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O que é a Cambridge Analytica?

A Cambridge Analytica é uma empresa britânica de consultoria política que analisa dados para criar estratégias de comunicação em processos eleitorais. Foi fundada em 2013, dentro da casa mãe SCL Group, também britânica, mas trabalha com candidatos norte-americanos há cerca de dois anos. Utiliza testes de personalidade e parâmetros como a idade, raça, rendimentos, naturalidade, comportamentos de consumo e hábitos online para traçar o perfil psicológico de potenciais eleitores.

Toda esta informação é depois trabalhada por uma equipa de cientistas de dados e psicólogos, que produzem mensagens específicas para cada tipo de perfil que encontram. É a partir daqui que traça estratégias de caça ao voto personalizadas.

A Cambridge Analytica começou a trabalhar com candidatos norte-americanos do Partido Republicano (GOP) em 2014. Antes de trabalhar para a campanha de Donald Trump, a empresa já tinha feito parte das estratégias de comunicação dos republicanos Ted Cruz e Ben Carson, entre outros. A CNN identificou todos os candidatos que recorreram aos serviços da Cambridge Analytica:

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Que ligações tem a Donald Trump?

A Cambridge Analytica foi fundada em 2013 com capital do fundo de investimento do multimilionário Robert Mercer, apoiante de Donald Trump e um dos norte-americanos que mais tem contribuído para financiar o Partido Republicano. Só para a campanha de Trump, Mercer doou perto de 15 milhões de dólares. Foi também um dos apoiantes do principal rosto do Brexit, o independentista Nigel Farage, em Londres.

O controverso ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, também “ajudou a lançar a empresa”, como afirmou na quinta-feira, mas garante que não sabia que a uma das estratégias de análise de dados passava por usar os dados de utilizadores do Facebook, indevidamente recolhidos para a campanha de Donald Trump.

O ex-estratega de Trump, que foi afastado do Conselho de Segurança nos primeiros meses da nova administração americana, disse numa conferência em Nova Iorque que “não se lembrava” de ter comprado os dados do Facebook que estão no centro desta polémica. De acordo com a CNN, a utilização destes dados ocorreu numa altura em que Steve Bannon era vice-presidente da empresa.

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Como é que esta polémica começou?

O The Observer, publicação semanal do The Guardian, e o The New York Times divulgaram a investigação à Cambridge Analytica a 17 de março: dados de 50 milhões de perfis de Facbook foram utilizados pela empresa indevidamente para ajudar a levar Donald Trump à Casa Branca. As revelações foram feitas pelo ex-funcionário Cristopher Wylie, que deixou a empresa pouco depois da utilização destes dados. Foi ele um dos criadores do algoritmo que serve de base ao programa de análise de dados.

50 milhões de perfis do Facebook terão sido usados para ajudar a eleger Trump

No entanto, no dia antes, já o Facebook tinha comunicado que ia suspender todas as ligações que tinha com a Cambridge Analytica e com o grupo SCL (detentor da empresa de análise de dados).

Na terça-feira, o canal televisivo britânico Channel 4 divulgou o primeiro episódio de um trabalho de investigação, no qual se viam vários executivos da Cambridge Analytica a confirmar que foram os responsáveis pela eleição de Trump e que recorreram a vários tipos de práticas para o conseguir.

No entanto, a estratégia da Cambrigde Analytica já era conhecida, como se lê neste artigo de opinião do Financial Times, de setembro de 2017. A cronista Gillian Tett afirmava que a “equipa da Cambridge Analytica tinha recolhido, legalmente, cinco mil características de comportamentos de cidadãos americanos”. O The Guardian também revelou que a Cambridge Analytica devia ter apagado os dados dos perfis recolhidos em 2013, mas que não o fez.

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Como é que a Cambridge Analytica acedeu ao dados de utilizadores do Facebook?

Conhece aquelas aplicações de Facebook que lhe pedem acesso ao perfil para indicarem quem foi no passado? Foi uma app semelhante, com o nome thisisyourdigitallife, que recolheu os dados dos utilizadores. A aplicação foi utilizada por cerca de 300 mil pessoas.

Em troca de dinheiro “para uso académico”, cada pessoa fez um teste de personalidade que permitiu à empresa agregar a informação de mais de 50 milhões de utilizadores. Isto porque, ao cederem os seus dados pessoais, cediam também os dados dos perfis dos amigos, sem que estes soubessem. Foi assim que estes 300 mil utilizadores passaram a 50 milhões.

A aplicação acedeu à informação que qualquer utilizador pode ver na conta de alguém de quem é amigo. No Facebook, é preciso ter um perfil público para que não se tenha acesso a toda a informação. Por norma, os perfis são fechados e apenas os amigos dos utilizadores conseguem aceder às suas publicações, fotografias e interesses.

O que a Cambrigde Analytica conseguiu com estes dados foi chegar a essa informação de outra forma — sem ser “amiga” de ninguém e sem pedir acesso. Tudo para poder traçar perfis psicológicos de utilizadores (mais precisamente, de eleitores) e criar publicidade específica. Objetivo: influenciar o sentido de voto.

O responsávela pela app, que foi vendida mais tarde à Cambridge Analytica, foi Aleksandr Kogan, um estudante da Universidade de Cambridge que depois trabalhou em colaboração com a empresa de análise de dados. Em declarações à CNN, Kogan afirmou: “A nossa app não era especial, havia milhares de aplicações a fazer exactamente o mesmo.”

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O Facebook sabia que a Cambridge Analytica estava a usar dados de utilizadores?

Sim, sabia pelo menos há dois anos. Em 2015, os jornalistas do The Guardian já tinham questionado o Facebook sobre se haveria dados de utilizadores que estariam na posse dos especialistas da Cambridge Anallytica.

Foi nessa altura que aparentemente a rede social liderada por Mark Zuckerberg teve conhecimento de que a empresa teria informações recolhidas indevidamente. E pediu-lhes que apagassem os dados obtidos. “Estou habituado a que as pessoas quando dizem que vão fazer algo que estão legalmente obrigadas a fazer, que o façam”, explicou mais tarde Mark Zuckerberg em entrevista à CNN.

Apesar de terem sabido, em 2015, que a Cambridge Analytica tinha recolhido indevidamente dados de contas pessoais, nenhum dos responsáveis pela rede social avisou os utilizadores. A rede social defende também que a informação que a empresa agregou através da aplicação “thisisyourdigitallife” foi obtida com o consentimento dos utilizadores, porque aqueles 300 mil pessoas que participaram na pesquisa para “uso académico” sabiam que estavam a fornecer os dados.

Uma das críticas do ex-funcionário Christopher Wylie, que denunciou esta situação, ao Facebook é precisamente o não ter confirmado com a empresa britânica se esta tinha apagado os dados que foram obtidos indevidamente. Pediu-lhes, mas não confirmou.

Mais: numa recente audição do parlamento britânico sobre notícias falsas, o antigo presidente executivo da Cambridge Analytica, Alexander Nix, afirmou: “Nunca trabalhámos com dados do Facebook e não temos informação da rede social”. Revelou-se agora que tal não era verdade.

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Agora, o que é que o Facebook vai fazer?

Primeiro, houve silêncio, depois o anúncio de uma auditoria para “compreender melhor os factos, e só dois dias depois é que chegou a reação do Facebook, já com o silêncio de Mark Zuckerberg a ser alvo de duras críticas. Na quarta-feira, o fundador da rede social fez o que costuma fazer: publicou um post na rede social sobre este assunto. A seguir, deu entrevistas a vários meios de comunicação social.

Zuckerberg não só pediu desculpas como aproveitou para anunciar as seis medidas que criou para evitar que mais casos como o da Cambridge Analytica surjam: investigar aplicações “suspeitas”, informar as pessoas sobre utilizações abusivas de dados, desligar o acesso a aplicações que não são utilizadas, restringir a informação conseguida por login, encorajar os utilizadores a gerirem as aplicações que utilizam e recompensar quem encontre vulnerabilidades no sistema. Conheça as medidas ao detalhe no link abaixo.

As 6 coisas que o Facebook vai mudar depois do escândalo

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Isto quer dizer que os nossos dados foram roubados?

Nenhum dado foi efetivamente roubado. Na prática, a informação disponível nos perfis dos utilizadores para amigos na rede social passou a estar disponível também na base de dados da Cambrigde Analytica. O que fez com que a empresa pudesse aplicar sobre eles o programa de análise psicológica que tem e criar comunicação direcionada para ajudar a eleger Donald Trump.

Neste caso, foram recolhidos todos os dados dos utilizadores até 2015, altura em que o Facebook excluiu a aplicação e soube, devido às perguntas dos jornalistas do The Guardian, que a empresa poderia ter estes dados na sua posse, sem que os utilizadores soubessem.

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O Facebook foi a única rede social utilizada para ajudar a eleger Trump?

De acordo com o documento interno da Cambridge Analytica divulgado pelo The Guardian, o Facebook não foi a única rede social utilizada para ajudar a eleger Donald Trump. O PowerPoint com que a empresa britânica tentava angariar novos clientes desmontava a estratégia vitoriosa que utilizaram na campanha do atual presidente norte-americano.

No documento de 27 páginas, a empresa refere como utilizou a informação recolhida no Google, no Facebook, no Twitter, no Youtube e no Snapchat para ajudar a eleger Donald Trump. E explica que utilizaram “dados em bruto”, “modelização”, “sondagens” e “análise analítica” para criar conteúdo para audiências específicas. No final, mostra que o objetivo é partilhar em “plataformas de media” — no centro deste slide está o logotipo do Facebook.

Cambridge Analytica explica em PowerPoint como fez de Trump presidente dos EUA

Ao todo, foram criados 10 mil anúncios para audiências específicas durante o período de campanha das eleições americanas. E segundo a empresa, foram estes dados que influenciaram algumas das decisões de Brad Prascale, responsável pela campanha digital de Trump. Um dos casos detalhados é aquele em que mostram como a campanha de Trump utilizou o Youtube para ter vídeo específicos, consoante a localização dos utilizadores (e potenciais eleitores).

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Que outros métodos utilizou a Cambrige Analytica?

Uma investigação do canal televisivo britânico Channel 4 pôs a descoberto os métodos utilizados pela Cambridge Analytica para vencer processos eleitorais. Nos vídeos da reportagem que a empresa britânica tentou impedir que fosse transmitida, vê-se o presidente Alexander Nix, o diretor Mark Turnbull e Alex Tayler, diretor de informação.

É o próprio Nix que explica, sem saber que estava a ser gravado, que que subornava políticos, recorria a táticas ilegais, usava “mulheres ucranianas” para seduzir opositores e que “opera através de diferentes veículos, nas sombras”. Para Donald Trump, conta que fizeram “investigação, recolhemos todos os dados, fizemos todas as análises, toda a campanha digital e televisiva e foram os nossos dados que suportaram toda a estratégia” do então candidato republicano.

Mark Turnbull afirma mesmo que Trump ganhou por causa do trabalho da Cambridge Analytica: “Isso deveu-se aos dados e à investigação. Porque fizeram os comícios nos locais certos, mudaram o sentido de voto de mais pessoas-chave no dia das eleições e foi assim que ele ganhou as eleições. Ganhou por 40 mil votos em três estados”.

Sexo, dados & Facebook. O que o líder da Cambridge Analytica disse (e escondeu) em Lisboa

Entre novembro de 2017 e janeiro de 2018, jornalistas de uma equipa de investigação do canal de televisão britânico Channel 4 fizeram-se passar por representantes de um cliente no Sri Lanka, que queria eleger candidatos nas próximas eleições locais, para conseguir reunir com os executivos da Cambridge Analytica em hotéis de Londres. As reuniões foram gravadas sem que estes soubessem.

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Que consequências é que esta polémica já teve?

Várias. E começaram logo dentro do próprio Facebook. Alex Stamos, executivo de topo no Facebook e responsável pelo departamento de segurança, está de saída da empresa a partir de agosto, de acordo com o que o New York Times noticiou logo depois do rebentar da polémica. Stamos terá tentado sair do Facebook em dezembro, mas foi-lhe pedido que se mantivesse até agosto, por receio de que “a sua saída parecesse mal”.

Facebook. Responsável pela segurança demite-se na sequência de escândalos de interferência russa

Logo nessa altura, surgiu o movimento #deletefacebook (apaguem o Facebook) nas redes sociais,q ue ganhou dois grandes rostos. Primeiro, o de Brian Acton, fundador do WhatsApp (aplicação de mensagem que foi comprado pelo Facebook e que agora está sobre o comando de Mark Zuckerberg).Acton disse apenas: “É o momento [para se apagar a conta]”.

Fundador do WhatsApp: “Está na hora. Apaguem o Facebook”

A Acton, juntou-se Elon Musk. O multimilionário apagou as páginas de Facebook da Tesla e da SpaceX. “Não uso o Facebook e nunca utilizei. Não acho que seja algum tipo de mártir ou que as minhas empresas estejam a ser alvo de um grande golpe. Além disso, não fazemos publicidade lá… Por isso, não me interessa”, escreveu Musk no Twitter.

Elon Musk apagou as contas de Facebook da Tesla e SpaceX

A polémica levou a comissária da informação do Reino Unido, Elizabeth Denham, a pedir um mandato aos escritórios da Cambridge Analytica em Londres. As buscas ocorreram na sxeta-feira e demoraram sete horas. O parlamento britânico quer ouvir Mark Zuckerberg, mas não é o único. Também o congresso norte-americano e o Parlamento Europeu querem pôr o fundador da rede social a falar. 

“As alegações de uso indevido de dados de utilizadores do Facebook é uma inaceitável violação dos direitos de privacidade dos cidadãos”, disse o presidente do Parlamento Europeu Antonio Tajani.

Comissão parlamentar britânica e Parlamento Europeu querem ouvir Zuckerberg sobre uso ilegal de dados

 

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O que posso fazer para proteger os meus dados no Facebook?

A proteção dos dados pessoais entrou na agenda do dia. É verdade que a solução mais drástica passa por apagar a conta, mas quem precisa da rede social e quer continuar a utilizá-la para estar próximo de família e amigos também pode proteger-se, sem ter de se desconectar.

O Observador deixou-lhe cinco dicas: Eliminar o acesso de apps à conta de Facebook, impedir publicidade direcionada, desactivar a opção de localização, não ter o login sempre feito no Facebook, mudar as definições de privacidade da conta. E um bónus: ter atenção ao que faz na plataforma. Para conhecer os nossos conselhos mais em detalhe, leia este artigo:

Facebook: 5 medidas (e mais uma) para proteger a sua conta e que pode fazer já

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O que é que falta saber?

No seguimento da polémica, Mark Zuckerberg foi chamado a prestar declarações ao congresso americano, ao parlamento britânico e ao parlamento europeu. Quanto aos últimos dois, não avançou se vai responder ao pedidos, mas quanto a ir prestar declarações ao congresso americano, afirmou: “Se for a pessoa mais indicada, irei.” Ainda não está marcada audiência, pelo que falta saber se vai efetivamente acontecer e se será Zuckerberg a prestar declarações às autoridades.

Outra das questões que também ainda não tem resposta é por que razão a rede social apagou a conta de Christopher Wylie do Facebook e do Instagram.

Facebook suspende conta de homem que expôs Cambridge Analytica

Em declarações ao CNET, a rede social afirma que tira a suspensão de conta a Wylie, mas que este tem de ajudar o Facebook na investigação. O ex-analista da Cambridge Analytica diz que apenas ajuda se a rede voltar a acionar as suas contas. Desde então que o assunto está parado, sem se saber se Wylie vai voltar a ter autorização para ter conta na rede social.

Apesar de a rede social ter afirmado que vai rever cada aplicação para evitar mais casos como este, a forma como vai conseguir fazer essa análise não é conhecida. É sabido, pela palavras de Zuckerberg em entrevista, que vão ser gastos “muitos milhões de dólares”. Que processo é que vai ser feito para esta análise? A resposta só surgirá, muito provavelmente, quando já existirem resultados das auditorias feitas ao Facebook pedidas pela própria rede social.

É ainda necessário saber também como, e quando, vão ser aplicadas algumas das medidas anunciadas por Zuckerberg e quais as mudanças que vão surgir na página da conta de cada utilizador.

Falta também responder a uma das maiores questões: qual o verdadeiro impacto das redes sociais nas eleições americanas? A empresa britânica trabalhou com a campanha de Donald Trump, mas sabe-se que a campanha de Hillary Clinton também utilizou anúncios em redes sociais, apesar de não ter sido através da Cambrigde Analytica. Até que ponto todas estas táticas influenciaram a decisão final dos eleitores? Ninguém sabe ainda.

Por fim. O impacto noutras eleições que não as americanas. Muito se falou da campanha americana, mas também se sabe das ligações que a empresa teve ao Brexit. Robert Mercer, o multimilionário dono da empresa de análise de dados contribuiu, através de doações financeiras, para a campanha do Brexit, apoiando Nigel Farage, principal rosto da saída do Reino Unido da União Europeia.

Estas questões ficam, para já, ainda sem resposta e a aguardar desenvolvimentos.