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MERS e MERS-CoV, o que são?

A Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS) é uma doença respiratória causada por um coronavírus, o MERS-CoV. Foi identificada pela primeira vez em 2012 – em abril na Jordânia e em setembro na Arábia Saudita -, segundo os Centros de Controlo e Prevenção da Doença (CDC). Desde então já foram infetadas mais de 1.200 pessoas em todo o mundo, das quais pelo menos 450 morreram, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os coronavírus fazem parte de uma vasta família de vírus que podem provocar doenças respiratórias e gastroenterites com vários níveis de gravidade, desde uma constipação comum à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), causada pelo coronavírus SARS-CoV. O nome coronavírus deve-se ao aspeto que apresentam ao microscópio, como se tivessem uma coroa a adornar o exterior do vírus.

ATLANTA, GA - UNDATED:  This undated handout photo from the Centers for Disease Control and Prevention (CDC) shows a microscopic view of the Coronavirus at the CDC in Atlanta, Georgia. According to the CDC the virus that causes Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) might be a "previously unrecognized virus from the Coronavirus family."  (Photo by CDC/Getty Images)

Um coronavírus identificado pelos Centros de Controlo e Prevenção da Doença (CDC), nos Estados Unidos – CDC/Getty Images

Tanto o MERS-CoV como o SARS-CoV são vírus que podem passar de animais para humanos. No caso do MERS-CoV, a origem parece estar nos morcegos, mas o contágio dos humanos pode estar relacionado com os dromedários (uma espécie de camelo com uma única bossa), visto que, segundo a OMS, o vírus não foi encontrado noutros animais domésticos, como cabras, vacas, búfalos ou suínos, nem tão pouco nas aves selvagens.

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Onde é mais provável contrair a doença MERS?

O reservatório do coronavírus MERS-CoV parece estar nos morcegos, mas a fonte mais provável de contágio dos humanos serão os dromedários. A Península Arábica tem o maior número de casos de MERS e os casos de contaminação fora desta região têm muito provavelmente origem no local. O recente surto na Coreia do Sul começou com um indivíduo que tinha estado no Médio Oriente e o homem que morreu recentemente na Alemanha também tinha contraído a doença depois de ter estado na Península Arábica.

A Península Arábica inclui o Bahrain, Iraque, Israel, Cisjordânia, Gaza, Jordânia, Kuwait, Líbano, Oman, Qatar, Arábia Saudita, Síria, Emirados Árabes Unidos e Iémen. Mas permanece um mistério para os investigadores, segundo a Nature, por que é que não aparecem casos de MERS em países com grandes populações de camelos, como a Somália (sete milhões) ou o Quénia (três milhões).

Casos de MERS confirmados a 18 de junho de 2015 - Organização Mundial de Saúde

Casos de MERS confirmados a 18 de junho de 2015 – Organização Mundial de Saúde

As autoridades especulam que ou os casos têm passado despercebidos devido à fraca vigilância médica ou de facto existem menos casos e são menos graves. Aparentemente a doença aparece associada a outras doenças resultantes do estilo de vida moderno como a diabetes, refere a Nature.

Na Europa já se registaram casos na Alemanha, Áustria, França, Grécia, Holanda, Itália e Reino Unido, referem os Centros de Controlo e Prevenção da Doença norte-americanos (CDC).

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Quais os sintomas da Síndrome Respiratória do Médio Oriente?

O vírus MERS-CoV tem um período máximo de incubação de 14 dias, o que quer dizer que durante esse período a doença pode não se manifestar. Os primeiros sintomas poderão ser febre, tosse e falta de ar, o que facilmente se pode confundir com outras doenças. Além disso, existem doentes onde a doença mal se manifesta, refere o Centro de Prevenção e Controlo de Doença Europeu (ECDC).

Outros doentes podem apresentar complicações gastrointestinais, como diarreia, náuseas e vómitos. Numa fase mais avançada da doença, pode desenvolver-se pneumonia, infeção generalizada ou falência dos rins e de outros órgãos, levando à morte.

A masked man looks at a model of the coronavirus of SARS at city hall in Taipei, 17 May 2003.  Taiwan replaced its health minister Twu Shiing-jer on May16 as anger mounted over the government's handling of the SARS crisis, while hopes grew that Singapore would become the third country to declare victory over the disease.   AFP PHOTO/Sam YEH  (Photo credit should read SAM YEH/AFP/Getty Images)

Um modelo de um coronavírus, com a “coroa” (verde) no exterior – SAM YEH/AFP/Getty Images

Os doentes que já têm o sistema imunitário fragilizado (imunodeprimidos), que têm outros problemas respiratórios ou que sofrem de outras doenças, como diabetes ou cancro, estão mais suscetíveis à doença.

A maior parte dos casos foram identificados em adultos com mais de 40 anos, refere o Centro de Prevenção e Controlo de Doença Europeu (ECDC). Foram identificadas algumas crianças com o vírus – muitas delas sem desenvolverem sintomas -, que estiveram em contacto com adultos infetados.

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Como se transmite o vírus MERS-CoV?

O coronavírus MERS-CoV parece ser transmitido dos dromedários para os humanos, tanto no contacto com os animais, como na ingestão de carne mal cozinhada ou leite não pasteurizado (não esterilizado). Em leite não pasteurizado o vírus pode manter-se viável durante 72 horas, mas depois de pasteurizado (fervido a menos de 100º C e arrefecido de seguida) não foi possível encontrar o vírus, refere o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças Europeu (ECDC).

O vírus também se consegue manter fora do organismo e sem contacto com um suporte biológico (como o leite, a carne ou até o sangue). Num ambiente equivalente a uma superfície de plástico ou de metal, o vírus pode manter-se viável durante 48 horas, desde que a temperatura ronde os 20º C e a humidade do ar os 40%, segundo os dados do CDC. O aumento da temperatura ou da humidade reduz a viabilidade do vírus, ou seja, a capacidade para se manter ativo e causar a doença.

A transmissão entre humanos pode acontecer, mas é mais rara. Acontece sobretudo em contexto hospitalar ou entre pessoas que mantém um contacto muito próximo. O vírus aloja-se no trato respiratório inferior e não é tossido para o exterior. Por isso os especialistas consideram que não há razão para alarme.

An Indian worker wears a mouth and nose mask as he touches a camel at his Saudi employer's farm on May 12, 2014 outside Riyadh. Saudi Arabia has urged its citizens and foreign workers to wear masks and gloves when dealing with camels to avoid spreading the Middle East Respiratory Syndrome (MERS) coronavirus as health experts said the animal was the likely source of the disease.  AFP PHOTO/FAYEZ NURELDINE        (Photo credit should read FAYEZ NURELDINE/AFP/Getty Images)

As pessoas que lidam diretamente com os dormedários devem tomar medidas de prevenção, nomeadamente o uso de máscaras – FAYEZ NURELDINE/AFP/Getty Imagens

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Quais as medidas de prevenção?

As medidas de prevenção e higiene parecem ser suficientes para conter a transmissão do vírus.

Nas quintas, mercados ou noutros locais onde circulam os animais, as pessoas devem lavar as mãos antes e depois de tocar nos animais e evitar o contacto com animais doentes. Os profissionais dos matadouros devem manter as mesmas regras de higiene, usar máscaras faciais e roupas de proteção que sejam lavadas diariamente. Os animais doentes não devem ir para os matadouros nem ser consumidos.

A carne deve ser cozinhada e o leite pasteurizado antes de ser consumido porque o aumento da temperatura inativa o vírus. Devem manter-se cuidados de higiene durante a preparação das refeições para que a comida crua não contamine a que já foi cozinhada.

O contacto com secreções nasais, a saliva ou as excreções, como fezes e urina, dos dromedários também pode constituir uma forma de contágio e deve ser evitado. A urina de dromedário é utilizada localmente como remédio caseiro e pode justificar alguns casos de contaminação, visto que a transmissão direta no maneio dos dromedários é rara, segundo a revisão publicada na The Lancet.

Como os aerossóis (partículas em suspensão no ar) podem transportar o vírus, os profissionais de saúde devem usar óculos de proteção e máscaras faciais, assim como lavar as mãos com frequência. A preparação destes profissionais para lidarem com esta doença é fundamental.

SEOUL, SOUTH KOREA - JUNE 10: Medical staffs check the temperature of a visitor at Seoul Medical Center where eight MERS patients are hospitalized on June 10, 2015 in Seoul, South Korea. South Korea has reported 9 deaths, over 2400 schools closed, and over 2800 people quarantined as of June 10, 2015. (Photo by Chung Sung-Jun/Getty Images)

Os profissionais de saúde devem tomar medidas de precaução e higiene para evitar o contágio – Chung Sung-Jun/Getty Images

Os investigadores ainda não conseguiram determinar se existem outros fatores que possam influenciar a disseminação do vírus, como a contaminação ambiental ou a ventilação desadequada.

Os grupos de risco devem ter cuidado redobrado na ingestão de produtos com origem em dromedários, no contacto com os animais ou mesmo nas viagens para os países onde a doença é mais frequente.

Todas as pessoas que apresentem sintomas ou cujo teste tenha dado positivo para o vírus devem ser mantidas em isolamento e as medidas de prevenção no contacto com estas pessoas ainda maior. Todas as pessoas que tenham estado em contacto com o doente também devem ser monitorizadas.

Não existem vacinas nem tratamentos específicos para a MERS. O doente é tratado para os sintomas que apresenta e a sobrevivência depende sobretudo da condição geral de saúde.

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Que cuidados deve ter se for viajar para a Península Arábica?

Sempre que desejar viajar para fora da Europa (ou da região onde normalmente vive) deve fazer uma Consulta do Viajante, que tem em consideração o seu estado geral de saúde e as doenças mais frequentes no local de destino da sua viagem.

Apesar do surto de MERS na Coreia do Sul ser o maior surto fora da Península Arábica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não viu necessidade de restringir o acesso a esta região, nem tão pouco ao Médio Oriente. A transmissão entre humanos é pouco frequente e as medidas de prevenção são eficazes na contenção do contágio.

Pessoas imunodeprimidas ou com doenças crónicas, como diabetes, que pretendam viajar para o Médio Oriente, devem ter em consideração que poderão ter manifestações mais graves da doença em caso de infeção com MERS-CoV.

A South Korean school worker sprays sanitizer on hands of students to protect against possible MERS virus at an elementary school in Seoul on June 3, 2015. South Korea on June 2 reported its first deaths from an outbreak of the MERS virus that has infected 25 people, caused widespread alarm and triggered a closer watch by Asian neighbours on Korean arrivals.  AFP PHOTO / JUNG YEON-JE        (Photo credit should read JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images)

A desinfeção das mãos é uma das formas de prevenção – JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images

Em qualquer condição os viajantes devem evitar consumir alimentos crus ou mal cozinhados, devem beber água engarrafada, lavar bem as frutas e legumes, devem lavar bem as mãos e manter cuidados de higiene. Desta forma evitam doenças como diarreias e gripes que os podem tornar mais frágeis em caso de infeção com MERS-CoV.

Se tiver febre ou tosse, deve evitar o contacto com outras pessoas, tossir sempre para um lenço ou a parte superior da manga da camisa, lavar as mãos, usar máscara facial e procurar um médico. Caso só desenvolva sintomas depois de ter abandonado o local onde realizou a viagem, não se esqueça de avisar o médico em que região esteve.

Caso desenvolva MERS, deve aconselhar todas as pessoas que tiveram contacto consigo antes de adoecer a consultarem um médico.

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Quais as recomendações da Direção-Geral de Saúde?

A Direção-Geral de Saúde (DGS) aconselha todas as pessoas que viagem para o Médio Oriente ou Coreia do Norte a seguirem as normas de higiene, como lavar as mãos com frequência, e a evitarem o contacto tanto com pessoas como com animais doentes. Devem ainda evitar o consumo de produtos crus ou mal cozinhados e procurar um médico assim que surjam os primeiros sintomas de febre, tosse ou dificuldade respiratória.

“Os viajantes que regressarem, há menos de 14 dias, de um país do Médio Oriente, da Coreia do Sul ou de outra região que apresente transmissão ativa de Síndrome Respiratória do Médio Oriente, e que surjam com febre, tosse ou dificuldade respiratória, devem contactar a Saúde 24 (808 24 24 24), referindo sempre o local para onde viajaram.”

A infeção pelo vírus MERS-CoV só pode ser confirmada com uma análise laboratorial, mas a DGS elabora recomendações para os médicos em relação aos doentes que apresentem sintomas que possam corresponder à doença. “O profissional que detete um aso suspeito deve de imediato contactar a Linha de Apoio ao Médico (300 015 015), da Direção Geral da Saúde (DGS) para validação da suspeição. O caso suspeito que é validado pela Linha de Apoio ao Médico passa a caso provável.”

“Todos os contactos próximos de casos prováveis e confirmados devem ser identificados (e registados) e posteriormente monitorizados para o aparecimento de sintomas até 14 dias após a última exposição com o caso confirmado de MERS“, refere a DGS. Não considerando necessário a quarentena ou isolamento de contactos assintomáticos (sem sintomas).

“Um contacto próximo é definido como um profissional de saúde ou membro da família que prestou cuidados diretos a um doente com MERS-CoV ou pessoa que tenha tido um contacto, superior a 15 minutos, face-a-face, sem Equipamento de Proteção Individual (EPI), com um caso confirmado sintomático em qualquer ambiente fechado.”

Atualizado: dia 30 de junho, às 15h40

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Como surgiu o surto na Coreia do Sul?

O surto de MERS na Coreia do Sul é o maior surto da doença fora do Médio Oriente. Embora tenha tido origem num único indivíduo, já se contabilizaram 165 casos na Coreia do Sul e um na China e 24 mortos – dados de 19 de junho da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Um coreano de 68 anos chegou a Seul, na Coreia do Sul, a 4 de maio depois de uma visita ao Médio Oriente que se iniciou a 18 de abril e na qual percorreu quatro países. Os primeiros sintomas, semelhantes aos de uma gripe, surgiram no dia 11 de maio, e o homem esteve em quatro clínicas diferentes até lhe ser diagnosticado MERS no dia 20 de maio.

Todas as pessoas infetadas tiveram contacto direto ou indireto com o homem de 68 anos, eram familiares, profissionais de saúde ou outros pacientes das clínicas que frequentou.

https://twitter.com/JonathanVicent/status/609432888921169921

Como o vírus não se transmite facilmente entre pessoas, as medidas de contenção do surto aplicadas pelas autoridades sul-coreanas têm-se mostrado eficazes e já foram elogiada pela OMS.

Todas as pessoas que tiveram contacto direto com o homem doente ou os segundos contactos (pessoas em contacto com as pessoas que ele teve em contacto) foram identificadas e monitorizadas durante 14 dias (período de incubação). Todos aqueles que apresentaram sintomas foram colocados em isolamento, mas todos os novos casos fazem parte da lista de contactos já identificada.

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Quando haverá razão para alarme?

Daquilo que se conhece do vírus MERS-CoV a principal fonte de contágio dos humanos parecem ser os dromedários. Mas são os morcegos que se acredita serem o reservatório do vírus, embora não haja evidência até ao momento de que tenham infetado diretamente humanos.

Numa publicação recente na revista científica Journal of Virology, a equipa liderada por Fang Li, professor associado na Faculdade de Medicina da Universidade do Minnesota (nos Estados Unidos), encontrou duas mutações nos vírus dos morcegos que podem permitir a infeção direta de humanos.

Não sendo um vírus humano, o MERS-CoV tem dificuldade em passar de humano para humano, mas uma mutação neste vírus pode torná-lo mais eficaz a cumprir essa missão. E as taxas de mutação são altas nos coronavírus.

Por enquanto, as análises aos genes do vírus do surto sul-coreano mostraram que o vírus não difere significativamente do vírus do Médio Oriente, refere a Organização Mundial de Saúde (OMS), daí que o comportamento de contágio continue a ser sobretudo em contexto hospitalar.

A OMS lembra que a MERS é uma doença relativamente recente e que ainda há muito para descobrir sobre a epidemiologia (ocorrência, distribuição e controlo), modos de transmissão, história natural e evolução, e condicionantes clínicas.

Uma revisão da literatura científica coordenada por Stanley Perlman, investigador no Departamento de Microbiologia da Universidade do Iowa (nos Estados Unidos), e publicada na The Lancet, aponta duas dificuldades principais. Por um lado, as questões culturais e religiosas no Médio Oriente impedem a recolha de tecidos humanos para análise. Por outro, os investigadores ainda não conseguira encontrar um modelo animal no qual o vírus se comporte como nos humanos para se poder estabelecer uma comparação.