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Porque é que são precisas duas semanas para a Conferência do Clima?

“Se as conferências tivessem apenas cinco dias fazíamos o mesmo que em 15”, diz ao Observador Pedro Barata, que acompanha estas conferências desde 1999. Já se tornou quase uma espécie de tradição a conferências nunca acabarem no tempo previsto, ou seja, até sexta-feira da segunda semana.

“A Conferência do Clima começa com uma sessão de abertura. Segue-se uma sessão plenária da Conferência das Partes [COP, na sigla em inglês], o órgão máximo do evento, que se decreta aberta e depois abre os órgãos subsidiários”, conta Pedro Barata enquanto explica ao Observador o que se passa nas salas da COP.

Este ano a sessão de abertura contou com a presença de quase 150 chefes de Estado que indicaram quais as expectativas para o acordo em discussão, numa espécie de compromisso público da posição que vão assumir. E foi aí que muitos deles apelaram a um acordo vinculativo e universal.

Este sábado, e cumprindo as datas previstas, o grupo de trabalho ac hoc da Plataforma de Durban para uma Ação Reforçada apresentou a versão preliminar do acordo já  discutida pelos técnicos. Falta saber se os ministros do Ambiente vão conseguir chegar a acordo entre segunda e terça-feira. Isto porque entre quinta e sexta-feira deveria ser feita a tradução do texto nas seis línguas oficiais da Organização das Nações Unidas.

Ora, o mais provável é que a decisão final só venha a ser conhecida na madrugada de sábado e que a assinatura oficial do acordo tenha de ser feita noutro momento, quando houver a dita tradução.

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Como se discutem os temas na COP?

Antes do início desta conferência já era conhecido o texto que serviria de base ao acordo que se espera alcançar em Paris. O texto tem vindo a ser construído desde 2011 num processo chamado Plataforma de Durban para uma Ação Reforçada. Perante o texto apresentado os países podem levantar questões sobre determinados temas. Por cada tema a abordar são nomeadas duas delegações – uma dos países desenvolvidos e outra dos países em desenvolvimento – para reunirem as partes interessadas num grupo de contacto (um prolongamento da reunião formal).

Juntam-se 20 ou 30 partes num “processo cada vez menos democrático e menos transparente”, diz Pedro Barata, que este ano não estará na COP como delegado. Ainda assim, no grupo de contacto volta-se a ouvir as declarações das diferentes partes, numa sala mais pequena, num momento menos formal. Os grupos de contacto podem, normalmente, ser assistidas por observadores e jornalistas, que não podem intervir. As ONG não podem participar nas negociações, mas podem pedir para fazer uma declaração.

Caso o tema seja sensível, o grupo de contacto pode passar a consultas informais, cuja única diferença, diz Pedro Barata, é que passa a ser uma reunião fechada a todos os que não estão a negociar, como observadores e jornalistas. Nestas consultas informais “as partes estão mais à vontade e vai-se mais a fundo para produzir o texto negocial”.

“No momento em que entramos em modo de texto é absolutamente entediante”, diz o agora diretor executivo da Get2C, consultora para políticas de alterações climáticas. Há objeções e novas propostas. “O texto que é proposto inicialmente duplica ou triplica de tamanho e depois tem de se eliminar tudo o que está a mais.” Mas se houver consenso o texto passa das consultas informais para o grupo de contacto e daí, se não houver objeções, para a COP onde é apresentado em plenário a todas as partes. Se não houver consenso no grupo de contacto, serão os ministros do Ambiente a decidir.

O plenário final com todas as partes é o local do sucesso onde se firmam as decisões, mas por vezes o texto chega aqui sem estar finalizado. “A lógica às vezes é essa mesmo, adiar a decisão o máximo possível a ver quem cede.” Em Bali (2007) foram os Estados Unidos. Pedro Barata conta que a delegação ligou para a Casa Branca a dizer: “Estamos a ser crucificados aqui. Temos de aceder a este texto.” Nesse dia, havia o risco de ser o fim deste tipo de conferências. Até o secretário-geral das Nações Unidas chorou.

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Qual o papel do coordenador da reunião?

“O objetivo dos grupos de contacto é chegar a consenso sobre um texto”, diz Pedro Barata. E a missão do coordenador do grupo é conseguir que isso aconteça. “É um
moderador, um instigador e tem de ser um bocado criativo.”

“O pior que pode acontecer é ter um chair [coordenador do grupo] que não percebe do tema ou que é um bocado temeroso das partes.” Mas ter medo de quê? “Medo de fazer borrada, medo de sermos insultados, medo de que as pessoas digam que não prestamos e termos de ser substituídos.” E se houver medo isso nota-se na fraca ambição do texto.

Pedro Barata conta como teve de se manter firme quando uma delegação tentou reabrir um tema ao fim de mais de 30 horas de negociação. Chamou-os à parte e perguntou-lhes se eles achavam mesmo que alguém do Governo, que estavam na capital do país de origem, ia mesmo querer discutir aquele parágrafo num domingo à tarde. E fez um ultimato: “Se querem assim, fecho o assunto e digo à presidência da COP que não chegámos a nenhuma decisão, que não houve consenso.” A delegação recuou e o texto foi fechado com sucesso.

Num grupo de contacto ou numa consulta informal, quando não há consenso, o coordenador do grupo pode optar por ter reuniões bilaterais com as partes que estão a colocar objecções para tentar chegar a um acordo. A ideia é encontrar uma espécie de meio-termo que satisfaça a todos.

Se mesmo assim não chegarem a consenso, se não eliminarem os “parêntesis” com as opções que estão em dúvida, o texto segue para plenário com essa informação e a decisão passa para os ministros do Ambiente. “Mas não há ministro nenhum que consiga entender a parte técnica. A negociação política é muito mais ao nível de qual é o equilíbrio geral das posições”, afirma Pedro Barata. “Nenhum político pode achar que vai chegar a 100% das exigências. Existem limites máximos e zonas de conforto. Só vão além da zona de conforto numa área se tiverem ganho noutro campo qualquer.”

Para saber o que está em discussão veja “Explicador da cimeira. Será que é desta que salvamos o planeta?

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Qual o perfil de um negociador?

O negociador tem de conhecer bem os temas que está a discutir, a nível técnico, mas também tem de ter uma boa capacidade de negociação política. Para Pedro Barata, enquanto antigo negociador da delegação portuguesa, o mais importante é ter competências diplomáticas e de negociação, mas claro que saber de energias renováveis e do clima também ajuda.

O objetivo de um grupo de contacto é chegar a um consenso, mas por vezes um negociador está mandatado exatamente para fazer o contrário. Às vezes há vantagens em não chegar a consenso nenhum e adiar aquela decisão, diz Pedro Barata.

Depois há o outro lado, o lado das emoções, do amor à causa e das relações pessoais. “Há uma grande diferença entre os negociadores da Europa ocidental, que têm um grande amor à causa, e os negociadores e diplomatas de carreira”, diz Pedro Barata, que deixa bem claro que pertence ao primeiro grupo.

Mas para o negociador, “muito disto passa pelas relações pessoais”. “Considero que era um bom negociador e tenho provas dadas, mas não era por ser particularmente inteligente ou tecnicamente competente, era mais uma questão de empatia.”

E sim, um negociador também se emociona e também chora. Especialmente se, depois de tantas horas gastas em negociações intensas, chegar um ministro ou chefe de Estado que desmancha o trabalho feito e toma uma opção pior.

Conheça alguns conceitos que mesmo um leigo das negociações do clima deve saber: “Abc das alterações climáticas… e prepare-se para ouvir falar disto duas semanas

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Como é o dia-a-dia nas reuniões na conferência?

Oficialmente as reuniões dos negociadores decorrem das 10 às 13 horas e depois das 15 às 18 horas. Mas isto é só oficialmente, como conta Pedro Barata. Na realidade, as reuniões podem começar por volta das 7 horas da manhã e prolongarem-se até à meia-noite ou pela noite dentro.

Antes das reuniões oficiais, os delegados portugueses fazem uma reunião da delegação e depois uma reunião com os restantes membros da União Europeia, também representada nesta conferência. E as duas horas de almoço pouco têm a ver com o horário de refeição, são sim o momento ideal para reuniões bilaterais.

Pedro Barata, habituado a passar o aniversário numa sala de reuniões na Conferência do Clima, conta como foi surpreendido com um bolo de aniversário – na verdade, um queque de chocolate com uma vela em cima – às duas da manhã de um dia intenso de negociações em que nem sequer tinha tido tempo para comer.

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Quem participa nas COP?

Uma reunião como esta pode contar com cerca de 45 mil participantes ou mais. Além das delegações nacionais, de número variável, estão presentes representantes de organizações não-governamentais (ONG), de empresas, de municípios e jornalistas. Nesta estarão representadas 196 partes: 195 países e a União Europeia.

Mas destes participantes apenas uma pequena parte está envolvida nas negociações. Talvez uns mil a mil e quinhentos, refere Pedro Barata. Mesmo dentro das delegações nacionais, pouco são os delegados que participam realmente nas negociações. “Mesmo quando Portugal teve uma delegação muito grande, durante a presidência [na COP] de Bali, com 20 e tal pessoas, apenas 10 ou 15 eram técnicos que estavam mesmo a negociar o texto”, diz Pedro Barata.

Ainda assim, os negociadores só conseguem saber muito sobre o tema (ou temas) que estão a tratar. “Para estar na negociação, tinha de ter um conhecimento muito grande dos textos relacionados com os meus temas. Aí tinha um conhecimento total.” Já em relação às outras áreas, Pedro Barata admite que sabia o que estavam a tratar, mas não conhecia os pormenores. “Um perito de uma área está longe de saber os pormenores de outra área.”

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Como são constituídas as delegações?

Todas as delegações têm um ponto focal, uma pessoa ou uma agência em cada país que está mandatada para escolher quem faz parte da delegação nacional. Mas os delegados não têm de ser pessoas do país, explica Pedro Barata. “Há países, como a Bolívia, que têm um conjunto de delegados oficiais que não são bolivianos, são europeus”, normalmente ligados às ONG e, em geral, habituados a estas negociações.

Em Portugal, e até Quioto (1997), os delegados eram funcionários públicos, refere o antigo negociador. “O tema das alterações climáticas era tratado pelo Instituto de Meteorologia [agora Instituto Português do Mar e da Atmosfera], mas quando se aproximou a presidência portuguesa [da COP], do ano 2000, o tema começou a agigantar-se e a [então] vice-presidente percebeu que dentro dos quadros do Estado não tinha flexibilidade para constituir uma equipa negocial própria.”

Foi nessa altura que Pedro Barata e outras pessoas ligadas às universidades ou às ONG foram convidadas a integrar a delegação portuguesa e a fazer parte das
negociações. A condição era que, mesmo que pertencessem às ONG – como Pedro Barata que pertencia à Quercus -, não podiam contar o que se passava nas salas de negociação.

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As negociações são para todos?

“Isto não é uma democracia”, afirma Pedro Barata. “Formalmente todas as nações são iguais, todas têm o mesmo direito de voto e o mesmo direito de participação.” Mas na prática, a maior parte das delegações é demasiado pequena para conseguir estar em todas as negociações.

A União Europeia, a Alemanha, o Reino Unido e a China, têm provavelmente as maiores delegações, afirmou o diretor executivo da Get2C. “E os Estados Unidos também, quando se empenham.” A União Europeia, além dos seus delegados, ainda conta com o apoio dos delegados dos Estados-membros que podem estar presentes em determinadas reuniões mandatados para assumirem a posição da UE. Mas para ter um ou dois delegados a cobrir 90% dos temas “têm de levar um exército”.

Pedro Barata conta como em Bali, em 2007, durante a presidência portuguesa do evento, tinha sete ou oito temas de agenda com uma reunião de hora e meia por dia para cada um deles. Naturalmente, alguns dos itens de agenda tinham reuniões sobrepostas. Era impossível estar em todo o lado.

“Quando dou formação a delegados que representam delegações muito pequenas, digo-lhes para escolherem apenas um tema, porque o resto vão captar nas reuniões de grupo.” Outros optam por fazer rondas por várias salas, mas muitas vezes acabam por não perceber o que se está a passar.

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O que correu mal em Copenhaga 2009?

“Copenhaga foi a pior conferência alguma vez organizada dentro das alterações climáticas”, diz, sem hesitar, Pedro Barata. Falhou tudo, desde a logística à diplomacia, e o resultado do acordo foi desastroso.

A logística. O centro de congressos Bella Center, em Copenhaga, “tinha capacidade para 15 mil pessoas, mas tinham lá 45 mil”. Por causa disso, houve delegados a ficar retidos na rua, com 10 ou 15 graus negativos, durante oito horas só para conseguirem o cartão de acesso ao recinto, conta.

A diplomacia. Neste campo as falhas foram quase incontáveis, como conta o antigo negociador. E dá o exemplo de quando ele próprio ficou retido no exterior do recinto. Havia uma manifestação na proximidade e a polícia dinamarquesa não deixava ninguém aceder ao recinto, nem os delegados e negociadores, nem tão pouco uma ministra do Ambiente italiana e respetiva comitiva. Foi tratada como se tratasse de uma manifestante radical, afirma.

Mas os exemplos não se ficam por aqui. A presidência da COP mudou da ministra do Ambiente para o primeiro-ministro dinamarquês e ninguém o avisou que a delegação africana se queria encontrar com a presidência. O resultado foi que o primeiro-ministro, num erro diplomático grave, não recebeu a delegação e esta “fez greve à negociação”.

“Tudo o que era processo negocial, regras, protocolos, estavam a ser desrespeitados”, diz Pedro Barata. E para terminar ainda pior “o plenário de Copenhaga foi um desastre como poucas vezes se viu a nível internacional”. O primeiro-ministro dinamarquês era o protagonista errado, diz o antigo negociador. Na lógica dele a União Europeia chegava a acordo com os Estados Unidos e depois com a China. Os restantes países limitavam-se a aceder.

Como não houve consenso a tempo do plenário, Barack Obama e outros chefes de Estado tomaram para si a responsabilidade de fazerem um novo texto. E não correu bem. Entre aqueles que estavam a negociar, que não se sabe bem quem eram, estava o negociador da Arábia Saudita que conseguiu incluir uma parte que sempre lhe tinha sido negada por todos os negociadores ao longo dos anos – uma compensação para os países exportadores de petróleo por danos económicos (resultantes da quebra das vendas com a diminuição do consumo de combustíveis fósseis).

Enquanto via o desenrolar do plenário nos corredores, numa televisão de circuito fechado, Pedro Barata perguntou a um diplomata de carreira: “Está muito mau?”. “Nunca esteve tão mal”, respondeu-lhe o diplomata desolado.