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Porquê este impasse? Porque é que ainda não há um vencedor?

Ainda não está definido quem será o próximo Presidente dos EUA, se Donald Trump consegue a reeleição ou se Joe Biden toma o seu lugar na Casa Branca. Ainda não foi contada uma percentagem de votos suficiente em vários estados decisivos para que se consiga apurar qual dos dois candidatos chega primeiro ao número mágico dos 270 votos para vencer o colégio eleitoral.

Isto é o que se sabe nos estados decisivos ao início desta manhã em Lisboa:

No Arizona, 84% dos votos estão contabilizados. Joe Biden vai na frente com 50,7% dos boletins, mas Donald Trump está a aproximar-se e tem 47,9% dos votos. Uma nova contagem no estado de Maricopa (onde fica Phoenix) mostrou que Trump está a recuperar algum terreno em relação a Biden.

Joe Biden confiante: “Vamos ganhar esta eleição com uma maioria clara”

Na Georgia, 95% dos votos já foram registados. Donald Trump está à frente com 49,7% dos votos, mas Joe Biden está logo atrás com apenas menos 0,6 pontos percentuais.

No Nevada, 86% dos votos foram contados até agora. Joe Biden segue em vantagem com 49,3% dos votos, mas Donald Trump surge logo a seguir com 48,7% dos votos.

Na Carolina do Norte, 95% dos votos estão contados. Donald Trump está na liderança com 50,1% dos votos e Joe Biden regista 48,6% dos votos.

Na Pensilvânia, 89% dos votos foram contabilizados até agora. Donald Trump prossegue em vantagem com 50,7% dos votos, Joe Biden tem 48,1% dos votos.

Contas feitas, na contagem da CNN Joe Biden garantiu já 253 votos no colégio eleitoral, contra os 213 de Trump.

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O Supremo Tribunal pode interromper a contagem? Como assim?

Donald Trump indicou que a sua campanha iria recorrer ao Supremo Tribunal para que se interrompesse a contagem e para garantir que “eles não encontram uns boletins de voto às 4 da manhã e os acrescentam à lista”. Mas há algum fundamento ou precedente para que a contagem dos votos não seja concluída?

Sem qualquer relato que aponte no sentido de fraude, que se conheça, o The New York Times escreve que não há qualquer base legal para levar um ou mais estados a parar de contar os votos que foram preenchidos corretamente e entregues a tempo. Um dos maiores riscos a que se proclame um vencedor em breve é que a campanha de Trump questione formalmente a legalidade do resultado por causa dos votos por correio (que atingiram números recorde devido à pandemia de coronavírus) – além do risco que existe sempre de que sejam pedidas recontagens quando a votação é muito aproximada, em estados decisivos.

Recorde-se que o Supremo Tribunal da Pensilvânia indicou que os votos por correio são válidos se chegarem até às 17h do dia 6 de novembro, ou seja, três dias depois do dia das eleições. Isto desde que não haja qualquer prova de que os votos foram enviados após a eleição.

Os republicanos, cientes de que mais eleitores democratas tendem a votar por correio, questionaram esta e outras decisões (como a possibilidade de os organizadores do voto na Pensilvânia poderem contactar os eleitores que vissem os seus boletins rejeitados devido a algum erro no preenchimento, dando-lhes oportunidade de votar novamente). Trump chegou a dizer que estas eram decisões que poderiam “induzir violência nas ruas”.

A campanha de Donald Trump confirmou em comunicado de imprensa, ao final desta quarta-feira, que apresentou um processo para travar a contagem de votos na Georgia. “Um observador republicano testemunhou 53 votos por correio atrasados adicionados ilegalmente a um monte de votos por correio que tinham chegado a tempo no condado de Chatham”, acusou Justin Clark, um dos gestores de campanha de Trump.

“O presidente Trump e o Partido Republicano da Georgia entraram com uma ação que exige que todos os condados da Georgia separem todas as cédulas que chegam depois de todas as cédulas legalmente lançadas para garantir uma eleição livre e justa, na qual apenas votos válidos e legais contam”, prossegue o comunicado.

Recorde-se que a campanha de Trump também apresentou um processo na Pensilvânia para reclamar da decisão judicial para contar uma série de votos postais que tinham chegado depois do período limite ao destino por causa de problemas na distribuição do correio.

Além disso, o presidente dos Estados Unidos pediu uma recontagem dos votos em Wisconsin (entretanto atribuída nas projeções da AP a Joe Biden); e exigiu que a contagem dos votos também fosse interrompida no Michigan, alegando que tinham sido eliminados votos de modo ilegal.

Mas se as equipas jurídicas de Trump avançarem, de alguma forma, a campanha de Biden diz que está pronta para rebater os argumentos “ultrajantes” que o republicano enunciou na conferência de imprensa. A campanha do democrata já procura aliás fundos para ter o apoio legal necessário.

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Como é que cada estado geriu os (imensos) votos por correio?

Este atraso no apuramento de um vencedor é tudo menos surpreendente, sobretudo desde que se percebeu que mais de 100 milhões de norte-americanos tinham votado antecipadamente (a maior parte por correio). A regra geral é que os votos que são contados em primeiro lugar são os do voto presencial no dia da eleição, depois os votos antecipados em urna e só depois são contabilizados os votos por correio.

Já se sabia que apenas nove estados antecipavam ter pelo menos 98% dos votos contados até à hora de almoço (nos EUA) desta quarta-feira. Além disso, 21 estados e o District of Columbia (onde fica a capital) indicaram que vão aceitar boletins de voto que cheguem depois do dia da eleição, isto é, que cheguem esta quarta-feira ou nos próximos dias.

Os estados de Nova Iorque e Alaska já tinham dito que não iriam dar informações sobre a contagem dos votos por correio na noite das eleições. E outro exemplo: em Rhode Island, só perto da hora de almoço desta quarta-feira deverá começar a divulgar-se essa contagem.

Estados como o Michigan e a Pensilvânia já tinham avisado que a avalanche de votos por correio faria com que apenas houvesse resultados finais até três dias depois, ou seja, até sexta-feira. E junta-se outro problema que, sobretudo nesta eleição, pode atrasar o processo: o número de votos provisionais, ou seja, o voto de pessoas que pediram um boletim de voto antecipado mas que, depois, acabaram por aparecer na urna, presencialmente, na ‘super’ terça-feira.

Em alguns casos, os estados têm uma política de colocar esse voto de lado até que se confirme que aquela pessoa não votou, também, através do boletim de voto que lhe foi enviado por correio (ou seja, que não votou duas vezes). Por isso, a Pensilvânia interrompeu a divulgação de resultados em tempo real e só comunicará uma contagem definitiva no fim da semana.

Já esta quarta-feira, um estado que pode ser importante para o resultado final, o Nevada, chegou às 3h00 da madrugada e suspendeu a contagem, indicando que só iria divulgar os votos que faltavam dali a 30 horas, ou seja, a partir das 9 da manhã de quinta-feira (hora americana). Foram contados todos os votos presenciais (antecipados ou não) e os boletins que chegaram por correio até 2 de novembro, mas ainda faltam 14% dos votos por contar (para já, Biden segue com margem escassa de seis décimas de ponto percentual).

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Mas a Pensilvânia é assim tão decisiva? Biden pode ganhar sem ela?

A importância da Pensilvânia comprova-se pelo tempo que tanto Trump como Biden dedicaram àquele estado nos últimos dias da campanha, em busca dos 20 votos que vale o estado onde ficam as cidades de Filadélfia e Pittsburgh. Este é um estado que votou sempre pelo Partido Democrata nas seis eleições anteriores àquela que votou em Trump, em 2016.

Desta feita, pela forma como se repartiram os estados já declarados (incluindo com algumas surpresas), a Pensilvânia é um estado importante mas não totalmente decisivo. Tanto Trump como Biden podem vencer a corrida mesmo que não ganhem no chamado “Keystone State”.

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Do ponto de vista de Trump, se, à Pensilvânia, juntar a Geórgia e mais um estado (Michigan, Nevada, Carolina do Norte ou Wisconsin), Biden tem obrigatoriamente de ganhar em pelo menos dois dos restantes para não atirar a toalha ao chão. Se, na combinação, estivermos a somar os votos do Michigan ou da Carolina do Sul, nesse caso, Biden não pode perder em nenhum dos restantes.

Por outro lado, se, à Pensilvânia, Trump juntar a Geórgia, o Michigan e mais um estado (Nevada, Carolina do Norte ou Wisconsin), vence as eleições. A tarefa será mais fácil na Carolina do Norte do que nos demais estados, onde é favorito.

Já para Biden, se este conseguir os 20 votos da Pensilvânia, Trump fica obrigado a conseguir ganhar na Geórgia, no Michigan e na Carolina do Norte — votações que conseguiu em 2016 — para se manter na corrida. Para ganhar teria de conseguir também o Wisconsin e o Maine que dão vantagem ao democrata nestas eleições (e neste caso, o Wisconsin já parece ser uma miragem, mesmo com uma recontagem). Por outro lado, se, à Pensilvânia Biden juntar a Carolina do Sul, vence as eleições.

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Déjà vu da Flórida? Bush contra Gore pode ser um precedente?

O resultado da votação na Pensilvânia, que poderá ser decisivo para o resultado final, está a trazer reminiscências do que aconteceu na Florida em 2000, quando George W. Bush acabou por vencer o democrata Al Gore. Bush começou na dianteira, mas depois da recontagem dos votos num condado, essa margem reduziu-se, o que levou Al Gore a pedir aos tribunais que fossem feitas recontagens em outros locais.

Depois de um processo que se arrastou ao longo de cinco semanas, o Supremo Tribunal decidiu – com uma margem 5 contra 4 – que uma recontagem dentro do prazo legal de 12 dezembro não podia ser garantida, pelo que foram interrompidas as recontagens. Bush acabaria por ganhar por 537 votos e tornar-se Presidente dos EUA.

Desta feita, o provável ponto de discórdia estará nos votos por correio. Na Pensilvânia, por exemplo, mais de dois milhões entre os cerca de nove milhões de eleitores registados pediram para votar por correio, o que mostra claramente a importância desta questão.

Se os eventuais problemas que surgirem não forem resolvidos pelos tribunais estaduais e chegarem ao Supremo Tribunal dos EUA, percebe-se a importância de Donald Trump ter conseguido nomear a conservadora Amy Coney Barrett para eventualmente “desempatar” os 4-4 que ficaram depois da morte de Ruth Bader Ginsburg (que tinha sido nomeada por Bill Clinton).

Embora a decisão de 2000 seja vista como um acontecimento específico, “uma aberração” legal, como lhe chama a ONG ProPublica, a realidade é que o caso tem sido referido em vários processos em tribunal nos últimos 20 anos, incluindo uma vez num processo do próprio Supremo Tribunal.

“A visão prevalecente é que Bush vs Gore não é um precedente aplicável aqui”, porque a decisão do Supremo Tribunal na altura disse que aquela era uma interpretação daquelas circunstâncias específicas. Mas há quem discorde dessa interpretação sustentando que o que o tribunal fez foi apenas indicar que os juízes, devem, como regra, atentar às “complexidades” de cada processo eleitoral.

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Quais são as próximas datas a reter? E o que acontece se correr mal

A lei prevê que, a 8 de dezembro, os estados têm de confirmar quem é o candidato/partido que vai receber os seus votos. Se a disputa jurídica entre as duas campanhas se alongar, esta é a primeira data que se reveste de grande importância – que o diga Al Gore, que em 2020, perante a aproximação da data equivalente a esta, viu o Supremo Tribunal dizer que já não havia tempo para mais recontagens.

O dia da primeira reunião do colégio eleitoral é cerca de uma semana depois, a 14 de dezembro (a lei diz que tem de ser a primeira segunda-feira depois da segunda quarta-feira em dezembro). Terá de ser nessa reunião que os 538 delegados, repartidos conforme o resultado oficializado na data anterior (8 de dezembro), irão enviar para o Congresso dos EUA os seus votos, com vista a determinar quem será o próximo Presidente.

O novo Congresso, que deverá manter maioria democrata, reúne-se pela primeira vez a 3 de janeiro e três dias depois, a 6 de janeiro, tem na ordem de trabalhos contar os votos que foram enviados pelo colégio eleitoral. Normalmente, este processo é uma formalidade, porque o presidente-eleito já está mais do que identificado. Mas caso o processo se arraste, e se nenhum dos candidatos tiver votos suficientes para chegar aos 270, será o Congresso – composto pela Câmara dos Representantes e pelo Senado – a escolher um Presidente e um Vice-Presidente.

Escolher o Vice-Presidente caberia ao Senado, que teria de conseguir uma maioria (de 51) entre os 100 membros. Já a escolha do Presidente caberia à Câmara dos Representantes, que iria escolher um entre os três candidatos mais votados. Mas essa não seria uma eleição simples entre os 435 membros – é (claro) mais complexo do que isso. Para cada um dos 50 estados, apenas os delegados de cada estado votariam no candidato que o seu estado apoia. E, aí, se um candidato receber pelo menos 26 dos 50 votos, considera-se que há uma maioria e o Presidente é determinado.

Especialistas dizem que, se chegar a isso, os republicanos poderiam ter vantagem. Porque apesar de a Câmara de Representantes ter revalidado a maioria democrata, os republicanos tendem a ter melhores resultados nos muitos (embora pouco populosos) estados do sudeste norte-americano, pelo que seria mais fácil chegarem à maioria por essa via.

A 20 de janeiro, porém, tem de haver um nome para tomar posse. A Constituição norte-americana não prevê a possibilidade de haver novas eleições.

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Pode haver um empate? E depois, o que acontece?

Com tanta importância dada ao número de votos do colégio eleitoral, uma das peculiaridades do sistema eleitoral dos EUA é que o número total de delegados não é um número ímpar, é um número par (538). O que indica que, em teoria, pode haver um empate na atribuição de 269 votos colegiais para cada candidato. O que acontece aí?

Como se explicou na questão anterior, em teoria é possível que a decisão sobre o próximo Presidente fique nas mãos da Câmara de Representantes. Mas, como já vimos, os votos são por “unidade” ou “divisão”, ou seja, formam-se grupos entre os vários representantes de cada estado e cada uma dessas “delegações”, no final, só tem um voto.

Aí, a votação poderia ser favorável a Trump porque embora exista (e tenha sido revalidada) uma maioria democrata na Câmara dos Representantes, quando se divide esse órgão de soberania em estados os republicanos têm tido mais delegações, não sendo totalmente claro se essa situação se irá manter após estas eleições.

Esta situação mais complexa, em que nenhum candidato consegue uma maioria de 270 votos no colégio eleitoral aconteceu três vezes na História dos EUA: em 1800, em 1824 e 1836. Ou seja, há quase dois séculos que nunca foi necessário chegar a este ponto. Mas, nesta luta renhida, em que até podem vir a ser importantes os delegados de estados mais pequenos e habitualmente irrelevantes, não é impossível que volte a acontecer. Afinal de contas, estamos no conturbado ano de 2020.