Queríamos mostrar que escolher ações para uma carteira bolsista não tem de ser um bicho-de-sete-cabeças. Esse foi o mote do artigo “Tem 80 anos mas ainda reina nas bolsas”, publicado há exatamente um ano.
Os leitores que seguissem as instruções do Observador gastariam cinco minutos a eleger dez ações para investir durante um ano. A base da recomendação era o rácio preço-lucros, normalmente conhecido pela terminologia inglesa price-earnings ratio, PER ou P/E.
O resultado da carteira após um ano foi positivo, apesar de uma das ações ser da Volkswagen, que perdeu 40,98% na sequência do escândalo das emissões manipuladas. Os dez títulos renderam, em média, 21,04%, cerca de cinco pontos percentuais acima dos índices de ações mundiais, como o MSCI World, e mais do que a maioria dos índices de ações nacionais, como o PSI-20, que ganhou 5,99%.
Empresa | Rácio preço-lucros | Rentabilidade 17-11-2014 a 17-11-2015 |
Bolsa | |
17-11-2014 | 17-11-2015 | |||
Valero Energy | 6,95 | 7,33 | 67,97% | Nova Iorque |
Vinci | 9,68 | 16,78 | 45,80% | Paris |
3i Group | 7,62 | 7,70 | 40,10% | Londres |
British Land | 6,66 | 5,08 | 33,92% | Londres |
AIG | 8,81 | 17,82 | 33,54% | Nova Iorque |
Delta Air Lines | 3,81 | 13,60 | 29,84% | Nova Iorque |
Vodafone | 5,46 | negativo | 17,46% | Londres |
CF Industries | 9,73 | 12,62 | 9,43% | Nova Iorque |
Yahoo! | 6,80 | 130,37 | -26,64% | Nasdaq |
Volkswagen | 7,64 | 7,83 | -40,98% | Frankfurt |
Fonte: Bloomberg e Financial Times. Rentabilidade em euros incluindo reinvestimento dos dividendos. |
Com a ajuda do movimento positivo do dólar norte-americano, a Valero Energy – que também foi recomendada recentemente nos artigos sobre os gurus Benjamin Graham e Peter Lynch – liderou com um ganho de quase 68%.
Feliz 81.º aniversário
Foi precisamente Benjamin Graham, em parceria com David Dodd, seu colega na Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, que lançou o rácio preço-lucros (P/L) para a ribalta das bolsas.
Indicador em extinção
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O rácio preço-lucros é cada vez menos frequente nos jornais. O Diário Económico e o Jornal de Negócios não o incluem. Entre os jornais internacionais de referência, apenas o britânico Financial Times publica o P/L para as 500 maiores empresas mundiais (na quinta coluna na imagem em baixo).
Nos portais nacionais, o Negócios é a única fonte nacional. A sua base de dados usa os rácios P/L calculados com os lucros estimados para o ano em curso. A nível mundial, o Financial Times volta a ser o padrão: fornece o indicador para quase 38 mil ações.
Crédito: Financial Times.
Desde 1934, quando Graham e Dodd escreveram “Security Analysis”, que os investidores seguem esta métrica, que, até hoje, é a mais popular entre os investidores. No livro, os autores defendem que um rácio de 16 “é o máximo que pode ser pago na compra de um investimento em ações”.
Mais tarde, em 1949, no livro “The Intelligent Investor”, Benjamin Graham calcula um indicador justo de 8,5 para as ações de uma empresa que não consiga crescer.
O rácio indica ao investidor que compre ações hoje quantos anos demoraria a recuperar o investimento assumindo que a empresa manteria os lucros anualmente e que os distribuiria integralmente como dividendos aos acionistas. Por isso, em princípio, quanto mais baixo o rácio P/L, mais barata está a ação.
Não se desejam indicadores negativos, porque refletem prejuízos em vez de lucros. Aliás, tal como no caso da Vodafone no quadro anterior, normalmente não se divulgam P/L de empresas com resultados líquidos negativos.
Como se calcula
Como o nome indica, o rácio preço-lucros resulta da divisão da cotação da ação pelos lucros que lhe são atribuídos em um ano. Podem ser calculados dividindo o preço pelos resultados líquidos por ação ou dividindo o valor de mercado da empresa (número de ações multiplicadas pelo preço, também conhecido por capitalização bolsista) pelos lucros totais.
19,92
É este o rácio preço-lucros mediano entre as 2.500 maiores empresas do mundo, excluindo as que tiveram prejuízos nos últimos 12 meses. Em Portugal, o rácio mediano é de 13,35.
Fonte: Bloomberg.
Normalmente, os lucros usados no cálculo são os divulgados nos últimos 12 meses. No entanto, há investidores que preferem aplicar os resultados estimados para o ano em curso. O Negócios aderiu a esta última opção. Todavia, como se baseia em estimativas de analistas, pode ser ainda mais falível do que o P/L que tem em conta os resultados já divulgados.
De qualquer maneira, o P/L pode ser uma métrica insuficiente na seleção de ações, porque ignora muitos aspetos dos negócios das empresas. Este indicador não incorpora, por exemplo, o endividamento das firmas.
Como procurámos
Apesar das claras limitações quando usado isoladamente, o Observador voltou a buscar uma carteira de dez ações usando como referência o P/L.
A procura foi efetuada recorrendo essencialmente à ferramenta de pesquisa de ações do Financial Times. Tal como há um ano, investigámos títulos nos principais índices das dez praças mais acessíveis aos portugueses (Lisboa, Madrid, Paris, Amesterdão, Bruxelas, Frankfurt, Milão, Zurique, Londres e Nova Iorque). Filtrámos pelas sociedades com rácios P/L inferiores a dez, com valores de mercado superiores a dois mil milhões de euros e cujas ações tenham mais recomendações de compra do que de venda. Em cada setor, escolhemos a firma com o P/L mais baixo, de modo a garantir alguma diversificação à carteira.
O quadro em baixo revela os títulos encontrados pelo Observador.
Empresa | Bolsa | Rácio preço-lucros | Descrição |
Goodyear | Nasdaq | 3,15 | É o maior fabricante de pneus da América do Norte. |
United Continental Holdings | Nova Iorque | 3,35 | Esta é a quarta maior companhia aérea do mundo. |
Land Securities | Londres | 4,66 | É a maior sociedade britânica que investe em imobiliário. |
Navient | Nasdaq | 4,88 | Esta empresa gere e recupera créditos governamentais para formação nos EUA. |
HP | Nova Iorque | 5,45 | É segunda maior produtora de computadores, a seguir à Apple. |
Micron Technology | Nasdaq | 6,05 | Este é o maior fabricante norte-americano de semicondutores. |
GlaxoSmithKline | Londres | 6,51 | Lidera a indústria farmacêutica britânica. |
Tegna | Nova Iorque | 7,08 | Gere estações de televisão e portais de Internet nos EUA. |
Valero Energy | Nova Iorque | 7,33 | Esta petrolífera tem 15 refinaria com capacidade de 2,9 milhões de barris por dia. |
3i Group | Londres | 7,70 | É uma empresa londrina de capital de risco. |
Fonte: Financial Times a 17 de novembro de 2015. |
Duas ações são repetentes: a Valero Energy e o 3i Group já constavam da seleção do ano passado.
Esta lista não inclui sociedades portuguesas. Todavia, entre as principais empresas cotadas em Lisboa, a Teixeira Duarte é a que tem o P/L mais baixo, 3,08, seguida da REN com 8,68, segundo o Financial Times.
Antes de investir, estude as empresas. Não ignore o facto de que aplicar o seu dinheiro no mercado acionista é arriscado. Se não tem estômago para os altos e os baixos da bolsa, não invista. A rentabilidade de 21,21% no último ano não garante um bom desempenho no próximo ano.
David Almas é analista financeiro independente registado na CMVM com o número oito. O autor trabalha subordinado ao Código Deontológico dos Jornalistas.