acaba por ser a antítese do clima de guerra e terror que se viveu este sábado em Buenos Aires: um adepto do River Plate, à saída do estádio, pede desculpa ao Boca Juniors. “É isso que quero dizer: perdão. E sou hincha do River, nada justifica isto. Sou adepto do River, o meu irmão é adepto do Boca e eu amo-o na mesma. Amo-o como adepto do Boca. Que aprendamos todos com isto e que sejamos um pouco mais civilizados. Se formos civilizados, vamos crescer todos. Não importa a religião, não importa a política, só interessa que sejamos civilizados, que pensemos um bocado nisto”, salientou. Curiosamente, há uma cara conhecida dos portugueses em Buenos Aires e que já estava no interior do Monumental na altura em que o encontro foi adiado por 24 horas, como se viu nas imagens partilhadas no Instagram: Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões, que levou um cartaz de apoio para um antigo jogador dos dragões: Quintero.

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