Que operação é esta?
O CaixaBank anunciou na terça-feira, 17 de fevereiro de 2015, uma proposta pública de compra do capital que ainda não detém no BPI. Os espanhóis já detêm 44,1% do capital social e propõem-se comprar a totalidade (100%) do banco do qual já são o maior acionista individual. A oferta está condicionada à obtenção de, pelo menos, 50% do capital, pelo que as ordens de venda dos investidores que aceitem a oferta só terão efeito se o CaixaBank conseguir persuadir, pelo menos, 5,9% do capital a vender as suas ações aos espanhóis.
Os espanhóis do Caixabank estão a oferecer 1,329 euros por cada ação do BPI na Oferta Pública de Aquisição (OPA) lançada esta terça-feira, um prémio de 27,4% face ao preço de fecho de segunda-feira na bolsa de Lisboa e um valor em linha com a média dos últimos seis meses. A oferta avalia o banco num total de mais de 1.900 milhões de euros. No entanto, a oferta traduz um valor que corresponde a dois terços do que o BPI valia em abril, quando Portugal se aproximava do final do programa da troika e antes do colapso do Banco Espírito Santo (BES), que penalizou as ações de todo o setor bancário nacional.
Quem é o CaixaBank?
O CaixaBank é um banco catalão, com sede em Barcelona, controlado pelo Grupo La Caixa. Desde 2010, adquiriu cinco bancos em território espanhol, sendo que o BPI é a primeira tentativa de compra fora de Espanha. Os bancos comprados foram, principalmente, antigas cajas que tinham entrado em grandes dificuldades em 2010. O CaixaBank absorveu a Caixa Girona, o Bankpyme, a Banca Cívica, o Banco de Valencia. Mais recentemente, comprou também as operações bancárias do Barclays em Espanha.
É o terceiro maior banco de Espanha, com um valor de mercado de 22,8 mil milhões de euros e que viu as ações subirem mais de 35% nos últimos 12 meses, a beneficiar da melhoria das perspetivas económicas em Espanha e do amenizar da crise da dívida na zona euro. Em 2014, o grupo teve lucros de 620 milhões de euros.
O que já disse o CaixaBank sobre as suas intenções?
O CaixaBank diz que esta é uma “operação lógica” que permitirá impulsionar a expansão internacional do CaixaBank “tendo em conta a sua relação com o BPI e o conhecimento do mercado bancário português, onde o CaixaBank está ativo desde 1995″. Numa teleconferência com analistas, o presidente do CaixaBank, Gonzalo Gortázar, defendeu que “as sinergias resultantes vão ajudar o BPI a recuperar a rentabilidade do seu negócio bancário”, isto graças aos “elevados níveis de liquidez, solvência e ratings” do CaixaBank.
O gestor espanhol afirmou que “há muito trabalho a fazer mas há um grande potencial no mercado bancário português”. Ao Negócios, Gonzalo Gortázar indicou que prevê obter uma participação adicional de cerca de 25% no BPI e garantiu que quer “manter o BPI como um banco cotado na bolsa portuguesa, assim como a marca”. Além disso, disse sobre a gestão liderada por Fernando Ulrich: “é uma equipa de que gostamos muito e em que confiamos”.
A operação vai ter sucesso?
“Não há a menor dúvida de que a operação vai ser bem sucedida”, disse terça-feira ao Observador João Pereira Leite, diretor de investimentos do Banco Carregosa. Isto porque “o La Caixa não impõe grandes condições, querem apenas obter mais de 5o% do capital (quando já têm 44%) e deixar cair a limitação dos 20% de direitos de voto”, explica o especialista. Ainda assim, será interessante perceber se o banco espanhol consegue chegar aos 75% que vê como cenário base.
Muito dependerá do preço oferecido. João Pereira Leite diz que “1,329 por ação é um bom preço, considerando que a este preço um acionista está a pagar um prémio significativo pelos ativos portugueses, face a outros bancos cotados em Portugal”. Assim, o especialista acredita que “não haverá uma revisão do preço pois a OPA foi feita de acordo com as exigências da CMVM”. Além disso, “não haverá uma nova entidade a apresentar uma contra-OPA, pois o banco é controlado em 44% pelo atual oferente”.
O que terão a dizer os outros acionistas de referência?
O Grupo La Caixa é o principal acionista individual do BPI, com 44,1% do capital social. Contudo, pelas regras estatutárias do banco, nenhum acionista pode acumular mais de 20% dos direitos. Um dos objetivos do CaixaBank é “alinhar o interesse económico com o interesse político no BPI”, pelo que a oferta está condicional à retirada deste limite estatutário. Para isso, será necessário convocar uma assembleia-geral de acionistas e esta alteração terá de ser aprovada por 75% do capital.
A Santoro, de Isabel dos Santos, é a segunda maior acionista, com 18,6%, e o grupo alemão Allianz tem 8,4%. O Observador ainda não conseguiu obter uma reação por parte de nenhum dos dois. Quanto aos alemães, já ficou claro que o CaixaBank pretende manter “vigente a atual aliança de bancasseguros do BPI com a seguradora do grupo Allianz“. Sobre se estes irão vender ou não a posição no BPI, ou parte dela, ainda é uma incógnita.
Incógnita é, também, a posição da empresária angolana Isabel dos Santos. As ações do BPI estão a negociar a um preço mais baixo do que foram compradas em 2008, quando a empresária angolana entrou no capital do BPI, mas mais alto do que no aumento de capital em que a Santoro participou, em 2012. Segundo cálculos do Banco Carregosa, Isabel dos Santos estará perante uma possível mais-valia na ordem de 109 milhões de euros caso venda a este preço. Caso não venda, a importância da empresária na gestão do BPI será menor caso a OPA avance e for retirada a limitação de direitos de voto de 20%.
Porquê agora?
A OPA surge numa altura em que o BPI enfrenta um grande problema criado pela decisão do Banco Central Europeu (BCE) sobre a exposição a Angola. Novas regras de regulação na zona euro tornaram, a partir de 2015, mais penalizadora para o BPI a exposição ao Estado angolano através da dívida pública que está no Banco Fomento Angola (BFA), onde o BPI é acionista maioritário com 50,1%. Na prática, o BCE deixou de atribuir equivalência na regulação e supervisão ao banco central angolano, o Banco Nacional de Angola (BNA), o que impossibilita que o BPI continue a contabilizar essa exposição como tem vindo a fazer, no que diz respeito ao risco da carteira e aos rácios de capital.
A descida dos rácios de capital que isto implicaria poderia levar a que o BPI tivesse de tomar medidas para reforçar a solidez do capital face aos ativos e ao risco assumido pelo banco. A descida das ações desde meados de dezembro terá sido um sinal de que os investidores receiam que o BPI tenha de fazer um aumento de capital ou, em alternativa, que tenha de reduzir drasticamente a exposição a Angola, que tem sido uma fonte importante de rentabilidade para o BPI.
“É daquelas situações que quando estiver resolvida mostraremos como resolvemos. Até lá, não posso comentar mais”, disse Fernando Ulrich durante a apresentação dos resultados anuais do banco. João Pereira Leite, do Banco Carregosa, diz que este processo “é uma solução para o problema de Angola pois desta forma a posição no BFA fica diluída numa estrutura muito maior”. “Um aumento de capital no BPI para resolver a questão do BFA não faria sentido pois seria um esforço muito significativo para os acionistas”, afirma o especialista.
O elefante na sala: o Novo Banco
Além da questão angolana, o BPI está a participar numa operação que pode ser decisiva para o futuro do banco em Portugal: a compra do Novo Banco, a instituição que resultou da resolução aplicada ao Banco Espírito Santo. Fernando Ulrich tinha indicado que o BPI teria condições para “mobilizar os meios necessários”, incluindo pedir reforço por parte dos principais acionistas. O CaixaBank teria, portanto, de avançar com mais investimento num banco onde tem os direitos de voto limitados a 20%, pelo que se percebe a motivação dos espanhóis. Na verdade, o banco afirmou à comunicação social na terça-feira que “dificilmente” poderá apoiar a compra do Novo Banco sem esta desblindagem dos estatutos.
Um dos próximos passos nesta operação será a indicação, por parte do conselho de administração do BPI, se recomenda ou não aos acionistas a aceitação da oferta. O que a equipa liderada por Fernando Ulrich já indicou, em comunicado, é que, “independentemente dos desenvolvimentos do processo da oferta, o Banco BPI prosseguirá sem alterações e com inteira normalidade o seu plano de atividades, incluindo a anunciada candidatura à aquisição do Novo Banco, nos termos estabelecidos pelas autoridades”.
A intenção do CaixaBank é a de aumentar a posição no BPI e, depois, fundi-lo com o Novo Banco, o que criaria a maior instituição bancária em Portugal. A quota de mercado do BPI em Portugal, no negócio de banca comercial, é de aproximadamente 10%. É, portanto, o quarto maior banco no país, atrás da Caixa Geral de Depósitos, do Santander Totta e do Novo Banco, com 18% do mercado. Uma fusão poderia, contudo, implicar “remédios”, ou seja, a venda de alguns ativos, operações ou geografias de modo a respeitar as regras da concorrência. É que, a concretizar-se a fusão e a compra do Novo Banco, esta instituição tornar-se-ia no maior banco do país.