Carregada de sarcasmo, uma publicação posta a circular nas redes sociais recupera o principal alvo das teorias da conspiração mais partilhadas nos últimos anos — Bill Gates e a sua pretensa responsabilidade na pandemia de Covid-19 e numa série de outros problemas mundiais —, desta feita com o foco na recente crise de abastecimento de leite em pó nos Estados Unidos.

“Bill Gates é espantoso. Lança o leite materno artificial justamente quando a escassez de leite em pó atinge a América; é o maior inventor de vacinas e há uma pandemia; é o maior proprietário de terras na América e há uma crise alimentar. É como se fosse clarividente”, pode ler-se no post, que tem sido partilhado nas últimas semanas, a reboque das notícias que dão conta de ruturas de stock sem precedentes no leite em pó infantil nos Estados Unidos.

Como o Observador já tinha explicado num outro Fact Check, a propósito de publicações que responsabilizavam a ajuda humanitária à Ucrânia pela escassez deste produto em grande parte do país, na origem desta rutura de stocks estiveram problemas na cadeia de distribuição que remontam à pandemia e que foram exacerbados, em fevereiro, com o encerramento de uma das duas fábricas da Abbott Nutrition, a maior produtora de leite em pó nos EUA.

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Agora que a acusação é outra — a escassez teria sido de alguma forma provocada por Bill Gates, de forma a defender os seus interesses na indústria do “leite materno artificial” —, e independentemente de a resposta final ser a mesma, importa perceber que investimento é este a que aludem os posts.

É verdade que o fundador da Microsoft, através do fundo de investimento Breakthrough Energy Ventures, é um dos principais investidores da Biomilq, uma startup biotecnológica que tenciona produzir uma alternativa sintética ao leite materno.

Como explicou o site Green Queen em outubro do ano passado, a startup, com sede na Carolina do Norte e fundada exclusivamente por mulheres, quer, por meio de “tecnologia própria, baseada na agricultura celular”, criar uma alternativa ao leite em pó. Mas ainda está longe da fase de produção, pelo que não faria muito sentido que Bill Gates provocasse uma crise de abastecimento num momento em que a Biomilq nem sequer tem produto para vender.

“A Biomilq está em fase de investigação e desenvolvimento, por isso não temos fábrica nem um produto no mercado. Esperamos tê-lo dentro de quatro ou cinco anos”, explicou um porta-voz da startup, em que empresas como a Blue Horizon, a Spero Ventures e a Digitalis Ventures também investiram.

Sobre as outras alegações da publicação de Facebook, o Observador também já se debruçou previamente e em várias ocasiões, como aqui e aqui, sempre com a mesma conclusão: não existem quaisquer evidências de qualquer intervenção de Bill Gates na origem da pandemia de Covid-19.

Conclusão

Não é verdade que Bill Gates seja o responsável pela atual escassez de leite em pó infantil nos Estados Unidos, que resulta, sim, de constrangimentos na cadeia de abastecimento (que já remontam à pandemia) combinados com o encerramento, em fevereiro, de uma das duas fábricas da Abbott Nutrition, a maior produtora do país.

Apesar de ser um dos principais investidores da Biomilq, uma startup que tenciona produzir leite materno sintético, Bill Gates não teria qualquer vantagem em provocar uma crise na cadeia de abastecimento de leite em pó. Até porque a biotecnológica está ainda em fase de investigação e desenvolvimento, não tem qualquer fábrica ou unidade de produção em funcionamento e não estima lançar o seu produto no mercado antes de 2026 ou 2027.

Apesar de não acusar diretamente o fundador da Microsoft de ter provocado o problema, o objetivo desta publicação é claramente o de insinuar o seu pretenso interesse nesse cenário e uma suposta causa-efeito que não se verifica.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook

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