- Por que razão José Socrates foi libertado?
- Qual a razão para este timing na libertação de Sócrates?
- O Ministério Público ainda tem a obrigação de terminar a investigação até 21 de Novembro?
- A libertação de Sócrates significa que o fim da investigação está próximo?
- As investigações a José Sócrates podem continuar, apesar de uma eventual acusação?
- José Sócrates tem sido prejudicado ou beneficado por ser um ex-primeiro-ministro?
- Existem indícios de que este processo é um processo político, como José Sócrates afirmou?
- As relações entre o poder político e o poder judicial podem mudar?
Explicador
- Por que razão José Socrates foi libertado?
- Qual a razão para este timing na libertação de Sócrates?
- O Ministério Público ainda tem a obrigação de terminar a investigação até 21 de Novembro?
- A libertação de Sócrates significa que o fim da investigação está próximo?
- As investigações a José Sócrates podem continuar, apesar de uma eventual acusação?
- José Sócrates tem sido prejudicado ou beneficado por ser um ex-primeiro-ministro?
- Existem indícios de que este processo é um processo político, como José Sócrates afirmou?
- As relações entre o poder político e o poder judicial podem mudar?
Explicador
Por que razão José Socrates foi libertado?
Porque já não existe perigo de continuidade da actividade criminosa, perigo de fuga e perigo de perturbação de inquérito. Segundo os comunicados da Procuradoria-Geral da República (PGR), eram estas as razões que levaram o procurador-geral adjunto Rosário Teixeira a requerer ao Tribunal Central de Investigação e Ação Penal a prisão preventiva em novembro de 2014 de José Sócrates.
Aquando da revisão da medida de coação em 4 de setembro que levou Sócrates a sair da prisão de Évora para a situação de prisão domiciliária em Lisboa, o Ministério Público já tinha deixado cair as duas primeiras condições para a manutenção da prisão preventiva, falando apenas no perigo de perturbação de inquérito. No entanto, referia o comunicado da PGR, mesmo esse perigo já tinha diminuído “face à prova reunida desde a última reapreciação”, que reforça “a consolidação dos indícios”.
Segundo o Código de Processo Penal, os arguidos só podem ser alvo de medidas de coação privativas da sua liberdade no caso de perigo de fuga, perigo de destruição de prova, perigo de perturbação de inquérito ou perigo de continuidade da actividade criminosa. Quando já não se justifica nenhuma destas condições, nenhum cidadão pode continuar preso.
Por isso mesmo, o MP promoveu a libertação de José Sócrates (e de Carlos Santos Silva), tendo o juiz Carlos Alexandre concordado e dado a respetiva ordem.
Qual a razão para este timing na libertação de Sócrates?
O fim do segredo de justiça por ordem do Tribunal da Relação de Lisboa foi decisivo. Sendo o processo público e acessível aos arguidos, assistentes e a quem manifeste interesse legítimo em aceder ao mesmo, não fazia sentido manter José Sócrates (e também Carlos Santos Silva) em prisão domiciliária.
A partir do momento em que o Ministério Público acata a decisão da Relação de Lisboa de permitir o acesso aos autos por parte dos arguidos, só lhe restava uma saída: promover a liberdade de José Sócrates e de Santos Silva. Foi o que aconteceu.
O procurador-geral adjunto Rosário Teixeira discorda em absoluto da decisão tomada pelo coletivo liderado pelo desembargador Rui Rangel, mas nada podia fazer face ao facto da decisão ser irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça – apenas é possível solicitar a intervenção do Tribunal Constitucional, mas sem efeito suspensivo. Por isso mesmo o comunicado da PGR sobre a libertação de José Sócrates faz questão de referir a cessação do segredo de justiça “na forma” como “foi imposta” pela Relação de Lisboa.
Se o segredo de justiça se mantivesse, o fim da prisão domiciliária de José Sócrates só se colocaria com o despacho de encerramento de inquérito, isto é, com o final da investigação que teria de terminar até ao dia 21 de novembro – um ano depois da detenção para interrogatório e constituição de arguido de Sócrates e dos restantes arguidos, como a lei determina.
O Ministério Público ainda tem a obrigação de terminar a investigação até 21 de Novembro?
A partir do momento em que nenhum arguido está sob regime prisão preventiva (Armando Vara já recebeu ordem de libertação mas ainda tem de depositar o valor da caução ordenada pelo juiz Carlos Alexandre), a investigação deixa de ter o prazo legal de um ano após a detenção para terminar a investigação. Nesse sentido, o procurador-geral adjunto Rosário Teixeira tem uma maior liberdade de ação.
O problema, contudo, é mais político do que judicial. Este processo não é um processo normal. É um processo histórico para a justiça portuguesa em que pela primeira vez um ex-primeiro-ministro foi detido para interrogatório, esteve em prisão preventiva e domiciliária durante 11 meses e a quem são imputados crimes graves como corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Por tudo isto, existe uma grande pressão sobre o Ministério Público para terminar a investigação até à data (agora simbólica) de 21 de Novembro. Não será só o procurador-geral adjunto Rosário Teixeira que ficará em má posição caso isso não aconteça. Os próprios Amadeu Guerra, director do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, e a procuradora-geral Joana Marques Vidal serão provavelmente criticados pela opinião pública.
Tais críticas só se agravarão se o Ministério Público decidir arquivar as suspeitas imputadas a José Sócrates – uma hipótese que provocaria um terramoto na justiça portuguesa e mudaria para sempre a relação entre o poder político e o poder judicial.
A libertação de Sócrates significa que o fim da investigação está próximo?
Essa é a ‘pergunta de um milhão de dólares’ neste momento. O comunicado da PGR não é totalmente claro. Por um lado, podemos ler que
O Ministério Público considera que se mostram consolidados os indícios recolhidos nos autos, bem como a integração jurídica dos factos imputados”.
Em ‘juridiquês’, significa isto que o procurador-geral adjunto Rosário Teixeira entende que já recolheu a prova essencial e está convicto de que os arguidos terão praticado os crimes que lhe são imputados. Logo, poderíamos dizer que sim, o despacho de encerramento de inquérito está próximo.
Mas, mais adiante no mesmo comunicado, podemos ler o seguinte:
Cessando o segredo de justiça interno, na forma que foi imposta, o que implica o acesso de todos os arguidos aos autos, subsiste a necessidade de conformação de versões e justificações dos arguidos, bem como a possibilidade de conformar fatos desenvolvidos noutros países.”
Ou seja, a investigação terá de realizar mais diligências para verificar as versões dos arguidos, eventualmente voltando a chamá-los para cruzar as diferentes versões que apresentaram. Não se trata de acareações, já que estas só são habituais na fase de julgamento – e não na fase de inquérito.
É de notar que a PGR faz questão de referir que algumas dessas situações sob suspeita terão ocorrido noutros países, o que poderá obrigar a recorrer novamente à cooperação judiciária internacional. Se for o caso, a duração do inquérito iria certamente além de 21 de novembro.
As investigações a José Sócrates podem continuar, apesar de uma eventual acusação?
É uma forte hipótese. Em primeiro lugar, porque um despacho de encerramento de inquérito em tempo útil, na perspectiva da procuradora-geral da República, não é compatível com uma investigação exaustiva de todas as suspeitas que constam dos autos.
Por isso mesmo, o procurador-geral adjunto Rosário Teixeira poderá circunscrever uma eventual acusação às suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Isto é, ao património financeiro e imobiliário em nome de Carlos Santos Silva que o Ministério Público diz ter provas de que pertence realmente a José Sócrates. As suspeitas de corrupção que recaem sobre o ex-primeiro-ministro, e que explicarão a origem dos bens e das contas bancárias de Santos Silva, poderão ser outro ponto central de uma eventual acusação.
As restantes suspeitas poderão ser alvo de certidões. Isto é, os indícios serão desentranhados dos autos deste processo principal e transportados para novos inquéritos que voltarão a ficar sob segredo de justiça. No despacho de encerramento de inquérito ficará claro quais os indícios que serão alvo dessas certidões.
O despacho de encerramento de inquérito serve precisamente para os arguidos serem informados de que indícios foram alvo de arquivamento, quais os que levaram à extração de certidão e qual a acusação que foi deduzida pelo Ministério Público (MP).
A fase seguinte poderá ser a de instrução (que só existe a pedido dos acusados e onde estes contestam os argumentos do MP para impedir um julgamento) ou a de julgamento (onde a acusação do MP será escrutinada por um juiz ou por um coletivo de juizes e onde os arguidos terão oportunidade de defender-se antes da decisão final de absolvição ou condenação).
José Sócrates tem sido prejudicado ou beneficado por ser um ex-primeiro-ministro?
A resposta a esta pergunta obriga a olhar de uma forma mais genérica para o processo penal. Nos processos relativos à criminalidade económico-financeira mais complexa, é normal o titular da ação penal (o Ministério Público) e as polícias de investigação criminal (a Polícia Judiciária, por exemplo) realizarem diligências que têm como objetivo apreender prova essencial para os autos (como documentos, por exemplo) e deter suspeitos para os constituir como arguidos e interrogá-los.
A surpresa é um fator essencial para o sucesso das investigações, sendo por isso fundamental isolar os arguidos, impedi-los de comunicar uns com os outros, de destruir outra prova que ainda tenha sido apreendida e de perturbar testemunhas que ajudem na descoberta da verdade.
Quer as buscas, quer o primeiro interrogatório após a detenção (e ainda a eventual prisão preventiva dos arguidos) apenas se verificam com a autorização de um juiz de instrução criminal, que tem como objetivo garantir a legalidade de todas essas diligências e zelar pelas liberdades e garantias dos cidadãos detidos.
Após uma eventual ordem de prisão preventiva dada por um juiz de instrução criminal, a mesma é reavaliada de três em três meses através de promoções do Ministério Público (sobre a sua manutenção ou alteração) e de uma decisão final do juiz de instrução criminal.
Nesta medida, José Sócrates e os restantes arguidos da Operação Marquês tiveram um tratamento igual aos de muitos outros arguidos na mesma situação e em processos semelhantes.
Existem indícios de que este processo é um processo político, como José Sócrates afirmou?
A resposta é negativa. A manutenção de José Sócrates (e dos restantes arguidos) em prisão preventiva foi escrutinada por diversos tribunais superiores. A defesa do ex-primeiro-ministro, e as defesas dos restantes arguidos, interpuseram inúmeros recursos nos tribunais superiores e perderam a esmagadora maioria dos mesmos. Desde o Tribunal da Relação de Lisboa, passando pelo Supremo Tribunal de Justiça e acabando no Tribunal Constitucional, as decisões do juiz Carlos Alexandre na sequência das promoções do procurador Rosário Teixeira foram consideradas com estando conforme a lei.
Isto é, diferentes juízes de diferentes tribunais analisaram os indícios recolhidos pelo Ministério Público e consideraram as mesmas plausíveis e dentro da lei.
A primeira vitória da defesa de José Sócrates aconteceu apenas no dia 24 de setembro quando foi conhecida a decisão do coletivo liderado pelo desembargador Rui Rangel de acabar com o segredo de justiça interno. Uma vitória que acabou por conduzir à libertação de José Sócrates, é certo – mas foi a primeira 10 meses depois da prisão do ex-líder do PS.
Outra questão reside no conteúdo dos autos – que fazem com que sejam muito sensíveis do ponto de vista político, nomeadamente para o PS.
Em primeiro lugar, porque as suspeitas criminais conhecidas recaem sobre parte do mandato de José Sócrates como primeiro-ministro, nomeadamente sobre investimentos públicos que sempre foram polémicos e a imagem de marca dos governos de Sócrates: as parcerias público-privadas rodoviárias e os investimentos realizados na renovação das escolas através da Parque Escolar.
Por outro lado, José Sócrates terá estado sob escuta telefónica entre 2013 e 2014 – anos em que esteve muito ativo politicamente, como comentador político mas também como militante do PS e em confronto com António José Seguro.
As relações entre o poder político e o poder judicial podem mudar?
Em parte, a resposta pode depender do resultado final do processo. É o grande risco de um processo como este – e o grande receio de alguns setores das magistraturas.
Começando pelo óbvio: um eventual arquivamento total das suspeitas imputadas a José Sócrates provocará uma forte tensão entre o poder político e o poder judicial, independentemente dos partidos que estiverem no governo. A opinião pública questionará por que razão um ex-primeiro-ministro esteve detido durante 11 meses se, no final da investigação, o próprio Ministério Público (MP) arquiva as suspeitas.
As consequências também não seriam menos óbvias: a procuradora-geral Joana Marques Vidal ficaria numa situação muito difícil perante o Presidente da República (que nomeia o PGR) e o Governo (que indica o nome ao PR). E a tentação do poder político de fiscalizar de forma mais apertada as magistraturas, diminuindo a autonomia do MP e aumentando a sua presença no Governo da magistratura judicial, seria maior. Bastaria, para tal, alterar no Parlamento as principais leis que regem o governo financeiro e orgânico das magistraturas.
Uma eventual acusação, que é ainda o cenário mais provável, passará esse teste para a fase de instrução criminal e para um eventual julgamento.
Uma eventual absolvição de José Sócrates em todos os crimes que lhe sejam imputados em sede de acusação por parte do Ministério Público, aumenta novamente os riscos de um futuro conflito entre o poder político e judicial.
Só uma condenação total ou parcial do ex-primeiro-ministro poderá fazer com que a pressão sobre o poder judicial se reduza.