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A 26 de janeiro, Chen Wei e a sua equipa chegavam a Wuhan, capital da província de Hubei, o ground zero da atual pandemia
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A 26 de janeiro, Chen Wei e a sua equipa chegavam a Wuhan, capital da província de Hubei, o ground zero da atual pandemia

A 26 de janeiro, Chen Wei e a sua equipa chegavam a Wuhan, capital da província de Hubei, o ground zero da atual pandemia

Virologista, militar, mãe. Quem é a major-general Chen Wei, a criadora da vacina chinesa para o coronavírus

Desde janeiro que trabalha no Instituto de Virologia de Wuhan, laboratório envolto em teorias da conspiração, onde terá sido injetada com uma versão da vacina, antes dos testes de segurança.

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Quando Chen Wei aparecia na televisão, o seu filho corria para beijar o ecrã. A criança tinha então quatro anos e a mãe, com 37, estava em isolamento há vários meses a desenvolver um spray nasal que iria revolucionar o combate à SARS, a síndrome respiratória aguda grave, doença causada não pelo novo, mas por um velho e (agora) conhecido coronavírus.

Dezassete anos depois, o filho de 21 anos já não corre para a televisão, mas a major-general Chen Wei continua a estar longe da família, instalada no Instituto de Virologia de Wuhan, um laboratório envolto em todo o tipo de teorias da conspiração. Por lá, está a trabalhar numa vacina para o SARS-CoV-2 — este sim um novo coronavírus que, até ao momento, provocou a morte de mais de 8 mil pessoas em todo o mundo — e na segunda-feira à noite, 16 de março, teve luz verde para começar os ensaios clínicos.

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“Naquela altura, só a conseguíamos ver na CCTV. Então, o meu filho saltava e beijava o ecrã de cada vez que a mãe aparecia num programa televisivo”, conta Ma Yiming, marido da epidemiologista, numa reportagem passada na televisão estatal chinesa, o mesmo canal que o filho beijava nos idos de 2003.

O potencial de Chen Wei sempre foi óbvio para o seu marido e logo nos primeiros anos de casamento, num país que ainda vê o homem como a figura mais poderosa da família, Ma Yiming chamou a si as tarefas domésticas para que a mulher pudesse prosseguir com o seu trabalho de investigação.

“Não a quero a fazer tarefas domésticas, seria uma perda do seu talento. Em vez disso, ela deve estar a fazer um trabalho com verdadeiro significado”, explicava o marido numa reportagem mais antiga da CCTV. É que esta não é a primeira vez que Chen Wei está sob os holofotes e que a imprensa chinesa conta a sua história. Se agora a sua equipa parece ser a mais promissora na corrida ao desenvolvimento de uma vacina contra o SARS-CoV-2, muitos outros vírus travaram batalhas com a alta patente do Exército Popular de Libertação. E perderam.

“O que precisamos é construir é um poderoso sistema de 'cientistas líderes', de forma a que eles possam passar a sua vida a estudar e a investigar determinados tipos de vírus e germes, independentemente de este coronavírus desaparecer ou não."
Chen Wei, entrevista ao China Science Daily

“Eu acredito no amor.” O lado intimista da militar que injeta vírus no próprio corpo

Foi em abril de 1989 que Ma Yiming, de 35 anos, viu pela primeira vez a jovem de 23, estudante de Engenharia Bioquímica na Universidade de Tsinghua. Eram dois estranhos sentados no mesmo comboio, sem nada que os ligasse. Mas aquele 28 de abril (e os solavancos na linha férrea) é uma data não esquecem. A estudante ia escalar o Monte Tai, na província de Hubei, uma das montanhas sagradas da China e importante local de peregrinação. O jovem empresário do setor vinícola regressava de uma viagem de negócios a Pequim.

“O comboio estava lotado e o meu lugar era perto do cruzamento de duas carruagens. Ela só apareceu quando o comboio estava prestes a partir e os meus olhos iluminaram-se”, contou Ma Yiming, em 2012, à revista Women of China. Acabaram por fazer a viagem próximo um do outro e nunca pararam de conversar. No final, combinaram um encontro para breve em Pequim. E foi aí, na capital chinesa, que perceberam que não podiam estar um sem o outro.

Três anos depois casaram-se, apesar da oposição dos pais de Chen Wei que não consideravam que o futuro genro estivesse à altura da sua filha. E em 1999 nasceu o primeiro filho do casal, o mesmo que viria a beijar a imagem da mãe na televisão.

À mesma publicação, que escreveu um perfil da militar quando esta venceu o Prémio Para Mulheres na Ciência 2011, Chen Wei mostrou um outro lado, bem diferente da imagem que em 2020, em plena pandemia, corre as redes sociais chinesas: uma militar leal ao Partido Comunista Chinês, capaz de injetar em si própria uma vacina experimental antes mesmo de ser testada. “Acredito no amor à primeira vista, acredito no amor, e acredito que se duas pessoas estão destinadas a estar juntas, irão encontrar-se”, disse então a virologista.

A imagem da médica a ser injetada com a vacina foi partilhada na rede social Weibo, mas acabou apagada

Teste de lealdade ou encenação?

Tal como a revolução, também a injeção de Chen Wei não foi televisionada. Na CCTV não passaram quaisquer imagens do acontecimento, mas na página oficial do Exército Popular de Libertação no Weibo (rede social chinesa semelhante ao Twitter) as imagens foram partilhadas no início de março.

Numa sala descaracterizada, com a bandeira do Partido Comunista Chinês em pano de fundo, vê-se a virologista. Com o seu fato militar camuflado, e de mão esquerda na anca, Chen Wei recebe uma injeção, alegadamente da vacina contra o coronavírus, ainda antes dos testes em animais. Numa outra imagem, surgem sete militares, a equipa de investigação de Chen Wei, que terá toda ela recebido a vacina.

Depois de começarem as críticas, a imagem desapareceu da página do Exército Popular de Libertação. Mas os print screens vivem para sempre e a imagem deu a volta ao mundo antes mesmo de os militares conseguirem soletrar SARS-CoV-2.

A atitude foi vista de duas maneiras. A primeira, como uma forma de Chen Wei mostrar a sua lealdade ao regime e mostrar que China está na dianteira do combate à Covid-19 — o que gerou tanto aplausos como vaias, consoante a posição política de cada internauta. A segunda, mais complexa, defende que tudo não passou de uma encenação, algo que cai como cereja no topo do bolo dos defensores da teoria de que o novo coronavírus foi feito em laboratório.

"Existem vários tipos de vitória, a primeira é a erradicação. Esta é a ideal e o objetivo dos nossos esforços. No entanto, muito poucas doenças infecciosas foram erradicadas na história humana, como a varíola e a poliomielite. O segundo tipo é como a SARS. Em 17 anos, não voltou a surgir nenhum vírus com a mesma sequência. O terceiro tipo é como o H1N1, apesar de controlarmos a pandemia do ano, ela existirá em certa escala de epidemia de tempos em tempos. Atualmente, esse vírus é usado como um componente da vacinação de rotina contra a influenza para bloquear a continuação da epidemia."
Chen Wei

Laboratório de Wuhan. Nível de Biossegurança 4

A 26 de janeiro, Chen Wei e a sua equipa chegavam a Wuhan, capital da província de Hubei, o ground zero da atual pandemia. Não foram diretos para o Instituto de Virologia, começaram antes por se instalar numa tenda equipada para o efeito. Mas o destino era inevitável e uns dias mais tarde o seu local de trabalho passava a ser dentro do instituto, no primeiro e único laboratório de biossegurança de nível 4 na China continental, inaugurado em 2015.

Existem quatro níveis de biossegurança (NB-1, NB-2, NB-3 e NB-4), relacionados com o grau de contenção e a complexidade do nível de proteção envolvidos. No nível 4, trabalha-se com agentes infecciosos que podem ser transmitidos via aerossóis e que não têm nenhuma vacina ou terapia disponível. São normalmente instalados em zonas isoladas, com uma complexa e especializada ventilação e sistemas de lixo próprios.

O facto de um laboratório de nível 4 estar localizado em Wuhan, onde começou a propagação do vírus, levou à propagação de uma ideia igualmente viral: o SARS-CoV-2 estaria a ser criado em laboratório e uma brecha na segurança teria permitido que o vírus escapasse para a região. Nunca tal foi provado, mas a imagem da injeção foi quanto bastou para reforçar a crença de quem acredita que o coronavírus é uma arma biológica e que a vacina está há muito criada.

A mata-SARS, mata-ébola, mata-tudo

No vasto currículo de Chen também se pode ler que é especialista em vacinas geneticamente modificadas. O seu percurso académico conduziu-a aí, embora inicialmente a sua ideia fosse seguir a carreira docente.

Em 1991, formou-se na Universidade Tsinghua, em Pequim, e, como tinha por objetivo servir o exército, desejo que cumpriu nesse mesmo ano, ingressou na Academia de Ciências Médicas Militares. Foi ali que obteve o seu doutoramento em 2008. Chegou ao cargo de diretora de laboratório, e durante uma década liderou a equipa que desenvolveu a primeira vacina recombinante — obtida por engenharia genética, como a da Hepatite B — a ser incluída na reserva estratégica nacional. Esse feito valeu-lhe um pedestal no seu campo de investigação.

O sucesso continuou. Em 2003, durante a epidemia de SARS, desenvolveu um spray que permitiu que milhares de profissionais de saúde não contraíssem o vírus (e que lhe valeu um prémio nacional de invenção tecnológica), proteção que, seguindo os seus conselhos, também foi usada em Wuhan. Para o momento atual, o spray tem um problema: é demasiado caro para ser produzido em larga escala.

“Na ausência de medicamentos específicos, alguns profissionais de saúde que estão na linha da frente estão a usar este fármaco. No entanto, devido à complexidade técnica deste spray nasal, ainda não foi produzido em larga escala”, explicou Chen Wei numa entrevista recente à China Science News, garantindo que se o país achar que o spray pode ser usado como material de emergência, a sua equipa tem capacidade para produzi-lo.

Chen Wei já lutou contra a SARS e o Ébola e saiu sempre vitoriosa

“A vacina é a arma científica mais forte para acabar com o coronavírus”, dizia em declarações à CCTV. “Se a China for o primeiro país a inventar essa arma, e a ter as suas próprias patentes, isso mostra o progresso de nossa ciência e passa a imagem de um país gigante.” Os objetivos da virologista, que em Wuhan também tem estudado a transfusão de plasma de pacientes doentes para novos pacientes infetados, são claros: encontrar a cura e elevar o poderio científico da República Popular da China. “A epidemia é como uma situação militar. O epicentro é equivalente ao campo de batalha ”, disse.

Os seus esforços de investigação não têm sido apenas focados nas doenças que afetam o seu país. Em fevereiro de 2014, durante o surto de Ébola na África Ocidental, liderou uma equipa que tentou desenvolver uma vacina contra o vírus. Em apenas quatro meses, desenvolveram a primeira vacina do genótipo Ébola do mundo para a fase de ensaios clínicos, ou seja, testes em humanos. Os de fase 1, em indivíduos saudáveis, mostraram que a vacina de nova geração era segura e eficaz.

“Em 19 de outubro de 2017, a vacina desenvolvida pela nossa equipa tornou-se o primeiro lote da primeira vacina de Ébola de nova geração [a ser] aprovada no mundo”, afirmou Chen ao site China Story quando em 2018 voltou a África na sequência do surto de Ébola na República Democrática do Congo.

E agora? Começam os testes em humanos saudáveis

Antes de qualquer teste em humanos, como os que agora a equipa de Chen Wei vai iniciar para procurar uma cura para o coronavírus, uma potencial vacina tem de passar pelos testes em laboratório, onde são analisados os novos compostos, pelos testes pré-clínicos, onde é avaliada a segurança e eficácia, e finalmente pelos estudos de toxicidade in vivo em animais. Só depois se entra na fase de ensaios clínicos, ou seja, testes em humanos.

Foi essa aprovação que Chen Wei conseguiu na segunda-feira à noite — decisão anunciada pelo próprio Governo chinês em comunicado. Essa medida indica que a segurança, eficácia e qualidade da vacina terá sido atingida.

Chega-se assim aos testes em humanos. Num estudo clínico, a fase I refere-se ao uso do medicamento pela primeira vez num ser humano (saudável e sem a doença que está a ser estudada). Na fase II, estudam-se cerca de 100 a 300 indivíduos com diferentes dosagens. Na fase III, acompanham-se milhares de pacientes por um período maior de tempo e o voluntário recebe ou o novo tratamento ou o placebo. Há ainda a fase IV, a farmacovigilância, que serve para recolher detalhes adicionais sobre a segurança e a eficácia do produto, como efeitos colaterais.

Remdesivir. Será este o medicamento que vai tratar os infetados com o novo coronavírus?

Cada uma destas fases leva o seu tempo e, se demorar vários meses até se chegar à fase III, o principal risco é não haver doentes suficientes para se fazer o ensaio em grande escala. “O que precisamos de construir é um poderoso sistema de ‘cientistas líderes’, de forma a que eles possam passar a sua vida a estudar e a investigar determinados tipos de vírus e germes, independentemente de este coronavírus desaparecer ou não”, disse Chen Wei, na entrevista ao China Science Daily.

Para a virologista, a gestão da saúde pública na China tem um antes e depois da SARS — momento a partir do qual o país começou, na sua opinião, a investigar seriamente a prevenção e tratamento de doenças infecciosas. E não tem dúvidas: “o isolamento mais primitivo é o melhor caminho” para combater a propagação dos agentes infecciosos.

Como militar, está longe de dar a vitória como assegurada. “Existem vários tipos de vitória, a primeira é a erradicação. Esta é a ideal e o objetivo dos nossos esforços. No entanto, muito poucas doenças infecciosas foram erradicadas na história humana, como a varíola e a poliomielite”. O segundo tipo de vitória, continua, foi a que teve sobre a SARS. “Em 17 anos, não voltou a surgir nenhum vírus com a mesma sequência. O terceiro tipo [de vitória] é como o H1N1: apesar de controlarmos a pandemia do ano, ela existirá, de tempos em tempos, em certa escala de epidemia. Atualmente, esse vírus é usado como um componente da vacinação de rotina contra a influenza para bloquear a continuação da epidemia.”

Mesmo que o sabor a vitória comece a ser pressentido, já que o ponto de inflexão da pandemia parece aproximar-se na China, isso não leva a que Chen Wei descarte o aparecimento de novos surtos da doença. A sua maior preocupação? “Um hospedeiro intermediário, que ainda não foi encontrado, e ainda pode estar a desempenhar o seu papel no surto.”

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