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Círculo da Europa anulou mais de 150 mil votos de emigrantes
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Círculo da Europa anulou mais de 150 mil votos de emigrantes

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Círculo da Europa anulou mais de 150 mil votos de emigrantes

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Votos dos emigrantes: o que diz a lei, o volte-face do PSD e os boletins que acabaram no lixo

Mais de 150 mil portugueses votaram no estrangeiro para estas legislativas mas o seu voto nem foi contado. Agora, o caso vai acabar num processo-crime. Afinal, o que se passou?

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Os problemas que os portugueses no estrangeiro tiveram para votar nas eleições legislativas não auguravam nada de bom — mas o final da história foi ainda mais grave: mais de 150 mil votos acabaram no lixo.

Mas há mais do que uma forma de ler a lei eleitoral? Afinal, o que levou tantos votos a serem deitados fora? E dos boletins do estrangeiro todos chegaram inutilizados ou alguns tornaram-se inválidos depois de estarem nas mãos das mesas?

Há duas grandes causas para tudo o que se passou: primeiro, vários milhares de boletins não traziam a fotocópia de cartão de cidadão necessária nos votos postais; depois, houve votos contaminados por não ter havido uma separação correta dos boletins válidos e dos que despertavam dúvidas.

A lei eleitoral e as diferentes interpretações

O artigo 79.º-G, referente ao voto postal por eleitores residentes no estrangeiro, especifica que cada boletim é acompanhado por dois envelopes, um de cor verde que se destina a “receber o boletim de voto” e outro “branco e de tamanho maior” com as informações do eleitor e da assembleia de recolha e contagem de votos correspondente.

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“O envelope de cor verde, devidamente fechado, é introduzido no envelope branco, juntamente com uma fotocópia do cartão de cidadão ou do bilhete de identidade, que o eleitor remete, igualmente fechado, antes do dia da eleição”, pode ler-se no ponto seis deste artigo.

Mais à frente, no artigo 98.º, o veredicto: “Considera-se ainda nulo o voto antecipado e o voto postal quando o boletim de voto não chega ao seu destino nas condições previstas nos artigos 79.º-B,79.º-C, 79.º-D, 79.º-E e 79.º-G ou seja recebido em sobrescrito que não esteja devidamente fechado.” Por outras palavras: a falta de fotocópia do documento de identificação leva à anulação do voto.

“Nós obedecemos à lei, eles não. Não consigo ver como é que pode ser dado outro entendimento, como é que a lei pode ser interpretada de outra forma.”
João Tiago Machado, presidente da mesa do círculo Europa

Paulo Pisco, cabeça de lista do PS no círculo da Europa, defendeu na Rádio Observador que pode haver mais do que uma leitura da lei e justificou que, “por um lado, não diz em lado nenhum que é obrigatória [a fotocópia do cartão de cidadão]; por outro lado, diz que se não for acompanhado pelo cartão de cidadão o voto é nulo”.

Já João Tiago Machado, na qualidade de presidente da mesa do círculo da Europa, — onde foram anulados mais de 157 mil votos — considera que a lei não permite “nenhuma outra leitura” senão aquela que foi tida pela mesa que liderou: “Considerar como nulos os votos que não venham com fotocópia do cartão de cidadão”.

“Nós obedecemos à lei, eles não. Não consigo ver como é que pode ser dado outro entendimento, como é que a lei pode ser interpretada de outra forma”, realçou.

Os votos que não tinham de ir para o lixo

Mais do que isso, João Tiago Machado afirma que as mesas cometeram um erro ao juntar “votos protestados” com votos válidos. Por outras palavras: antes de haver uma decisão final, os votos sem fotocópia de cartão de cidadão foram colocados nas mesmas urnas onde estavam votos que cumpriam todos os requisitos, o que levou a uma contaminação.

Ao olhar para os votos provisórios e definitivos que foram divulgados, João Tiago Machado aponta para uma “proporção de 1/3”. Números redondos: a não junção dos votos nas mesmas urnas levaria a que “não tivessem sido anulados 150 mil votos, mas sim 50 mil”, explicou o responsável pelo círculo da Europa. “As mesas mandaram para o lixo 100 mil votos porque os contaminaram.”

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O Observador tentou contactar Marco Paulo Teles Gonçalves Fernandes, que presidiu à mesa do círculo Fora da Europa, para perceber qual o critério usado nestas mesas, mas até à hora de publicação desta notícia não teve resposta.

O responsável, que faz parte do gabinete da ministra da Administração Interna e é um dos membros designados pelos departamentos governamentais para a Comissão Nacional de Eleições (CNE), decidiu não anular os votos que não tinham fotocópia do cartão de cidadão — ao contrário da posição do PSD e do critério seguido pelo círculo da Europa.

Neste círculo só foram anulados 2% dos votos, um número que contrasta com os mais de 80% anulados no círculo da Europa.

A reunião que não deu em nada (e só prejudicou)

A história começou antes de a polémica rebentar. Os partidos tiveram uma reunião na Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) em que ficou decidido que todos os votos seriam validados, mesmo os que não tivessem a fotocópia do cartão do cidadão.

Mas o PSD mudou de posição. Maló de Abreu justificou que o gabinete jurídico do partido concluiu que a decisão era ilegal e o deputado fez saber que, por parte dos sociais-democratas, era para fazer “cumprir a lei”.

Ainda houve tentativas para que voltasse a haver um entendimento — até porque a validação dos votos levaria ao pagamento de um valor muito mais elevado em subvenções — mas sem sucesso. PS e PSD mantiveram a posição e as mesas tomaram decisões opostas: o círculo da Europa decidiu anular todos os votos; o círculo Fora da Europa decidiu exatamente o oposto.

O dia seguinte ao fecho dos resultados

O presidente do Partido Social Democrata, Rui Rio, intervém durante a apresentação de conclusões após a reunião da Comissão Política Nacional do PSD, para fazer a análise dos resultados das eleições legislativas do dia 30 de janeiro, em Lisboa, 3 de fevereiro de 2022. MIGUEL A. LOPES/LUSA

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Perante a a contaminação de votos no círculo da Europa, o PSD decidiu apresentar uma queixa-crime no Ministério Público (MP). “80% dos votos dos emigrantes foram deitados ao lixo, anulados, a sua vontade foi ignorada porque alguém cometeu um crime sabendo que o estava a fazer”, afirmou o presidente social-democrata durante uma conferência de imprensa nesta sexta-feira.

"O PSD não vai deixar passar isto em claro, tem de haver um processo-crime para quem cometeu este crime."
Rui Rio, presidente do PSD

Rui Rio não tem dúvidas de que houve um “incumprimento da lei de forma dolosa” e acusa as pessoas que estavam nas mesas de já terem conhecimento do que se tinha passado há dois anos e de, ainda assim, terem repetido o erro.

“O PSD não vai deixar passar isto em claro, tem de haver um processo-crime para quem cometeu este crime para que as coisas não possam ficar impunes“, justificou o líder do PSD.

Em conferência de imprensa, André Ventura anunciou que o partido irá apresentar um recurso no Tribunal Constitucional (TC) e mostrou-se disponível para, no arranque da legislatura, “conversar com os outros partidos para uma reforma do sistema eleitoral”.

“Anular estes votos apenas serviu interesses de alguns partidos”, acusou o líder do Chega, frisando que terem sido anulados 80% dos votos é um “absurdo”, principalmente quando existe uma “leitura ótica” no voto postal. “A democracia perdeu e corremos o risco de emigrantes sentirem que não vale a pena ir votar nas próximas eleições”, sublinhou André Ventura.

PAN e Livre foram os primeiros a informar que recorreram para o Tribunal Constitucional. O partido liderado por Sousa Real quer que norma que obriga à anexação de documento de identificação seja declarada inconstitucional e o Livre fala em “silenciamento” da comunidade emigrante portuguesa.

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