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O que diz a Igreja Católica, oficialmente, sobre a ordenação de mulheres?

A Igreja Católica argumenta que não pode ordenar mulheres como sacerdotisas porque não tem sequer essa faculdade. Advoga que se limita a seguir a tradição começada por Jesus Cristo, que apenas escolheu homens como discípulos.

A posição da Igreja relativamente a este assunto está formalizada numa carta apostólica de 1994, assinada pelo Papa João Paulo II. Neste documento, intitulado Ordinatio Sacerdotalis, o Papa define que “esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”.

O documento cita uma outra declaração, aprovada pelo Papa Paulo VI em 1976, onde são apresentados seis argumentos para impedir o acesso das mulheres àquele sacramento:

  1. A tradição da Igreja, que foi sempre mantida “de tal maneira firme” que nunca foi contestada. “Todas as vezes que esta tradição teve oportunidade para se manifestar, ela deu testemunho da vontade da Igreja de se conformar com o modelo que o Senhor lhe havia deixado”, lê-se no documento.
  2. A atitude de Jesus Cristo, que não chamou nenhuma mulher para o grupo dos apóstolos.
  3. A prática dos apóstolos que, apesar de reservarem um “lugar privilegiado” para Maria, sempre se mantiveram fiéis “à atitude de Jesus”.
  4. O “valor permanente da atitude de Jesus e dos apóstolos”. Isto é, as atitudes de Jesus não podem ser desligadas atualmente do comportamento da Igreja. Segundo a declaração de 1976, a prática “é seguida assim porque é considerada conforme com os desígnios de Deus sobre a sua Igreja”.
  5. O padre atua in persona Christi, o que quer dizer que age “na pessoa de Cristo”. Por isso, argumenta a Igreja, “não se pode transcurar o facto de que Cristo é um homem”, o que significa que “o seu papel há de ser desempenhado por um homem”. Ainda assim, recorda o documento, “isto não depende de haver neste último superioridade alguma pessoal na ordem dos valores, mas tão-somente de uma diversidade de facto, ao nível das funções e do serviço”.
  6. Em última análise, a escolha é de Deus e não do homem, segundo a explicação oficial do Vaticano. Mais do que isso, “o sacerdócio não é conferido para honra ou para simples vantagem daquele que o recebe; mas sim para ser um serviço a Deus e à Igreja”, lê-se no documento.
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Sempre foi assim na Igreja Católica?

Sim.

Desde a época de Jesus Cristo que a Igreja apenas tem tido homens nos lugares sacerdotais. Apesar de a prática ser essa, durante centenas de anos não houve uma posição formal da Igreja, porque a tradição nunca foi contestada. Uma das primeiras posições formais sobre o assunto surgiu em 1976, na referida declaração aprovada por Paulo VI, resultado da preocupação crescente com alguns casos. No documento, lê-se:

De há alguns anos para cá, diversas Comunidades cristãs originadas da Reforma do século XVI ou que apareceram em épocas posteriores têm vindo a possibilitar que as mulheres tenham acesso a funções de cura pastoral, com o mesmo título que os homens”.

Foi deste facto que nasceu a necessidade de o Vaticano ter de explicar formalmente os seus argumentos. Para a Igreja, “isto constitui, sem dúvida, um problema ecuménico acerca do qual a Igreja Católica deve dar a conhecer o seu modo de pensar”, assinala o documento.

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Alguma vez vai mudar?

O padre Jacinto Farias, teólogo e professor da Universidade Católica, diz claramente que não. “Não está no nosso poder, não depende do Papa“, sublinha o teólogo ao Observador. “Trata-se da vontade de Deus. Jesus escolheu homens, não escolheu mulheres“, reforça.

E se fosse hoje, será que Jesus podia ter escolhido mulheres? “Não. Deus não muda de opinião de um dia para o outro”, assegura Jacinto Farias. O teólogo insiste na ideia dos “limites” impostos à Igreja. “Há limites ao poder da Igreja, a Igreja não pode fazer o que quer“, sublinha.

“Imagine que eu lhe pergunto se você consegue dar um salto até à lua. O que me responde? A Igreja também tem limites naturais, e que são a vontade de Deus“, acrescenta.

“Há teólogos que defendem a ordenação das mulheres, há até padres e, quem sabe, bispos, a defender isso. Mas esse não é o pensamento da Igreja. Por isso, como disse agora o Papa Francisco, o assunto está encerrado”, considera o padre Jacinto Farias.

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E nas outras Igrejas Cristãs, como funciona?

O Cristianismo está longe de representar uma única interpretação da vida de Jesus Cristo. Existem, dentro da religião cristã, várias divisões, e os católicos romanos são apenas uma delas. E em todas elas as regras são muito diferentes. Além da Igreja Católica Romana, contam-se como denominações cristãs as seguintes:

  • A Igreja Católica Ortodoxa

Os católicos ortodoxos separaram-se dos católicos romanos no grande cisma do oriente, no século XI, e são, atualmente, um conjunto de igrejas cristãs autocéfalas, cada uma liderada por um Patriarca. Não há um Papa, mas os vários patriarcados reconhecem o Patriarca Ecuménico de Constantinopla como o líder dos católicos ortodoxos.

Orthodox Patriarch of Constantinople Bartholomew I prays together with representatives from different religious traditions in the St Francis basilica in Assisi on September 20, 2016. Pope Francis denounced those who wage war in the name of God, as he met faith leaders and victims of war to discuss growing religious fanaticism and escalating violence around the world. The annual World Day of Prayer event, established by John Paul II 30 years ago and held in the medieval town in central Italy, aims to combat the persecution of peoples for their faiths and extremism dressed up as religion. / AFP / TIZIANA FABI (Photo credit should read TIZIANA FABI/AFP/Getty Images)

O Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I, o líder ecuménico das Igrejas Ortodoxas. Aqui não há mulheres sacerdotisas. (Imagem: TIZIANA FABI/AFP/Getty Images)

Ao nível da estrutura clerical, há muitas semelhanças. Também existe o sacramento da ordem, atribuído em três ordens — diáconos, padres e bispos –, e a grande semelhança que interessa neste artigo: também só os homens podem ser ordenados sacerdotes. A grande diferença reside na possibilidade de os padres ortodoxos poderem ser casados.

  • As Igrejas Ortodoxas Orientais

Esta denominação cristã inclui um conjunto diverso de Igrejas orientais que não aceitam os princípios do catolicismo. Também nestas Igrejas apenas os homens podem receber a ordenação, apesar de os detalhes sobre a hierarquia e as celebrações variarem entre as diversas confissões, que são autocéfalas.

  • As Igrejas Protestantes

Com a publicação das suas 95 Teses, em 1517, Martinho Lutero deu origem à chamada Reforma Protestante, um movimento de divisão no Cristianismo. Da Reforma surgiram movimentos como a Igreja Luterana, a Igreja Anglicana ou a corrente evangélica do Calvinismo. Nestas Igrejas, é comum a ordenação sacerdotal de mulheres.

Na Igreja Anglicana — a confissão religiosa do Reino Unido –, já desde o século passado que é possível uma mulher ser ordenada sacerdotisa. Há dois anos, aquela confissão aprovou a ordenação das mulheres como bispas.

BULLHEAD CITY, AZ - JULY 02: Bishop Katharine Jefferts Schori (L) and chalice bearer Dick Studeny (2nd L) sing during the recessional of a service at The Episcopal Church of the Holy Spirit July 2, 2006 in Bullhead City, Arizona. Schori is the first female presiding bishop-elect for the Episcopal Church. (Photo by Ethan Miller/Getty Images)

A bispa anglicana Katharine Jefferts Schori foi a primeira mulher a ser eleita arcebispa primaz na Igreja Anglicana. (Imagem: Ethan Miller/Getty Images)

Nas Igrejas Luteranas, especialmente difundidas nos países nórdicos, a ordenação de mulheres é bastante comum. Na Dinamarca, por exemplo, já há mais seminaristas mulheres do que homens, o que indica que no futuro grande parte dos clérigos da Igreja dinamarquesa será composta por mulheres. Outro exemplo é a Suécia, cuja Igreja Luterana é atualmente liderada por uma arcebispa, Antje Jackelén.

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Nas outras religiões há mulheres na hierarquia?

As três grandes religiões monoteístas (Cristianismo, Islão e Judaísmo) têm perspetivas muito distintas relativamente à existência de mulheres nos cargos de liderança espiritual.

  • Islão

O Islão não possui uma estrutura clerical comparável à das igrejas cristãs, nem há propriamente sacerdotes responsáveis pelas celebrações litúrgicas. O que existe é um conjunto de homens que, por serem reconhecidos sábios no que diz respeito ao Corão, à prática islâmica e à sharia (lei islâmica), recebem títulos religiosos, como os sheiks, os ulemás ou os muftis. É a estes últimos que cabe a produção das fatwas, pronunciamentos legais que servem para resolver um conflito específico relativamente à lei islâmica, e que fazem jurisprudência dentro do Islão.

O mais próximo que encontramos de um sacerdote é o Imã, que é o líder de uma mesquita ou de uma comunidade islâmica em particular. Ora, em teoria não há nenhum impedimento a que um título honorífico seja atribuído a uma mulher, havendo alguns raros exemplos de mulheres que, pelos seus conhecimentos, obtiveram estas designações. Já em relação aos Imãs, os líderes das comunidades, são todos homens. Há, no entanto, discussões entre os teólogos muçulmanos sobre se uma mulher tem ou não capacidades para liderar uma comunidade, ou se poderá, eventualmente, estar à frente de um grupo de oração composto apenas por mulheres. Mas a opinião dominante é a de que apenas os homens podem ser líderes no Islão.

LONDON, ENGLAND - JULY 22: Sheikh Hasina, the Prime Minister of Bangladesh, speaks at the 'Girl Summit 2014' in Walworth Academy on July 22, 2014 in London, England. At the one-day summit the government has announced that parents will face prosecution if they fail to prevent their daughters suffering female genital mutilation (FGM). (Photo by Oli Scarff/Getty Images)

Sheikh Hasina, a primeira-ministra do Bangladesh, é um dos raros exemplos de mulheres que receberam títulos honoríficos no Islão. Ainda assim, não ocupa o lugar de Imã, ou seja, líder de uma comunidade religiosa. (Imagem: Oli Scarff/Getty Images)

  • Judaísmo

No Judaísmo, os líderes das comunidades religiosas são os rabinos. Apesar de a esmagadora maioria dos rabinos serem homens, também há mulheres que receberam a ordenação. Regina Jonas foi a primeira mulher a ser ordenada rabino, em 1935, na Alemanha.

No entanto, o processo foi bastante polémico e a ordenação foi recusada várias vezes pelos rabinos, que consideravam que apenas os homens podiam exercer aquele ministério no Judaísmo. Os principais opositores eram os judeus ortodoxos, que acreditavam que uma mulher não tinha capacidade para liderar uma comunidade judaica. Regina Jonas acabou por morrer no campo de concentração de Auschwitz, em 1944.

Demorou 75 anos até que o país visse a segunda mulher rabina — Alina Treiger, que foi ordenada em 2010. Atualmente, continua a haver substancialmente mais homens do que mulheres a ocupar o cargo de rabino.

OLDENBURG, GERMANY - MARCH 27: Rabbi Alina Treiger speaks at her official confirmation ceremony as community rabbi on March 27, 2011 in Oldenburg, Germany. Treiger is Germany's first female rabbi to be ordained in Germany since World War II. Originally from Ukraine, she completed her rabbinical studies at the Abraham Geiger Kolleg in Potsdam and was ordained in Berlin in 2010. She has since taken up her duties to serve the Jewish communities in Oldenburg and Delmenhorst, which are comprised mostly of Russian-speaking Jews from the former Soviet Union that came to Germany after 1989. (Photo by Sean Gallup/Getty Images)

A rabino Alina Treiger foi ordenada em 2010, na Alemanha. (Imagem: Sean Gallup/Getty Images)

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O Papa Francisco poderá alterar a regra?

Tudo indica que não.

No início deste mês, na viagem de regresso da visita à Suécia, o Papa Francisco foi confrontado com uma pergunta sobre quando haveria mulheres ordenadas na Igreja, e respondeu com uma frase curta:

Sobre a ordenação das mulheres, a última palavra, clara, é a de São João Paulo II, e ela permanece“.

Referia-se à já referida carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de João Paulo II, de 1994. Na viagem à Suécia, Francisco encontrou-se com Antje Jackelén, a líder da Igreja da Suécia, uma das várias da corrente Luterana. Apesar deste encontro com a arcebispa, Francisco foi perentório ao afirmar que não vai ser possível ordenar mulheres. O Papa preferiu sublinhar o papel da mulher na Igreja Católica, argumentando que Maria ocupa um lugar central no Cristianismo, e que a própria Igreja, sendo “a esposa de Cristo”, é feminina.

Quem é mais importante na teologia e mística da Igreja: os apóstolos ou Maria? É mais importante Maria. A Igreja é uma mulher, não é ‘0’ Igreja, é a esposa de Jesus Cristo. É um mistério esponsal e à luz deste mistério compreende-se o porquê destas duas dimensões. Não existe Igreja sem esta dimensão feminina, porque ela mesma é feminina”.

O Papa já se tinha pronunciado antes sobre o tema. Em 2013, numa entrevista ao jornal italiano La Stampa, Francisco disse que “as mulheres na Igreja têm de ser valorizadas, não clericalizadas“. O Papa prefere sublinhar que ser padre, na Igreja Católica, não é um privilégio nem uma posição cimeira, mas, antes, uma posição de serviço, e garante que a própria Igreja não tem a autoridade para ordenar mulheres, pois o sacerdote atua in persona Christi — na pessoa de Cristo –, que apenas escolheu homens para serem sacerdotes.

Apesar de conhecido por romper com a imagem fechada da Igreja Católica — o que leva muitos a considerá-lo um revolucionário –, o Papa Francisco tem preferido manter-se fiel à doutrina católica nos assuntos fraturantes que mais dividem a sociedade civil em matéria de costumes.

Ainda assim, a porta não está completamente fechada. Em agosto, o Papa Francisco instituiu uma comissão oficial no Vaticano para estudar o diaconado das mulheres na história da Igreja. Os ministros da Igreja Católica podem receber a ordenação em três graus — os diáconos, os padres e os bispos. Se esta comissão concluir que poderá haver uma abertura do grau de diácono às mulheres, este pode ser o primeiro passo rumo à ordenação de mulheres.

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As mulheres católicas querem a mudança?

“Sou mulher, católica, e não quero ser ordenada”, responde Isabel Figueiredo, responsável de conteúdos na Rádio Renascença, e presença ativa nas atividades da sua paróquia, Carcavelos. Para Isabel, é importante “não reduzir o papel da mulher na Igreja a esta questão” da ordenação sacerdotal. “Não coloco a questão de se aceder ao sacerdócio no plano da justiça ou da injustiça”, garante.

Isabel sublinha que procura “viver consciente da presença de Jesus Ressuscitado”, um Jesus que é o mesmo “que escolheu 12 homens como Apóstolos e a quem entregou a sua Igreja”. E apoia as palavras de João Paulo II, “que coloca esta questão na perspetiva em que me revejo: ‘a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres'”.

Para mim, mais do que falarmos de proibições é decisivo falarmos do direito que todos temos, sem exceção, à santidade. Este é o valor máximo que a Igreja propõe a todos os batizados, sem diferenciar homens, mulheres ou crianças, novos ou velhos, ricos ou pobres, leigos ou consagrados”, diz Isabel Figueiredo.

“Apesar de todas as fragilidade que a Igreja sempre teve e sempre terá, porque feita de homens e mulheres, acredito profundamente que se mantém viva e incómoda porque fiel à pessoa de Jesus“, sublinha a responsável de conteúdos da Renascença.

Maria João Sande Lemos, cofundadora do braço português do movimento internacional católico Nós Somos Igreja, não podia discordar mais. “É uma questão de direitos humanos. Não há qualquer razão para que uma parcela da humanidade não possa receber o sacramento da ordem”, diz.

Além de ser uma “grande injustiça”, continua Maria João Sande Lemos, “não há qualquer razão” para justificar esta orientação da Igreja Católica a “não ser o costume”. “Mais uma vez a Igreja fica atrás da Sociedade Civil”, argumenta a responsável, lembrando que tempos houve em que as mulheres não podiam votar, estudar, ser médicas ou juízas.

Crítica assumida do conservadorismo da Igreja Católica, Maria João Sande Lemos não esconde o “grande desgosto” que as declarações do Papa Francisco lhe trouxeram. “É inexplicável [o que disse]. A não ser pela grande oposição interna na Igreja Católica“.

Quanto ao principal argumento utilizado pela Igreja Católica — o papel histórico atribuído por Jesus Cristo às mulheres –, Sande Lemos ajuda a recentrar a discussão:

Esse argumento é absolutamente falacioso. Quem apoiou Jesus até ao fim foram as mulheres. Foram elas que foram ao sepulcro e foi a elas que o anjo lhes disse: Vão depressa e digam aos discípulos dele: ‘Ele ressuscitou”. Jesus confiou que eram capazes de exercer essa função com coragem e sem medo”, sublinha.

Maria João Sande Lemos reconhece, no entanto, que a mudança que defende dificilmente chegará a curto prazo. Mas mantém a confiança. “Talvez as minhas bisnetas possam ver a ordenação das mulheres. Mas havemos de lá chegar“.